The Surviver 2 escrita por NDeggau


Capítulo 6
Capítulo 5 — Escapando




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Escapando

TATEEI AS PAREDES NA ESCURIDÃO, andando com o máximo de silêncio possível. Encontrei a garagem e subi no Troller cor de areia, jogando minha pesada mochila no banco de carona.

Encontrei a chave dentro do porta-luvas e dei partida, sem acender os faróis.

Havia caminhado meia hora pelo deserto até a pequena gruta onde guardávamos os carros.

Engatei a ré no Troller e comecei a dirigir rumo à cidade.

Sim, eu tinha fugido. Coloquei todas as coisas necessárias dentro da minha velha mochila vermelha, vesti meu moletom azul e enrolei as mangas nos cotovelos, escapei na escuridão dos túneis e corri até os carros.

Eu não iria esperar. Não mais.

Dirigi a noite toda pela trilha especial coberta de areia, e cheguei à autoestrada pouco antes do nascer do sol.

Quando os primeiros raios alaranjados brilharam no horizonte, eu estava a caminho de Tucson.

Sozinha.

Era loucura, mas eu não tinha outra escolha.

Claro que eu podia ter trazido meu pai junto, ou Lola, mas não queria correr de risco de perder mais alguém.

Assim que a luz era suficiente, estacionei para conseguir colocar as lentes.

Era um pouco assustador ver meus olhos mais uma vez circulados pela delgada auréola prateada, mas era um preço baixo comparado ao que eu ganharia se tivesse sucesso.

Acelerei para conseguir avançar um sinal antes que fechasse e virei à esquina. Estacionei em frente a um hotel luxuoso e entrei carregando minha mochila. Uma Alma vestindo o corpo de um homem negro e elegante sorriu de trás do balcão para mim. Aproximei-me, projetando meu melhor sorriso no rosto.

—Bom dia. —A voz dele soava extremamente gentil. —Posso ajuda-la?

—Meu nome é Bruma. —Tentei fazer minha voz soar tranquila. —Eu gostaria de alugar um quarto... Na cobertura, se possível.

—Bruma. —Ele sorriu. —Planeta dos Pássaros de Gelo?

Sorri e assenti.

—Duas vidas. —Concordei.

—Meu nome é Cristais Gelados. Também venho do planeta dos Pássaros de Gelo.

—É mesmo? —Meu sorriso quase desmanchou. —Gostava de lá?

—Não o suficiente para permanecer.

—Bem, entendo. —Abri mais o sorriso. —Mas eu ainda gosto muito de altura.

—Claro. Não tem como não gostar. Vou fazer o possível para conseguir a cobertura para você, Bruma.

—Obrigada.

Ele começou a digitar, vendo quais quartos estavam vagos.

—Qual seu chamado, Bruma?

—Meu chamado? —Continuei sorrindo enquanto pensava. —Trabalho em uma loja de roupas em Seattle.

Ele sorriu. Sorri de volta.

—Gosta desse chamado?

—Ah, claro. Todos nós precisamos ocupar algum lugar em nossa sociedade, não é?

—Você está certa. —Ele concordou. —O que seria dos compradores se não tivesse alguém como você para ajudar?

—E o que seria dos visitantes se você não os indicasse os quartos?

Sorrimos um para o outro.

—Quantos anos terrestres você tem?

—Quatro anos. —Respondi.

—Quais lugares você já visitou, além de Tucson e Seattle?

Ah, droga.

—Bem, fiz um passeio pela Florida e Washington.

—De qual mais gosta?

—Seattle. Tenho um pequeno apartamento. Na cobertura. É impossível para eu viver longe de altura.

—Engraçado. Eu vivi no Planeta dos Pássaros de Gelo, mas prefiro viver no chão.

—Talvez seja o corpo.

Ele assentiu.

—Talvez.

Dei um sorriso encorajador e fingi me ocupar com algo dentro da minha bolsa.

—Boas notícias, Bruma. Você conseguiu a cobertura. Apartamento número 1002.

Sorri e apanhei as chaves da mão dele.

—Muito obrigada, Cristais Gelados.

—Se precisar de alguma coisa, ligue para a recepção. É só discar o zero.

—Eu o farei, obrigada.

—Foi um prazer conversar com você.

—Posso dizer o mesmo. —Menti.

Entrei no elevador e subi até o décimo andar. Caminhei pelo corredor até o quarto número 1002. Havia uma cama king-size, uma televisão enorme, frigobar cheio de coisas, uma enorme varanda ao ar livre, uma banheira de hidromassagem e poltrona de massagem. As paredes eram lilás e um macio cobertor branco estava dobrado com cuidado sobre a cama. Toalhinhas felpudas enroladas, shampoos com essência de rosa, um lustrado e grande espelho. Comida de sobra. Conforto o dia inteiro. Ar-condicionado.

—Eu poderia ficar aqui minha vida inteira. —Pensei alto.

Mas não podia.

Joguei todo o conteúdo da mochila sobre a cama. Separei as cinco mudas de roupa, o par extra de tênis e os objetos de higiene.

Então organizei as facas, canivetes, os itens necessários para me disfarçar, os frascos de medicamento, a Gold Combat II Modificada e as munições, avaliando se não havia esquecido nada.

Espalhei as facas em pontos estratégicos do quarto: debaixo da cama, no armário da pia, em um compartimento do frigobar e debaixo do sofá da varanda. A quinta faca foi presa no meu coturno.

No meu quadril, a Gold Combat se firmou no suporte. Algumas balas extras no bolso interno da minha calça, que costurei com zelo nas cavernas. Um frasco de Adormecer preso junto com a arma.

Peguei uma caixa de tinta de cabelo que sai com água. Era castanho escuro, o oposto do ruivo vermelho-enferrujado com mechas douradas que era a cor natural do meu cabelo.

Segui o passo-a-passo da caixinha e lavei o cabelo. Sequei-o com o secador portátil do hotel e avaliei o resultado.

Não era eu. Sorri, mantendo uma expressão doce no rosto. Ninguém me reconheceria.

Prendi meu novo cabelo com um prendedor e tirei a camisa de linho que vestia. Vesti uma camiseta branca e peguei uma tesoura.

Fui até a frente do espelho e cortei minha franja na altura das sobrancelhas, facilitando minha visão. Ela estava tão comprida que roçava o queixo. A última vez que havia cortado meu cabelo foi quando minha mãe chegou às cavernas.

Ajeitei as lentes e me encarei.

Eu estava pronta.

Usando as escadas, desci todos os andares sempre fugindo das câmeras. Saí pela porta dos fundos e pelo estacionamento. Cruzei uma esquina, entrei num beco e saí na rua paralela a do hotel.

Caminhei até o centro de inserção, ao lado do hospital. As paredes brancas, o chão branco, as luzes brancas, tudo tão branco dava a ilusão de adentrar um manicômio. Talvez fosse algo parecido.

Havia salas com paredes de vidro onde as Almas recém-chegadas tentavam se adaptar com o novo corpo. Passei por salas com plaquinhas prateadas indicando nomes de Confortadores. Continuei caminhando, até as últimas portas, para onde os corpos – sejam de crianças ou adultos – eram levados para que a inserção fosse realizada.

Atravessei as portas devagar, sem chamar a atenção das Almas que trabalhavam ali. Com minha calça social bege e a camiseta branca, eu me mesclava aos Curandeiros e assistentes.

Esperei até que uma leva de Curandeiros se dissipasse antes de entrar na sala com os corpos.

Com cuidado, ergui os lençóis um a um, relevando os rostos.

Existiam muitos corpos de crianças, todos sedados, e meu coração apertava cada vez que eu tinha que largar o lençol e continuar procurando.

Um deles uma vez foi Alice. Um deles fui eu.

Dos treze corpos que havia ali dentro, apenas dois eram de jovens.

Uma bonita garota morena com a pele escura e cabelos lisos.

E um cara de cabelos castanho-claros.

Nenhum era Jamie. Ele não estava ali.

O que significava que já tinha um parasita implantado no cérebro dele. Eu rezava para que ele conquistasse o controle e voltasse logo para casa.

Dei as costas e voltei todo meu trajeto. Passos arrastados e em vão. Meu cérebro raciocinava com velocidade, repassando todos os lugares que Jamie poderia estar. Eram tantos.

Saí do hospital em silêncio, e remexi no suporte, verificando se a Gold Combat ainda estava ali.

Estava.

Caminhei rapidamente até a praça, passei ao lado do shopping e os centros de comunicação e busca dos Buscadores. Chutei uma pedra, e recebi alguns olhares estranhos das Almas puras que passavam por mim.

Eu tinha vontade de arrancar a Gold Combat e acertar a cabeça de todas elas, mas apenas apertei os punhos.

Entrei no shopping, indo direto até uma loja de roupas. Como era tudo de graça nesse novo mundo, eu precisava de um grande estoque de disfarces. “Comprei” uma camisa de seda branca e outra azul clara, de tecido. Duas calças, uma jeans e uma social, ambas claras. Sapatos tipo boneca e um par de saltos não muito altos. Um casaquinho de linha leve que a Alma vendedora chamou de cardigã. Não paguei nada e saí da loja com muitos sorrisos.

Passei em mais algumas lojas, fazendo perguntas aleatórias sobre inserções recentes.

—Meu parceiro trabalha no centro de inserção. —Respondeu a quinta pessoa a qual perguntei, Estrelas da Noite. —Estão com dificuldade de obter novos corpos.

—Que tragédia. —Comentei. —Qual o motivo?

—Você conhece o modo de reprodução dessa espécie, Sol Poente? —Esse era meu novo “nome”.

—Bem, dizem que é complicado. Eu nunca... Presenciei.

—Muitas Almas, como você, não se expõe a essa experiência. Não sei qual o problema, realmente. Enfim, com isso, há poucos bebês, e poucos corpos.

—Entendo.

—Sei que alguns rebeldes foram encontrados. Alguns corpos novos.

Como assim “alguns”?

—Em lugares diferentes. —Continuou Estrelas da Noite. —E teve um muito próximo de nós.

Fiz uma cara de surpresa.

—Humanos? Perto de nós?

—Não há nada a temer. —Disse Estrelas da Noite, tentando me acalmar. —Nossos Buscadores são eficazes.

Dei um sorrisinho.

—Claro. E quanto a esse... Rebelde?

—Foi realizada uma inserção e a nova Alma está em observação dos Confortadores e Buscadores, auxiliados pelos Curandeiros.

Meu estômago revirou.

—Aqui em Tucson?

—Não se preocupe. —Ela sorriu. —Tenho certeza que ficará bem.

—Certamente. Ele ficará muito bem, disso eu tenho certeza.

Agradeci e saí.

Continuei andando.

Eu não fazia ideia para onde deveria ir.

Mas estava indo.

Assim que saí do alcance da visão de Estrelas da Noite, comecei a correr desesperadamente, voltando todo o caminho que percorri, até praticamente me jogar contra as portas do centro de inserção.

Trotei até as portas com plaquinhas de Confortadores. A primeira, em que a Confortadora adotara o nome do corpo, Laurel, se assustou quando abri a porta com demasiada força.

—Posso ajudar?

—Desculpe, Confortadora Laurel. —Sorri docemente. —Mas a senhora confortou alguma Alma nova hoje?

Ela ajeitou os óculos sobre o nariz fino.

—Não, querida, felizmente nenhuma Alma precisou dos meus serviços hoje. E você, quem é?

—Meu nome é Sol Poente. —Menti. —Eu soube que havia uma nova Alma e queria saber se está bem.

—Quanta gentileza da sua parte, Sol Poente! Se eu souber de alguma coisa, aviso você. Trabalha aqui?

—Não. Eu ajudo Almas a encontrarem moradias e se adaptarem socialmente aqui na Terra.

—Que chamado maravilhoso. Não se preocupe, irei mantê-la informada.

—Obrigada.

Sorri mais uma vez antes de fechar a porta e apressar o passo até a próxima porta de Confortador.

A história se repetiu algumas vezes, e ouvi apenas “Como é gentil”; “Eu prometo lhe ajudar”; e o pior de todos “Nenhuma Alma nova passou por aqui”.

Havia mais duas portas: A Confortadora Ventos Uivantes e o Confortador Thomas.

Abri a porta de Thomas desanimada, e ele me recebeu com um sorriso.

—Em que posso ajuda-la?

—Meu nome é Sol Poente. —Aquilo já estava se tornando chato. —Eu ajudo Almas a encontrarem moradias e gostaria de saber se alguma nova Alma lhe foi trazida hoje.

Thomas pensou por um segundo.

—Tive duas Almas comigo hoje, Sol Poente. Uma delas é um paciente frequente, que tem problemas em se adaptar nesse planeta. —Ele fez uma pausa, esperando por um comentário.

—Que tristeza! —Comentei, sem muita vontade.

—E teve outro, uma Alma jovem, que acabou de ser originada, e tinha um corpo jovem.

Minha esperança faiscou, e tive que me esforçar para não deixar nenhum sinal evidente tomar meu rosto.

—É mesmo?

—O corpo é de um adolescente, e eu acho que pertencia a resistência. Mas, não se preocupe, cuidamos para que nada desse errado.

—E onde ele está?

—Infelizmente, não posso afirmar com certeza. Outra Alma com o mesmo chamado que o seu o buscou mais cedo.

—Como era seu nome? —Eu mal conseguia pronunciar as palavras.

—Ele adotou o nome do hospedeiro. —Ele fez uma pausa, e meu coração parou. —Chama-se Matthew.

Mal tive tempo de agradecer, e praticamente quebrei a porta e corri o mais rápido que pude em direção a saída.

O nome do hospedeiro.

Jamie Matthew Stryder.

Era Jamie, meu Jamie, e eu estava a pouco de resgatá-lo.

Eu estou indo.

Parei abruptamente. Eu precisava de um plano. Não podia simplesmente bater de porta em porta em toda a região e arrastar Jamie – ou o corpo dele – para as cavernas.

Dei meia volta e caminhei no ritmo mais lento que pude até o mercado. Pegue várias coisas duráveis como sopas enlatadas e garrafas de água. Uns pacotes de biscoitos e garrafinhas de chá gelado também. Passei a língua nos lábios, doida para tomar um agora mesmo, mas cerrei os dentes. Jamie precisava de mim.

Comprei também algumas caixas de tinta de cabelo que sai com água. Um tom de loiro escuro e um tom preto. Eu seria muito vista, e precisava me disfarçar. Meu ruivo natural chama muita atenção.

—Pode, por favor, guardar minhas compras enquanto busco meu carro? —Pedi docemente para um atendente.

Ele assentiu.

—Claro.

—Obrigada.

Saí do mercado e corri até um táxi parado ali perto.

—Pode, por favor, me levar para a avenida central?

—Claro. Chegamos num instante.

—Obrigada.

Chegamos à rua, desci e caminhei até a garagem do hotel. Peguei o Troller e voltei ao mercado, busquei minhas compras e retornei ao hotel.

Entrei no elevador carregando as sacolas e apertei o botão da cobertura. Quando a porta abriu, andei até o quarto 1002, escutando meus passos ecoando pelo corredor. Parei na frente da porta. Meus dedos estavam a centímetros de tocar a maçaneta quando paralisei. A maçaneta dourada e brilhante estava coberta por uma substância oleosa.

Suor.

Soltei com cuidado as sacolas no chão. Peguei a Gold Combat, armei o gatilho e chutei a porta para que se abrisse. O quarto estava em silêncio absoluto. Adentrei o quarto, pé ante pé, pronta para atirar em qualquer coisa que se mexesse.

Ouvi a porta sendo fechada, e antes de conseguir me virar, algo pesado acertou minha nuca e desmaiei.

Escutei algumas vozes antes de apagar totalmente.


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