The Surviver 2 escrita por NDeggau


Capítulo 4
Capítulo 3 — Perdendo




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Perdendo

—UM QUARTO PARA CADA CASAL? —Perguntou Melanie.

Jamie assentiu devagar, como se ela tivesse algum retardo mental.

—Não está pensando em amontoar todo mundo na picape, está?

Melanie continuou de cenho franzido.

—Acho que poderíamos ser mais discretos.

—Qual é, Mel. —Insistiu Jamie.

—Não ouse me contrariar, Jamie Matthew Stryder.

Jamie a fuzilou. Coloquei a mão sobre a boca e tossi, disfarçando um sorriso.

—Melanie, eu acho que não tem problema. —Interveio Jared.

Jamie sorriu esnobe, enquanto Melanie bufava.

Caminhamos em direção ao nosso quarto, e pulei nas costas de Jamie. Ele segurou minhas pernas ao redor de sua cintura. Baixei o rosto, até meus lábios roçarem sua orelha.

—Andando, Jamie Matthew Stryder.

—Mel vai me pagar por isso.

Éramos três casais: Jared e Melanie, Ian e Peregrina, Jamie e eu. Havíamos parado em um hotelzinho no subúrbio de uma cidade. Estava tarde demais para voltarmos às cavernas antes do amanhecer. Havia três semanas que estávamos na estrada, buscando mantimentos. Usávamos as lentes que Chris fizera, e deram um ótimo resultado. Ninguém desconfiava. Apenas tínhamos que sorrir e sermos gentis, simpáticos e caridosos.

Era um modo de vida muito irritante. Não tinha graça nenhuma.

Agora, porém, eu poderia desvestir minha fantasia de Bruma e ser eu mesma. Livrei-me da calça de tecido bege e a blusa de linho escuro e os sapatos de salto. Soltei meu rabo de cavalo e lavei a maquiagem. Voltei a ser eu mesma, vestida com meu moletom azul escuro e deitada de bruços na cama, as mãos debaixo do travesseiro.

Escutei a porta do quarto se fechando, e o colchão se mexendo quando Jamie se acomodou no lado dele da cama.

—Conseguimos. —Ele disse. —Vamos embora amanhã.

—Finalmente para casa. —Suspirei aliviada. Por mais que eu gostasse de incursões, de me aventurar entre as Almas mais uma vez, cada retorno as nossas cavernas era uma dádiva. Ainda mais se todos nós voltássemos sãos e salvos.

—Mas eu gosto daqui. —Jamie se aproximou devagar, e senti o calor do seu corpo as minhas costas. —Gosto de ficar com você em um lugar decente.

Sua mão procurou a minha.

—Prefiro as cavernas. —Sussurrei e entrelacei os dedos dele entre os meus.

Senti a leve pressão de seus lábios na ponte dos meus ombros.

—Aqui não é tão ruim. —Ele murmurou.

Seus lábios exploraram meu pescoço.

—Talvez. —Concordo.

Eu me virei para ele e segurei seu rosto, deixando que ele me afundasse no colchão, se debruçando sobre mim. Abri os olhos por um segundo, procurando a imensidão escura de seus olhos. O chocolate, a luz e as sombras.

Porém me empurrei para trás num arquejo.

Quando me deparei com os reflexos prateados.

Jamie ficou sem reação por um segundo, então desviou os olhos.

—Desculpe. —Murmurei. —Eu... Não sei. É muito real, sabe?

Ele assentiu e sorriu de boca fechada, encarando o colchão.

—Por que está sorrindo? É um pouco assustador.

—Você ficou com medo. Por isso se assustou.

—Medo de quê?

—De que eu fosse mesmo uma Alma. —Ele ergueu os olhos para dentro dos meus. —Tem medo de me perder.

Aproximei-me e sentei ao lado dele, dentro de seus braços.

—Claro que eu temo por você.

Jamie sorri abertamente e beija o topo da minha cabeça.

Acomodei-me dentro de seu abraço e fechei os olhos.

Sinto quando ele procura meus lábios novamente.

Abri os olhos e logo os desviei.

—Por favor, Jamie, tire essas lentes. Isso é como um pesadelo.

Ele riu ao meu ouvido e se levantou. Foi até o banheiro e ficou de costas enquanto se olhava no espelho e retirava as lentes, acomodando-as nas caixinhas sobre a pia. Virou novamente para mim e caminhou até deitar-se ao meu lado.

Não me lembro de algum dia ter visto cena mais bonita do que essa, vendo Jamie exatamente como ele era, sem o reflexo, sem a preocupação. Apenas ele, e seu sorriso preguiçoso, seus olhos doces, e seus cabelos macios e negros.

Ele procura meus lábios, demorando-se neles. A explosão é lenta e sufocante, delicada no começo, e se dilatando aos poucos, até aquecer cada célula do meu corpo.

Segurei-o mais perto, enrolando as pernas em sua cintura.

Jamie se afastou para respirar, e tocou a testa na minha.

—Eu gosto dessas lentes. —Ele murmurou.

Toquei meu rosto e depois o dele.

—Acho que vou tirá-las, então.

—Também é uma boa ideia. Seus olhos normais são lindos.

Pressionei os lábios contra os dele e me levantei. Caminhei até o banheiro e fechei a porta com o pé.

Estava lavando o rosto depois de retirar as lentes quando escutei batidas na porta do quarto.

Ia sair do banheiro e atender, mas escutei o ruído da porta do banheiro sendo trancada por fora.

Jamie me trancou.

—Jamie? Que brincadeira é essa?

—Shh. —Foi tão baixo que eu mal ouvi. —Eu te amo, Ash.

—Jamie? O que está acontecendo? Jamie?

—Shh.

Escutei passos dentro do quarto, duas ou três pessoas, e fiquei em silêncio.

Um clarão por baixo da porta, e o inconfundível barulho de uma arma de choque disparando.

—Ele é humano! —Disse uma voz desconhecida.

Meu coração parou.

Eram Buscadores.

Bati na porta com os punhos.

—Levem-no daqui! —Outra voz.

—Devemos mata-lo?

—Claro que não! Inserimos uma Alma dentro dele, é claro. Há muitas Almas e poucos corpos.

—Como ele sobreviveu tanto tempo?

—Apenas leve-o.

Queria gritar, arrombar a porta e matar todos eles, mas só senti as lágrimas transbordando por meus olhos.

—Há mais alguém aí?

Fiquei em silêncio, e tampei a boca com a mão, tentando impedir soluços.

—A chave está do lado de fora. —Observou um deles. —Ninguém está trancado lá.

—Vamos indo.

Eles se afastaram, arrastando algo pesado. Algo arrastado pelo chão como um saco de lixo.

Jamie.

Esperei até eles fecharem a porta e contei três segundos antes de deslizar pela porta e esconder o rosto entre as mãos.

Chutei a porta três vezes até as fechaduras cederem. Corri até o quarto ao lado, entrando sem hesitar. Era o quarto de Jared e Melanie, e ambos me olharam alarmados.

—Vocês estão bem? Um grupo de Buscadores entrou aqui, estavam realizando uma busca. —Disse Jared.

Abri a boca, mas não encontrei voz. As lágrimas borbulharam.

—Ashley?

—Melanie, eu...

Não consegui. Abracei-a e comecei a chorar.

—Onde está Jamie? —Ela perguntou assustada por me ver chorar.

Neguei com a cabeça.

—Eles o levaram, Mel... Eu não consegui... Não consegui impedir... É minha culpa.

Senti quando Melanie começou a tremer junto comigo.

Ficamos muito tempo abraçadas, e nem reparei quando Jared saiu do quarto.

—Vamos atrás dele! —Brandi de repente, me soltando. —Ele não deve estar longe... Temos que resgatá-lo antes que insiram uma Alma nele... Vamos...

—Ashley.

A voz de Ian as minhas costas me silenciou.

Olhei-o por cima do ombro.

Ian estava com as sobrancelhas arqueadas, triste. Ele negou com a cabeça.

—Não posso desistir dele. —Sussurrei.

Ian baixou a cabeça e negou novamente.

—Não posso...

Peg também estava com lágrimas nos olhos, e se abraçou a Melanie.

O clima era como um enterro.

—Ele não pode estar perdido para sempre. —Continuei murmurando, encarando Ian. —Prometi que ficaríamos juntos... Não posso desistir dele... Tenho que resgatá-lo, eu tenho...

Senti as bordas da minha visão escurecendo.

Eu fiquei tonta, e desabei no chão. O piso era frio.

Estava perdendo a consciência.

—Eu não disse que o amava também...

Quando recobrei os sentidos, estava abrigada em braços longos.

Mas franzi as sobrancelhas, não era o calor que eu estava acostumada. Não era o cheiro que eu queria.

Empurrei-me para longe antes mesmo de abrir os olhos.

Ian apertou os braços para me manter onde estava.

—Fique aqui, Ashley.

Abri meus olhos e fiquei momentaneamente cega com a claridade do amanhecer.

—Onde estamos?

—Voltando para as cavernas.

Sentei-me num salto.

—Volte! Temos que voltar! Jamie ficou...

—Ashley. —O tom áspero e ríspido de Jared era inconfundível. —Vamos para as cavernas, planejamos tudo e então voltamos para resgatá-lo.

—Vocês não entendem. Temos que resgatá-lo antes que insiram uma Alma nele.

—Sabemos retirar Almas dos corpos. —Disse Peg, baixinho, ao meu lado.

—Mas eu não quero que uma Alma entre no corpo dele.

Estremeci com a ideia. Não queria que Jamie se sentisse violado e superlotado, vivendo dentro de um corpo que não pode controlar. Ele não merecia passar por isso, não merecia viver a realidade em que o planeta se encontrava agora.

Jamie era bom demais para algo sujo e violento quanto uma inserção.

Apertei os olhos quando as lágrimas ameaçaram.

Odiava chorar, e não o faria na frente de tantas pessoas.

—Mas precisamos voltar... Melanie...

Ela estava olhando para frente, as sobrancelhas franzidas. Estava tão triste quanto eu, dava para perceber.

—Estou tentando fazer o que é sensato, Ashley.

Sensato! Melanie, ele é seu irmão. Jamie, lembra? Não há...

—Eu sei disso. —Ela falou acidamente. —Estou tentando aceitar.

Eu não vou aceitar! —Exclamei. —Vou lutar, e procurar, e conseguir. Assim como sempre fazemos. Qual o problema de vocês?

Ninguém respondeu.

Senti minha pequena esperança minguar até eu dobrar os joelhos na frente do peito e evitar os soluços.

Acho que eu estava em choque, e a verdadeira reação não tinha acontecido.

As poucas coisas quebráveis estavam quebradas. Lola se encolheu em um canto do quarto, me observando com olhos arregalados.

Os nós dos meus dedos estavam sangrando.

Soquei a pedra dura mais uma vez, com toda minha força.

A dor física diminuía a dor psicológica. Porém não era o suficiente.

Ainda doía, como uma agulha em brasa enfiada no peito.

A falta dele não era tão clara até aquele momento, o que doía profundamente.

Eu estava em nosso quarto, cai em nosso colchão, abracei o travesseiro dele. Tinha seu cheiro. O cheiro único e imutável. Era madrugada, e eu não conseguia dormir. Precisava sentir o calor de sua pele contra mim, a segurança do seu abraço ao meu redor.

Abri os olhos com pesar. Estavam grudentos por causa das lágrimas. O quarto estava frio, mesmo com o clima seco e sufocante do deserto. Eu estava sozinha. Senti uma dor forte no peito e respirei fundo. Eu já perdera muitas coisas. Minha família, minha Alma, meu planeta. Agora Jamie. Meu coração estava cansado. Um coração tão jovem não deveria se sentir assim.


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