Loke estava se sentindo cada vez mais claustrofóbico na sala de estar. As paredes pareciam querer se fechar sobre sua cabeça e ele conseguia sentir suas cicatrizes latejarem, como sempre acontecia quando Anjos ficavam nervosos. Andava de um lado para o outro sem parar enquanto Gray seguia seus passos com um olhar distraído e por que não dizer... Indiferente.

─ Você vai deixar o carpete marcado se continuar desse jeito. Acalme-se.

─ Por que? ─ Ele rebateu, com raiva. ─ Só por que você quer destruir a vida da Lucy e contaminá-la com energia demoníaca? Desculpe-me, Gray, mas realmente não consigo me acalmar sabendo disso.

─ Sabe que está sendo imaturo, não sabe? É para o bem dela...

─ O bem dela... ─ Riu com desdém. ─ Até parece que você se importa.

Gray como sempre retirou sua camisa sem ao menos perceber enquanto ia em direção ao seu quarto, a exaustão finalmente vencendo a persistência de manter-se acordado.

─ Tudo bem, ruivinho. Pode ficar reclamando a noite inteira se quiser, mas não espere que eu fique aqui para ouvir. Se está tão preocupado, vá e fique do lado da Wendy enquanto ela a cura. Lucy pode precisar de um Anjo essa noite.

Loke se preparou para responder, provavelmente com algo sarcástico e maldoso, mas se conteve no último segundo. Odiava admitir, mas seu irritante mentor exibicionista estava certo naquele quesito.

Sem nem ao menos hesitar também correu escadas acima, esbarrando no ombro de Gray quando passou por ele. Ao invés de devolver o gesto como normalmente faria, o moreno apenas desviou. Sabia que havia feito coisas demais para irritá-lo naquela noite e não o culpava por estar sentindo tanta raiva.

“Por que simplesmente você não aceita que é para o bem dela?”

Gray mais do que ninguém sabia que ficar longe da energia de seus semelhantes era agonizante quando o espírito não estava pronto para Cair. Pouco tempo depois da sua própria queda e logo antes de encontrar Ur, ele sofria todas as noites com a solidão e os pesadelos. A dor chegava quase ao nível de ser insuportável.

Não desejava isso para ninguém, muito menos para a mais nova moradora celestial da casa. A dor que Lucy sentira anteriormente provavelmente não se comparava a um quarto da que ele já sentiu. A sensação de ter as costas sendo rasgadas era como uma delicada massagem para Gray.

Após aprender a controlar aquela desconfortável sensação, jurou para si mesmo que faria tudo ao seu alcance para proteger qualquer Anjo Caído de sentir a mesma coisa. Se o preço para Lucy ter contato com o máximo de energia celestial possível era enviá-la para a Fairy Tail, ele o faria sem hesitar.

“E você, Loke, faria a mesma coisa se estivesse no meu lugar...”

#♥#

─ Nossa, graças a Zeref você chegou. ─ Wendy suspirou aliviada quando ouviu o Anjo entrar no quarto. ─ Eu já ia chamar um de vocês, não aguento mais... Preciso dormir um pouco.

Ela estava sentada na cama, ao lado dos pés de Lucy, com as costas arqueadas para frente. Tinha os olhos fechados e a respiração ofegante, suas mãos seguravam o lençol com força e seu cabelos azuis estavam completamente bagunçados.

─ Você está bem? ─ Loke perguntou, ligeiramente preocupado.

─ Me diz você...

O corpo dela estremeceu por um segundo e com um evidente esforço, ela levantou a cabeça e abriu os olhos.

─ Ah meu Deus! O que aconteceu? ─ Correu até ela, ajoelhando-se para ficar no mesmo nível da garota. Seus olhos estavam completamente injetados, como se ela estivesse em contato com algo que era alérgica. As pálpebras tremiam levemente, enquanto ela tentava manter-se acordada.

─ Acho que eu cheguei ao meu limite. ─ Ela tentava sorrir para acalmá-lo, mas só conseguia produzir uma careta estranha, que não melhorava em nada sua aparência ─ Fiz o melhor que pude com ela... Mas acho que não dá mais...

Loke acariciou seu rosto gentilmente, sussurrando que ninguém poderia ter feito trabalho melhor e depois, excedendo expectativas, ainda serviu de apoio para ela levantar-se da cama. Ele não deixava de murmurar coisas tranquilizadoras enquanto também dizia que ficaria ao lado de Lucy a partir daquele momento.

A azulada apenas sorriu ao escutar aquilo. Por mais que não quisesse admitir, precisava daquele descanso mais do que um ser humano necessitava de oxigênio. Ela não esperou um segundo convite para sair cambaleando na direção do quarto vizinho, fechando a porta atrás de si com mais força do que o necessário.

Enquanto isso ocorria, a mente de Lucy parecia lutar para voltar para a realidade. Por mais que dissesse a si mesma que os pesadelos não eram nada, seu próprio subconsciente parecia querer livrá-la deles, fazendo-a despertar o mais rápido possível.

Percebendo que não estava sozinha no quarto, logo abriu os olhos para a escuridão.

― Loke-kun? O que está fazendo aqui? ─ Perguntou hesitante. Seu olhar estava um pouco confuso quando encontrou seu rosto.

─ O que parece que eu estou fazendo? Cuidando de você, é claro.

─ Você deveria parar de fazer isso. ─ Ela murmurou, sorrindo. ─ Ou eu posso acabar gostando disso ou me acostumando.

─ Estou contando com isso, meu Anjo...

Por alguns segundos após o diálogo, ambos ficaram em silêncio, apenas deixando suas auras se reconhecerem. Ela sentiu a energia guerreira dele, que imediatamente lhe lembrou de seu pai, Gabriel. Enquanto a Anja sorria docemente, os olhos dele estavam pregados nos dela.

Supirando, Loke quebrou o silêncio:

─ Só quis ver se você estava bem... ─ Lentamente sua alegria foi sendo substituído por uma face preocupada. ─ Acho melhor você voltar a descansar agora. Amanhã você vai ter um longo dia

Lucy imediatamente percebeu a mudança de humor do ruivo.

─ Eu escutei algo sobe isso enquanto estava dormindo, mas não consegui entender muita coisa... Fairy Tail, não é?

Ele a olhou, com um sorriso triste nos lábios.

─ Desculpe não conseguir impedir, Anjo. ─ Ele acariciou gentilmente seu rosto, mostrando como se importava. ─ O Gray sempre foi meio impulsivo quando tem uma ideia na cabeça.

─ Acho que seria bom eu conhecer os humanos... Quer dizer, se a Terra agora é meu lar, acho que seria bom conviver com seus habitantes. Fairy Tail é apenas uma escola, não é?

─ Para todos os efeitos, sim... Mas...

─ Então não pode ser tão assustadora assim. ─ Loke conseguia enxergar a determinação e ao mesmo tempo o medo nos olhos dela. Queria aparentar ser confiante, mas a dúvida parecia dilacerá-la por dentro. ─ Eu vou ficar bem se vocês estiverem do meu lado, não vou?

─ Ainda tem alguma dúvida sobre isso? É claro!

Abrindo novamente se melhor sorriso ao escutar aquela confirmação, ela jogou os braços em volta de seu pescoço, pegando-o de surpresa quando o puxou para um abraço demorado.

Eram como um protetor e sua protegida.

Ele beijou o topo de sua testa suavemente desejando boa noite, mas antes que pudesse se afastar sentiu a mão fria de Lucy puxando-o de volta.

─ Etto, Loke-kun... Só consegui dormir antes por que a Wendy me fez usar parte da minha energia para ajudar no processo de cura e acho que também exagerei nessa parte. Não quero voltar para aqueles pesadelos... É humilhante demais. ─ Ela abaixou a cabeça para que ele não pudesse ver o medo em seus olhos. ─ Será que você pode... Sabe...

Ele apenas riu após entender seu pedido e nem ao menos hesitou para responder:

─ Chega para lá, Lucy. ─ Ele se deita ao seu lado e espera pacientemente até ela se acomodar em seu peito. Quando a Caída finalmente fecha os olhos, ele começa a acariciar seus cabelos, como se para demonstrar que ainda estava ao seu lado.

Ele suspirou uma única frase enquanto também se entregava ao cansaço:

─ Acho que estou me transformando em seu Anjo da guarda, loirinha...

#♥#

─ Acha que já está na hora de acordá-la? ─ Wendy perguntou ainda grogue da noite anterior. Seus cabelos ainda estavam desarrumados e seus olhos, apesar de não estarem mais injetados, estavam cerrados de sono.

─ Deixe-a dormir mais cinco minutos. Ainda são cinco e meia da manhã. ─ Gray com certeza não estava em um estado melhor do ninguém da casa, mas ao invés de ficar reclamando, tentava consertar tudo com uma grande xícara de café.

Enquanto escutava, a azulada brincava distraidamente com a alça da sacola que Levy havia trazido mais cedo, cheio de roupas e uniformes de algumas moradoras da Fairy Hills.

─ Como aquela garota consegue estar sempre de bom humor tão cedo? ─ Ela reclamou enquanto colocava um pouco de geléia em seu pão. ─ Quer dizer, para um ser humano normal isso é estranho, não é?

─ Depois de muitos anos, Levy acostumou-se a passar noites em claro lendo romances, por isso não fica cansada tão facilmente. ─ Explicou. ─ E você não deveria dizer isso, ela nos fez um favor de trazer essas roupas para Lucy ainda hoje.

─ Quem mandou ligar para ela tão tarde? Deve ter sido difícil providenciar tudo tão rápido...

─ E foi, ela disse que precisou pedir para a Mira, a Cana e a Laki já que achou que suas próprias roupas não serviriam na Lucy.

─ Ela com certeza estava certa... ─ Comentou distraidamente, pensando na diferença gritante entre a forma corporal de Lucy e Levy.

Gray não pode fazer nada a não ser concordar.

Esvaziando o que restara da xícara dentro de sua boca, o Anjo se levantou e gesticulou para que a garota o seguisse. Juntos, foram até o quarto de Ur, quer dizer... De Lucy agora.

Logo quando passaram pela porta, Wendy estancou, observando a cena de boca aberta.

─ O que foi, pequena? ─ Gray perguntou quando viu a expressão dela.

─ Você não está vendo? ─ Ela apontou para a cama, onde Loke estava deitado junto a Lucy. Ele passava um dos braços em sua cintura, enquanto ela se aconchegava em seu peito. Ambos dormiam profundamente.

─ O que tem demais?

Wendy já sentia as bochechas esquentarem ao presenciar a cena. Ela se virou em direção a porta do quarto, tentando ignorá-los.

─ Wendy, os lábios deles não estão inchados e suas respirações estão estáveis... Estão só dormindo... Apenas dormindo. Não fizeram nada.

Confiando na dedução de Gray, ela virou-se novamente. Porém, apesar do rubor ter diminuído, ainda evitava olhar diretamente para a cama.

─ Gray, agora estou com pena de acordá-los. Será que não seria melhor deixá-los descansar por hoje? Eles poderiam ir só amanhã...

─ Pombinhos, acordem agora ou vão se atrasar para a escola! ─ Gritou, contrariando totalmente a ideia de Wendy de deixá-los. Escutou a azulada resmungar algo contra ele, mas apenas ignorou.

Os Anjos levantaram no mesmo instante, assustados.

Loke afastou-se lentamente da garota quando viu o olhar de seu mentor e da garotinha sobre eles. Não se sentia envergonhado por nada, mas imaginou que talvez Lucy estivesse. Esperou para ver sua reação, mas ela continuava comportando-se como se nada estivesse acontecendo. Talvez não entendesse o que outras pessoas poderiam pensar se encontrassem dois adolescentes na mesma cama, um nos braços do outro.

─ Gray, a gente não estava fazendo nada...

─ Eu sei, baka. ─ Ele puxou o ruivo para fora do quarto. ─ Agora vamos deixar as meninas se arrumarem. Apesar de eu saber que você adoraria ajudá-la a se vestir também...

Loke bufou, mas em nenhum momento discordou da afirmação de Gray.

#♥#

─ Tudo bem, agora vista isso. ─ Wendy jogou uma saia cinza para Lucy que por sua vez encarou a peça de roupa com curiosidade.

─ Não é muito curta?

─ Para um Anjo, provavelmente. Mas para um ser humano, até que é comprida... Tem que ver as “melhorias” que algumas fazem nos uniformes. Se acha que isso é curto, querida, você ainda não viu nada.

Hesitando, a loira vestiu a peça olhou-se no espelho em seguida. Ela reprimiu o impulso de puxar o tecido para baixo para cobrir o máximo de pele possível.

─ Deixa disso, ficou boa em você. ─ Elogiou, sorrindo em aprovação. ─ Agora vista a camisa logo.

A roupa que fora jogada contra seu peito era inteiramente branca, o que preocupou Lucy, pois não queria que seus cortes aparecessem através do tecido. Principalmente as cicatrizes em suas costas, que continuavam avermelhadas mesmo depois de todo o esforço de Wendy.

Os botões fecharam sem problema em sua barriga, mas quando chegou à região dos seios, bem... Essa era outra história.

─ Ahh, Wendy...?

─ Fique calma, é só forçar um pouco... ─ Comentou, enquanto procurava algo na sacola para conseguir ajudá-la. Depois de retirar algumas peças de roupas comuns, encontrou uma jaqueta no mesmo tom acinzentado da saia, com o símbolo da Fairy Tail bordado cuidadosamente no local onde o coração estaria. Vendo que a camisa não iria ceder, Wendy apenas pôde instruir. ─ Jogue isso por cima e veja se esconde a blusa.

Quando ela o fez, sorriu vitoriosa ao ver que nem se notava a camisa repuxada por baixo.

─ Acho que você finalmente está pronta para seu primeiro dia, Caída-san!

#♥#

─ Meu Deus... Está linda, Lucy... ─ Loke elogiou quando a viu descer as escadas. Seus olhos brilharam como se houvesse um Anjo em sua frente. Se bem que era isso mesmo...

─ Vai começar a babar se não fechar a boca. ─ O moreno riu, apenas para implicar. ─ Não vai querer sujar essa camisa e nos fazer atrasar.

─ Cala a boca, gelinho!

─ Okay, meninos. ─ Wendy os interrompeu, correndo para ficar a frente da porta de entrada. ─ Se vocês não saírem nos próximos... Dois minutos vão realmente se atrasar para o primeiro dia dela. Então parem de ser os idiotas que sempre são e vão logo... Sem ofensas.

─ Detesto quando você tem razão. ─ Gray disparou porta afora, levando consigo sua própria mochila. ─ Até mais tarde, pequena!

Vendo a cena, Lucy seguiu seu exemplo, colocando uma velha mochila que eles haviam dado a ela nas costas. Ela reprimiu um gemido quando pressionou suas cicatrizes. Logo que o som foi emitido, Loke já estava ao seu lado.

─ Tudo bem?

Ela apenas assentiu, não querendo demonstrar fraqueza na frente daqueles que a ajudaram. Deixando que sua energia se misturasse com a dela para acalmá-la, Loke pegou sua mão e a puxou para fora de casa.

O vento batendo no rosto e em sua roupa davam a impressão que Lucy estava em pleno voo. Ela adorou a nova sensação de liberdade e se pôs a correr ainda mais rápido, querendo vencer Gray e Loke na corrida que estavam fazendo.

Loke sorriu ao ver que Lucy estava fazendo exatamente o que ele queria. Achou que se fosse para ela ir para a escola, nada melhor do que fazê-la acostumar-se à energia agitado e alegre que encobria todo o prédio estudantil.

Depois de aproximadamente três quadras, os Guerreiros a instruíram a parar de correr. O ruivo colocou ambas as mãos em seus olhos, tapando-os, enquanto o outro a guiava cegamente pelas ruas.

Alguns passos depois, colando seus lábios na orelha da loira, Loke sussurrou palavras que fizeram o corpo inteiro de Lucy arrepiar-se.

─ Bem vinda à Fairy Tail, loirinha.