─ Definitivamente ele está encarando você, Lu-chan.

A voz de Levy distraiu Lucy pela quarta vez apenas naquela aula. Ela olhou discretamente para o lado apenas o suficiente para ver sua mais nova amiga completamente curvada sobre a cadeira, olhando Natsu com curiosidade.

─ Você não vai me deixar ouvir nada da aula, não é? ─ Lucy riu, cutucando com a ponta da caneta o braço da amiga para chamar sua atenção. ─ Poderia ser menos óbvia? Desse jeito ele vai perceber que você o está encarando também.

─ Ah, ele percebeu. Mas ainda assim está olhando para você. ─ A azulada voltou a se sentar normalmente, folheando distraidamente o livro em cima de sua mesa. ─ E não se preocupe... Já li esse livro dezenas de vezes, se quiser eu te conto tudo sobre ele.

Lucy assentiu, sorrindo da forma mais verdadeira possível, tentando de alguma forma esconder o cansaço. Quando Loke e Gray a apresentaram à Levy McGarden no almoço, não precisou de muito esforço para ver por si própria que ela era uma provável descendente celestial. Sua aura era de um azul claro tão singelo e com tantas partes mescladas de branco que até faria a energia forte de um Demônio recuar em contato. Apesar de forte, ainda não chegava nem perto da aura de Lucy, no momento encolhida por instrução de Gray.

O Anjo achou que Lucy estava chamando muita atenção enquanto andava pelos corredores pressionando sua energia em todos que encontrava. Por isso a instruiu a recolher sua energia apenas para si. Era exaustivo e desconfortável ja que ela nunca precisou esconder suas asas quando estava no Céu, mas confessava que se sentia melhor quando não precisou mais competir com um certo demônio de cabelos rosa por espaço.

Natsu percebeu imediatamente a diferença em Lucy e desde então ele não tirava os olhos dela, observando cada movimento mínimo. Enquanto isso, a garota apenas tentava ignorar as sensações divergentes que percorriam seu corpo todas as vezes que ele o fazia. Provavelmente ele estava apenas tentando ver se ela ainda era uma ameaça em potencial com aquele tamanho de aura.

Esse comportamento estendeu-se do almoço até a última aula, sem interrupções.

─ Então me explica direito, Lu-chan... Você só está aqui a um dia e já é vitima da antipatia do nosso “querido” Dragneel? Acho que isso é um novo recorde.

─ Recorde? ─ Para demonstrar o quanto estava confusa, inclinou delicadamente a cabeça para o lado. A azulada apenas riu com o gesto infantil.

─ Loke conseguiu depois de uma semana... O Gray em três dias, acho. Você só precisou de meio período. Isso é impressionante.

Lucy sorriu e tentou responder algo, mas antes que pudesse pensar em alguma coisa, um sinal estridente começou a tocar, atrapalhando sua linha de raciocínio. Ela abaixou um pouco a cabeça e moveu discretamente as mãos até seus ouvidos, bloqueando parte do som.

Levy novamente se surpreendeu com os gestos da amiga. Mesmo enquanto guardava seu material, ela permanecia com uma das mãos contra a lateral da cabeça, aparentemente tentando abafar o som que vinha do corredor.

─ É só o sinal de fim de aula, Lucy-chan. Não havia um na sua antiga escola?

─ Eu não... ─ Ela começou, mas parou abruptamente quando percebeu que iria dizer “Eu nunca pisei em uma escola.” Mais cedo Gray disse que havia leis que obrigavam um menor estudar naquela espécie de prédio, portanto seria muito estranho uma garota de sua idade nunca ter ido a uma escola antes.─ Quer dizer... Não era como o daqui.

Os demais alunos começaram a se levantar de suas carteiras assim que ouviram o sinal, jogando seus materiais de qualquer jeito em suas mochilas e correndo para fora da sala. As duas amigas foram as últimas a sair, temendo ficarem presas na aglomeração pós sinal.

─ Vamos logo, Lu-chan. Não quero ser chamada na sala do Makarov por ter quebrado uma das únicas regras da escola. ─ Levy parecia aflita enquanto a puxava para fora da Fairy Tail.

Lucy apenas a olhava confusa, mas ainda assim a seguia sem hesitar.

A porta principal que levava ao pátio estava escancarada, pronta para dezenas, talvez centenas, de alunos ansiosos prontos para voltar para casa. Naquele momento a maioria já se dispersava nos corredores, tornando-as provavelmente uma das únicas pessoas ainda dentro do prédio.

Ainda assim, além de alguns alunos que corriam em direção ao portão principal, também havia duas pessoas que não aparentavam que iriam embora tão cedo.

Natsu Dragneel estava sentado em um dos bancos na lateral do pátio, em uma situação que Lucy realmente não gostaria de ter visto. Uma de suas mãos estava repousada nas pernas da albina que o seguia o dia inteiro, tão alto que Lucy se sentiu incomodada em observá-los. Ele parecia distraído observando as pessoas passarem por ele, parecendo desafiá-los a contrariá-lo. Caso isso acontecesse, ele fazia questão de subir ainda mais a mão, as vezes ultrapassando o limite da saia de Lissana. Natsu nem se deu conta da presença de Lucy, devido a sua aura estar encolhida para ficar próxima a de um humano normal.

"Vai me deixar fazer isso com ela?" A mesma voz de antes ecoou na cabeça do Anjo, dessa vez acompanhada por uma sensação estranha que percorreu todos os seus membros. Era semelhante a forma de uma mão humana tocando sua pele, começando pela palma de sua mão até chegar em seus ombros, depois descendo até sua barriga e logo em seguida se instalando nas laterais de seus quadris. O medo fez suas pernas tremerem quando o calor escorregou para a parte interna de suas coxas. Lágrimas já começavam a embaçar sua visão, mas tentou permanecer parada. Pelo menos o máximo que conseguia.

Ela deu um passo para trás involuntariamente, tentando se livrar daquilo que a prendia. Percebendo o súbito movimento em sua visão periférica, o Demônio levantou a cabeça, encontrando os olhos castanhos de Lucy pregados em si.

─ Loirinha?

Natsu levantou-se antes que pudesse evitar, estranhamente incomodado ao ver as lágrimas da garota. Um aperto em seu coração e uma vontade de confortá-la da melhor forma que conhecia instalou-se por seu corpo assim que seus olhares se encontraram. Isso era estranho...

O rosto dela estava quente e avermelhado, mais como se estivesse envergonhada do que com raiva. Pela expressão do garoto, Lucy tinha certeza que passara a impressão errada a Dragneel.

Ela praticamente pulou quando sentiu um par de mãos tocarem suas costas, apoiando-a quando ela tentou se afastar inda mais. Ao sentir a energia que emanava do corpo, Lucy instintivamente relaxou e se inclinou nela.

─ Está tudo bem, Anjo? ─ Loke perguntou preocupado, olhando na direção de Natsu.─ Desculpe te deixar esperando. Gray queria passar na secretaria e entregar alguns papéis que faltaram na sua matrícula. Acho que ele ainda vai demorar, porque me pediu para levá-la para nossa casa.

Quando a última frase foi pronunciada, a loira teve certeza que sabia a quem Loke queria atingir. Imediatamente sentiu a aura negra de Natsu pressionar suas costas, quase como se estivesse exigindo uma resposta.

Por uma razão que nem mesmo Lucy conhecia, seus braços de enroscaram com força na cintura de Loke, querendo ficar longe de qualquer coisa que a lembrasse da voz, no caso a energia, de Natsu. Ela escondeu seu rosto em sua camisa, inalando o cheiro calmante do Guerreiro. Surpreso, ele demorou apenas alguns segundos para corresponder ao ato. Seus braços a envolveram protetoramente.

─ Se essa for a recepção, tenho certeza que vou te deixar mais sozinha a partir de agora. ─ Suspirou, colocando um braço ao redor de Lucy. ─ Vem, vamos para casa.

Lucy assentiu, muito mais agradecida do que gostaria de demonstrar. Enquanto se afastavam, ela sentiu o olhar de Natsu queimando suas costas de uma forma que a fez corar novamente, dessa vez não por raiva ou medo...

#♥#

Natsu observava, imponente, enquanto via a loira afastar-se cada vez mais. Loke andava alguns passos atrás de Lucy, criando uma barreira que reprimia sua visão da garota. Quando o ruivo acelerou para ficar ao lado dela, o Demônio conseguiu ver como os ombros da loira estavam curvado, provavelmente de exaustão devido a tentativa de encolher sua aura. Com isso, Natsu sentiu que Lucy acabara de subir em seu conceito.

Ele havia tentado apenas algumas vezes fazer isso com sua própria energia, mas conseguiu por apenas alguns minutos. Apesar do ser humano querer puxar a energia apenas para si, o seu Demônio interior lutava para voltar ao normal, esticando-a para infectar o máximo de pessoas possíveis. Depois de tentar mais algumas vezes, concluiu que era idiotice continuar. Se aquela loirinha conseguiu manter aquilo durante todo o período escolar, só podia indicar que sua força não deveria ser ignorada.

Quando olhou novamente para os dois, viu que a mão de Loke escorregou para a cintura de Lucy, trazendo-a para mais perto. Quando ela virou o rosto, Natsu viu o sorriso singelo da garota direcionado ao Guerreiro enquanto sumiam de vista.

Um rugido fraco arranhou a garganta do Dragão.

Então o Anjo ruivo já a pegou para si? Pensou com uma raiva que ele não entendia bem o motivo. Seus punhos se fecharam e os nós de seus dedos começaram a ficar brancos, devido à pressão.

─ Natsu? ­─ Lissana perguntou, segurando delicadamente seu braço e puxando-o de volta para o banco. Ele se desvencilhou sem tentar ser gentil.

─ Vai pra casa, Lis. E não me espere hoje... Tenho outras coisas para fazer. ─ Surpreendeu-se quando percebeu que sua voz estava firme e rouca, como se estivesse prestes a perder o controle. Ele correu de volta para Fairy Tail, ignorando os protestos de Lissana.

Era idiotice o que estava fazendo e ele sabia disso. Nunca pensou que precisaria recorrer a uma coisa daquela para conseguir entender um dos alunos da Fairy Tail. Normalmente eram apenas humanos com o intelecto mediano facilmente controláveis, algumas vezes até havia resistência, mas nada que ele não soubesse como agir. Mas aquela loira... Definitivamente não era algo normal.

Subiu as escadas o mais rápido que conseguia, dessa vez sem nenhum aluno para atrapalhá-lo. A Fairy Tail tinha regras rígidas sobre o permanecimento de alunos pós-aula, devido a certas brigas entre o rosado e os Anjos. O que acontecia dentro dos limites do colégio, mesmo fora do horário escolar ainda era responsabilidade de Makarov...Principalmente quando havia objetos quebrados, queimados ou até congelados nesse processo.

Mesmo que todos conhecessem essa regra, ainda conseguia sentir a aura do demônio que o evitara durante todo o dia, vinda do terceiro andar. Só havia um motivo para ele estar no andar da secretária, enfermaria e sala do diretor... A pessoa que Natsu procurava estava com ele naquele andar.

Seguiu a energia até uma das últimas salas do corredor, onde no alto estava uma grande placa escrito: Enfermaria.

Ele tentou abri-la, em vão. Trancada.

Um gemido atravessou as grossas portas brancas a sua frente, fazendo-o reprimir uma risada. Exerceu um pouco mais de pressão até sentir a tranca ceder sob seus dedos. Sem hesitar, entrou no recinto.

─ Sério mesmo, Laxus? Na enfermaria? ─ Natsu reclamou, tentando conter o riso quando viu a humana pular do colo do Demônio, assustada demais para fazer qualquer outra coisa. O Demônio Dragão loiro rapidamente agarrou sua cintura e a puxou para trás de si, bloqueando a visão de Natsu. ─ Se eu soubesse que iria ver essa cena teria trazido pipoca. Ou a Lissana, quem sabe... Ela gosta dessas coisas alternativas.

─ Cala a boca, baka. ─ A garota resmungou enquanto escorregava delicadamente para longe de Laxus. Sua blusa estava completamente aberta, revelando a frente de um sutiã rendado. Por incrível que pareça, sua saia ainda estava em seu corpo, apesar de amarrotada. Ela não parecia ter vergonha de andar assim na frente de Natsu, pois sabia que apenas um comentário da parte do rosado poderia causar sérios danos físicos no mesmo. Ela agradecia a Laxus por isso.─ Não fale assim da minha irmã.

─ Não me culpe por falar a verdade, Mira. Todos sabem que aquela la adora...

Mira o olhou de forma ameaçadora, enquanto amarrava os cabelos em um rabo de cavalo alto. Sem eles cobrindo a frente de seu corpo, não havia nada escondendo seus seios fartos.

̶ Você tem menos de cinco segundos para tirar os olhos dos peitos da minha namorada se não quiser virar churrasco - Laxus disse, irritado por ter sido interrompido em um dos únicos momentos que tinha a sós com sua companheira. Na maioria das vezes seus horários não coincidiam. Como um Demônio Dragão ele tinha muitas obrigações, claro que em menor quantidade do que Natsu. Mirajane, por sua vez, era uma das únicas pessoas na Fairy Tail que Makarov confiava o suficiente para deixar todos os arquivos, reuniões importantes e discussões do conselho por sua conta. Além de que Laxus tinha um certo receio de levá-la até sua casa, uma moradia coletiva de dezenas de demônios, muitas vezes de classes menores. -Espero que seja realmente importante...

̶ Talvez. - Respondeu, sem saber se aquela seria a resposta verdadeira. ̶ É bem simples, na verdade. Eu quero todas as informações arquivadas da garota nova e eu sei que você tem acesso a isso, Mira. Só imprima uma cópia para mim e eu deixo vocês se comerem a vontade.

Mira riu enquanto terminava de fechar os botões de sua camisa. Natsu não pode deixar de se sentir decepcionado.

̶ E o que te faz achar que eu daria isso de boa vontade? ̶ Provocou enquanto voltava a se sentar ao lado de Laxus, ajudando-o a desamassar seu uniforme. ̶ Sabe que eu posso perder o meu emprego se fizer isso?

̶ Eu não estou falando de boa vontade, estou apelando mais para o bom senso. Eu poderia muito bem tentar te convencer de outras formas, muito mais prazerosas, se me permite dizer, mas estou pedindo quase gentilmente.

—E o que te faz pensar que ela aceitaria essa proposta quando ela já tem a mim? - Laxus disse, se intrometendo na conversa.

— E quem disse que ela não poderia ter os dois? -̶ O rosado respondeu sem ao menos tentar ocultar a malicia em sua voz.

Laxus, por sua vez apenas encarava Natsu com os olhos brilhando e mordendo seu lábio inferior na fracassada tentativa de esconder a raiva que estava crescendo.

—Minha. Apenas, minha.

Natsu soltou uma leve risadinha, levantando as mãos em sinal de rendição distanciando alguns passos.

— Tudo bem, entendi. Nunca se meche com Anima de alguém, regra numera um.

—Ok, chega de discussão por hoje. - Mira disse com a voz alterada, claramente aborrecida pela briga entre os dois demônios. - Natsu, eu vejo o que posso fazer e depois falo com você. Laxus, vem.

A albina agarrou o colarinho do seu companheiro e saiu arrastando-o enfermaria a fora, deixando um certo demônio do fogo sozinho, encarando a porta fechando com o olhar perdido.

O Dragão queria correr atrás, mas o garoto ficou parado, sem saber o que fazer. O medo repentino de não conseguir entender aquela loirinha era o suficiente para congelar todos seus músculos...