A Mecânica Dos Anjos escrita por Misty


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

O rouxinol ainda está preso na gaiola
O profundo fôlego que tomo ainda envenena meus pulmões
Um velho carvalho me acolhendo da tristeza
O sol banhando suas folhas mortas congeladas
Todo aquele grande coração continua repousando
Num sofrimento silencioso

*Song Of Myself



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Havia muitas pessoas formando algo parecido com um circulo perto de um beco, elas falavam alto, gritando, sussurrando...cochichando, mas de fato não ajudando. Percebi pelo canto dos olhos, Charles mexer de forma nervosa em um colar que usava, enquanto a mulher loura ao seu lado, mantinha uma expressão sombria sobre os olhos.

- Susan -Charles disse der repente sem se virar para nós, mas creio eu que Susan seja a mulher trajada de negro ao seu lado-Leve Nora para dentro, isso aqui não é cenário para ela.

- Nem para você -disse ela, coma  voz aveludada mas em um tom baixo e sussurrado, Charles nada disse, ela suspirou como se cansada de algo então pegou meu pulso de forma delicada e me abriu um sorriso -Venha Nora, vamos tomar algo quente.

- O que está acontecendo?-perguntei sem desviar os olhos da bagunça de pessoas que se formavam perto de um dos prédios de tijolos, algumas mulheres, as decotes choravam aos berros enquanto mandavam chamar a policia. Um dos homens a minha frente saiu, me dando um breve visão do que estava no chão, meu estômago se mexeu de forma nervosa, pulando para cima e para baixo, enquanto a cena a minha frente parecia congelada:

Era uma mulher, a mesma que estava no beco, era a que fumava e tinha um olhar vivo nos olhos, mas agora estava opaco e vidrados olhando para cima. Seu corpo estava jogado de forma bruta na calçada, a cabeça pendia par o lado, com um profundo corte avermelhado, ainda pingando algumas gotas de sangue. Seu vestido estava rasgado, seu corpo parecia mutilado enquanto o abdômen parecia parcialmente arrancado, com um grande corte passando do braço até seu rosto pálido, ela estava com um grito congelado nos lábios roxos. Estava deitada em uma poça do seu próprio sangue, que escorria pela calçada vindo até nós, quando chegou até a beirada do meu vestido, virei de lado sentindo uma tontura forte passar sobre mim e vomitei ali mesmo.

- Nora, o que disse! Venha !-Charles e Susan me agarraram pelo braço, meio que me arrastando para longe de toda a carnificina e choro, ouvi o barulho de algumas sirenes, mas acho que estava um pouco atordoada para saber mais alguma coisa.

Limpei minha boca com as mangas do meu vestido, sentindo os meus dedos frios tocarem minha pele, eu nunca tinha visto tal coisa e aquilo não me assustou, não fiquei com nojo, senti apenas um misto de pena e dor.

- O que...o que foi aquilo?-perguntei tanto para Charles, quanto para Susan, que me rebocavam pelas ruas vazias, em direção algum lugar que eu não conhecia.

- Nossa cidade tem sofrido com esse tipo de....coisa de um tempo para cá -comentou Susan, se ajeitando enquanto sua voz soava perdida.

- Algum tolo querendo se aparecer certamente, mas a policia sabe o que faz-então Charles parou, me dando um olhar interrogativo, seu braço mecânico era gelado e fazia um leve tremor sob minha pele -Então, estava me seguindo ou isso foi impressão minha?

Molhei os lábios, enquanto queria muito era voltar para casa de Charles e me afunda na banheira e comer algo.

- Bem, aquilo que você me disse não ia me deixar ficar em paz, então achei que precisava fazer algo -então suspirei, engolindo em seco e esperando o pior -Tio Charles, por favor não me mande para America novamente, você é o único que me sobrou, juro que não irei mais fazer algo tão imprudente.

Eu estava ficando a beira da histeria, eu sentia isso, me obriguei a ficar calma e respirar fundo. Charles por um momento pareceu minha mãe, sorrindo de lado enquanto me abraçava, de uma forma meio desengonçada mas que foi o suficiente.

- Claro que não querida, você ficara bem, e ficara aqui comigo.

- Obrigada -sussurrei sentindo um enorme alivio passar sobe mim. Então me afastei, mordendo os lábios inferiores -Bem, acho que Fiona deve estar histérica.

- Você não avisou que iria sair? -assenti de forma envergonhada, mas ele apenas riu, em sua melhor forma louca -Parece eu quando pequeno, certamente meu sangue corre em suas veias jovem Nora.

Susan engasgou, enquanto passava uma elegante manta negra de veludo ao redor do vestido.

- Pobre criança, saiba que Charles é louco e você me parece bem lúcida, irá sofrer com esse sujeito.

Ela dizia isso em tom de zombaria, então sorri, Charles apenas rolou os olhos.

- O que ainda faz aqui?

- Gostaria de conversar com Nora, posso?- eles trocaram um olhar, não um simples olhar, mas algo que dizia muitas coisas. Charles negou.

- Hoje não, Nora deve estar terrivelmente cansada, amanhã....ou nunca talvez.

Susan suspirou, ajeitando os cabelos e acenando para uma carruagem negra, puxada por dois cavalos brancos, que pararam a sua frente e piscou para nós.

- Tudo bem. Sei que nos encontraremos novamente, até mais Nora.

Acenei de forma cansada, enquanto a mesma pulava para dentro e sumia na noite. Charles suspirou, balançando a cabeça e retirando a cartola.

- Hoje foi um dia e tanto, macabro e puxado, acho melhor irmos para casa.

Eu concordava, tinha absoluta certeza de que a imagem daquela mulher ainda ficaria grudada em minha mente por muito tempo, ou muitos anos. Antes que seguíssemos caminho para casa, segurei o braço de Charles e tentei lhe dar um olhar afiado.

- Tio, me diga que irá parar de se drogar com aquele maldito ópio.

Ele sorriu, enquanto delicadamente segurava minhas mãos.

- Odeio ópio querida, estava ali para ver um cliente que afinal, nem mesmo li estava.

Isso me deixou um pouco tranqüila, mas não o suficiente.

....................................

Levamos um sermão de Fiona, ela levou as mãos a cintura e nos obrigou a sentar no sofá, então começou a nos chamar de nomes nem um pouco bonitos, ela não estava de fato irritada e sim preocupada, eu conseguia ver isso em seus belos olhos cristalinos.

Quando pareceu esgotar o vocabulário, arcou a sobrancelha de forma elegante e nos deu um gesto de desdém.

- Agora terão de comer comida requentada, irei me retirar.

E saiu marchando até seu quarto, Charles meio que bufou e riu, deitando-se no sofá, com as botas para cima.

- Eu disse, quando ela coloca as mãos na cintura pode saber que lá vem.

- De qualquer forma, eu aceito a comida requentada.

Segui para cozinha, deixando meu pesado casaco ao lado da porta e de fato, o cheiro era delicioso, fazia minha boca aguar e meus pensamentos giraram, eu estava faminta! A cozinha de Charles era bem moderna, toda de madeira com papel de parede cor de caramelo, uma grande janela de cortina branca com renda vermelha, que tinha uma vista para a cidade, moveis também de madeiras e engenhocas movidas a vapor.

A comida de Fiona era deliciosa, mas confesso que sentia falta dos temperos malucos da minha mãe, ao final Charles novamente se trancou em seu escritório, sozinha eu pensei em tudo que perdi, sobre o “dom” que Charles comentou, e toda vez que eu perguntava ele se safava de uma forma inteligente, a mulher e seu corpo mutilado, os perigos que corri essa noite, o incêndio que de alguma forma acabou com minha vida e em Tom, onde estaria Tom?

Eu estava cansada, acho que se deixasse poderia dormir para sempre.

Depois de tomar um banho, ficar tempo o suficiente mergulhada na banheira, vendo as pontas do meu dedo se enrugar, sai dela enfiada em uma camisola branca, macia e cheia de babados delicados, a qual ganhei da minha mãe quando fiz 16. Espreguicei-me, enquanto olhava para janela e passava os dedos pelos nós embaraçados do meu cabelo, o grande e chamativo relógio marcavam exatamente 11:50, suas badaladas eram combinadas, como uma musica vinda de algum lugar distante.

Me deitei na cama, olhando para o teto e na hora me lembrando de Rooby, estremeci, virando de lado e encarando apenas o fixei pálido de luz, que vinha de fora e banhava o guarda-roupa.

Acho que dormi, sim meu corpo estava dormente, mas minha mente parecia bem lúcida, isso era estranho. Era como se eu estivesse sendo jogada em um mundo se sonhos, um mundo de sonhos reais, do qual eu queria fugir.

Havia chamas, as chamas altas e laranjas se elevando para cima, queimando tudo que um dia eu conheci, elas deixavam tudo quente e abafado, minha pele parecia formigar, formando bolhas, enquanto eu encarava a cena sem poder fazer nada. Meus pais, eles estavam ali, juntos na janela encarando o lado de fora, com um sorriso estranho nos lábios, enquanto a casa se queimava por completo.

“Saiam”-sentia me gritando, com garganta dolorida, enquanto cada palavra me enfiava uma flechada de dor “Por favor saiam”

Enquanto a casa desabava, e eles acenavam como se tivessem saindo de férias, eu gritei querendo correr até lá, mas algo me segurou, apertando meus braços e me puxando para trás.

“Não se pode fazer nada,a morte é necessária em seu destino”

Era Tom, e ele tinha um sorriso estranho nos lábios, cerrei meus punhos, prestes a dizer algo, então tudo novamente rodou, agora a imagem da mulher mutilada dançava em minha mente, junto a isso chamas e uma estranha musica, algo delicado e sombrio, sendo misturado com o barulho de engrenagens e o tique-taque de um relógio.

Eu gritei, não sei se real ou se foi no sonho, só sei que despertei, arregalando os olhos para a escuridão, e ouvindo barulho de vozes.

De qualquer forma, aquilo foi um sonho...apenas um sonho, mas o que Tom me disse, foi gelado, horrível e certamente pareceu muito real.

“A morte é necessária em seu destino”.


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Notas finais do capítulo

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