A Mecânica Dos Anjos escrita por Misty


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Tenho medo de muitas coisas, mas não temo a morte...e sim a vida. Estamos destinados a viver para morrer, isso sim eu temo e muito, o tédio dos dias de sol e de chuva...temo também as sombras, pois lá estão meus pesadelos, os gritos de socorro de quem não conheço, mas que vêem atrás de mim quando estou sozinho.


George Pirip



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A penumbra da noite estava a caminho, as ruas estavam iluminadas quase em sincronia com lampiões a gás, com tochas que se balançava tremulante na brisa fria do fim de tarde. Eu sabia que não deveria ter saído correndo enquanto Fiona cantarolava na cozinha, muito menos sair as escondidas atrás de alguém que certamente preferia estar sozinho e mais do que tudo, jamais deveria me aventurar em uma cidade completamente desconhecida por mim.

Mas o que eu poderia fazer, o que Charles me falou não me deixaria ficar sozinha muito menos em paz, a melhor forma de acabar com curiosidades e duvidas é acabando logo com isso.

Charles andava pelas ruas falando consigo mesmo, a cartola lhe tampando o rosto, enquanto o maxilar se movimentava para baixo e para cima, era interessante lhe observar. Andei as escondidas das sombras das lojas, e atrás dos grandes vestidos bufantes que algumas mulheres usavam, com curiosidade notei que não apenas Charles era parte mecânico, muitos homens e mulheres tinham partes robotizadas, como olhos e pernas.

Eu estava evitando caminhar para o centro, que mesmo perto do anoitecer estava movimentado, passei rapidamente quase tropeçando sobre meus pés e amaldiçoando os criadores do vestido. Sério, ás vezes eu pensava em me enfiar em uma calça e ali ficar, mas sei que seria contra as regras da etiqueta.

Era todo muito belo, as lojinhas com pilares de ferro, as pessoas passeando de cavalo e com taxis movidos a vapor, que exalavam uma fumaça branca apor onde passavam...tudo parecia no seu devido lugar. Mas Charles parecia ter outro lugar em mente, ele simplesmente pulou da calçada atravessando a rua e entrando em uma viela, separada por dois prédios comerciais.

Por um momento quase o perdi, então corri atrás, quase sendo atropelada por uma bicicleta de uma única roda, pedi desculpas e com o rosto em chamas continuei meu caminho. A primeira coisa que senti foi o cheiro forte, como de incenso e velas misturado em uma combinação doentia e quase sufocante, cerrei os olhos enquanto a pouca luz que vinha de um céu parcialmente escuro iluminava meu caminho.

Há sim, eu sou uma completa idiota, isso era errado. Meu cérebro gritava NORA VOLTE AGORA MESMO.

Mas meu corpo não obedecia, era como se tivesse um instinto suicida ativo.

O silêncio era gelado, eu via a cartola de Charles subir e descer, enquanto ele andava, e acelerei meu passo. A última coisa que eu precisava era ficar perdida nesse lugar. Era uma viela apertada, cheia de lixo e pequenas lanternas a gás pregadas na parede de tijolos descascados, em algum lugar longe da movimentação louca do centro, uma canção parecida com a ópera era ouvida.

Delicada, sinistra, mortal...mas que não deixava de ser belo.

Enquanto andava tentando não perder Charles de vista, ouvi risadas vindas em minha direção, então duas mulheres de maquiagem pesada e decotes ousados passarem por mim, elas me olharam de cima abaixo e cochicharam, abrindo leques de e rindo histericamente. Uma delas acendeu um cigarro, enquanto outra ajeitava os cabelos desgrenhados e me dava uma piscadela.

– O que é uma boneca de porcelana como você faz por essas bandas? Sabe como é perigoso uma jovem ficar fora a essas horas.

Não parei de andar, enquanto me virava para trás e me sentia com raiva. Eu não era uma boneca de porcelana.

– Então o que faz para fora? -retruquei, fazendo as duas arcarem as sobrancelhas feitas a lápis e jogaram uma fétida fumaça em minha direção.

– Estamos trabalhando, e pelo jeito você daria uma ótima aprendiza.

Elas riram, eu gelei. Voltei a correr, sem olhar para trás, mas imaginava seus olhos vivos em minha direção, as unhas vermelhas descascadas me agarrando e me arrasando para onde quer que ela fosse,....novamente isso era uma péssima idéia, tão péssima que pensei em me dar uns tapas.

Parei rapidamente, dizendo um alto “ESSA NÃO” Charles tinha desaparecido em meio á escuridão da viela. Encostei-me na parede, sentindo a tremer enquanto o trem noturno passava rapidamente sobre nós, fazendo um barulho ensurdecedor e logo sumindo no horizonte. Mas então um ponto laranja flamejante me chamou atenção, e o alivio foi tanto que quase me deu tonturas, dessa vez corri, não me importando de pisar em poças de água parada, enquanto escorregava em sua direção.

Ele saiu da viela, para um tipo de rua sem muita movimentação, parecia um lugar para libertinos e me senti com vergonha de estar seguindo-o. Havia alguns bordéis com música alta, mulheres rindo pelas ruas, enquanto acenavam sem pudor algum para os chamados “cavalheiros” que ali passavam. Tentei me esconder nas sombras das lojas fechadas, e acho que funcionou, parei atrás de uma pilastra ornamentada com desenhos esquisitos e deixei meus olhos vagarem para Charles.

E ali estava ele, parado de frente a uma pequena loja de madeira, havia pouca luz do lado de fora, uma entrada de pedra ornamentada com desenhos de engrenagens e uma placa de madeira a qual dizia apenas “Steamk Junk´s” isso não me dava nenhuma informação concreta. Ele ajeitou a cartola e com a ponta de sua bengala de metal, abriu a porta de madeira, sumindo lá dentro.

Eu deveria? Certamente que não, mas já que estava aqui seria muito eufemismo da minha parte voltar atrás.

Atravessei a rua deserta, não olhando na direção de nada que não fosse á porta, parei de frente a ela tentando imaginar o que teria lá dentro e um frio repentino me atravessou como agulhas afiadas, engoli em seco enquanto entrava e bem, certamente não esperava isso de Charles.

Uma musica era tocada, uma mistura de piano com violino, que se parecia ao mesmo tempo com algum tango antigo, enquanto uma mulher trajada em um vestido negro cheio de pedrinhas brilhantes cantava, sua voz suave como se tivesse recitando algum poema, seu cabelo loiro claro era brilhante na luz opaca do lugar.

Notei que seus olhos dourados, em chamas circuladas por uma maquiagem escura seguiram Charles, mas ela não parou de cantar. Havia pessoas deitadas em almofadas enormes, enquanto a fumaça crescia cada vez mais ao nosso redor, eles pareciam quase dormentes enquanto balbuciava coisas aleatórias um com os outros.

Havia bastantes pessoas, na maioria homens, mas poucos de pés. Eu sabia que lugar era esse, uma loja de ópio e certamente nunca pensei que Charles era chegado nisso. Charles caminhava sem olhar para os lados, como se tivesse um destino e mente, e de fato tinha, pois passou por uma cortina de contas, eu estava para fazer o mesmo, mas senti mãos agarrarem meu ombro, me virando com rapidez para trás.

– Estão ficando cada vez mais jovens -sorriu um homem que não parecia ter idade definida, ele cheirava vela e podridão, com um sorriso parcialmente sem dentes e cabelos em um chumaço castanho, amarrado em um rabo de cavalo torto. Mas seus olhos, seus olhos eram algo horríveis, órbitas amareladas e brancas que me fizeram congelar, esquecendo por um momento de tentar fugir ou gritar para Charles -Então, que tal me divertir essa noite?

Engoli em seco, enquanto de modo idiota tentava tirar suas mãos sujas do meu braço, mas claro, que ele era mais forte.

– Bastardo! Tire suas mãos de mim! -disse entre dentes, tentando deixar minha voz em um tom irritado, mas não deu muito certo. Olhei ao redor, enquanto ele me cercava, com o cheiro se suor fazendo meu nariz coçar, soltei um leve grito enquanto o empurrava sem jeito para trás, mas o mesmo apenas riu e ninguém parecia ajudar.

Eles não se importavam, isso deveria ser bem normal aqui.

Ouvi um leve barulho de algo se quebrando, estava com os olhos quase fechados e os abri lentamente, vendo o homem atordoado e cair ao chão, pulei para trás, lhe dando espaço de sobra para tacar o rosto na madeira suja. Estava tremendo, era como se meu corpo estivesse entrando em colapso.

– Você está bem? -ergui meus olhos para onde a mulher, a que estava cantando segurava um candelabro, como se empunhando uma espada e me dava um olhar interrogativo.

A música tinha parado, ao menos sua voz suave, apenas os violinos e piano eram ouvidos. Assenti um pouco dormente.

– Sim...obriga...

– Nora! -olhei para trás rapidamente, onde Charles me olhava com algo beirando a surpresa e o desespero -Mas que diabo faz aqui?

– Eu...bem..-como dizer a uma pessoa que acabou de conhecer que a estava a seguindo? Mas ele não me deu oportunidade de continuar, pois puxou meu braço, dando um olhar afiado a mulher a nossa frente.

– Fique longe dessa...senhorita, agora mesmo.

A mulher apenas rolou de forma casual os olhos, enquanto brincava com o candelabro.

– Charles, você sempre tão simpático.

– Mas Charles...ela...

Mas também não pude terminar de falar, pois as portas foram escancaradas e a musica se cessou, um homem apareceu, pálido com feições agonizantes e aterrorizadas, e ele gritava.

– Ele atacou novamente! Atacou!

Os paspalhos que pareciam dormir ou perdido em seus próprios mundo de fumaça despertaram, e como se em uma enxurrada todos correram par afora, onde algo completamente absurdo, mas não novo, estava acontecendo.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoal, peço desculpas pela demora em postar, é que meu computador estava com alguns probleminhas, mas tudo resolvido ;)