A Mecânica Dos Anjos escrita por Misty


Capítulo 28
Capitulo 28


Notas iniciais do capítulo

Não há por que chorar
Todas minhas lágrimas não irão afogar minha dor
Livre-me da sua angústia
Não posso magoá-la novamente
Vi você se deixando morrer
E desta vez é tarde para salva-la.



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Você me enterrou vivo

E todos tem que respirar de alguma forma

Não me deixe morrer

*

Quando meu corpo atingiu o chão, todos os Markers que ali estavam se afastaram, formando uma perfeita roda ao meu redor. Era estranho observar, alias o que eu estava fazendo aqui? Não deveria estar sei lá, em algum tipo de paraíso, ou ter seguido aqueles anjos que simplesmente sumiram no ar, enquanto meu corpo caia em queda livre?

Mas eu observava e eles não conseguiam me ver, estavam chocados demais com meu corpo morto estirado ali. Me aproximei com cautela, mesmo sabendo que estava invisível a seus olhos, caminhei em silêncio, sentindo-me enjoada; nunca pensei que me veria...morta.

Meus olhos ainda permaneciam abertos, olhando para o nada com uma única lagrima pendendo sob os cílios. A adaga que usei para perfurar meu coração estava em minhas mãos entre aberta, meu corpo estava mais pálido que o normal com o vestido completamente destruído e ensanguentado. Os cabelos estavam jogados de lado, um pouco sob o rosto, em seu maior esplendor vermelho.

Houve um momento de silêncio, nesse momento alguém fungou, alguém gritou e por fim Fiona gritou meu nome.

– Oh meu Deus! -ela se ajoelhou, pegando minhas mãos entre as suas e olhando para todos a sua volta -Como...Nora!

Eu me sentia estranha, sua dor fazia um sentimento pesado cair sobre mim, mas eu estava tão em paz. Charles estava paralisado, havia um corte acima de sua sobrancelha, mas ele apenas me encarava com os olhos arregalados enquanto sua boca tremia levemente, todos pareciam não saber o que fazer. Até mesmo Lovalece parecia....transtornada.

– Não deveria ficar observado -disse alguém ao meu lado, me virei lentamente, olhando para...minha mãe! Sim, ela linda como um dos anjos, passando suas mãos em meus ombros, como fazia antigamente. Ela me encarou, seus olhos um tanto brancos, piscando para mim -Só fica pior, chega de sofrimento Nora.

– Mamãe -choraminguei sem conseguir me conter, ela me abraçou e eu queria desabar ali mesmo. Eu estava morta, tudo tinha acabado, agora vinha o que? -Eu...eu não queria morrer...

– Ninguém quer Nora, mas isso é necessário em nossas vidas.

Engoli em seco, enquanto ainda em seus braços, olhei para onde os Markers finalmente começavam a se mover, Susan chorava nos braços de Phill que tinha um olhar pesado sob os olhos um tanto brilhantes. Os outros ficaram em silêncio, em um sinal claro de respeito. Lovalece se ajoelhou ao lado de Fiona, e a puxou delicadamente para cima.

– Ela é uma heroína para todos nós.

Eu não queria ser heroína de ninguém, mas por fim era isso que eles achavam. Charles agachou até onde eu estava, passando as mãos sob meus olhos e os fechando....eternamente. Era a primeira vez que eu o via chorar e ficar simplesmente mudo.

Por fim a roda se abriu, deixando o espaço para que Ian pudesse passar. Ele estava paralisado, seus olhos opacos nem mesmo piscavam, eu nunca tinha o visto tão vazio, isso me fez soluçar. Ele estava segurando a mesma espada brilhante que tinha cortado a cabeça da Criatura, mas largou no chão, enquanto se aproximava em passos lentos, e de joelhos caia até onde meu corpo estava.

– Ian...

Mas ele ainda estava em silêncio, ele ficou em total silêncio. Sua respiração estava entrecortada, enquanto pegava minhas mãos e levava até seus lábios tremidos, eu gostaria de sentir seu toque, mas nada...Seus dedos roçaram por meu rosto, e ele me encarou com total desespero, como se o peso de seu olhar pudesse me manter ali.

– Nora -suspirou ele balançando a cabeça, eu me sentia mal, mas não conseguia parar de ver seu sofrimento -Nora você não pode ir assim! Não é para você morrer!

Ele gritou essa última parte, sua fúria fazendo alguns se afastarem. Ele gritou novamente, enquanto pegava sua espada e acertava longe, mas nem mesmo sua fúria ou sua dor foram capazes de me trazer de volta. Ele se abaixou nas sombras, olhando para o chão, mas eu conseguia ver as lagrimas transparentes caindo como gotas de chuva. Phil engoliu em seco, enquanto caminhava até ele.

– Temos de ir querida -sussurrou minha mãe, segurando minhas mãos e me levando para longe -Vamos deixar tudo isso, as dores, as lagrimas, a morte para trás.

Mas eu não queria, apesar de tudo eu me sentia muito viva. Antes que ela me abraçasse e um clarão nos cegasse, consegui ouvir o estrondo de um trovão e finalmente a o frio da chuva cair sob todos ali. Eu estava desaparecendo, mas meu corpo ainda continuava sob a chuva, junto a todas as lagrimas e pesar que todos pareciam emanar.

Fechei meus olhos, gritando enquanto as memórias do meu tempo em Cantis Shards me arrebentou de dentro para fora; eu chegando, conhecendo Charles e seu robô-aranha assustador, Ian e suas rosas azuis, Susan...o velho nem tão velho Phil...a tirana maluca Lovalece...Fiona e seus deliciosos pratos.

Cai de joelhos, enquanto minha mãe segurava meus cabelos.

– Mãe...eu...

– Você não consegue dizer adeus -suspirou ela me dando um sorrisinho tremido -Hó minha querida, você não sabe como isso dói em mim, mas você está morta, seu tempo na terra acabou -eu funguei, ela sorriu ainda mais -Todos estão esperando por você, seu pai...e até mesmo Tom.

Olhei ao redor, querendo saber onde eu estava, mas se parecia com lugar nenhum. Todo branco. Branco no branco.

– Que lugar é esse? -perguntou me pondo de pé, ela ainda segurando minhas mãos sorriu.

– A travessia, você ainda está no mundo mortal, mas depois daqui existe apenas a paz.

Sua voz demonstrava que apesar de tudo ela estava muito feliz, eu ainda não.

– Quero me despedir deles de uma maneira menos caótica -se é que existe algo assim -Posso...posso ve-los uma última vez?

Ela me encarou, eu sorri, eu a amava tanto e nem conseguia acreditar que estava aqui, com seus braços a minha volta.

– Claro meu doce, mas saiba que a um limite, quando a hora chegar...você terá de voltar.

Assenti, enquanto ela traçava meu rosto com seus dedos e dizia alguma coisa. Então sumiu, ela e toda a brancura cegante. Eu estava na cidade, que diferente da última vez que vi em vida, não estava completamente queimada, parecia como nada tivesse acontecido. As pessoas andavam de guarda-chuva, pulando poças, o relógio tique-taqueva e o trem se locomovia pelos trilhos nos ares.

Certamente isso foi obra de algo superior, e os humanos sorrindo para vida parecia simplesmente não cientes do que tinha acontecido. A vida estava fluindo.

Não sabia ao certo o que fazer, onde estariam Charles, Ian ou até mesmo Fiona? Segui em passos lentos até o enorme conjunto de “casas” onde Lovalece morava, era estranho andar pelas ruas e não sentir a chuva que caia de forma furiosa, e passar despercebida por todos. Era triste.

Quando cheguei até seu enorme portão, percebi que estava aberto de uma forma quase como se dissesse “bem vindos” havia uma gigante fileira de carros negros que iam da sua porta a formava um circulo perfeito no seu jardim perfeitamente podado, mas que agora estava sendo castigado pela chuva. Era estranho como eu conseguia abrir as portas, pensei que seria um tipo de espírito que atravessava até mesmo paredes.

Mas tudo parecia abandonado e vazio.

Caminhei pelos corredores silenciosos, me sentindo como nunca antes sozinha. Engoli em seco, enquanto finalmente começava a ouvir vozes, mas que vinham do jardim exterior, lugar que eu nunca tinha botado o pé. Quando cheguei até as portas externas, deixei meus olhos se alargarem pelo gramado enorme, me perguntando como eu nunca tinha percebido que naquela lugar também havia uma igreja?

Bem, se parecia com uma catedral gótica na verdade, só que em escala menor. Duas torres altas, janelas espelhadas que se erguiam como um castelo medieval, todo de pedras negras com uma elegância digna de Lovalece. E havia algumas pessoas do lado de fora, pessoas cujo rosto eu nunca tinha visto em todo minha curta vida em Cantis Shard.

Subi as escadas, parando na entrada da igreja particular de Lovalece e sentindo um enjoo perturbador se posar de mim, enquanto meus olhos encaravam o que estava acontecendo; meu funeral.

Era tudo tão...belo que eu me senti de certa forma agradecida. O lugar por dentro era lindo, cortinas negras que se balançavam com o vento que vinha do lado de fora, velas vermelhas que se pendiam em candelabros escuros pelas paredes de pedras. Havia mais pessoas ali dentro, sentadas nos bancos de madeira, encarando silenciosamente a frente. Caminhei pelo corredor, me sentindo estranha em estar em meu próprio funeral, o quão bizarro isso é.

Parei de frente a uma pequena escada, que levava até onde meu caixão estava, e ele era todo negro com pétalas de rosas azuis ao redor. Na verdade havia tantas flores e buques ao seus redor, formando coroas brancas, vermelhas e azuis, azuis quase florescentes outras escuras.

– Ainda não acredito que algo assim tenha acontecido -gemeu Susan sentada no banco da frente, eu não sabia como as pessoas podiam ficar bonitas em funerais. Ela estava sentada com Fiona, que passava um paninho de seda branco nos olhos -Céus, ela era tão jovem...tão...tão linda.

– Seja o que for, quem sabe ela esteja mais feliz agora -suspirou Fiona, olhando para frente -Minha querida, espero que esteja bem.

Não sabia se iria conseguir ficar ouvindo isso, olhei mais ao redor, percebendo Lovalece intocada em um canto, solitária encarando uma vela vermelha com as chamas tremulas a sua frente, seus olhos estavam lagrimejados.

Quem diria hen.

Me aproximei de sua pessoa e ela estava falando baixinho, enquanto segurava uma rosa.

– Obrigada Nora, realmente...obrigada.

Sorri, enquanto passava minhas mãos por seu elegante chapéu de penas rendado.

– De nada Lovalece.

Ela olhou para o nada, por um momento pensei que tinha me ouvido, mas por fim apenas suspirou. Sai de perto dela, caminhando mais um pouco por entre sua igreja, e percebi até mesmo George Pirip coberto pelas sombras, falando com alguém desconhecido por mim, notei Charles encostado na parede junto a Phil, os dois conversavam baixo, Phil dava sorrisos encorajadores a Charles, que estava com Robby assassino ao seu redor.

– Ela era a única família que tinha me sobrado, deveria protegê-la e olha como isso acabou -fungou ele com raiva, Phil deu batidinhas leves em seus ombros, enquanto Robby que mais parecia agora um cachorrinho solitário, se aconchegou em seus pés -O garotão, ela gostava muito de você.

E era verdade, eu tinha aprendi a adorar aquela coisa.

– Nem mesmo tive tempo de agradece-la -Phil disse entre um suspiro-Eu...meu Deus...como eu iria saber que algo assim iria acontecer.

Ele parecia transtornado, apenas sorri a mim mesma.

– Está perdoado Phil, relaxe -disse mesmo sabendo que ele não iria me ouvir. Por fim Charles, passou as mangas do elegante terno cinza que usava e olhou na direção oposta.

– E Ian? Como ele...como ele está?

Phil suspirou, enquanto se sentava no banco próximo.

– Está se afogando na própria tristeza, eu não sei como puxá-lo de volta.

Olhei ao redor, querendo achar algum rastro de Ian e o encontrei, ele estava de frente a meu caixão, colocando alguma coisa em minhas mãos. Cheguei mais perto, e não pude notar o quanto ele estava lindo; o negro de sua roupa realçava seus olhos brilhantes e o cabelo parecia brilhar nas chamas das velas, mas a dor em seus olhos deixavam isso em segundo plano.

– Desculpe não ter tido muito tempo para nós -suspirou ele, percebi que o que ele tinha em mãos era uma rosa, as mesmas que ele roubava de Lovalece para me dar -Eu realmente sinto muito por não ter conseguido lhe salvar, mas saiba doce Nora, meu amor por você vai além das barreiras da morte -ele chegou perto o suficiente dos meus lábios e depositou ali um beijo, eu não senti nada...absolutamente nada. Ele afagou meu rosto, enquanto seus olhos brilhavam com as lagrimas que não caiam -Sem sofrimento, sem dor...desculpe nunca ter tido o quanto a amava, desde do primeiro dia em que a vi sabia que você seria um dos motivos para que eu seguisse em frente -ele suspirou eu estava em prantos, querendo passar meus braços ao seu redor -Agora durma bem meu anjo, as pessoas morrem, mas o verdadeiro amor é para sempre.

Ele se afastou, cambaleando para sombras. Eu o vi, sendo consolado por seu irmão e me sentia horrível, lentamente deixei meus olhos caírem sob meu corpo e...eu nunca tinha me visto tão bonita. Minha pele estava lisa e pálida, me colocaram um vestido de renda branco, que deixava meus cabelos parecendo estar em chamas, que caiam delicadamente por minha volta, eu parecia uma boneca de porcelana, segurando uma delicada e quase quebradiça rosa azul.

– Pessoal, vamos nos despedir -Lovalece disse, surgindo de algum lugar e se pondo de pé na frente de todas aquelas pessoas -Alguns de vocês não conheciam Nora Darlly, mas estão aqui para prestar suas homenagens, a garota que teve coragem de fazer o que fez para nos salvar, não há palavras para o quanto sua alma vale.

Houve uma salva de palmas, enquanto Charles e Phil caminhavam até meu caixão e o fechavam. Ian piscou como se saindo de um sonho e foi escoltado até lá fora por Lovalece, enquanto Charles, Phil e mais alguns garotos Markers seguravam o caixão já fechado e o guiavam para fora. Susan assim como Fiona estavam em prantos, enquanto se levantavam e me seguiam...na verdade seguia o corpo, que logo mais estaria abaixo da terra.

Quando finalmente todos estavam para fora, eu me sentia quase desesperada. Corri pelo gramado, querendo chegar até onde eles estavam mas eu não conseguia mais andar, parecia haver uma barreira me prendendo ali. Gritei enquanto, Ian segurava mais uma rosa azul e seguia a todos.

– Ian! -gritei me debatendo no nada que me segurava -Tio Charlie! Não...Não... favor voltem...eu...eu não estar morta!

– Nora -minha mãe me puxou para cima -Querida se acalme.

–Mãe eles vão me enterrar...eu...eu não quero isso...quero viver!

Ela me abraçou ainda mais forte, enquanto o silêncio funesto nos engolia. Ouvi o som dos carros e isso me fez gritar, eu estou aqui! Tentei sair de seus braços, mas ela me segurava forte demais, passando as mãos em meus cabelos como quando eu era criança e ficava assustada demais para voltar a dormir.

– Nora doce Nora, agora você está com sua família.

Funguei, enquanto sentia todo meu corpo tremer e a deixei me colocar de pé. A mesma soltou um risinho, enquanto meus olhos se arregalavam.

– Papai...Tom...-eles estavam ali, bem a minha frente. Tom como uma lindo garotinho sorridente de cabelos ruivos, não uma criação profana, ele estava em paz...ainda inocente, e meu pai elegante como sempre fora.

– Finalmente juntos -suspirou minha mãe, eu queria estar feliz iguais a eles. Mas apenas conseguia pensar que meu corpo estava sendo enterrado, eu estava morta, não havia chance de salvação agora.

Minha mãe me chamou, enquanto ela estava de braços dados com meu pai e Tom pulava por entre eles, os segui me sentindo mais do que nunca...morta, olhando vagamente para trás, a espera de que algo acontecesse.

Mas nada aconteceu, esse era simplesmente o meu fim. Todos foram embora, inclusive eu.


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Notas finais do capítulo

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