A Mecânica Dos Anjos escrita por Misty


Capítulo 23
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

De algum modo, sentia que estava ficando meio maluco. Mas sempre me sentia assim. De qualquer forma, a insanidade é relativa. Quem estabelece a norma?
* Charles Bukowski



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Não sabia o que estava havendo comigo, apertei os olhos enquanto abria a boca em um grito mudo e me sentia sendo levada para longe, por braços amigáveis. Por fim me encolhi no canto, olhando a tragédia que era agora o corpo do homem, ele estava com o peito fatiado, enquanto seus olhos encaravam o céu acima de si, a boca aberta com um sorriso mortuário.

– Nora...Nora! -gritavam eles, Ian principalmente me chacoalhando, mas suas vozes parecia vir de muito longe, o que eu tinha me transformado? Eu gritei, até minha garganta doer, enquanto olhava para minhas mãos e roupas...sangue... sangue.

– Hó meu Deus! -esbravejei enquanto Ian me puxava para si, eu não o abracei de volta, não queriam manchá-lo de sangue, mas ele não parecia se importar-Eu sou um monstro...

Mas antes que alguém falasse mais alguma coisa, o chão tremeu de leve, Ian me soltou levemente, ainda sim agarrando meus braços como se a qualquer momento eu fosse desaparecer, mas a concentração de todos estava no velho idoso morto...que de seu corpo flácido, emitia pequenos raios cor de violeta, que me fazia piscar.

– Eu...o que..o que eu fiz a Phil? -perguntei em um fio de voz, enquanto todos nós se aglomeravam ao seu redor. Ian soltou meu braço, seu rosto se enchendo de um estranho sentimento ainda sem nome.

– Phil...o nome dele era Phil...

– E lá vamos nós, isso irá ficar interessante -sorriu Lovalece subindo até o terraço e abrindo os braços como se apreciando o que estava acontecendo, ouve algumas batidas na porta de metal que nos trazia até aqui em cima, certamente os outros markers, curiosos para saber o que estava havendo -Seus pequenos monstrinhos, silêncio, algo grandioso irá acontecer.

– O que vai acontecer?-perguntei me virando em sua direção, mas nada enxerguei pois o mundo parecia ter entrado dentro de uma cápsula violeta, a luz era tão forte que fazia meus olhos doerem e ficarem secos. O vento quente vindo de lugar nenhum, secava a umidade dos meus cabelos os grudando em meu rosto e me soprando para longe. Eu tentei gritar, enquanto sentia que o vento me esmagava contra a parede fria, mas por fim tudo se acabou, tudo se silenciou, o ar ficou parado.

Até que Ian soltou um tipo de grito engasgado, enquanto pulava para trás, quase despencando de cima do telhado.

– O que está acontecendo aqui -berrou ele com os olhos negros arregalados, então ele me encarou com assombro -Nora...o que...o que você fez.

Não estava entendendo o que ele dizia, apenas quando me virei para frente, encarando com surpresa o jovem que jazia no lugar do velho Phil que senti minha boca se abrir em surpresa. Não era qualquer jovem, era o garoto da foto, o clone perfeito de Ian, que estava sentado com uma careta no rosto sem rugas, ele parecia confuso.

– Realmente ser velho me deixou com as costas doloridas -foi o que disse, enquanto se punhava de pé, com um sorriso glorioso nos lábios e encarando o rosto perplexo de todos com verdadeiro fascínio -Parece que já faz um bom tempo não.

Fiona deu um passo a frente e com uma elegância extrema desmaiou, bem aos pés de Charles que não fez gesto algum para segura-la, ele parecia perdido enquanto encarava...Phil.

– O que aconteceu aqui? Lovalece sinto cheiro do seu dedo podre no meio disso.-disse ele bagunçando os cabelos, enquanto ainda seus olhos admiravam o que acontecia a sua frente.

– Não é óbvio meus caros idiotas, esse é Phil Morgan e você Ian, porque parece tão surpreso, deveria estar feliz em saber que seu irmão está vivo.

Ian parecia horrivelmente...horrível, na verdade era como se ele fosse vomitar a qualquer momento, mas de uma forma quase mágica o mesmo se recuperou, pigarreou e arcou as sobrancelhas.

– Phil -disse ele em um fio de voz.

– Ian -sorriu o outro, dando alguns passos para perto de seu irmão.

– Você deveria estar morto, eu lhe vi morrer!

– E você deveria ter me dado flores, mas nem ao menos chorou, que horrível irmão.

– Estou confusa, muito na verdade -cortei o clima que estava acontecendo para expor toda minha loucura. De fato o que estava acontecendo ali. Charlie que pareceu ter visto o estado de Fiona, estava tentando acordá-la enquanto murmurava para si mesmo.

– Sim bagunça...confusão...o que está havendo?

– Isso realmente vai ser genial, adoro contar uma boa história.

Lovalece parecia animada, e quando ela parecia animada eu temia.

Eu andava como uma estátua, olhando para minhas mãos com sangue seco, enquanto logo atrás Ian de olhos arregalados se concentrava nas pilastras e seu...irmão meio morto andava com um sorriso no rosto, com a camiseta desbotada mostrando as marcas das minhas unhas ainda vermelhas. Todos os Markers que ali estava começaram cochichar, mas Lovalece parecia suprema, enquanto ela passava todos abriam caminho.

Fiona parecia ter voltado ao normal enquanto era escoltada por Charlie, mas Susan era a que parecia que ia cair a qualquer momento. Realmente, todos estavam em um estado deplorável.

– Okay, chega de mistérios, o que está havendo e porque fiquei histérica daquela forma e ataquei o sujeito velho que bem...se transformou-dizer isso em voz alta era absurdo, mas Lovalece apenas abriu um bocejo enquanto se sentava atrás de sua cadeira de couro. O céu novamente tinha escurecido, deixando a grande janela respingada.

– Phil nunca morreu, ele foi amaldiçoado.

– Amaldiçoado? -esbravejou Ian andando de um lado para o outro -Eu o vi morrer, vi quando Sophie enfiou aquela espada no seu peito.

Phil bufou.

– Garota doente, espero matá-la em breve.

Engoli em seco enquanto seu olhar era direcionado a mim, Ian percebendo isso franziu o cenho.

E eu ainda não sei quem é Sophie.

Percebendo tudo isso, Lovalece se esticou na cadeira.

– Ótimo, se ajeitem todos, chegou a hora da história.

E que história.

....Sophie Iscked não era uma humana comum, na verdade ela era uma criação, era metade punk assassina cruel com a incrível capacidade de atrair desastres e metade humana, chorona e pateticamente sentimental. Ela era apenas uma criança quando a encontrei e resolvi trazê-la para minha casa, eu já havia adotado tantos pivetes chorões, o que seria mais um, mas ela era diferente eu sabia disso, mas não me importei. Sophie aos poucos foi deixando sua natureza monstruosa para trás, mas ela assim como eu, sabíamos que a criatura havia-a criado, ela deveria ser morta para não se sucumbir as trevas.

Os irmãos Morgan, perderam os pais em uma luta contra punks na mesma noite em que encontrei Sophie, Charlie estava com os dois irmãos ensangüentados na minha sala, eles também entraram para o clube e receberam Sophie de braços abertos, Susan que já estava aqui algum tempo, viu na garota e nos dois irmãos, a chance de fazer um grupo imbatível, que lutaria com unhas e dentes para combater a criatura. Mas Sophie era do mal, ela mudou o rumo de muitas coisas.

Com o tempo passando e todos crescendo, as ondas de crimes no submundo tinha se silenciado, e Sophie parecia lúcida, mas em um certo dia ela enlouqueceu completamente. Acho que se lembrando, de quando Ian, Phil, Sophie e Susan saíram para ver o problema que alguns punks estavam causando, e Sophie sacou sua espada, cravando-a no peito de Phil e logo em seguida de si mesma.

Ela não conseguia mais se controlar, então resolveu se matar, mas não queria fazer isso sozinha, ela teria de levar uma alma para sofrer junto a ela.

Para salvar Phil eu lhe coloquei um pequeno encantamento, ele não morreria mas ficaria velho, apenas a pessoa certa poderia tira-lo desse estado. Mas a pessoa certa teria de ser Sophie, mas como ela estava morta fui obrigada a colocar gotículas de seu sangue em uma outra pessoa, e nesse mesmo tempo fiquei sabendo que havia uma garota humana de incrível poder filha de Celestria que não sabia nada sobre esse mundo, era perfeito. Pensei que a garota jamais pisaria em nosso mundo, mas quando isso aconteceu seria óbvio que ela traze ria Phil de volta.

Havia silêncio, apenas o som da minha respiração era estranhamente alta, e isso estava me irritando. Tudo estava me irritado, como em nome de tudo que Lovalece preza, ela poderia ter feito algo assim.

– Você está dizendo que tenho Sophie dentro de mim?

– Não, o que estou dizendo é que você tem uma pequena dose do sangue dela em suas veias.

– E o quão doentio isso pode ser! A senhora é maluca certo como....

– Eu lhe fiz um favor minha doce Nora, se você não tivesse o sangue de Sophie em suas veias, jamais que poderia pisar ou saber qualquer coisa sobre nosso mundo. Seus pais esconderam muito bem as coisas de você, eles estavam acabados, o encanto dos markers sobre os Darlly tinham se apagado, você iria morrer em um orfanato se não fosse por mim. Seu tio Charlie não poderia ficar com você pois o mesmo faz parte desse mundo.

– Mas eu...eu não quero ser um monstro como Sophie.

Lovalece piscou em minha direção, enquanto Fiona massageava meus ombros de uma forma amigável, mas ninguém naquele cômodo olhava em minha direção.

– Isso não irá interferir em que você é, você é Nora e seguirá seu próprio caminho, ser monstro ou não depende apenas de você.

Eu não achava isso.

*

Precisava ficar sozinha, realmente sozinha. Enquanto Ian olhava horrorizado para mim e seu irmão, eu apenas suspirei enquanto seguia Charlie até seu apartamento, o impedindo de falar qualquer coisa relacionado ao dia maluco que fora hoje. Depois de comer alguma coisa que não me lembro que Fiona fez, tomei um banho, tirando o vestígio de sangue dos meus cabelos e unhas e rolei ao olhos ao lembrar de que Phil ainda me agradeceu.

Isso era tão absurdo que chegava a ser cômico.

Vesti um vestido branco de algodão, me sentindo um pouco traída com tudo isso, acho que meus pais não tinham direito de mentir sobre tudo e Fiona não deveria ter aplicado o sangue de Sophie em mim.

Mas eu não iria gritar, chorar ou amaldiçoar o mundo, eu estava cansada de fazer isso.

Cansada de ficar surpresa o tempo todo.

– Nora querida -sussurrou Fiona batendo na porta do quarto -Tem alguém aqui querendo falar com você.

– Diga ao tio Charles que não quero ouvir desculpas, sei que nada disso é culpa dele.

Fiona riu, enquanto entrava e desmanchava a trança torta que eu tinha tentado fazer.

– O velho maluco deve estar se afogando na própria baba uma hora dessas, é Ian e ele não saíra daqui enquanto não falar com a senhorita.

Senti meus lábios se partirem em um sorriso dolorido, a cabeça de Ian deve estar fervendo, e ainda achar um tempo para vir falar comigo isso realmente deve ser importante. Me levantei da cama, seguindo até a porta enquanto os olhos de Fiona brilhavam sobre minhas costas.

– Obrigada.

– De nada jovem, ele está na sacada.

Realmente será que essa turma não tinha enjoado de coisas altas por um dia não?. Abri um bocejo enquanto me sentia um fantasma descalço, desfilando sob os corredores mal iluminados até chegar na sacada da sala, onde uma sombra escura me aguardava.

– Pensei que estivesse delirando -disse me apoiando nas grades gélidas da sacada, ganhando uma visão delirante de toda a cidade, que estava com seu céu nublado, mas mesmo assim com estrelas, pontos brilhantes no céu avermelhado.

– Acho que consegui passar dessa fase -ele sorriu para mim, então olhou novamente para longe -Claro, que depois de socar Phil.

– Ele realmente é um velho rabugento, imagine como um cara de 20 anos.

– Mas de qualquer forma fiquei feliz em ve-lo, era como se...como se uma parte tivesse voltado -ele parecia aliviado, era bom velo assim, menos sobrecarregado, então seus olhos procuraram por meu rosto, vasculhando cada centímetro -E acho que assim como ele devo lhe agradecer.

Tentei parecer calma.

– Que isso, eu apenas retalhei o peito dele.

O mesmo riu, um som que ecoou até meus ouvidos.

– Ficara algumas cicatrizes, mas ele pode sobreviver. Mas...é que eu tento imaginar como isso tudo deve estar sendo uma grande loucura para você, queria apenas dizer que você fez foi algo ótimo, apesar de...bem..Sophie ser uma lunática, você fez algo bom, mesmo tendo sangue dela em suas veias.

Senti meu rosto se formar uma careta, enquanto meus dedos batucavam na grade de forma nervosa.

– Isso ainda é doentio e quero não me lembrar disso -olhei novamente em sua direção, sentindo seu olhar pesar sobre mim -Gosto de imaginar que não fui uma cobaia, gosto de pensar que sou apenas uma adolescente cheia de problemas...incomuns.

– De qualquer forma ficar se enganando não é uma boa coisa, mas saiba que você fez algo realmente maravilhoso hoje, Phil é a única ligação que tenho com minha família, você o trouxe de volta e isso...bem não há palavras para descrever como me sinto sobre isso.

Estava feliz por Ian, realmente velo sorrir me deixava com a alma mais limpa ele parecia uma criancinha feliz, os olhos negros brilhando de uma forma incandescente e os cabelos caindo como chamas, ele realmente fazia parecer que tudo iria ficar bem.

– Fico feliz por você -mordisquei meus lábios, desviando os olhos para a rua -Sabe...é inacreditável como tantas coisas podem acontecer em um só dia, hoje descobri que meu irmão está morto, o seu vivo, o sangue em minhas veias é de uma psicopata morta e lutei contra robôs demoniacos -soltei uma risada estranha, engasgada e um tanto desesperada- Deveria ter me acostumado Ian, mas não, ainda sinto que vou perder a razão.

Mas ele apenas permaneceu em silêncio, enquanto pegava minhas mãos a apertava, em um voto mútuo de que nada iria me acontecer, eu sabia que ele iria me proteger, seus olhos contavam a história. O mesmo sorriu, enquanto se aproximava, e deixava em minhas mãos uma rosa, uma outra rosa azul flamejante, que na cálida luz da noite, parecia brilhante.

– Não me importo com o que Lovalece irá dizer.

Sorri apertando seus dedos, enquanto levava a rosa até a ponta do meu nariz, havia ali um perfume delicioso.

– Realmente você gosta mesmo de enfrentar monstros.

– Sim, e prometo que estará segura comigo.

E foi assim, eu ainda estava um tanto preocupada com tudo a minha volta, mas seus lábios ao se tocaram no meu, me fizeram por um momento esquecer que o mundo estava ruindo, tanto o meu próprio quando de todos. Passei meus braços ao seu redor, e ele se afastou rindo.

Eu me sentia feliz, e isso era inacreditável. Mas então o grito que quebrou o silêncio da noite me fez arregalar os olhos, olhei na direção da rua onde uma movimentação suspeita vinha do beco, e pude sentir Ian bufar.

– É, pelo jeito não fomos feitos para termos paz -disse soltando um riso nervoso, enquanto o mesmo apoiava sua cabeça em meus ombros, ele brincava com meus dedos.

– Seja o que for, ele vai pagar por estragar esse momento, vamos -olhei em sua direção de uma forma que o fez rir, enquanto arcava as sobrancelhas em minha direção, de uma forma que parecia alheio aos problemas do mundo.

E olha que não eram poucos.

– Vamos? Vamos para onde? -Indaguei com um misto de receio êxtase.

– Ao nosso trabalho, um momento de romance e o resto gasto em capturar criaturas do mal. O quão equilibrado isso pode ser.

De fato essa seria uma longa noite. E não das melhores.


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Notas finais do capítulo

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