A Filha Do Mar escrita por Emm J Ás


Capítulo 24
Ultimato


Notas iniciais do capítulo

Para esquecer um pouco o luto.
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Ela pega em seu bolso o vidro de novo. Um pequeno pedaço de espelho quebrado, refletindo sua imagem sob a luz da lua. Então dá dois toques no vidro e seu reflexo desaparece, dando visão a outra imagem. Um homem grande e com barba espessa, um tapa olho e chapéu de pirata. Valtor.

— Já está na hora? — Ele pergunta sorrindo com seus únicos dentes de ouro.

— Em breve. — A garota responde. — Pode ser ao amanhecer... Apenas nos dê um pouco mais de tempo.

— Parece muito abatida querida, o que houve?

— Nada. Faça o seu trabalho que eu faço o meu. — Ela fecha o espelho com rispidez.

Era tudo o que lhe faltava. Um pirata psicopata achando que pode se meter em sua vida.

¬¬¬

Enquanto isso, em Alásia:

— Isso não está certo! Sua filha não está cumprindo com seus deveres de princesa. — A Rainha de Galatéia acusa os pais de Elizabeth, apontando-lhes o dedo indicador enquanto reclama.

— Ela disse que voltará a tempo. Acreditem nela. — A Rainha Genevieve tenta ser calma e sutil.

— Sabem muito bem o porquê de termos feito esse acordo. Sabem que só a deixamos viva por causa de você, Genevieve.

— Também sabem que embora tenha sangue inumano, minha filha sempre foi fiel e responsável com suas obrigações. Apesar de tudo, ainda é...

— Não nos importa. — Ela interrompe Genevieve. — Ela disse cinco dias, já se passaram três. Esperamos que ela cumpra o que prometeu.

Há um “ou...” implícito no fim da frase. Para os reis de Alásia isso soou como um ultimato.

— Cumprirá. Confiamos em nossa filha. — Genevieve olha para seu marido, bem ao seu lado. Ele assente para ela.

— Agora vamos tratar dos negócios...

Miranda sai de perto quando um guarda quase a encontra ouvindo atrás de porta. Ela sabia que algo estranho havia acontecido para Elizabeth sumir assim, e ainda achava que ela havia sido sequestrada, mas depois que os guardas voltaram dizendo que ela queria estar sequestrada. Bem, ela não entendeu nada.

Ela corre para o seu quarto, que fica no primeiro andar e é tão pequeno quanto uma despensa. Um quarto de empregada, ou de dama de companhia. Ela dormia no quarto de Elizabeth quando podia, mas depois que ela sumiu isso não foi mais possível. E depois de todo o trabalho que ela teve para arrumar aquele cabelo e convencê-la a ficar com o corpete. Elizabeth nem mesmo teve a chance de contar à Miranda como foi seu primeiro encontro com o príncipe. Miranda sente falta de sua amiga. Mas ela também tem um pressentimento ruim.

Miranda abre a porta de seu pequeno armário e escondida na parte escura ela tira uma caixinha de veludo preta. Sua mãe lhe dera na última vez que se viram, mas ela nunca chegou a usar o presente. Ela abre a caixa e tira dali, um pedaço de vidro quebrado tão pequeno que cabe na palma de sua mão, sem sobrar nem faltar. Talvez seja sua única chance de encontrar Elizabeth. Ela guarda o pequeno espelho em um dos bolsos internos de seu vestido (Que ela se encarregou de costurar sem que ninguém visse) e então sai do quarto.

¬¬¬

A luz da lua bate intensamente na única janela que há em meu quarto. Eu estou refletindo, estou pensando. O que eu fiz? Eu sucumbi, foi isso. Não sei se foi errado aceitar ficar com o Luke, nem mesmo se estou sendo egoísta com ele. Eu sei que tenho sentimentos fortes por aquele idiota, o príncipe de Idiotéia. Rio. Tenho saudades de quando meus problemas eram muito mais simples. Quando tudo que eu queria era não ser obrigada a casar com o príncipe herdeiro de um reino irmão. Não, agora as coisas estão piores E eu tenho o pressentimento de que vão ficar cada vez piores.

Levanto da cama e estico os braços. Luke percebe meu movimento e abre os olhos para me observar. Achei que ele já tivesse dormido, mas não preciso sair de fininho do quarto. Ele olha para mim e eu sorrio. Ele retribui, então se levanta, ficando sentado na cama.

— O que vai fazer? — Ele pergunta.

— Preciso de um pouco de ar, não consigo dormir. — Respondo balançando os ombros.

— Quer que eu vá com você? — Ele já afasta os lençóis de si.

— Não precisa. — Digo e me sento de novo na cama. Dou-lhe um beijo nos lábios e o cubro novamente com os lençóis. — Eu volto logo.

Ele sorri para mim e me beija de novo.

— Vai ficar tudo bem? — Ele boceja.

Rio dele.

— Tudo ótimo.

Ele assente e volta a se deitar. Sei que ele está desconfiado, mas mesmo assim eu não ligo. Levanto-me e saio do quarto às pressas. Eu havia pensado em pegar minha espada novamente e sei lá, treinar um pouco. Mas acho que estou com medo de ter mais uma visão esquisita de uma garota chamada Mina, que pegou a espada numa sala trancada, e que por algum motivo também foi chamada de Donatéia. Ou talvez tenha sido coisa da minha cabeça e nada disso tenha acontecido.

Caminho pelo corredor até as escadas e as subo. Já faz alguns minutos que parou de chover, mas quando chego ao terceiro convés vejo que ainda está molhado. Olha para cima e não vejo ninguém guiando o leme. Olho para o alto, não há ninguém no mastro. O mar a frente do Andrômeda é vazio e sem cor. Não há próximo destino. O próximo lugar em que chegaremos será La Isla, e quando chegar lá eu conhecerei meu pai. Os piratas terão sua recompensa por me entregarem, e de brinde se livrarão de mim.

Ando até o parapeito e observo a lua. Linda, grande lua cheia, iluminando tudo. Apenas uma lua. Hoje é o primeiro mês do eclipse lunar, em que as duas luas de Tyron se unem e ficam alinhadas como apenas uma. É uma visão esquisita, mas só dura uns três meses. Então daqui a um ano ocorrerá o eclipse total, em que as luas e o sol se alinham ao mesmo tempo. A terra ficará totalmente imersa em escuridão por treze longas horas. Por algum motivo ao pensar nisso sinto um frio na espinha. Esse eclipse só ocorre de cinco em cinco anos, e dizem ser a época mais poderosa para fazer magia negra. Ainda bem então que feiticeiras já quase não existem mais, e sombras menos ainda. Imagine, seria um completo caos. Mas em todas as vezes que já aconteceu, eu nunca vi sombras saindo para atacar pessoas por aí. Nem demônios negros.

— Oi princesinha.

Olho para trás. Kalyssa anda até meu lado e não para de me encarar. Ela é mais alta que eu e seus olhos azuis turquesa são assustadores, principalmente durante a noite. Agora ela está com os cabelos soltos novamente e os olhos inchados sumiram. Ao invés disso vejo um sorriso malicioso com presas afiadas fugindo de seus lábios vermelhos.

— O que é Kalyssa? — Viro-me novamente para o céu. Não há estrelas, apenas nuvens escuras rondando o mar. A tempestade ainda não acabou.

— Apenas percebi que em todo esse tempo que você esteve aqui, eu nunca cheguei a conversar com você. — Ela parece rir. — Que tal a gente bater um papo?

— Não estou afim de conversar.

— Tudo bem. Você pode só ouvir. — Um segundo de silêncio. — Você sabe que foi tudo culpa sua não? Você matou o Law.

— Já disse que não quero ouvir. — Digo e olho na sua cara. — Não tenho o menor interesse em você.

— Vadia.

— Não como você. — Rebato.

Não consigo não reparar em sua blusa branca, aberta até metade da barriga exibindo o sutiã preto que luta para comportar seus seios fartos. Ela com certeza não têm nenhum problema em mostrar isso.

— Ao menos eu sou bonita. — Ela começa. Então anda a minha volta me contornando, o que me lembra da atitude da demônio da água que conversou comigo durante o ataque. — Tenho um corpo bonito. — Ela põe as mãos no sutiã. — Enquanto você tem o corpo de uma garota de doze anos. Fala sério, como pode se achar tanto?

— Eu não sou uma prostituta para me importar tanto em ter seios grandes ou uma bunda como a sua.

Saio dali, andando rápido, mas sem perder a calma. Ela não vai me atingir ferindo minhas inseguranças quanto ao meu corpo. Eu sempre soube quem eu era e como eu era, e sempre aceitei isso. Não tenho nenhum problema com isso, sou uma princesa.

— Você sabe que causou a morte dele! — Ela grita de longe. — Todos sabemos!

Desço as escadas e fecho o alçapão com força.

Maldita. Vadia. Retardada. A Kalyssa ainda me paga.

¬¬¬

Quando amanhece, Luke não está deitado ao lado de Elizabeth. Ela nem sequer percebeu que ele saiu mais cedo.

Foi andando até o convés e lá encontrou o sol lutando com as nuvens que se revezavam para contê-lo. E no convés estavam alguns dos piratas, com esfregões, baldes com sabão e panos secos. Todos tentando manter o navio seco até a próxima tempestade.

— Acho que devíamos parar por aqui. — Vinny conversa com Sony, que está limpando o braço esquerdo onde exibe uma tatuagem de caveira negra.

— Não sei se Alex vai concordar. — Sony responde. — Tivemos todo esse trabalho para parar no meio?

— Sei lá cara. Acho que a gente só vai arrumar mais problema se continuar com isso.

Luke continua andando e aos poucos a conversa dos dois se extingue, até que ele não ouça mais. Ele sobe as escadas para o segundo convés. Ali está Drobt amarrando uma corda do parapeito a um dos mastros, provavelmente para manter a vela aberta.

— Hey, você sabe onde está o Alexander? — Luke pergunta se aproximando.

— Na sala dele, provavelmente.

— Tá legal, valeu.

Luke sai dali e sobe até o primeiro convés. Então ele bate na porta da sala de Alex, que logo atende. Mas quando vê que é Luke, ele muda a expressão para insatisfação e fecha a porta. Luke impede que ela feche colocando seu pé no caminho.

— Preciso falar com você, capitão. — Luke fala.

— Me chamou de capitão? — Alex abre novamente a porta.

— O melhor jeito de conseguir alguma coisa de você é massageando sue ego. Agora deixe-me entrar. — Luke já entra antes que Alex diga mais algo.

— Ótimo, principezinho. — Alex ri.

— Quero falar sobre a Elizabeth. — Luke diz enquanto Alex fecha a porta.

Alexander vai até a sua mesa e se recosta em sua cadeira, colocando os pés sobre a escrivaninha.

— O que exatamente?

— Quero que você pare de culpa-la pela morte de Law. — Luke diz. — Não foi culpa dela, e você sabe disso.

— Sim, foi culpa dela sim. — Alex se torna mais rígido e defensivo. — Se não fosse por ela nada disso teria acontecido. E ela merece viver com a culpa.

— Isso está acabando com ela. Ela não consegue dormir à noite, chora por qualquer coisa. Você a está matando aos poucos.

— Se ela está assim é porque sabe que é culpada. — Alex diz. Então pensa um pouco no que ouviu... — Disse que ela não consegue dormir?

— Sim. Ela levanta da cama no meio da noite e sai para respirar todos os dias. Não consegue conviver com isso.

— Então vocês estão dormindo juntos?

Luke percebe o que Alex pensa, então sorri. Mas não um sorriso qualquer, um sorriso orgulhoso e arrogante que Elizabeth pensara que só Alex conseguisse fazer. Pelo visto os dois são mais parecidos do que qualquer um pensava.

— Estamos juntos agora. — Luke diz.

Alex fecha a cara.

— Você sabia que ia acontecer cedo ou tarde. — Luke continua. — Ela é minha noiva, vamos nos casar.

Então Alexander ri, como se tudo fosse uma piada, ou como se Luke fosse a piada.

— Boa sorte com a princesinha. Ela não libera mesmo.

Alex se lembra de quando ela foi encontrada desmaiada no corredor. Pelo visto ninguém contou a Luke o que aconteceu. Muito menos o que houve quando ele e ela estavam sozinhos no quarto.

— Não fale assim dela. — Luke enrijece.

Alex continua com o sorriso presunçoso e confortável nos lábios.

— Sabe que se eu tivesse algum interesse nela era só eu reivindicar o meu direito. Afinal, oficialmente, eu sou o herdeiro do trono. — Ele diz.

— Não importa. — Luke diz. — Você não a conhece. Não teria mesmo a menor chance.

— Se você acha. — O olhar de Alex se torna sombrio. — Pode levar a assassina com você quando quiser. Mas eu não vou parar de culpa-la, e ela também não parará de culpar a si mesma.

— Foi muito bom conversar com você.

Luke se vira para ir embora, mas quando está na porta ouve Alex dizer uma última coisa:

— Eu posso tê-la quando quiser.

E depois disso, Luke sai. Cerrando os dentes.

¬¬¬

A Rainha Genevieve, do reino de Galatéia, olha preocupada para seu marido. Ela tenta parecer forte, mas no fundo sofre cada vez mais com a ausência de sua filha. Então alguém bate à porta do quarto e ela permite que a porta se abra.

— Olá. — A garota diz e joga suas malas dentro do quarto.

Cabelos longos e cacheados, de um castanho infimamente avermelhado. Olhos cor de mel e pele branca, embora um pouco bronzeada pela viagem sob o sol escaldante. A garota olha para os governantes de Alásia com um sorriso de alegria imposto no olhar. Ela abre os braços, como que para apresentar a si mesma e roda trezentos e sessenta graus, fazendo o vestido longo e lilás cheio de rendas voar e espalhar o cheiro de rosas pelo cômodo.

— Não vão me cumprimentar? — Ela se aproxima deles, realmente preocupada com sua reação fria.

Os dois olham para ela, Genevieve principalmente com pesar.

— Katherine... — Ela começa. — Sua irmã foi sequestrada.

— Elizabeth...?




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Notas finais do capítulo

E aí...?