A Filha Do Mar escrita por Emm J Ás


Capítulo 13
Resgate


Notas iniciais do capítulo

=P



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/414770/chapter/13

— Andem logo! — Ouço Sony gritar lá de cima.

O Navio Real já está muito perto, não dá mais tempo. Drobt usa sua espada afiada para cortar as cordas que prendem o navio ao porto. Agora entendo bem melhor o porquê de eles não soltarem a âncora. Assim é mais rápido fugir.

O Andrômeda começa a se afastar pouco a pouco, sendo levado pela correnteza. Emily é a primeira a me surpreender. Sabe aquela tatuagem em forma de asas de borboleta que eu havia notado nas costas dela há alguns capítulos atrás? Bem, não é uma tatuagem. Ela literalmente rasga o vestido (Só na parte das costas!). E então elas começam a crescer. As asas transparentes que refletem a luz em arco-íris, como bolhas de sabão. Se movem, tornando-se imagens em 3D lentamente. O choque me faz correr mais devagar. Elas começam a se desgrudar da pele de Emily, até estarem completamente livres. Batem como asas de beija-flor, apenas para se secar (Não sei por que estavam úmidas). Então batem com mais força e intensidade. Ela alça voo. Não consigo não observá-la, voando rapidamente até o navio. Ainda com minha espada em mão. Ali está uma das criaturas mais belas da fauna de Tyron, uma fada. E eu achei que estivessem extintas há anos.

“Extintas não.” A voz de Emily canta em minha cabeça, como se eu ouvisse minha própria voz com os ouvidos tampados. “ Apenas bem escondidas.”

Rio, voltando a correr. Eu havia me esquecido deste detalhe. Fadas são seres psíquicos, então sabem entrar na mente das pessoas. Ela leu meus pensamentos. Fico envergonhada, mas sorrio. Este tempo todo na presença de uma fada, e eu não percebi.

Então, depois que o efeito da surpresa se dispersa, eu vejo o quanto estou ferrada. Estou muito, muito atrás de Alex. Vejo-o se agarrar á uma das cordas que Drobt cortou e se impulsionar até o navio. Não chega a subi-lo, mas chega perto. Law e Carlos puxam a corda ajudando-o a subir. Ele olha para mim, faz expressão de raiva e se não estivesse com as mãos ocupadas bateria na própria testa ou me asfixiaria. Sim, ele se esqueceu de mim. Não, não vai dar tempo de eu chegar ao barco.

¬¬¬

Quando ela chega ao fim da passarela de madeira o navio já está muito afastado. Poderia pular até ele, mas não conseguiria se prender ao casco, quanto mais escalá-lo. Um pensamento rápido passa em sua cabeça. Estou livre. Fui sequestrada e meu sequestradores incompetentes deixaram-me fugir. Então ela pensa. Mas eu não quero fugir. Quero ir com eles, encontrar meu pai. Não quero ser resgatada pela guarda real, quero ir à Isla de La Muerte.

O navio Real não a notou ali. Mudou sua rota, virando antes de atingir o porto e seguindo o Andrômeda de perto. Mas ela os vê abrindo as comportas dos canhões. Não. Não posso ficar aqui vendo-os ser atacados. Ser mortos.

Há um poder nela que ela ainda não sabe controlar. Não sabe como fazê-lo agir, nem como fazê-lo não matar ninguém. Mas ela precisa encontra-lo agora, assim como encontrou quando foi atacada pelo navio fantasma. Elizabeth precisa invocar o mar.

Fecha os olhos, ergue os braços. O que fazer? Após pouco tempo ela pode ouvir tudo. Cada onda que se forma no mar, cada alga que dança ali perto, sendo conduzida pelas ondas. Sem pensar, ela avança. Um passo é o suficiente. Elizabeth cai da agua, e ela afunda.

¬¬¬

Respiro fundo. Sinto meus pulmões lutarem contra a água que os invade. Minha cabeça começa a doer, ainda efeito da ressaca e também de estar sendo afogada. Minhas narinas, por onde a água me invade, estão ardendo em chamas. A sensação em minha garganta não é melhor. Meus pulmões, eles arfam pedindo oxigênio, mas reclamam por não serem capazes de separá-lo do hidrogênio na água. Sinto minha consciência se afastando aos poucos. Talvez não tenha sido uma boa ideia.

Meus pés tocam a areia. Abro os olhos e então a calma me invade. O mar é lindo. Azul, a areia branca, os pequenos cardumes nadando de um lado para o outro. Tiro as sapatilhas. A sensação da areia entre meus dedos é revigorante. Então eu noto uma coisa. Respiro fundo, mais uma vez. De novo, meu nariz arde. Mas eu... Eu não morri. Tenho certeza que todo o meu pulmão já está cheio com a água salobra do mar. Não entendo.

— Ah! — Grito. A sensação agoniante que se forma em meu pescoço, como se uma faca me fizesse vários cortes. O meu grito não é audível, claro, é apenas ar sendo expelido. Mesmo assim, é esquisito que os peixes tenham se virado para mim, quase como se estivessem preocupados.

A dor para. Ponho as mãos em meu pescoço hesitante. São... guelras!

— AAhhh! — Grito mais uma vez.

Olho para os meus pés. Ótimo, normais, pés normais... Sem nadadeiras. Mas eu consigo respirar em baixo d’água, e isso é incrível! Agora, sem perder o foco. Posso ver a sombra dos dois navios daqui, bem pertinho um do outro. Preciso chegar ao Andrômeda. Corro, ou melhor, nado até eles. As ondas se abrem como se estivessem se curvando à minha presença. É incrível. Ser uma filha do mar. A melhor sensação do mundo.

Chego ao Andrômeda. Sei que é ele, pois posso tocar as sereias detalhadamente talhadas na madeira mogno. Elas parecem espíritos nadando presas ao casco do navio, sorridentes e com as nadadeiras pesadas. Deixo-as para trás e emerjo, arfando a procura de ar.

É um erro. Na mesma hora sinto o caminho desde o meu nariz e boca até o pulmão arder, como se pegasse fogo. A sensação é muito pior do que foi quando me acostumei à água. Sinto o impulso de me afundar novamente, respirar mais do oxigênio em baixo d’água e quem sabe nunca mais voltar para a terra novamente. Reprimo esse impulso, obrigando-me a respirar novamente. Depois de pouco tempo me acostumo ao ar, mas só depois de expelir toda a água que estava nos meus pulmões. É como se eu tivesse mesmo me afogado, só que eu ainda estou viva.

— Elizabeth! — Ouço sua voz rouca gritar lá em cima.

É Vinny, com sua bandana vermelha nos cabelos de ferrugem e uma espada manchada de sangue nas mãos. Ele parece feliz e preocupado em me ver, tudo ao mesmo tempo. Sorrio para ele, meu sorriso mais encantador. Mas quando estou prestes a responder ele sai dali, me deixando apenas com a visão do céu.

O que será que está acontecendo? Aonde ele foi? Me tire daqui! Me jogue uma corda! Qualquer coisa! Mas não. Ele foi embora. Está muito longe para ouvir o som das espadas, mas tenho certeza de que eles estão lutando. Não apenas pelo sangue na espada dele, mas pelo fato de eu ter visto as pontes de madeira ligando o Andrômeda ao Navio Real. São passarelas largas de madeira que a guarda real prende aos navios que atacam quando chegam perto o suficiente, assim podem ir ao navio inimigo e matar os tripulantes sem destruir o navio com os canhões. Mesmo assim, enquanto nadava pelo mar, tenho certeza de que ouvi um canhão sendo utilizado. O som é inconfundível, mesmo em baixo da água. Eu também senti as ondas se moldando à bala de canhão enquanto ela voava em direção ao Andrômeda. Só espero que não tenha atingido nenhuma parte do casco onde a água possa invadir, e assim o navio afundar.

Ele voltou. Suspiro de alívio ao ver Vinny com uma longa corda nas mãos, fazendo um nó bem feito. Ele a joga em minha direção. Ela percorre os mais de cinco metros do navio até o mar e me encontra. Seguro-a com força e amarro-a ao meu corpo. Então sinto ele começando a me puxar. Pouco a pouco meu corpo vai se elevando, se despedindo do mar e dando alô ao navio mogno ao qual já estou tão familiarizada. Sim, Vinny é forte o suficiente para me elevar até o topo em menos de um minuto. Ao chegar lá ele me segura pelos braços e me ergue, fazendo-me cair dentro do navio. Só que eu caí em cima dele.

— Obrigada por amaciar minha queda. — Digo entre risos brincalhões.

Me levanto. A água que se alojou em minhas roupas e cabelo agora escorre por sobre ele, deixando-o tão encharcado quanto eu. Rio de sua cara, ele com os olhos fechados e lábios pressionados enquanto a água escorre por seu rosto.

— Você é mais pesada do que parece. — Ele diz, também se levantando.

Rio. Até ver o que está acontecendo.

— Não... — Sai como um gemido baixo vindo do fundo da minha alma.

Meus guardas, todos os bons homens que protegeram a mim e a minha família por anos. Eles estão sendo massacrados, lutando bravamente, suas vestes se sujando de sangue. Um borrão branco corre a minha frente, Kalyssa atacando outro pobre guarda, ainda em sua forma felina. Mais o pior ocorre no segundo andar. Dois garotos, Alexander com seu colete vermelho e cabelos castanhos voando com o vento. E o outro garoto, aquele cuja a raiva em meu coração ainda não se extinguiu, cujo destino já foi laçado ao meu. Lukeon, ou melhor, Luke. Com seus cabelos louro-escuros e vestes azuis e prateadas, dignas de um príncipe. Para me salvar. Ou talvez para acabar com os meus planos.

Ouço alguém gritar. Uma voz conhecida, grave demais para sua idade. Jack acabou de ser atingido, um dos guardas enfiou uma espada em seu ombro, depois a puxou novamente. Ele cai no chão de joelhos, deixa sua espada cair no chão. Mas antes que o guarda dê outro golpe, o último golpe, vejo Emily chegar e enfiar a espada no coração do homem. A minha espada. De obsidiana, longa e afiada. Posso ver a raiva, o ressentimento em seu rosto. Quando o corpo do guarda cai sem vida no chão, ela se ajoelha ao lado de Jack, lágrimas se formando em seus olhos.

Corro até os dois, ignorando as lutas a minha volta. Alex e Luke sabem se cuidar. Estou mais preocupada com Jack.

Ajoelho-me ao lado de seu corpo, como Emily.

— Jack... — Passo a mão em seu rosto. Ainda está vivo, os olhos fechados e respirando devagar e com dificuldade.

— Ele precisa viver. — Emily diz, sua voz tremulante com o choro.

Levanto meu olhar ao seu rosto. Ela ainda não está chorando, suas lágrimas ainda não caíram de seus olhos. Eu mesma já sinto as lágrimas querendo descer por meu rosto. Passo a mão nos olhos, secando o que ainda nem molhou.

— Não há como curá-lo? — Pergunto. Emily se vira para mim, seu olhos transpassando grande dor. — Fadas não podem fazer nada disso?

Ela balança a cabeça, negando e fechando os olhos. Ainda não vejo nenhuma lágrima cair. Então ela levanta a cabeça. Se fosse um desenho animado, uma lâmpada acesa teria aparecido em sua cabeça agora. Ela teve uma ideia. Uma esperança.

— Kalyssa. — Ela diz.

— O que?

— A Kalyssa. — Então olha para mim. — Ela ainda deve ter um pouco de água de luz. Isso pode curá-lo.

Assinto.

— Vou buscar. — Digo, já me levantando.

— Não. — Ela segura meu braço. Então olha para o segundo convés. Não preciso olhar para trás para saber o que ela está encarando. — Vá impedir o seu reino de lutar. Faça essa luta acabar.

Ela pega a espada e coloca em minha mão. Minha mão formiga ao tocar o couro do cabo, mas eu a seguro com força. Assinto então. Me levanto e saio dali, correndo para o segundo convés. Ao olhar para trás posso ver, a primeira e única lágrima caindo de seu rosto. Ela cai na ferida de Jack, emitindo uma luz fraca e então desaparecendo. Por um segundo tenho a esperança de que suas lágrimas sejam mágicas e possam curá-lo, mas isso não acontece. Emily apenas se levanta e corre, indo atrás de Kalyssa. Fecho os olhos, já sentindo a dor em meu coração. Não, Jack não vai morrer. Ele não pode.

Enquanto corro acabo batendo em alguém. O garoto quase cai no chão. Sony, com sua espada quase me ataca, mas percebe que sou eu de última hora. O guarda com quem ele lutava me ataca por trás, mas eu me defendo com a espada, um instinto que até então eu nunca tivera. Eu nunca tive bons reflexos, mas agora me defendi como se fosse o homem aranha. Encaro o guarda, fazendo força com a espada. Não quero ataca-lo, é um homem comum, apenas seguindo ordens, deve ter amigos e família. Não quero matar uma pessoa inocente. Então ele me olha nos olhos, pela primeira vez parecendo me olhar.

— Princesa? — Ele pergunta me olhando de cima abaixo.

É, eu sei. Faz muito tempo que eu já não me pareço mais com uma princesa. A roupa de pirata, os cabelos desarrumados presos em rabo de cavalo. As cicatrizes na calça (Efeitos do meu treino de esgrima com Alex). Com certeza, posso me passar por uma pirata sem nenhum esforço. Mas esse guarda me reconheceu. Eu faço que sim com a cabeça. Ele abre a boca para falar algo, mas suas palavras se tornam um gemido. Sony acabou de cravar sua espada no peito do guarda. Fecho os olhos, aterrorizada.

Não digo nada. Eu sei, isso tinha que acontecer. Esse banho de sangue... Eu não aguento mais isso. Preciso acabar com isso tudo. Volto a correr para o segundo convés, subindo a escada de cordas o mais rápido que posso. Ignoro o grito grave que ouço atrás de mim, provavelmente Law sendo atingido pelos guardas. Ninguém mais vai morrer hoje, isso eu garanto.

— Hey! — Eu grito.

Alex e Luke param de lutar. Olham para mim. Estou com minha espada apontada para Luke. Alex sorri, quase orgulhoso. A expressão de Luke é bem diferente. Fazia tanto tempo que eu não via esse rosto, eu até havia esquecido o quanto Luke é bonito. Também noto que a marca vermelha em forma de mão já não reside mais em seu rosto, causada por aquele tapa que lhe dei. Sua expressão é de surpresa. Olha para mim de cima a baixo. Sim. Tenho vontade de dizer. Sou uma pirata agora. Mas eu não digo isso.

— Mande-os parar de lutar agora. — Eu exijo. — Me ouviu?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Que triste não? Muahahahahahaha!