*Hinata*

Acordei no dia seguinte sentindo minha cabeça latejar. A dor assemelhava-se a centenas de agulhas perfurando meu cérebro sucessivamente. Ergui-me da cama ainda zonza e caminhei até o banheiro de meu quarto. Observei meu reflexo tensamente por alguns segundos antes de abrir o compartimento no qual eu guardava materiais de higiene bucal e alguns analgésicos. Revirei os comprimidos que iam desde um simples xarope para gripe até remédios para cólicas. Encontrei um analgésico básico e engoli dois comprimidos facilmente.

Abri a torneira e senti a água escorrer entre meus dedos. Lavei minhas mãos e rosto e depois voltei novamente para minha cama. Deitei-me sob os lençóis e fechei os olhos tentando ao máximo adormecer e torcer para que o remédio fizesse seu efeito facilmente. Pisquei por alguns minutos antes de sentir o sono invadir-me.

Quando abri meus olhos novamente, eu não estava mais no meu quarto embrulhada em lençóis de seda. A areia fina escorregava por meus pés descalços. A brisa fazia meus cabelos esvoaçarem e o frescor marítimo invadia minhas narinas de forma tão arrebatadora como as ondas que quebravam nos recifes. Eu estava em uma praia, mas não uma praia qualquer. Era a mesma praia na qual eu passei o último verão com Naruto antes de partir para o Canadá. Olhei em volta tentando inutilmente lembrar-me de como havia ido até ali e só depois de ver a casa de praia onde ficávamos, eu percebi que não estava realmente lá, que tudo não passava de um sonho, ou talvez uma lembrança.

Caminhei até a varanda e levei um pequeno susto ao ver a mim mesma sentada em uma rede. Uma imagem de anos atrás mantinha a expressão séria e talvez decepcionada. Senti um mínimo sorriso escapar por meus lábios ao lembrar exatamente o que aconteceria em seguida. Logo Naruto apareceria com a sua brincadeira boba de “adivinhe quem é” e me daria de presente um ursinho com um anel de compromisso dentro. Virei a tempo de ver o loiro aparecer na porta.

Entretanto, não era a minha lembrança comumente conhecida. O Naruto que estava em minha frente não era o Naruto de anos atrás. Ele era mais velho. Os cabelos loiros, que vem sempre iluminando meus dias, estavam cinzentos. Em seu rosto não havia um sorriso, ao contrário, ele mantinha uma expressão de seriedade e talvez revolta. Franzi o cenho confusa. Naruto aproximou-se da minha imagem mais jovem e olhou-a por longos segundos.

― Por quê? ― perguntou o Naruto idoso. Ele já deveria apresentar cerca de 80 anos. Seus olhos, antes sempre animados e vívidos, agora mantinham-se revoltosos. ― Por que você se foi?

Tentei abrir a boca para retrucar e dizer que eu não havia ido, que estava ali do seu lado, mas minha voz ficara presa na garganta. Lágrimas grossas escorriam da face do Naruto idoso de modo angustiante, e eu já sentia os meus nublarem com as prováveis lágrimas que escorreriam.

― Você me abandonou. ― disse amargurado. ― Você simplesmente desistiu de tudo... Por que você se foi, Hinata?

Meus olhos arregalaram-se com a imagem seguinte. Minha versão mais jovem cuspia uma grande quantidade de sangue. Tentei correr para ajudar, mas meus pés estavam travados ao chão. Tentei gritar, mas minha voz saiu como uma simples rajada de vento. Os olhos perolados estavam ficando opacos e sem vida. Um sorriso minúsculo escapara de seus lábios ao mesmo tempo que a vida abanou seu corpo.

Abri os olhos e eu estava novamente em minha cama. Os lençóis escorriam pelas beiradas do colchão e minha respiração estava descompassada. Passei a mão por minha testa admirando-me com a quantidade de suor que escorreu por meus dedos. Olhei o horizonte pela janela e o sol já estava se pondo. Minha cabeça não doía mais, entretanto, o sonho/pesadelo que tive ainda assustava meus pensamentos.

Senti algo vibrar sobre o colchão e tateei brevemente antes de esbarrar os dedos no celular. No visor, o número de Sakura aparecia. Atendi e surpreendi-me com a voz masculina do outro lado.

― Hinata! ― exclamou. A voz alegre e dinâmica denunciavam que era Naruto. Porém, a imagem de um Naruto idoso e ressentido pela minha “partida” ainda rondavam minha mente. ― Hinata? Alô?

― Oi. ― sussurrei baixo para que ele entendesse que eu ainda permanecia na linha. ― O que aconteceu? Por que você está com o celular da Sakura?

― Estamos no hospital. ― resmungou.

― Aconteceu alguma coisa? ― perguntei preocupada. Será que havia acontecido algo a Hiro? Será que houve algum problema com relação ao tratamento que ele vinha fazendo sob minha direta observação?

― Não é nada com o Hiro, não se preocupe. ― balbuciou o loiro como se já imaginasse o que se passava por minha mente. Deixei um suspiro de alívio escapar por meus lábios. ― A Sakura entrou em trabalho de parto. Tsunade disse que será algo arriscado e pediu que eu ligasse para você.

― Está bem... ― sussurrei ficando em pé e rapidamente sentindo uma pequena vertigem. Sacudi a cabeça para os lados imaginando que isso fosse ainda decorrente da dor de cabeça de horas atrás. ― Eu vou me arrumar e logo estarei aí.

― Estou indo te buscar. ― resmungou o loiro rapidamente antes que eu pudesse dizer algo ao contrário.

A chamada foi finalizada em seguida e eu ainda permaneci alguns segundos olhando abobalhada para o telefone antes que um mínimo sorriso transparecesse em meus lábios e eu caminhasse novamente até o banheiro.

*Naruto*

Um sorriso torto escapara em meu rosto atraindo a atenção de Hiro que estava ao lado de minha mãe e Sayuri. Nós estávamos com Sasuke, Sakura e Sayuri em um pequeno lanche da tarde quando Sakura começou a sentir as contrações. A pequena garotinha ficou preocupada quando a mãe entrou dentro da sala de parto ao lado de Sasuke e ainda mais assustada quando Tsunade apareceu dizendo que o parto seria arriscado.

― Por que o sorriso, ottou-san? ―perguntou Hiro olhando-me inquisitorialmente. Dei de ombros e devolvi o celular de Sakura para Sayuri. Hiro ainda olhava confuso para mim. ― Ottou-san?

― Eu vou buscar a Hinata, okaa-san. ― resmunguei para minha mãe. Ela também não estava com a melhor das expressões em minha direção. ― A senhora pode cuidar do Hiro por alguns minutos? ― ela acenou confirmando. ― Volto logo.

Sai pelos corredores um pouco lotados do Hospital de Konoha. Entrei no meu carro assim que o avistei no estacionamento e dei a partida em direção à casa de Hinata. Um sorriso brincava em meus lábios enquanto o carro avançava pelas ruas. E eu ainda não entendia o porquê disto.

Quando eu parei o carro na frente da casa, Hinata já me aguardava do lado de fora. Ela entrou resmungando algo como: “Você acabará morto se continuar dirigindo nessa velocidade”, com certeza referindo-se aos cem quilômetros por hora que eu fazia pelas ruas quando estas não estavam tão cheias. Soltei um mínimo riso e sai novamente em direção ao hospital.

Olhei de canto para a Hyuuga. Ela parecia um pouco mais diferente do que no dia anterior. Aparentava um pouco de cansaço e estava um pouco pálida. Franzi o cenho meio preocupado com isso.

― Hinata. ― chamei-a e ela virou o rosto em minha direção. Fiz a curva na esquina e agora descíamos uma avenida em direção a entrada do centro comercial. ― Aconteceu algo? Você parece um pouco abatida.

― Não dormi bem. ― sussurrou como se quisesse dar o assunto por encerrado, mas eu, de certa forma, já sabia que ela estava tentando apenas evitar mais perguntas. Suas respostas eram evasivas e não ajudavam-me no quesito de “investigação”.

― Por quê? ―perguntei rapidamente.

― Insônia. ― sussurrou novamente. Fiz uma curva para esquerda e mais adiante já era visível o andar superior do hospital. Soltei um suspiro irritadiço. Ela estava novamente escondendo algo de mim.

― Pensei que já havíamos ultrapassado a fase dos segredos. ― balbuciei vendo Hinata olhar fixamente para a janela do carro, como se evitasse um contato visual no momento. ― Por que está mentindo agora?

― Não estou mentindo, Naruto. ― murmurou séria. ― Eu realmente não tive uma boa noite de sono... É isso!

Balancei a cabeça positivamente quando estacionei em uma vaga. As palavras da Hyuuga não foram o bastante para mudar minha opinião. Eu ainda achava que ela estava escondendo algo, e eu iria descobrir, ou não me chamo Naruto.