Dona Aranha escrita por Shianny


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Mais uma One *u*
Espero que gostem! ;A;



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Ela estava sentada na cama.

O colchão, semi-oculto pelo lençol manchado em simples tonalidades de rosa floral que denunciava o acidente da desagradável mistura de branco e vermelho dentro da máquina de lavar.

Um baixo soluçar rasgava-lhe a garganta dolorida em consequência do choro contínuo, com singela ligação às marcas avermelhadas que espalmavam-se por seu corpo de pele alva. Seus músculos tremiam em ritmo constante e os frágeis braços margeavam os joelhos em um abraço sufocante.

Lá fora, o vento bailava em amorosa valsa com as folhas caídas de outono. Um sopro suave era o atual causador do agudo assobio que serpenteava por entre os galhos secos e investia contra as frestas da janela de carcomidos detalhes amadeirados que margeavam os vidros transparentes, localizados em perfeita centralidade naquela velha parte plana do extenso casarão.

Ninguém compreendia a pobre garota. Ninguém queria; Quem poderia? Julgavam-lhe os atos que, assim como o lençol e o colchão, assumiam o papel de ocultar seu coração fragilizado, sua mente despedaçada por mágoas que deslizavam na destreza de uma serpente por entre suas lembranças.

Pelas janelas embaçadas, seus tristes orbes castanhos testemunhavam o início das gotas gélidas que desabavam das nuvens cheias e escuras que pintavam o céu e impactavam contra a solidez plana do material transparente que logo passou a acolher os resíduos da chuva que passava a tombar.

A solidão embargava-lhe o peito e, lentamente, as gotas quentes e salgadas que marcavam trilhas opacas em sua face cessavam sua tormenta.

Na janela, desenhos imaginários que se formavam com calmaria eram as razões do sumiço de soluços que prejudicavam-lhe friamente a voz baixa. Suas memórias subiam à tona em simultaneidade com cada traço formado sob o vidro.

Uma, duas, três...

Oito patas.

Dois pares de olhos...

Ela se encolheu, e o pavor dominou seus escuros globos oculares antes que a tranquilidade dominasse seu corpo. Seus instintos a fizeram mover os lábios com tenuidade, liberando murmúrios que anestesiavam-lhe os pensamentos.

– A Dona Aranha...

Seu timbre era melancólico, possuía melodia. A voz, envolta na mais pura seda; Macia.

– Subiu pela parede...

Seus braços penderam à lateral do corpo e as pernas relaxaram. Ela observou a janela e os pingos de chuva antes que, por fim, seu tronco se inclinasse e se chocasse contra o colchão macio. Sua cabeça descansou sob o travesseiro. E seus olhos focaram o teto azulado.

– Veio a chuva forte...

Seus ouvidos captavam involuntariamente o barulho rouco das pancadas de água no vidro, no telhado, na casa. Ela sentia-se mal e aquela maldita cantiga a destroçava.

Mas ela não conseguia parar.

– E a derrubou.

Esta última frase, ela entoou em um murmúrio. Seus olhos lentamente tornavam a marejar. Os dedos magros da garota apertaram os cobertores e ela mais uma vez soluçou. A música infantil sibilava no formato de crítica em sua mente.

Ela sentia-se destruída por dentro.

Aquela letra, ainda que de modo subliminar, impunha seus sentimentos em evidência. Um desejo árduo de findar toda aquela dor agora apoderava-se de seu peito. Não importava o quanto aquilo custasse.

Ela apenas estava cansada de sofrer.

– Já passou a chuva...

Seu corpo lentamente ergueu-se, e os olhos filtraram os poucos móveis brancos que destacavam-se no cômodo. Um armário de duas portas, uma penteadeira e uma estante entupida de velhos livros. A tintura do quarto era azulada, decorada por manchas brancas que definiam um simples retrato do mais limpo céu da tarde.

– O Sol já vem surgindo...

Seus pés abandonaram as esfarrapadas pantufas de coelho, roçando no felpudo tapete acinzentado que transmitia-lhe uma agradável sensação de cócegas na sola dos mesmos. Roçando os dedos naquele material, um minúsculo sorriso emoldurou seus lábios, como se seu coração buscasse o mais diminuto motivo para trazer-lhe a felicidade novamente; Trazer-lhe a esperança, o desejo de viver.

Mas isso realmente poderia ter alguma chance de funcionar, após todos esses anos?

– E a Dona Aranha continua a subir.

Seus orbes agora focavam a janela e, em um automático impulso elétrico que percorreu cada mínimo pedaço de célula em seu corpo, os pés da jovem moveram-se rumo àquela direção.

– Ela é teimosa...

Novo murmúrio transpassou seus lábios, enquanto finalmente estancava em frente a seu destino e observava a paisagem de árvores mortas que estendiam-se até onde sua visão alcançava daquele local onde desprovia de companhia.

– E desobediente...

Lentamente, ergueu uma das mãos até a trava daquela inapropriada passagem. O trinco desbotado foi erguido por seus dedos e pendeu no ar, balançando suavemente no vai e vem de um pêndulo de relógio.

Estimulada por uma forte corrente de ar, a janela partiu-se em duas metades, escancarando-se. Uma brisa gélida invadiu o quarto após inesperado convite provindo da dona do local, trazendo consigo a chuva que banhava corpo e cômodo pertencentes a garota.

Seus cabelos castanhos, próximos de uma tonalidade negra, rodopiavam por trás de suas costas desnudas, guiados pelo sonoro assobio do vento.

Ela respirou profundamente e, mais uma vez, avançou ao espaço frontal extra que nascera de seu recuo para que as janelas se abrissem.

– Sobe, sobe, sobe...

Apoiando suas mãos na parede, seus pés elevaram-se ao parapeito da janela. Naquele momento, lágrimas confundiam-se com a chuva e soluços não mais transpassavam seus lábios pálidos.

– E nunca está contente.

Por fim, o último verso encerrou as palavras que saltavam de sua garganta, e a captação embaçada de suas retinas voltou-se ao solo lamacento e pedregoso a quatro andares abaixo de si. Uma dor alucinante arranhava seu coração, tal como uma mórbida brincadeira de gato e rato.

Sufocando-se na própria angústia, suas pernas bambeavam, incapacitadas de manter seu sustento por um tempo deveras prolongado. Os instintos de sobrevivência alarmavam por todo seu complexo cerebral, e o desejo de recuar e jogar-se na cama novamente, embrulhando-se nos lençóis envelhecidos era arduamente contido pela jovem.

Afinal, qual motivo poderia fazê-la desistir? Nenhum. Toda a sua vida fora composta por vãos de sofrimento, com micróbios sorrisos de momentos realmente especiais, singulares. O resto? Era seu cérebro buscando uma ilusão vã para que a morena não desabasse.

Era por isso que ainda estava viva.

E agora não queria mais estar.

Ainda sob o parapeito, a garota voltou-se para o quarto, observando aquele local que por tanto tempo acolhera suas angústias em silêncio. No aconchego dos braços que sua própria mãe não sabia doar-lhe. Com ingênua e ilusória compreensão.

Ela estendeu a mão e, com suavidade, tocou o desenho desfocado na janela, feito por gotas de água de chuva, cujo formato era idêntico à um aracnídeo. Traçando os contornos suaves de tal desenho, um destaque especial aderiu àquele local. A jovem respirou profundamente o ar e baixou seus orbes castanhos, imersa na mais pura melancolia. Uma golfada de ar deslizou por entre seus lábios finos, junto de uma minúscula frase infeliz.

– Pobre Dona Aranha...

E aquela frase fora a última que escapou por sua garganta antes que, por meio de um recuo suave, seus pés encontrassem o vazio. A posição de seu corpo inverteu-se na queda de alta velocidade, e sua cabeça mirava o solo. Cerrando as pálpebras, ela liberou seu último suspiro com a perigosa aproximação da terra.

O som abafado de ossos partindo-se com tal impacto abrupto ecoou mudamente na noite. Para trás, ela deixava seu sofrimento e o maldito sadismo de seus parentes, onde sempre demarcavam-se provas em formato de hematomas ao longo de seu corpo frágil.

Mas afinal, quem veria isso como uma salvação ao invés de uma fuga desnecessária?

Quem realmente tentaria compreender todas as emoções que levaram uma jovem solitária e aparentemente tranquila a cometar tal fatalidade com a própria vida?

Quem se importaria...

De verdade?


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Notas finais do capítulo

Então...
O que acharam? ;3;



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