Um Outro Conto de Fadas escrita por Ryuuzaki


Capítulo 22
Enfim, Uma Dupla - Parte 2




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...

Ele parou e disse:

– É aqui.

Faye, obediente, posicionou-se ao seu lado e aguardou. Sentia o nariz úmido e o frio ainda a incomodava, mesmo estando em um lugar coberto desta vez.

O “aqui” o qual Owen se referia não passava de um pequeno shopping. Dois andares e um estacionamento delineavam todo o estabelecimento. Era um lugar deveras corriqueiro, frequentado por pessoas entediadas, com necessidade de ir às compras ou por aqueles que pretendiam desfrutar de um bom filme no confortável cinema do lugar.

Faye não conseguiu ver nenhum motivo em especial para terem ido ao Leland Street Mall. Muitas vezes passeara naquelas galerias com sua babá – nunca com seus pais, que preferiam algo requintado – e gostava de sua simplicidade. Como o lugar estava sempre cheio, não parecia à garota uma boa escolha para a “aula prática” que Owen mencionara logo antes de saírem do apartamento. Muito burburinho, muitos bisbilhoteiros.

A verdade é que, em seu interior, ela tremia de medo. A cada grupo de pessoas que passava e cruzavam o olhar com a garota, os lábios de Faye se estreitavam e a mão se comprimia. E lá tinha tanta gente...

Não era de admirar que estivesse temerosa, afinal, havia fugido de casa, provavelmente a policia já havia sido acionada e estavam à sua procura. Entendia que era impossível alguém reconhecê-la ao lago de Owen e não crer em um sequestro... Ideia que certamente poria um fim à sua fantástica nova vida.

Contudo, apesar dos seus medos e receios, mais uma vez deixou tudo nas mãos de seu cavaleiro de armadura. Compreendia que o companheiro vivia de instabilidade, mas ainda assim, toda a sua confiança pertencia a ele. Se o caçador a levara ali, é porque não haveria problema... ou, pelo menos, nenhum problema que eles não conseguissem lidar.

Mas ainda via a ameaça na face de cada estranho que passava por eles. E em seu intimo, com ou sem talismã, temia.

Alheio à tudo que a mente da menina processava, Owen andava e falava.

– Acho que antes de tudo. Antes de mostrar o que faço, explicar sobre o que eu conheço, sobre o monstro que a atacou e tudo mais, tenho que te mostrar a cidade.

As cores do não entendimento pincelaram o rosto da garota. O caçador riu.

– Claro que não estou falando de um tour pelos atrativos e pontos turísticos de Santa Felícia. – Por um instante pareceu ponderar – Bom, talvez isso de fato fosse interessante, se usado da maneira certa, mas o que quero te... Ensinar mesmo é sobre... Como se cuidar por aqui. Como sobreviver. Te mostrar o que acontece por aqui na realidade, te fazer enxergar as sombras que se escondem atrás do mundano.

O rosto da menina se iluminou de esclarecimento, mas uma dúvida ainda persistia. Não conseguia conceber que sua cidade natal fosse um lugar de tamanho perigo. Havia as ameaças comuns a todo o mundo, claro. Assalto, roubo, sequestros e assassinatos. Mas o modo como Owen falava... Aquilo a deixava consternada.

Mesmo com seus sérios problemas relacionados a tato social – consequências de uma mente orientada à loucuras – o caçador conseguiu perceber a insegurança da menina. Santa Felícia era sua cidade natal. Mesmo que, desde que uma fada monstruosa adentrara seu quarto, suas crenças e verdades fossem desafiadas, a imagem totêmica mental que era o lugar em que nascera, lutaria para não ser alterada. Mesmo que a criança odiasse o lugar.

– Certo, certo. É meio complicado aceitar. Mas você vai compreender uma hora. Tem que compreender. Ou algum dia vai se fo... Se ver em grandes apuros.

Consternada, fez que sim com a cabeça, mas ainda sem entender muito bem aonde o companheiro queria chegar. Sua cabeça resistia ás insinuações sobre o lugar onde morava.

Owen continuou.

– Bom, pra começar. Algo que já deve ter percebido. Não é como se fosse obvio à essa altura, mas, bem, o começo na maioria das vezes é o lugar certo pra começar... Não que eu faça o certo na maioria das vezes, como no dia em que eu fui ao... – parou de falar de súbito – Bah, isso é outra história.

Faye ouvia atenta, prestando atenção a cada palavra, a cada falha. De fato, não conseguia desprender seus olhos do rosto do caçador. Até mesmo o frio que se instalara em sues ossos pareceu poupar-lhe naquele instante.

Os insanos olhos de Owen canalizavam toda sua intensidade no semblante da pequena. O que estava passando adiante era de suma importância. Tamanha era a concentração que até mesmo uma gota de seriedade infiltrara-se em sua voz.

– Aceitar. Identificar. Analisar. Planejar. Executar. – Disse levantando quatro dedos. – Cinco coisas fundamentais que alguém tem que fazer para manter a pele à salvo por aqui em Santa Felícia. Pelo menos para aqueles que lidam com o lado escuro da moeda.

Anotando mentalmente aquelas cinco palavras, a garota assentiu com a cabeça.

– Nem de longe são as únicas coisas que se deve fazer, mas, com toda certeza, são as mais as mais importantes. – passou a língua pelos dentes – Tem gente que inclui o “pesquisar” logo antes do planejar, as vezes antes do analisar. De fato é algo bem apropriado de se fazer... Quando se tem tempo. Os que ficam enchendo o saco falando sobre o pesquisar ser imprescindível normalmente são mais cientistas e estudiosos do que tudo. Ficam longe do campo...

Sem motivo aparente, Owen virou-se para um casal de velhinhos que passa e foi para eles que disse a ultima sentença.

– Não entendem todo o terror de serem eles a estarem sendo caçados. O desespero de um ataque surpresa. A dor das decisões difíceis. E o halito da morte por trás de presas pontudas, prontas para rasgar a carne dos homens. – Disse isso com um sorriso cordial, como se cumprimentasse o casal.

Com um “oh” de assombro, a senhora foi arrastada pelo seu marido, que não parou de resmungar impropérios sobre o que os jogos de videogame fazem com a cabeça dos jovens até que a dupla improvável saísse de sua vista.

Quando o experiente caçador devolveu sua atenção à companheira, esta já se encontrava segurando seu caderno, terminando de escrever algo que, se pudesse, falaria. Ela terminou de rabiscar e entregou seu meio de comunicação para Owen.

“E você faz isso tudo??? Um passarinho me diz que não...” Era o que estava escrito.

Owen leu e não pode evitar a risada. Claro que na maioria das vezes não chegava nem perto de fazer o que deveria e a percebera tal coisa logo de cara. O jogo do louco não era o de um caçador comum, mas era a norma – que pouco passava por sua mente perturbada – que ele estava se esforçando em ensinar.

– Se eu faço isso? – olhava para a garota como um sádico a gabar-se zombeteiramente – Claro que não! Planos, preparos e etc. mal passam pela minha cabeça. Eu sei o que tenho que fazer, sei onde tenho que chegar e isso é mais do que o suficiente. Se algo não esperado acontecer, bem... Tenho um monte de coisas que não estarão sendo esperadas para responder à essas coisas.

Deu os ombros como se nada daquilo importasse.

– No fim das contas tudo se resume a chutar a porta, matar o monstro e pegar o tesouro. É só dar uns tiros aqui, explodir umas coisas ali e tudo fica legal. É verdade que eu tenho que saber como combater, como me proteger, como seguir e como procurar, mas na hora em que as coisas ficam quentes, o improviso combinado com cautela e com minha estabilidade mental é tudo o que preciso.

Ele olhou por sobre o ombro, preocupado, e em seguida cochichou para a menina.

– Se os leitores reclamarem do que eu disse, não ligue, é pura inveja e intriga.

Faye fingiu-se preocupada e, com os olhos arregalados, concordou vigorosamente. Divertiu-se com isso.

– De qualquer forma. É a velha história do faça o que eu digo e não o que eu faço... Na verdade, eu acho que seria melhor se todo mundo fizesse as coisas como eu faço, essa cidade ficaria muito mais animada e coisa e tal. Mas, tenho que lhe mostrar as coisas do jeito que ensinam na escola. Até porque, não faz sentido sermos uma dupla e termos os mesmos métodos, isso é completamente contra a leia de formação de duplas!

A menina ponderou mentalmente e imaginou que ele estava certo. Por mais que ele fosse seu galante cavaleiro de armadura, seu salvador, nunca conseguiria seguir exatamente seus passos caóticos. Ninguém conseguiria. Mais isso não era tudo. Mesmo em sua inocência infantil, ela sentia, como um pressagio, um sentir inexplicável que aponta o futuro, que estava destinada à outra forma de agir. A força que lhe indicava tal caminho, tal qual uma inspiração guia a mão do artista, era algo real. Estava no oxigênio que viajava em seu sangue, nos impulsos elétricos que varriam o seu corpo, estava em tudo. Fazia parte de seu ser. Ela sabia. Estaria ao lado do seu companheiro, mas nem sempre estariam em acordo.

Naquele momento uma realização começou a tomar forma na mente da menina e por um instante soterrou todo o seu pensar. Era uma daquelas ideias que vem de súbito, sem preparo e sem aviso. Uma concepção com vida própria que tem o poder de mudar uma pessoa, de alterar paradigmas, e que começava a infectar cada pedacinho da mente de Faye com suas consequências e possibilidades prescientes.

Mas, como uma bolha de sabão a estourar, tal percepção prodigiosa esvaneceu de seus pensamentos quando Owen voltou a falar. Só voltaria muito tempo mais tarde, em um momento em que a jovem estaria realmente pronta para entender a ideia em toda sua sutil complexidade.

– No momento não importa seja lá o que vai ser o seu modus operandi ou qualquer coisa que chamem essa coisa hoje em dia. Eu não lhe trouxe aqui hoje para fazer você detonar alguma coisa feia, escapar de algo mais feio ainda e coisa e tal. Nem mesmo to afim de te fazer pegar numa arma de verdade ou coisa parecida. Acho que nem iria conseguir atirar com uma coisa dessas de qualquer maneira.

Como Owen falava com um tom estranho em sua voz, Faye olhava para ele, confusa. Logo ele acabou esclarecendo o que acontecia.

– O escritor deve estar bastante irritado com essa coisa toda, não sei muito de literatura, mas dizem que é feio ficar repetindo toda hora a mesma coisa quando escreve. É como se fosse uma vingança, sabe? – piscou para a menina.

Faye sorriu, sempre achava engraçadas as tresloucadas fantasias literárias do companheiro.

– Finalmente, gostaria de acompanhar-me nessa épica aventura em busca de aceitar as coisas como elas são? Mas cuidado, assim como a pílula azul, não há volta.

Com um gesto de “a seu dispor” estendeu o braço para a garota.

Faye mau pensou na situação, alegre e sonhadora aceitou o braço do companheiro e deixou-se levar.

– Esse foi o primeiro passo, Faye, e foi um passo importante. Mas ainda não foi o mais difícil. Por favor, enquanto andamos, preste atenção em tudo. No ambiente, nas lojas, nas pessoas... Não deixe nada escapar.

Um sorriso maroto em seus lábios.

– E comece a se preparar para o que quer que esteja à frente.

De braços dados, o estranho casal se pôs a explorar as galerias do shopping.

...


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Notas finais do capítulo

E aqui vai mais um capitulo.
Não posso dizer que me agradou tanto quanto o outro. Me pareceu um pouco... bagunçado demais.
Repetitivo demais.
Não me senti vendo o shopping, vendo a cena. Sei lá

Aguardo opiniões ;)