Um Outro Conto de Fadas escrita por Ryuuzaki


Capítulo 21
Enfim, Uma Dupla - Parte 1




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O céu carregado daquela noite de mudanças anunciava, como um profeta de catástrofes, a grande tempestade que era formada em algum lugar dos céus do oeste. A umidade já atingia as ruas, viajando pela cidade através de ondas invisíveis e consumindo a atmosfera com o pressagio da chuva. Um vento gelado passeava pelo parque, mordendo a pele desprotegida dos caminhantes sem fazer distinção.

Faye e Owen caminhavam sem pressa em uma rua pouco movimentada que ficava a alguns quarteirões do apartamento. O experiente caçador mal parecia notar o clima carregado que envolvia a cidade, ao invés disso, parecia enxergar exatamente o oposto, por vezes parando em algum ponto aleatório de seu trajeto indefinido para abrir os braços e inspirar profundamente, como se aproveitasse o frescor de uma confortável noite de verão. Seu corpo parecia não sentir o frio que se intensificava a cada lufada.

A menina não compartilhava do sentimento de seu companheiro. Olhava receosa para o seu, temendo que a qualquer instante um exército de pesadas gotas de chuva despencasse das alturas. Com frequência apertava os braços sobre o tórax, não se contentando com a proteção que seu casaco vermelho lhe oferecia. Não era só o frio que a incomodava. Sentia um peso no ar, como se alguma coisa, além da chuva, estivesse se concentrando, esperando para acontecer. A tempestade não passava de um prólogo para o que viria.

Em um beco que se encontrava com a calçada, um mendigo velho e mal encarado praguejou em voz alta, reclamando do frio que fazia sua perna coxa doer. Owen não deu atenção ao homem, parecia mais interessado em cantarolar uma estranha melodia. Contudo, enquanto o caçador continuava a andar, Faye parou ante ao brilho do reconhecimento que momentaneamente iluminara os olhos do ancião.

Passando o olhar do Owen que se afastava para a garota que estacara, a expressão já carregada do desabrigado endureceu ainda mais. Seu olhar penetrante, ameaçador e carrancudo prendeu a menina onde ela estava por alguns instantes, mas logo um calafrio de medo percorreu-lhe o corpo infantil, não conseguindo lidar com a intensidade daqueles olhos. Por um momento aterrador, a menina pensou que o homem lhe reconhecera, que ouvira sua descrição de algum policial e que avisaria a todos que a havia encontrado. Contudo, logo percebeu que, na verdade, o homem conhecia Owen. Que era um caçador, que só podia ser um caçador, como ele. E isso a deixou com mais medo ainda.

Amedrontada, Faye adiantou-se até alcançar seu salvador – que parecia um tanto quanto alheio à sua ausência momentânea – e se esforçou para acompanhar seus passos largos. Tremeu novamente, desta vez de frio, e colocou o capuz sobre a cabeça, mas não reclamou. Apesar de tudo, confiava em Owen, sabia que ele era perigoso, mas não temia. Naquele momento de horas atrás, quando aceitara a xícara de chá, sentira em sua pele, em seus cabelos, em cada célula de seu corpo, que uma espécie de magia anciã estava em ação; um contrato fora firmado entre os dois e os ligaria até o fim de suas vidas.

Enquanto a menina sonhava com o futuro, seu professor discutia consigo mesmo sobre o passado. Tanto tempo passara sozinho, tantas vezes fizera aquele caminho que não deixava de achar estranha a companhia. Tudo bem que aceitara a presença da garota, mas algumas vozes em sua cabeça ainda pareciam discutir sobre o assunto sem parar. Afinal... Não tinha boas lembranças da ultima vez que estivera com uma criança.

O “clap” do tapa que o caçador aplicou na própria testa foi alto o suficiente para atrair a atenção de alguns dos transeuntes que se preocupavam com seus próprios atrozes problemas corriqueiros. Ou seja, muito alto. Não deu a mínima para ser a nova celebridade volátil daquela rua, o que importava para ele é que apenas aquele gesto já fora o suficiente para tirar-lhe de dentro de sua mente. Fato que o desconcertava imensamente, quase perigosamente. Por um milésimo inteiro ele se preocupou com o acontecido, e então voltou-se para a garota.

– Desculpa o silencio... Chapeuzinho Vermelho. Estava tão acostumado a andar conversando com o diabinho, o anjinho, o oni, o cavaleiro, o mini-cthulhu, o... enfim, todas essas vozes que ficam falando um monte de besteira para mim, todas loucas elas, por sinal, mal consigo entender o que dizem... Teve até uma vez que... Ah, sim, como eu ia dizendo, estava tão acostumado a vagar sozinho que esqueci que eu deveria conversar com meus companheiros do lado de cá.  – Disse, após um longo período de silencio, enquanto sorria para a menina.

Faye respondeu ao sorriso dele com uma máscara de pura alegria. Sem deixar transparecer nenhuma de suas preocupações. Naquele instante, pareceu nem mesmo sentir frio.

– De qualquer forma, breve vamos chegar lá.

– Onde quer que seja esse lá – Diria Faye, se pudesse.

O caçador ofereceu a mão para a garota, que, feliz da vida, aceitou.

Alguns pedestres olharam de soslaio para os dois companheiros e não viram nada de estranho. Imaginaram se tratar de um casal de irmãos com um gosto duvidoso em relação ao tempo apropriado para um passeio.

Mais tarde, nenhum deles se lembraria de ter visto Faye.

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Notas finais do capítulo

E aí, pessoal? Consegui mudar um pouquinho minha narrativa?Ela será melhor para o desenvolver da história?Os personagens continuam fieis à eles mesmos?Esse cap saiu rapido, não sei se o proximo sairá na mesma velocidade.Para quem chegou até aqui... obrigado =D