Um Outro Conto de Fadas escrita por Ryuuzaki


Capítulo 19
Vida Nova - Parte 1




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Assim que a consciência reclamou seu corpo adormecido dos inefáveis  tentáculos daquilo que fora uma longa noite de um sono negro – completamente desprovida de sonhos –, os olhos de Faye começaram a abrir-se preguiçosamente, aos poucos contemplando, sem entender, o ambiente que a rodeava.

Uma ideia, algo como uma percepção distante e enevoada, pareceu se fixar em seu cérebro semi-adormecido. Contudo, tal estímulo não conseguiu ser traduzido pela parte consciente de seu ser, foi atirado numa condição intermediária e inquietante; não conseguia cair nos gentis braços do esquecimento e tampouco atravessar as águas enevoadas que eram a sonolência. Era como uma coceira na mente da garota, que estava sendo devidamente ignorada.

 Levantou as costas devagarzinho e logo reconfortantes espasmos percorreram todo o seu corpo, causando um gostoso espreguiçar. Seus braços pequeninos foram ao alto, contorcendo-se com o prazer inerente ao gesto, e então proferiu um longo e silencioso bocejo. Não se lembrava de algum dia ter estado tão descansada, de ter dormido tão bem. Toda a fadiga havia esvaído de seu corpo, ou talvez simplesmente nunca existira, como se seus músculos nunca houvessem provado do rígido toque do esforço. Parecia-lhe que nascia novamente, o agora tinha todo o sabor de um primeiro dia de vida, como se onde dormia fosse um grande útero que representava toda uma nova existência e se visse livre de todas as máculas e extenuações de seu passado.  Passado?

 E também estava feliz. Acima de tudo, estava feliz.

 Umedeceu os lábios com a língua e então piscou os olhos algumas vezes, ainda com um pé nos territórios da dormência. Não conseguia lembrar-se com clareza o porquê de estar tão animada. Mas estava. Tentou evocar uma lembrança sequer do que lhe havia acontecido recentemente, porém, nada mais que seu despertar atingiu a sua mente. Grogue e com um sorrisinho alegre nos lábios, olhou ao redor, procurando em vão algo que respondesse seus devaneios e suas dúvidas, mas nada do que viu aplacou seus desejos. O sono ainda afetava sua vista.

Levou os punhos fechados aos olhos e os esfregou preguiçosamente. Queria despertar, encontrar a peça que faltava naquele quebra cabeça. Mas, estava tão relaxada que, mesmo liberta de qualquer cansaço que pudesse afetar a carne, poderia voltar a dormir e só despertar horas mais tarde. Piscou mais algumas vezes e prendeu um novo bocejo. Pousou a mão onde dormia e sentiu, bem de leve, com a ponta de seus dedos, uma das dobras do sofá por baixo do aconchegante cobertor. Alisou o pano felpudo e com o frescor de uma noite de garoa – exatamente do jeito que ela adorava – e logo sentiu vontade de deitar-se novamente... Mas... Sofá?

Não fora a visão que despertara sua mente. O tato que tivera o poder de despertá-la. Sem demora aquela insistente, mas insípida, coceirinha no fundo dos pensamentos pareceu entorpecer todo o seu cérebro.  A garota quase conseguiu ouvir o estalo das barreiras entre a dormência e o consciente sendo destruídos pela torrente de informações que agora, como água represada sendo liberta, jorrava por um campo novamente desobstruído.

Percebera o que desde o inicio havia sido registrado por uma parte entorpecida de seu ser: Não estava em sua cama.

Confusa – e agora completamente desperta – perscrutou o lugar, tentando descobrir onde estava. Procurando encontrar em suas lembranças uma âncora a qual conseguisse relacionar com seu passado recente. Viu-se na sala de algum apartamento desconhecido. Um lugar simples, ao contrario de sua casa, sem muita opulência ou gastos desnecessários com aparência, no entanto, era arrumado, confortável. Os poucos moveis que habitavam o cômodo pareciam limpos, quase novos, os objetos que haviam no lugar não aparentavam muito uso.

A sala parecia grande demais para as poucas coisas que continha. Logo em frente ao sofá estava uma mesinha de centro recheada de coisas aparentemente aleatórias, duas estantes que iam até quase o teto carregavam livros no lado oposto à porta e uma mesa de escrever – com um curioso quadro contendo recortes de jornal por companhia – era tudo o que lá havia, além das duas solitárias cadeiras encostadas em um canto esquecido. Não havia televisores, não havia rádios e, se alguém observasse rapidamente o lugar, perceberia que as cores e os estilos das coisas destoavam de um modo que incomodaria a maioria das pessoas.

Aquele apartamento era completamente alienígena para ela. Tinha absoluta certeza de que nunca deitara seus olhos sobre aquela paisagem. No entanto, estava lá. E não fazia a mínima ideia de como fora parar naquele lugar. Ficou de joelhos no sofá e olhou para os lados, preocupada. Que lugar era aquele? Como e porque estava ali?

O desespero começava a subir-lhe pela garganta, sufocando-a. O coração batia acelerado, na expectativa do que estava por vir. Porque não estava em casa? Em sua cama? Começou a ofegar. Não sabia o que fazer. Havia sido sequestrada? Roubaram-na de seu leito enquanto tinha uma bela e indefesa noite de sono?

O som quase inexistente de um passo abafado chegou aos seus ouvidos, vindo de algum lugar atrás dela, no exato momento em que ela planejava se mexer, levantar e descobrir um jeito de sair daquele lugar desconhecido. Um arrepio percorreu toda sua coluna e seu corpo inteiro gelou. Os ombros foram para cima, em um ato reflexo de surpresa e medo. Quis gritar, mas sabia que não podia. Os olhos começaram a marejar de medo. Um pensamento deslocado surgiu em sua mente, percebeu que ainda se sentia descansada e feliz. Contudo, quando a voz foi proferida, quase pulou, assustada.

– Desculpa ter colocado você no sofá. Se tiver ficado desconfortável, pode brigar comigo. Mas é que não dá pra usar as camas. – Owen disse enquanto adentrava o recinto.

Faye virou-se para trás, já sem medo algum em seu coração. Conhecia aquela voz. Era a voz de seu salvador, a voz do matador. Era Owen que chegava. Memórias recentes e curiosamente esquecidas voltaram a agitar sua mente. Como pudera esquecer? A fada, os tiros, o incêndio... Seu príncipe cavaleiro? A escuridão em sua mente se desfez, lembrava de tudo agora. Realmente não conhecia a casa, estava quase desmaiando de sono e cansaço durante o longo percurso a pé até onde o caçador morava e ele galantemente a carregara nos braços, na ultima etapa da cansativa jornada, logo seus olhos não conseguiram mais manter-se abertos e acabou por dormitar. A única coisa que registrara depois disso, fora acordar no sofá.

Deixou de lado as duvidas e ponderações, e decidiu começar a, de fato, viver sua nova vida. Seu maior desejo havia se realizado, não da forma que desejara no inicio, mas de um jeito mágico, inesperado e um tanto quanto assustador. Contudo, a despeito de toda a loucura e perigo que agora teria que lidar, não estava nem um pouco decepcionada com a dádiva que recebera. O instante em que acordara no sofá do apartamento de Owen seria um novo marco, o divisor de águas que separa o pesadelo acordado em que vivia em sua antiga casa e o mar das novas possibilidades.

Não teria mais que passar dias melancólicos e febris presa em uma casa com pessoas que apenas fingiam se importar – isso quando realmente estavam em casa – agora viveria o momento, fora imersa em um mundo de liberdade e de aventura. E de perigos e monstros também, ela sabia, ela vira. Mas, uma vida que queria para si, que aceitara.

Contemplou o caçador com um sorriso de pura felicidade, os olhos marejaram de emoção. Era um sorriso inocente, puro. De alguém que havia conseguido tocar um pedacinho de seu paraíso e se via realizado. O sorriso de uma criança.

O rosto de Owen esmoreceu, sentiu o cansaço o abandonar e então relaxou. A cena o tocara, trouxera esperança ao seu coração e aplainara as duvidas que tinha sobre o gesto de ter salvado a menina e a lançado no mundo louco e frenético em que vivia. Ainda não estava certo de que fora o melhor a fazer, nunca estaria, mas, naquele momento, soube que Faye estava feliz. A imagem daquela cena ficaria em sua memória até o fim de seus dias, sempre que se lembrasse da garota, seria aquela imagem que saltaria de sua mente.

O caçador respondeu ao sorriso com toda gentileza e se dirigiu à convidada. Os olhos de Faye não despregavam dele.

Ele trazia dois copos de vidro escuro na mão. Por algum motivo Faye percebeu que, qualquer que fosse o liquido que continham, deveria estar quente. Owen logo ofereceu um dos recipientes para a garota.

– É chá – ele disse – feito com folhas mesmo, e mais umas coisinhas. Nada daqueles saquinhos estranhas que tem por aí. – Tem um gosto estranho quando chega no fundo da língua. Não ruim, mas estranho. E pode deixar sua boca um pouco dormente também. – olhou para cima, ponderando – Essa belezinha aqui deixa os reflexos e raciocínio bem afiados, aumenta um pouco a concentração também, e não deixa dormir enquanto você esta fazendo algum tipo de esforço.  – A mão foi ao queixo, alisando uma longa barba inexistente – Sempre tento fazer ficar com um gosto bom e colocar gás. Seria um baita refrigerante de sucesso, o preferido dos vestibulandos. Coca viraria tubaína do lado disso aqui.

A garota estendeu as mãos para pegar a bebida.

– Cuidado, tá meio quente ainda. – Sorriu.

Ela já sabia. Respondeu com um riso maroto e agarrou o copo com presteza.

Como uma brisa acolhedora, ambos sentiram que o gesto selara um contrato entre os dois. No instante em que a garota aceitara o que o louco lhe oferecera, passaram a verdadeiramente ser uma dupla.


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Notas finais do capítulo

==============================================================Voltei a escrever essa história =DDesculpa a demora. Espero que ainda tenham interesse nessa dupla pra lá de exdruxula.Gostaria que me informassem se eu consegui manter a qualidade da história. Por vezes tenho a impressão que me arrasto de mais e só falo coisas sem importancia (principalmente no proxima cap) e em outras tenho a impressão de que esta tudo bem.De qualquer maneira, descobri uma musica otima para ser musica tema da Faye.Digam o que acham depois =Dhttp://www.youtube.com/watch?v=RaGCtm2NBXY&playnext=1&list=PL5EDE3FF73326969Ehttp://www.allthelyrics.com/lyrics/beautiful_sin/take_me_home-lyrics-1052109.htmlNa verdade a musica é sobre uma situação que ainda irá ocorrer. Fica aí como dica do que esta por vir. (mas acho que inguem vai acertar ;x)