Um Outro Conto de Fadas escrita por Ryuuzaki


Capítulo 1
À Espera da Fada - parte 1


Notas iniciais do capítulo

Tomo 1: Sobre Meninas e fadas



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Era uma vez...

 

A madrugada avançava em Santa Felícia – A Boêmia da Califórnia – e, como todas as outras “uma hora e meia da manhã” de domingo, a cidade fervilhava de atividade. A maioria dos adultos estava nas ruas, em alguma festa, bar, ou qualquer uma das inúmeras atividades noturnas que as cercanias tinham para oferecer. Para isso, deixavam seus filhos em casa. Os pais de Faye não eram exceção, mas, diferente das outras crianças, ela não dormia.

 

A menina estava deitada em sua cama. O cobertor rosa que lhe aquecia nas noites de frio estava puxado até seu pescoço e o abajur no criado mudo estava aceso, jogando uma luz pálida e tímida em um pequeno canto do quarto. Qualquer um que adentrasse naquele recinto tão graciosamente decorado - o aposento de uma garota sonhadora – e olhasse para sua ocupante, poderia apostar a própria casa que ela estava dormindo, com a mente perdida em sonhos desconhecidos, contudo, a jovem não dormia. Mantendo seus olhos cerrados e controlando sua respiração, para que esta parecesse serena e regular, – coisa que havia aprendido logo cedo, na época em que seus pais mais brigavam – Faye apenas fingia que descansava, pois, na verdade estava mais do que desperta e aguçava seus sentidos e prestava atenção em tudo o que acontecia. Afinal, não queria perder por nada nesse mundo o momento em que a fada pisasse no seu quarto.

 

Faye Luzia era uma garota não muito diferente das outras de sua idade, tinha pele morena, o que denotava sua descendência mexicana, seus olhos era levemente puxados e castanhos escuros, combinando com o preto de seu cabelo liso que descia-lhe até o meio de suas costas delicadas, seu pequeno nariz era arrebitado, o que de certa forma acabava contrastando com sua timidez. Não era de muito tamanho e seu rosto era redondo, com maçãs altas na bochecha, o que lhe dava uma aparência mais nova do que os onze verões que havia vivido. Por incontáveis vezes já atribuíram uma idade mais tenra do que a original para a garota, coisa que ela odiava, afinal se achava esperta por demais para seus onze anos, quanto mais para dez ou oito, valor que costumavam lhe atribuir, Contudo, Faye nunca reclamava, se limitava a fazer uma careta de desaprovação.

 

A garota deixou o que seria o inicio de um longo suspiro escapar, mas este logo foi suprimido por ela, arruinando porém, por alguns poucos segundos, seu disfarce perfeito de alguem que dorme. pensou palavras duras sobre si mesma, chamando-se com as palavras mais ofensivas que a sua mente infantil e inocente conseguia conceber, mas, estava sendo dura demais consigo mesma, já estava deitada, imóvel por cinco longas horas e nem ao menos sabia quanto tempo mais iria ter que passar para que sua espera terminasse, sabia apenas que terminaria. Tinha certeza de uma coisa: a fada viria.

 

Faye era muito esperta para a idade, compreendia as coisas de um modo que alguns adolescentes não conseguiriam, mas, essa não era sua característica mais peculiar. O que a diferenciava das outras crianças era que – mesmo vivendo em um mundo dominado pelas ciências exatas, onde nem mesmo mais as infantes acreditavam em velhas histórias – pensava nas fabulas como algo real. Alguns estranhariam esse fato, tentariam entender o porque de uma garota tão inteligente quanto ela ainda crer em histórias da carochinha. A resposta era obvia, afinal, toda e qualquer singularidade que um menino ou menina venha a apresentar, os culpados são sempre os mesmos, os pais.

 

O pai e a mãe da garota que fingia dormir haviam sido feitos um para o outro. Ambos boêmios degenerados, amantes da vida noturna e de todos o prazeres que uma cidade como Santa Felícia têm para oferecer. Após se conhecerem não demorou muito para decidirem viver juntos, aproveitando para fazer uma grande festa de casamento, poucos anos depois, Miriam ficara gravida da filha, porém, diferente do que muitos pensaram, o casal de festeiros não se aquietou com o passar dos anos e tampouco com a nova responsabilidade de cuidar de uma criança. Desta maneira, Faye vivera a maior parte de sua infância sem a companhia de seus pais.

 

Por causa de tal afastamento a garota passara boa parte de sua vida em companhia de sua babá, uma velha negra que adorava contos-de-fadas, e não cansava de os contar para a pequena Faye – “histórias de fadas para uma fada”, dizia a babá - especialmente sobre a fada dos dentes, lenda a qual a menina mais gostava de escutar. Somando isso à enorme carência emocional criada pela ausência dos pais, Faye se agarrava com todas as forças a crença de que fadas existem.

 

Agora que tinha mentalidade e sabedoria para desaprovar o meio com qual seus pais passaram a vida e a trataram desde que nasceu, a jovem detestava seus progenitores e, desde de que o casal de beberrões começara a ter constantes brigas violentas dentro de casa - motivadas tanto por traições, quanto por altos níveis de álcool no sangue – a filha tem alimentado planos secretos de que talvez pudesse fugir de sua residencia, abandonar aqueles dois que ela já não mais considerava como pais e viver com pessoas que realmente se importassem com ela. Não tinha porem nenhuma ideia sequer do que fazer, e continuaria assim por muito tempo. Porem, naquele dia de sábado, o ultimo dos dentes da garota havia caído.

 

Era tudo o que a menina precisava. Aguentara mais um dia na casa e então, quando a noite chegara e, assim como o sol, seus pais saíram, a jovem colocara seu delicado dente de leite embaixo do travesseiro. Não sabia quanto duraria a espera. Sabia apenas que a fada viria.

 

E a levaria daquele lugar.

 

Uma lagrima solitária, feita de pura felicidade e emoção rolou pelos olhos da garotinha quando pensou que a agonia logo terminaria, que ela sairia dali junto com sua amiga fada. Suspirou novamente, mas sem se dar conta.

 

Por um instante fugaz os ouvidos de Faye Luzia captaram um ruido, que quebrara de súbito o silencio que reinava no quarto. O coração da garota deu um pulo em seu peito, será que a espera havia finalmente acabado? Não. Percebeu que o que ouvira não passara de um espirro abafado, vindo de algum lugar. Fadas são seres mágicos, não ficam doentes – pensou a garota – portanto não precisam espirrar. A espera continuava.

 

A fada viria...

 

… Mas ela não era como Faye imaginava.

 

 

...

 


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Notas finais do capítulo

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Este capitulo pode ser um pouco sem graça, mas o proximo, garanto-lhes, será mais interessante.