Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 6
Pink Mist




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6 - Névoa Rosa

[14:41] 26/9 — Agora, Tenjin-bashi-suji Rota 14, Naniwacho

Não havia som algum, as respirações eram baixas e quase imperceptíveis. A brisa balançava meus cabelos e trazia um cheiro leve de grama fresca e algo podre. Bastava olhar para os lados e membros mutilados e corpos estraçalhados era a nova decoração da estrada. Aquele era o pano de fundo de um mundo submerso na insanidade.

Os corvos grasnavam, urubus pairavam nos céus e ao longe outros grunhidos e urros eram escutados. Nada perturbador demais.

— Grande ideia, ir pela estrada! — Karin reclamou pela primeira vez, tentando amenizar a tensão que alimentava o silêncio. — Se quiser nos matar logo, é só colocar uma música ou quem sabe ativar o alarme dessa porcaria.

— O carro pode ir mais rápido em asfalto, Karin. Num plano tapete de concreto, se ainda não notou... — murmurei rispidamente tentando ignorar o cheiro podre que começava a invadir o carro. — É por isso que nunca conseguiu a carteira. Você é uma droga dirigindo.

— Assim diz o menino prodígio. — ela devolveu o tom ácido na voz em seguida. Noutros tempos aquela frase carregada de acidez traria uma série de trocadilhos e piadas insignificantes, talvez estivéssemos rindo ou trocando chutes nas canelas.

Mas os velhos tempos estavam enterrados, tal como parentes e amigos. Definhariam na memória até que um tempo melhor surgisse. Encarei Karin levemente e ela apenas endureceu a face e voltou a contemplar a paisagem moribunda.

Os prédios que cercavam ambos os lados da longa avenida tinham cartazes rasgados, letreiros intactos e alguns com letras caídas. A maioria dos prédios tinha o terraço destruído. Escombros e bicicletas estavam jogados entre os prédios e nas calçadas. As placas estavam tortas e pichadas com avisos para ficar longe.

Depois de seguir em linha reta, estacionei o carro no meio da encruzilhada de asfalto. Mais adiante era impossível seguir de carro graças aos outros automóveis que estavam abandonados em diversas posições ou capotados.

— Ah, finalmente! Eu não aguentava mais ficar aqui! — Yahiko reclamou e saltou da picape 4x4 rapidamente. Shikamaru desceu do banco do passageiro e se espreguiçou juntamente com Yahiko, Kankuro e Karin bateram as portas do carro com força e se se encostaram à lataria.

— Pare de reclamar um pouco cara... Sua voz é irritante demais... — Kankuro comentou com leve desprezo e o empurrou. Ambos trocaram sorrisos distraídos e ignoraram-se. — Parece até com a Karin. Digo, quando ela ainda consegue falar baixo.

— Vá à merda, bastardo! — ela retrucou e socou seu ombro com força. Aquela encenação quase me fez acreditar que eles realmente não sabiam que o Uchiha estava sendo analisado e avaliado em cada expressão que lançava diante de cada mínimo diálogo.

Mais alguns minutos daquela calmaria e realmente poderia considerar de que ainda havia normalidade naquele mundo. Mas simplesmente não existia sabendo que a morte e desesperança andavam lado a lado.

— Vamos nos dividir em dois grupos. Eu lidero o primeiro e a Haruno o segundo. — defini rapidamente após alguns minutos e a atenção de todos pararem sobre mim. — Meu grupo vai pela esquerda e o seu pela direita. Há muitas lojas por aqui, peguem tudo o que achar necessário e descarreguem a cada hora no carro.

— Sasuke fica comigo. — ela decretou cruzando os braços. Automaticamente ele se moveu para perto dela e sorri com escárnio.

— O Uchiha vai ficar onde eu achar melhor. E vai ser melhor ele ficar longe de você. O rapaz precisa tomar as próprias decisões sem consultar a oráculo... — retruquei e ela arqueou a sobrancelha. — Eu não posso saber se ele realmente tem bolas para matar alguém se fica atrás do consentimento de uma garota, sem muitas ofensas.

Houve o falso burburinho sobre quem estava certo tal como a desconfiança, o riso e a raiva esperados de cada um. Eu não podia negar que todos cumpriam seus papéis com excelência e o Uchiha demonstrava o inesperado. Começando pela sua postura firme e o olhar indiferente quando passou a frente da Haruno e me encarou furiosamente.

— Não me tratem como se eu não tivesse opinião. Eu fico no seu grupo, Uzumaki. — ele disse com convicção e um sorriso tão cínico quanto sua expressão. — Afinal, não precisei do consentimento de ninguém para decidir isso.

— Há primeira vez para tudo nessa vida. — desta vez foi Karin quem comentou com um aberto sorriso de deboche nos lábios e a postura totalmente relaxada contra a lataria. — Ah, como disse o Naruto: sem muitas ofensas.

A tensão e adrenalina clamavam por uma briga regada à velha violência e aos disparates baratos. Tudo indicava ao ar de desafio estagnado no ar, mesclado com a poeira levantando numa brisa forte e à ordinária vontade de socar alguém até os punhos doerem.

Aquela ebulição de emoções e de desafio era cuidadosamente exposta, debaixo de palavras ácidas e sorrisos hostis. Todos cumpriam seus papéis e o Uchiha estava começando a superar as expectativas.

Conclusão: ele era manipulável. Perigoso e ainda assim manipulável.

— Kankuro, Shino e Yahiko ficam com a Haruno; Karin e Shikamaru comigo. Shino sabe onde encontrar comida e Yahiko algumas drogas que você pode usar a seu favor, não me interessa para o que. — avisei tentando conter a vontade miserável de acabar com o sorriso zombeteiro que Yahiko lançou em seguida. — Peguem roupas, medicamentos, comida e água. Algumas lojas vão ter produtos eletrônicos, então peguem pilhas e procurem nos mercados na seção de ar livre. Provavelmente vai ter alguma coisa lá.

— E por quantas horas vamos ficar aqui? — Kankuro perguntou enquanto destravava seu revólver e o guardava no coldre preso à perna.

— No máximo por cinco horas. Se esse carro ficar cheio, tentem fazer ligação direta em algum carro. Gasolina não vai faltar, acredite. — Shikamaru orientou sem alterar a expressão de tédio. Ele bufou alto e se espreguiçou outra vez.

Cada um pegou uma arma e escolheu entre o facão, a machadinha e o taco de basebol. As munições foram divididas com exatidão e as rotas discutidas. A Haruno me lançou um longo olhar duro e raivoso antes de dar as costas e partir com seu grupo. Não era necessário encarar o Uchiha para saber que ambos partilhavam das mesmas emoções.

Karin jogou seu rifle para o Uchiha e piscou, como se realmente tivesse algum significado malicioso no ato.

— Vamos às compras, vadias.

[10:02] 11/7 — Setenta e um dias antes, Distrito de Osaka

O silêncio era no mínimo necessário àquela altura. A luminosidade era extremamente calculada e transpassava entre tábuas pregadas e caixotes colocados às pressas nas janelas. Qualquer ruído indicava perigo. A poeira e a madeira podre das tábuas indicava que o lugar estava abandonado há tempos.

Não importava o quão quieto estivesse eu simplesmente não conseguia fechar os olhos, pois a imagem da menina se debatendo em meus braços ainda circulava fresca em minha mente e se eu ousasse virar um pouco a cabeça, encontraria o local onde o corpo dela havia sido enterrado às pressas.

Não havia lápide, apenas a estrutura interna de uma janela pequena enterrada na lateral, formando uma cruz torta.

O segundo andar daquele prédio estava em péssimo estado, mas a janela circular fornecia uma boa visão do que acontecia parcialmente em volta e mais a frente. Eu tentava encontrar o sentido sobre tudo o que estava acontecendo, mas apenas flashes rápidos dançavam na minha cabeça.

— Era a sua filha?

A voz baixa e apenas curiosa do rapaz de cabelos espetados e presos no alto da cabeça me fez encará-lo surpreso, ele agachou, começou a encarar a janela e fiz o mesmo. Respirei fundo e encarei a pequena cova.

— Não. Ela... não passava de uma criança. — murmurei estranhando a forma grogue e arranhada que minha voz soou. Esfreguei os olhos com força e suspirei. Apenas uma criança que morreu chamando pela mãe, soluçando e se debatendo nos meus braços.

— Shikamaru Nara. — ele disse e estendeu a mão direita. Mas apenas o encarei e ele apontou com a cabeça para a mão estendida. — Meu pai acreditava que o aperto de mão de outra pessoa acaba dizendo muito sobre ela.

— Seu pai está vivo por acaso? — questionei sabendo que aquilo poderia ser rude e cínico levando em conta as circunstâncias. Vi o desespero em seus olhos e senti certa culpa. Eu estava daquele modo até levar um tiro.

— Prefiro acreditar que está. — ele murmurou fracamente e voltou a encarar a janela, cerrou as mãos e as enfiou nos bolsos da blusa de moletom que usava. Imitei-o e permanecemos em silêncio.

Não demorou muito e minha mente explodia entre informações e perguntas das quais eu temia as respostas. Havia culpa em meus ombros, a insanidade mesclando-se a cada pensamento e os flashes do que estava acontecendo. Cada memória era um borrão confuso e barulhento, gritos e sangue estavam em cada uma.

O falho feixe de luz que iluminou meu rosto era agradável e quase remetia à normalidade de acordar num dia ameno e correr para o trabalho. A poeira dançava em flocos minúsculos sob a luz, descendo e subindo no ar. Era apenas outra forma desesperada de não encarar o pedaço de madeira fixado no solo a poucos metros.

As tábuas do piso rangeram, indicando que mais alguém estava ali. Virei o pescoço e pouco depois desviei o olhar para a calmaria lá fora.

— Eu preciso dar uma checada em você rapaz. — a voz autoritária e cautelosa da mulher loira soou acompanhando o ranger da madeira. Ambos aumentaram e ela se agachou e pousou a mão sobre minha testa.

— Eu estou bem. — murmurei, mas não a impedi de verificar a situação. Ela escorregou dois dedos para meu pescoço e pressionou-os levemente. Encarei-a com certo desconforto e ela arqueou uma sobrancelha. — Estou bem! Inferno!

Ela parecia concentrada demais em verificar o ferimento em meu peito e o tocou suavemente. Grunhi irritado, mas ela simplesmente pegou um punhado de gaze e uma quantidade pequena de álcool num vidro pequeno e a molhou sem moderação. Mordi o lábio inferior com força ao sentir a ardência, ela esfregava com cautela e depois colocou outra gaze - desta vez seca - e improvisou um curativo.

— Você vai sobreviver. Só está um pouco inchado, mas nada muito preocupante. — sua voz era tão monótona quanto seu olhar abatido e cansado, todos seus movimentos pareciam mecânicos e parte de um processo repetitivo e longo. A vontade de perguntar se ela realmente sabia o que estava fazendo não era pequena. — Talvez em pouco tempo você tenha uma cicatriz aí, nada preocupante...

Ela levantou os olhos e encarou o rapaz ao meu lado. Ambos se cumprimentaram num aceno mudo e sorriram fracamente. Eu não entendia por que ela conseguia lidar com tudo como se fosse dentro do esperado, ignorando que nada estava anormal e que uma criança estava morta.

O mundo estava acabando, o que eu poderia esperar? Flores e abraços?

— Saber que uma criança morreu por causa do que há lá fora não é nada preocupante por acaso? — disparei nervoso e ela me encarou séria. Franzi o cenho e tentei encontrar as palavras certas, mas não havia mais certo e errado. Haviam explodido. — O mundo está um inferno, pessoas estão morrendo! O governo mandou matar as pessoas. Por quê?

— E você pensa que eu sei todas as respostas? Cresça um pouco. — ela disse com cinismo e com os olhos severos. Ela não expressou nada além daquilo e seu rosto endureceu rapidamente. — Pessoas morrem todos os dias, só que não era por um vírus desgraçado ou por um bando de doentes rasgando gargantas.

Ela respirou fundo, se aproximou um pouco e bufou.

— O mundo está mesmo um inferno, garoto. E não há nada que você possa fazer para mudar isso. — ela finalizou com a voz baixa e o olhar fragilizado. Um nó se fechou em volta da minha garganta, afinal ela estava certa.

— Tsunade-sama! Há um deles lá fora! — a mulher de cabelos róseos disse no topo da escada, absurdamente assustada e trêmula. E de imediato a tensão predominou cada um.

Minha mandíbula trincou e eu sentia minhas mãos frias, o suor frio começou a umedecer minha pele e minha mente recriava a cena. Eu estava correndo com ela em meus braços. Fique perto de mim. O arranhão no braço e os gritos insistentes pela mãe. Tudo vai ficar bem. Lembre-se dela por mim, certo? Eu conseguia me lembrar do modo como ela se debateu e como o choro dela era agonizado e triste.

Fique perto de mim.

A mulher continuava falando baixo, instruindo algo e pedindo calma. E quando ouvimos o primeiro grunhido e depois houve o silêncio, virei o pescoço na direção da janela e tentei esticar a cabeça para tentar enxergá-lo. Regredi quando ouvi o segundo grunhido que mais se assemelhava a um urro de dor do que outra coisa.

(Soul Battles)

Ela era apenas uma criança. E está morta agora.

— M-Me aju...! — um urro sucedeu as meias palavras e depois outro.

Estiquei o pescoço e o choque me congelou quando vi um homem curvado sobre a cova da menina. Ele afundava as mãos na terra e puxava o máximo de terra que conseguia. Levantei ignorando as pontadas de dor em meu corpo e os avisos baixos proferidos pelos demais. A imagem da menina me atormentava, tal como o homem lá fora.

Ouvi outro grunhido, o ranger da madeira e outra série de perguntas. Alguém segurou meu braço, mas simplesmente me soltei. O que diabos estava acontecendo?

Marchei pelo primeiro andar procurando a pá que havia usado na cova dela. Agarrei-a pelo cabo e afastei as caixas e o armário que bloqueavam a porta. A maioria estava vazia e a adrenalina se mesclava com a raiva. Meus músculos tencionaram quando houve espaço o suficiente para abrir a porta. Empurrei a madeira com força e saí.

— Espere seu idiota! O que pensa que está fazendo?

Eu não conseguia discernir qual das duas mulheres havia gritado aquilo. O homem a poucos metros à minha frente fincava as unhas na terra e a cavava, estava ajoelhado e meio curvado. Entre grunhidos e gritos ele remexia a cabeça para os lados, reclamando quando as feridas longas nas costas pareciam abrir um pouco mais.

Hesitei quando ele grunhiu mais feroz do que antes e rosnou um palavrão. Ela não pode ficar. Sinto muito.

— Ei! EI IDIOTA! —bradei marchando em sua direção quando a cruz da cova ficou mais torta. Acelerei os passos aos poucos, mas ele simplesmente me ignorava e urrava.

Ouvi os passos atrás de mim e segurei a pá com mais força.

— EI, SEU PEDAÇO DE MERDA! — gritei quando estava a meio metro de distância. — EI, OLHE PARA MIM QUANDO EU FALO COM VOCÊ! SEU ANIMAL!

Ele virou o rosto lentamente, interrompendo seus movimentos. Os olhos estavam vermelhos, com os cantos mis ainda como se algumas veias tivessem estourado. Havia sangue em sua boca, braços e costas; ele olhava fixamente para mim e mal se movia. Afastei-me dois passos e ele virou a cabeça, confuso como um animal e expressou-a.

— P-Por fav... or... Me aju... de... — ele murmurou com dificuldade, rosnando e choramingando entrecortado. Sua respiração ficou alta e ofegante, então seu corpo tremeu violentamente e ele fincou as unhas na terra, umedecendo-a com sangue e saliva. Ele levantou de supetão, riu e grunhiu ao mesmo tempo.

— Puta mer...! — gritei assustado e me afastei quando ele avançou meio trôpego, com as mãos estendidas e os dedos meio dobrados. Exatamente como uma pessoa desesperada ou um animal furioso e faminto faria. Ele repetiu o golpe e me esquivei.

Meus dedos tremeram quando acertei a pá contra seu estômago e o barulho alto surgiu, ele recuou e mexeu violentamente a cabeça para a esquerda, estalando ossos no processo. Seu rosto era um conjunto de indiferença, dor e sangue.

Aquilo não era humano.

Ele avançou ferozmente e gritei quando a menina surgiu em minha mente, avancei contra ele e acertei a pá em seu rosto com força. Ele grunhiu e tremeu; acertei-o outra vez e ele caiu. Em poucos passos o alcancei e ergui a pá. Eu não sentia mais a força que exercia em meus próprios músculos, não conseguia ouvir nada além do barulho do metal esmagando carne e acertando ossos. Meus próprios gritos não passavam de sussurros na minha cabeça.

Os suspiros desesperados da menina zumbiam na minha sanidade e pareciam incentivar o que eu estava fazendo. Um grunhido escapou dos meus lábios quando senti o cansaço me atingir. Então eu parei.

Ele não se moveu mais e seu sangue manchava o solo. A poça rubra alcançou parte da cova da menina e acertei a cabeça daquele homem outra vez. Soltei a pá e não consegui recuperar totalmente o fôlego ou o controle da situação.

Ela está morta. A náusea me fez trincar o maxilar e respirar fundo. Tropecei alguns passos para trás vendo o quão nítidos estavam a violência e o horror ali. Encarei minhas mãos e tremi. Aquilo não era humano. Aquilo matou uma criança. Minha mente apontava como justificativa para o que eu havia feito. Ela está morta por causa deles.

Respirei fundo outra vez e senti os olhos ardendo. Lágrimas não vão trazer ninguém de volta. Encarei a poça rubra e a terra úmida da cova, no final não adiantaria proteger o túmulo de uma garotinha. Ela estava morta, nada a traria de volta ou mudaria a situação. Encarei os outros, analisando suas expressões enquanto o silêncio predominava.

Pena e confusão estavam estampadas em seus rostos, não havia palavras de consolo, bons conselhos ou exemplos pessoais de que alguém entendia como eu me sentia. Marchei até a cova e endireitei o pedaço de madeira; chutei os punhados de terra para preencher os buracos laterais e ajeitei a cruz outra vez.

O que aconteceu aqui?

Simplesmente não havia porque responder aquela pergunta ou insistir em pessoas. Dei as costas, pois àquela altura era claro que não havia como salvar pessoas. Todos estavam condenados e perdidos. O mundo estava fodido demais para alguém salvar a humanidade.

Ela era apenas uma criança... Não passava de uma criança.

[15:13] 26/9 — Agora, Loja Tsutaya Tenroku, Tenjin-bashi-suji

Os piches e buracos de bala nas paredes e prateleiras davam uma ligeira ideia sobre o que havia acontecido ali. Havia vidro espalhado por boa parte do chão, além de revistas e DVDs. A grande placa que dava boas vindas aos clientes estava pichada, “Que Deus nos perdoe” estava escrito em maiúsculo.

Soltei um riso meio seco e balancei a cabeça para os lados. Os quatro caixas estavam posicionados à parede da esquerda, várias prateleiras estavam erguidas com placas informativas penduradas no começo de cada corredor. Um par de escadas rolantes desativadas estava mais ao fundo.

A saída de emergência estava trancada com corrente e cadeado, além de outras prateleiras colocadas para barrar a porta. As luzes funcionavam falhamente, duas lâmpadas estavam queimadas e uma estava pendurada. A seção de frios estava à esquerda e a de bebidas à direita. Shikamaru passou por mim, carregando um cesto de compras vazio e indo até a seção de bebidas.

— Não acho que vamos encontrar nada de útil aqui. — Karin ralhou enquanto vasculhava uma prateleira atrás do caixa. Ela soltou um riso animado e exibiu uma katana que havia encontrado. — Isso sim é útil.

— No andar de cima existe uma farmácia, há algumas drogas lá e outros medicamentos. — informei encarando o Uchiha, analisando cada mínimo movimento e expressão. Ele apenas soltou um muxoxo e deu as costas. — Ei, garoto Haruno... Essa não é a sua área? Drogas e medicamentos?

— Sim, mas não posso simplesmente pegar qualquer coisa. Isso seria desperdício e acúmulo de peso. — ele retrucou parecendo nervoso, mas arrogante. Não importava a situação, ele seria arrogante e irritante com a convicção que brilhava em seus olhos. — Remédios também têm data de validade.

— E...? — Karin soltou a letra com falso ânimo e bufou em seguida. — Temos um carro. Com um grande espaço para carregar o que for necessário. Não seja estúpido.

Ela saiu detrás do balcão e o encarou com altivez, mantendo a cabeça erguida e um sorriso seco nos lábios. O Uchiha se manteve impassível e respirou fundo, mas ele não conseguia disfarçar totalmente seu nervosismo ou desconforto com as palavras de Karin.

Ambos se encararam com igual desprezo e cinismo. Ele não disse nada e subiu o lance de escadas. Shikamaru saiu da seção em que estava carregando algumas garrafas de bebida com grande e média porcentagem alcoólica. Ele deixou o cesto quase sobre o balcão e se aproximou.

— Vocês estão irritando o rapaz. — ele murmurou passando por nós e lançando um sorriso divertido em seguida. Karin encontrou um carrinho de compras levemente amassado e foi para os corredores.

— Eu sei. Isso é bom. — murmurei em resposta e fui até a escada rolante desativada para o segundo andar. Subi os degraus aos pulos e o letreiro da farmácia estava apagado. Caminhei pelo corredor amadeirado até o pequeno balcão amarelado.

O Uchiha estava atrás dele, olhando para as prateleiras de vidro contendo diversos remédios. Havia uma porta entreaberta na lateral, possivelmente era o estoque extra. O Uchiha agarrou duas caixas de remédio e os deixou sobre o balcão, pegou um punhado de agulhas descartáveis e de gaze e repetiu o processo.

— Vai continuar me vigiando até quando, Uzumaki? — ele questionou sem interromper seu trabalho, ajeitou o rifle no ombro e alcançou algumas caixas de remédios que estavam mais acima.

Lembrete: ele era perspicaz. Isso poderia ser perigoso.

— Vigiar é uma palavra forte. Estou apenas observando seu trabalho e vendo se você não vai fazer alguma merda. — disparei e cruzei os braços. Ele parou devagar e colocou mais duas caixas sobre o balcão; eu realmente havia irritado-o.

— Você não é um especialista em medicina para avaliar isso. Você nem ao menos entenderia o efeito de paracetamol se eu desenhasse e colorisse para você. — ele ditou cada palavra com controle de suas emoções e expressões. Ambos nos encaramos com escárnio e meu corpo travou quando ele deu a volta do balcão e deu mais três passos à frente. — Você deixou suas condições bem claras para mim; vou fazer um puta favor e esclarecer uma coisa: você não me conhece e não sabe nada sobre a minha história. Mas não ache que sou idiota para não perceber que você está me testando e brincando de detetive. Eu sou capaz de ajudar as pessoas, ao contrário de você. Então vá brincar de Sherlock Holmes no andar de baixo enquanto os adultos fazem o trabalho real por aqui.

Nenhum de nós moveu mais um músculo e ele sorriu com certa arrogância. Ele realmente havia me irritado. Isso era melhor ainda.

— Então ele fala! E sem a Haruno por perto! — disparei zombeteiro e ri um pouco. — Escute bem cãozinho: você não me engana. Não me interesso pela sua história, nem por seus favores. Não me interesso pelo seu discurso; qualquer um pode bancar o médico. “Quem muito fala, pouco faz”, já ouviu essa expressão? — falei e me aproximei um passo. — Se você é capaz de ajudar as pessoas, ajude. Até você provar que sabe fazer alguma coisa além de bancar o filantropo e caso de verão da Haruno, cale a boca. Está bem claro ou ainda preciso colorir para você?

Dei as costas e entrei na saleta branca, as caixas de remédios estavam fechadas e com o prazo de validade estampado ainda em dia. Carreguei duas e as coloquei próximas ao balcão, entrei na sala outra vez e encontrei uma caixa preta escondia num canto. Sorri levemente. Havia um kit de emergência ali dentro e drogas ilegais, mas potentes como anestésicos.

— Você sabe o que fazer.

Entreguei a caixa em suas mãos e desci a escada novamente. Ao chegar ao primeiro andar havia alguns cestos cheios sobre os caixas e no chão. Carreguei dois deles e empurrei a porta com metade do vidro intacto com as costas e atravessei a rua até o carro. Ajeitei as cestas na picape e olhei em volta rapidamente.

A quietude era quase aconchegante, a brisa suave e o calor moderado criavam um clima ameno; noutras palavras: algo estava errado. Empunhei minha arma e olhei em volta com mais atenção. Pouco mais de duas haviam se passado e eu continuava olhando em volta.

— O que foi? — a voz preocupada da Haruno chamou minha atenção. Virei o pescoço e franzi o cenho. Ignorei sua pergunta outra vez e encarei-a. — O que aconteceu Naruto?

Kankuro e Yahiko descarregavam o que haviam pegado e outras caixas pequenas na picape, a Haruno segurava uma caixa branca com uma cruz vermelha nela. O Uchiha se aproximou com um cesto repleto de medicamentos, gazes, agulhas descartáveis e a caixa preta que eu havia lhe dado.

Algo estava seriamente errado.

— Onde está o Shino? — questionei irritado e olhando em volta, os céus antes claros e azuis começaram a ficar escuros. A temperatura caiu e os primeiros trovões surgiram em alguns minutos. — Não me faça perguntar outra vez.

— Ele disse que ia para outro quarteirão, disse que conhecia um atalho... — ela murmurou confusa e franziu as sobrancelhas. — Shino conhece esse lugar. Quero dizer, foi isso o que ele me disse e estava preocupado em achar mais comida.

— Merda! — bradei e tentei controlar minha respiração. Bastardo! Idiota! — Droga Shino! Ele não podia ter ido além deste quarteirão, porque tem uma maldita clínica cheia de infectados no outro quarteirão!

— O quê? — Yahiko disse assustado e o encarei seriamente. — Espera um pouco... Por que não nos avisou disso? O Shino não disse que ia a clínica alguma... Ele só pulou alguns escombros e entrou num prédio.

Minha raiva aumentou ao ouvir o primeiro grunhido, depois houve mais cinco diferentes e todos eles ecoaram alto. Ao longe, entre os carros capotados e abandonados, algumas silhuetas começavam a surgir. Maldição!

— Kankuro e Yahiko, ajudem Shikamaru e Karin a carregar o máximo possível e depois entrem no carro. — ordenei impaciente e ignorando o olhar desconfiado que Yahiko exibia no rosto. — Aqueles bastardos vão começar a correr logo, então se apressem. Já estou dando tempo o suficiente para vocês agirem.

(Rusty Cage)

— Shino pode estar ferido, Naruto. Eu não posso deixá-lo para trás. — a Haruno disse me seguindo até um pouco mais a frente do carro. Estreitei os olhos e mais deles começavam a surgir. — Ele é um bom homem e já nos ajudou várias vezes, ele ainda pode estar vivo.

Esperança era uma grande vadia. Alimentava a imaginação das pessoas e as levava à morte com um grande sorriso no rosto. Aquela esperança de que Shino poderia estar vivo ou apenas ferido me enojou. Pessoas cheias de esperança estavam na linha de frente e sempre morriam logo.

Encarei a Haruno e ela mantinha aquela mesma linha de raciocínio enquanto tentava me convencer de que Shino estava bem. Então eu o avistei e o desespero escalou minha espinha. A queda d’água das nuvens veio impiedosa e os trovões altos se sobrepunham aos gritos dos infectados.

— Ele está ali! EI, SHINO! — ela gritou e começou a andar na direção dele. Ele dobrou a esquina do outro lado da rua e virou a cabeça num tique e simplesmente desabou. A caminhada da Haruno virou uma corrida.

— VOLTE IDIOTA! ELE NÃO É MAIS HUMANO! — gritei o mais alto que podia, mas ela não pôde ouvir pelos trovões. Pisquei várias vezes e comecei a segui-la o mais rápido que conseguia. Droga pare de correr! Tropecei e escorreguei, minha arma escapou da minha mão.

Inferno! Levantei o mais rápido que pude e agarrei minha arma.

Em segundos ela tropeçou miseravelmente e tombou num baque alto. Shino ergueu a cabeça e a virou para a esquerda num tique nervoso e ficou ajoelhado; eu sabia o que viria a seguir. Destravei meu revólver o mais rápido que pude, mas não foi o suficiente. No instante em que a Haruno levantou a cabeça, Shino levantou e correu velozmente até ela, grunhindo e com as mãos estendidas.

Mais um segundo e era o fim da linha.

— NÃO!

O disparo surgiu e ecoou. Uma névoa vermelha, quase rósea levantou. O barulho da chuva rompeu meus ouvidos, mas eu simplesmente não conseguia entender o que havia acontecido. Meu dedo estava no gatilho e o corpo de Shino estava estirado no chão, absolutamente inerte.

Eu não havia atirado.

A Haruno levantou entre tropeços e correu de volta. Ela passou por mim assustada e completamente molhada. Girei os calcanhares e o Uchiha estava com o rifle empunhado e o dedo no gatilho. Ele abaixou o rifle e abraçou a Haruno quando ela o alcançou. O choque me abateu quando medi a distância mentalmente entre ele e Shino.

O desgraçado estava mentindo seriamente. Minha mente dava voltas sobre o que ele havia dito e sobre o que havia acontecido. Ele simplesmente não poderia atirar tão bem! Não havia como sem treinamento.

Avancei em sua direção e o encarei tentando conter a raiva que me dilacerava. Os grunhidos atrás de mim aumentaram e corri até o carro. Todos começaram a entrar nele e abri a porta com força. Sentei no banco do motorista e ativei o para-brisa. Os infectados começavam a alcançar a última linha de carros abandonados e invadiram a estrada.

Engatei o carro e acelerei, girei o volante e dirigi para longe deles. Eles gritavam e se contorciam ao fundo e voltavam a virar silhuetas na paisagem. Encarei rapidamente o Uchiha, que estava sentado ao meu lado, e a imagem dele empunhando um rifle com disciplina e conseguindo acertar um alvo em movimento há quase seis metros de distância me enraivecia.

— Passei no seu teste agora Uzumaki? — ele sussurrou com deboche, mas mantive os olhos na estrada. Deixei escapar um riso seco e o encarei brevemente.

— Somente quando eu tiver a certeza de que não está mentindo. Até lá, vou bancar o Sherlock Holmes e você o caso de verão da Haruno. — retruquei baixo, mas sem conter a ironia ou a raiva em minha voz. Sorri com arrogância. — Deixe os adultos fazendo o real trabalho por aqui.

Não houve mais conversa apenas dúvidas e uma grande certeza de que ele era terrivelmente perigoso. E isso não era ao meu favor. Assuntos neste perfil terminavam em violência e sangue derramado.

Como nos velhos tempos.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOOOOOOO!
Milhões de perdões pela demora na continuação da fanfic ^-^''' Mas estou muito atarefada estes tempos e outros problemas me atrapalharam um pouco. Enfim... Antes de qualquer coisa, agradeço por acompanharem a fanfic e por comentarem.
Sobre o capítulo em si:
Levou algum tempo para desenvolvê-lo, mas espero que tenha ficado bom e não fugido da linha de raciocínio dos anteriores. Se isso aconteceu, me desculpem. ^^ Algumas explicações adicionais sobre o capítulo:
— Shino ficou transformado tão rapidamente porque o vírus tem ação de indivíduo para indivíduo, então se a pessoa tiver um sistema imunológico frágil isso também acarreta na transformação dela;
— "névoa rosa" é um termo usado entre atiradores de elite quando eles conseguem o tiro perfeito, ocorre esse efeito;
— Sasuke realmente entende um pouco de medicina, lembrando que ele abandonou a faculdade antes de se aprofundar mais;
— as ruas mencionadas neste capítulo realmente existem e a loja também. Na realidade é uma loja especializada em filmes e quadrinhos, mas na fanfic ela é descrita como uma grande loja de departamentos com uma farmácia;
— o modelo do carro que o Naruto usa é uma picape 4x4 com quatro portas, por isso há como acomodar tanta gente e mercadorias.
Espero que tenham gostado das músicas, estou ouvindo músicas de trilha sonora infinitamente e elas me inspiram pacas. Hã... O próximo capítulo vai estar focado no passado da Karin, um pouco de NaruHina e um pouco mais sobre as demais personagens. ^-^
Se houve qualquer erro, me avisem. Qualquer dúvida, me enviem.
E apenas para frisar: aqueles que leram o aviso que postei em meu perfil (no Nyah!), nenhuma, repetindo: NENHUMA fanfic minha será abandonada. Todas serão concluídas, cada qual em meu tempo e em minha imaginação. Vou cursar Jornalismo e ganhei bolsa, então se eu não me esforçar... Adiós bolsa...
Espero que compreendam. Vou atualizar cada fanfic assim que possível.
Sugestões, reviews, críticas, perguntas e recomendações são bem-vindos.
Até o próximo!
o/



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