Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 22
Forever young




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Eternamente jovem

 

[00:21] 18/12 — Agora, Zona 2, Muralha, Floresta de Nakanocho

(The devil and the huntsman)

  Nos tire daqui, foi o que eu disse antes do gesto automático do Uchiha e dos olhares preocupados que foram lançados em todas as direções. Era a senha mágica para um mundo secreto, onde pessoas não eram transformadas, havia eletricidade, água potável e você tinha um trabalho, certo? Pode apostar que isso está errado.

  Ao dizer aquelas três palavras e confiar no senso de direção do sniper, parecia que as coisas seguiriam seu rumo a partir daí, que fugiríamos em segurança e não haveriam feridos ou mortos ao final do dia e nem mesmo no dia seguinte, ou bem depois disso. Aquele sentimento de anestesia foi intensificado quando nos movemos para frente, com o Uchiha liderando o caminho; ao encarar aqueles muros, os bonecos localizados na área de treinamento, as guaritas e o contêiner atrás de nós, só havia um pensamento coerente.

  Não é real.

  Os tiros, o cheiro nauseante de sangue, os hematomas e a carne que ardia pelas trilhas que as balas abriam na pele, o barulho dos passos esmagando grama e as respirações ofegantes pelo trote ritmado – nada disso é real. As cabeças virando em várias direções, as cápsulas de bala caindo no terreno e nem mesmo os muros imponentes, impenetráveis.

  Os movimentos molengas de Karin, o rosto absorvido numa expressão catatônica e a jaqueta ridiculamente grande que a cobria, o sentimento de pânico e urgência em percorrer os metros que nos separavam dos portões da Muralha; nenhuma dessas coisas parecia real, nem mesmo quando as silhuetas se materializavam no horizonte, saindo aos montes de dentro das portas do alojamento.

  Aquele torpor estranho, quase letárgico, do coice da arma ao ser disparada era a única coisa que eu ainda conseguia registrar vez ou outra, as vozes de todos se misturavam aos tiros contínuos que acertavam os contêineres alinhados e o barulho propagava pelo ar conforme corríamos por trás daqueles caixotes de metal.

 — VÃO! CONTINUEM! — A voz do Uchiha mal parecia um murmúrio afetado quando ele empunhou o rifle e pôs o dedo no gatilho, o ruído de dois disparos ecoou e tentei acompanhar para onde eles foram direcionados quando ele virou a cabeça e disse: — O que estão esperando? Andem!

  Apertei o corpo imóvel de Karin com mais força enquanto a guiava na direção da única saída, olhei para o lado direito de onde vinha a maior parte das balas e atirei contra os três soldados que corriam bem no meio da área de treinamento, vi um deles tombando após uma série de disparos aleatórios, provavelmente de Hinata e Kankuro que estavam um pouco mais atrás de mim.

  Olhei para trás e, mesmo ao encarar aquele caos e ver Hinata cair de joelhos rapidamente enquanto apertava a cintura, nada parecia ser real. Abaixei por puro reflexo quando senti minha panturrilha arder com o buraco da bala que me acertou e atirar na direção dos soldados que corriam pelo campo foi mais automático ainda.

   Minhas pernas se moviam de forma mecânica quando Shikamaru puxou Hinata, sendo seguido por Kabuto, cujos gritos se misturavam às ordens curtas do Uchiha enquanto Kankuro disparava aleatoriamente; tudo parecia acontecer em câmera lenta até eu distinguir o barulho de um motor e dos pneus pesados abrindo caminho pelo mato alto. A lataria sendo perfurada foi mais enlouquecedor ainda, especialmente quando as chapas de aço dos portões começaram a se mover.

  Faltava pouco mais de cinco ou sete metros até os portões quando o jipe veio descontrolado na nossa direção e, talvez a uns dez metros à esquerda, estava Kakashi, empunhando uma escopeta e atirando como um louco. Ele ergueu um dos braços e apontou na nossa direção, uma saraivada de tiros fez o jipe parar; a porta do passageiro do motorista foi aberta e não reconheci a moça loira de jaleco que saltou desesperada do veículo.

  Abaixei outra vez quando os tiros atravessaram as janelas do carro e continuei avançando sem olhar para trás assim que fui empurrado por Kankuro, virei a cabeça e tentei encontrar qualquer rota que fosse segura até os portões; não havia nada além de campo aberto até a saída e forcei Karin a manter o ritmo atrapalhado.

  Não era preciso ser um gênio para ver que o Uchiha berrava que tínhamos que sair dali, enquanto os gritos de medo e dor acompanhavam nossos passos largos, desesperados que diminuíam a distância até os muros. Olhei sobre o ombro a tempo de avistar a cabeça de Sakura que segurava a mão de Jun e o ritmo trôpego de Gaara; a garota do jaleco agarrou Hanabi e a abraçou junto ao peito, foi acompanhada por Kankuro que a puxava pelo cotovelo e a empurrava para frente. Não distingui quem falava o quê, quem gritava e quem havia caído ou sido alvejado quando a primeira explosão aconteceu a poucos metros dos portões.

  Eles vão fechar os portões, garoto. É melhor que...

...CORRAM! CORRAM, SEUS FILHOS DA MÃE!

  O cheiro de terra e fogo impregnou o ar nos últimos dois metros, a abertura da saída era mais desesperadora do que os faróis do jipe que estava do outro lado. Puxei o gatilho várias vezes tentando acertar os pneus dianteiros assim que o carro avançou um pouco, forcei mais ainda minhas pernas até alcançar as chapas de aço. O Uchiha atravessou o espaço criado pelo jipe parado entre o portão e o muro, ergueu o rifle junto ao corpo e o usou para empurrar o primeiro infectado que apareceu no caminho.

  Não podia ser real.

  O mundo havia virado de cabeça para baixo naquele momento em que atravessei a Muralha, empurrando a versão catatônica da minha irmã e sendo seguindo por Kankuro, Hinata, Shikamaru, Gaara, Sakura e Jun, além da garota do jaleco e Hanabi. Arregalei os olhos em pânico quando o tiroteio se intensificou e as árvores e a vegetação misturada a destroços de concreto apareciam como num passe de mágica.

  Virei bruscamente à direita quando escutei o som animalesco dos infectados ladeando o jipe, as mãos ossudas batiam na lataria com força enquanto corríamos em ziguezague entre as árvores e os troncos caídos. Tudo o que eu conseguia escutar era o barulho infernal dos tiros, dos berros e as respirações ofegantes pela corrida desenfreada para o mais longe possível dos muros imponentes.

— LEVANTA!

  Empurrei galhos e algumas pedras tentando obedecer a ordem do Uchiha e recuperei o equilíbrio com mais esforço do que pensei ser necessário, berrei de dor quando consegui ficar de pé e olhei para trás, Gaara mancava e forçava a perna ferida para acompanhar o ritmo de Hinata enquanto Kabuto passava correndo por ele com as mãos cobrindo as orelhas; a distância entre nós e os muros parecia ser insuficiente quando as silhuetas dos infectados que ladeavam a Muralha começavam a aparecer e se concentrar numa massa esfomeada nos portões.

  Eles estão entrando, eles estão entrando! ELES ESTÃO ENTR...

  O barulho de outra explosão foi mais assustador do que o coro caótico animalesco, o clarão era um chamariz para dentro da Muralha e dava contorno aos corpos feridos, magros e ágeis que se moviam como fantasmas entre a floresta. Notei o quanto tremia quando parei de correr e olhei ao redor, tentando identificar se havia algum infectado por perto, mas tudo o que eu conseguia escutar era o barulho da minha respiração alterada e dos meus batimentos cardíacos.

  ELES ESTÃO NA MURALHA!

  Não era real.

  O máximo que consegui distinguir era o formato dos troncos caídos e das árvores que nos cercavam, arfei assustado com o farfalhar de folhas sendo pisadas e galhos balançando com o vento. Girei os calcanhares e apertei Karin contra mim, puxei a escopeta pela alça e enfiei dois cartuchos nela alternando o olhar para os lados e para a arma.

  Mirei à minha direita ao escutar o barulho de passos apressados, o dedo estava no gatilho quando reconheci o rosto de Shikamaru e do Uchiha; não consegui abaixar o braço mesmo quando Sakura apareceu com Jun, ou quando Hinata caminhou com dificuldade apoiando Gaara até o semicírculo e a garota do jaleco nos alcançou, tão alerta e amedrontada quanto Kabuto.

  Os sons dos tiros que vinham da Muralha ecoaram mais uma vez e indicaram que, apesar de tudo, estávamos relativamente distantes de Kakashi e seus soldados, mas não necessariamente seguros. Abaixei a escopeta e encarei, mais aterrorizado do que nunca, os rostos abatidos, cansados e tensos dos outros.

  Eles estão lá dentro. Eles estão na Muralha. Eles estã...

  Aquela constatação de fim do mundo ocorre quando você encara os outros sobreviventes, e é tão arrasadora quanto ver as pessoas cuspirem palavras de angústia e, ao mesmo tempo, articularem sons que não são humanos, mexerem os corpos em ângulos antinaturais e terem apenas o instinto primitivo funcionado no que o vírus ainda não fodeu completamente.

  Por isso que, quando todos nos encaramos, com armas em punho, ferimentos de bala pelo corpo, com sangue e cansaço estampados junto ao terror da morte, a confirmação de que estávamos vivendo o apocalipse não parecia real e a sensação de proteção foi maior do que a cautela.

— Conseguimos — o tom daquela crença otimista que acaba com boa parte da população, aquele tom esperançoso que saiu da boca da garota do jaleco foi praticamente inaudível, mas ela repetiu, com mais firmeza: — Nós conseguimos. Estamos vivos. — Houve receio, incredulidade e então esperança quando ela disse aquelas palavras outra vez e mais outra, olhando os rostos de cada um.

— Nós vamos ficar bem? E-Eu... — a voz fina de Hanabi morreu assim que algumas cabeças viraram em sua direção e ela apertou mais ainda a mão da loira.

— Tudo vai ficar bem.

  Era a maior mentira do mundo, a coisa mais sacana e desgraçada que se podia dizer, mas saída da boca da garota do jaleco e sem nenhum berro de infectando ressoando ali perto, parecia a verdade mais simples de se aceitar. E foi o que fizemos.

[00:45] 18/12 — Agora, Floresta de Nakanocho

  A sensação de inércia, de ter e não ter controle sobre suas próprias ações, se comparava à de estar flutuando graças à dona H; o arrastar de seus pés era tão automático quanto a percepção de seus olhos do caminho que estava fazendo, os ruídos a assustavam tanto que Karin conteve a vontade de gritar por mais de duas vezes.

  Sua cabeça – essa sim estava bem fodida – tentava processar e condensar as últimas horas numa versão horrorosa, recheada com coisas que ela não queria entender e lembrar pelo restante de seus dias. Ela precisava ficar alta, precisava de uma boa dose de qualquer porcaria forte o suficiente para fazê-la sorrir abobada pelas próximas seis horas e sentir a agonia do fim da viagem logo depois.

  Entre os primeiros minutos daquela inércia intensificada pela densidade da floresta, eles haviam parado apenas uma vez e foi aí que alguém – Sakura? Shikamaru? Kankuro? Hinata? – dobrou as mangas da jaqueta para que seus punhos ficassem livres, afastou os seus braços rígidos e cobriu seu torso com ataduras. Logo seus pés estavam em movimento e, por Deus, ela precisava de uma dose.

  A pele do braço parecia pinicar e ela sentiu o pânico, aquele velho conhecido, arranhando sua cabeça e ameaçando assumir o controle quando ergueu os olhos e não reconheceu mais as silhuetas do grupo entre os troncos das árvores. Virou a cabeça para os lados e isso fez seu pescoço doer, mas ela ignorou a dor e girou os calcanhares, os braços pendiam como pêndulos velhos e inúteis.

  O nariz inchado aspirou o ar com dificuldade e sua boca tremia quando ela balbuciou:

— Naruto? Jun? — O silêncio, cortado apenas por sua respiração cada vez mais alta e dificultada, havia desencadeado todo o medo que havia sentido quando Hidan havia imprensado seu corpo contra a superfície metálica da mesa. — Sakura? Shikamaru?

  Ela virou a cabeça bruscamente para a direita e suas pernas pareceram duas extensões de borracha quando escutou passos vindo daquela direção; ela sentiu o corpo todo latejar de dor quando a adrenalina foi produzida e ingerida em seu organismo.

— Naruto...? — Sua voz foi débil e ela deu dois passos para trás. Reconheceu as feições magras de Jun e soltou o ar imediatamente quando as pernas pequenas diminuíram a distância entre as duas. — Jun... Jun, é mesmo você — murmurou e encurtou o espaço com alguns passos, abaixou o corpo e alisou freneticamente os cabelos vermelhos da filha. — Onde estão os outros?

  Seus dedos seguraram o rosto miúdo e sua garganta apertou ao notar o quão magra e suja Jun estava, a pele ao redor dos olhos estava inchada e levou um tempo até Karin perceber que os olhos lilases a fitavam como se estivessem distantes, presos num mundo insano e frio demais para ser alcançado. Um calafrio percorreu sua coluna quando Jun pôs as mãos sobre os dedos machucados da mãe e os afagou suavemente.

— Eu vou te ajudar, mamãe. Você vai ficar melhor — os lábios rachados mal se moviam, a voz mal passava de um murmúrio em tom confessionário e os olhos não detinham qualquer emoção.

— Você... Você não está com frio? — Desviou os olhos para baixo automaticamente e forçou os dedos rígidos a trabalharem até deslizarem pelo zíper e o braço direito deslizar pela manga da jaqueta.

  Ela não percebeu de imediato o barulho dos passos trôpegos e das folhas e gravetos sendo amassados, apenas registrou que Jun havia se afastado um passo e o cheiro de mofo que irritou suas narinas no intervalo de alguns segundos quando o cheiro podre de carne estragada foi misturado com sangue fresco.

  Seu sangue.

  A cabeça pequena se mexia freneticamente para os lados, exatamente como um animal fazia ao morder sua presa e imobilizá-la, os dentes fortes e sujos se enterravam a cada sacudida em seu ombro; agarrar o tufo de cabelos e tentar tirar o infectado foi o primeiro reflexo, o berro de dor pareceu incentivá-lo quando a sua pele foi puxada numa mordida mais feroz.

  TEM SANGUE, AH MEU DE...

  Karin não conseguiu fazer mais do que segurar o ferimento com força, apertá-lo como se isso fosse tirar o vírus do seu organismo; estremeceu quando sentiu o sangue pegajoso e morno escorrendo pelo ombro, enfiou as pontas dos dedos no buraco num ato involuntário e gritou de dor e medo quando o infectado, que aparentava ser uma criança de, no máximo, doze anos, inclinou a cabeça e a estudou, arreganhou os dentes e disparou outra vez.

  Ela chutou a terra úmida e a grama desesperadamente, mas não criou distância alguma e ergueu os braços automaticamente quando o infectado lançou seu corpo miúdo; ela gritou de dor quando sentiu que algo havia acertado a parte de trás do seu joelho esquerdo, a pancada foi forte o suficiente para derrubá-la.

  Suas costas doeram, mas não foi por isso que ela gritou como nunca havia feito. Os dentes do infectado mastigavam seu antebraço direito, ainda erguido na mesma posição, o cheiro de sangue e mofo a enjoaram; seus pés chutaram com violência a barriga daquela criança animalesca e conseguiu afastá-lo para o lado, ele reagiu e enfiou as unhas com força em seu abdômen.

  A pele raspada ardeu e Karin chutou a terra furiosamente sem conseguir se mover muito, já que o corpo miúdo enfiava mais ainda as unhas enquanto tentava se apoiar e o máximo que ela conseguiu fazer foi tatear o chão à procura de alguma pedra. Piscou os olhos com força enquanto o suor fazia seus olhos arderem junto com as lágrimas, ela esticou o braço direito num ímpeto enquanto enfiava a mão esquerda no rosto daquela coisa, tentando afastá-la.

  O novo fluxo de dor a impediu de respirar por alguns instantes, ela sentiu a língua pastosa cutucando sua barriga enquanto os dentes mordiam e puxavam a pele, os dedos se enfiaram mais fundo e ela berrou o máximo que a garganta permitia. Sua cabeça tombou e a silhueta imóvel de Jun estava a pouco mais de cinco passos, as mãos miúdas seguravam um galho.

  Posso ter uma testemunha? Não é assim que a músic...

  Karin levou um bom tempo até registrar o barulho de passos – tudo o que a sua cabeça conseguia repetir era o som dos dentes rasgando pele, as sorvadas curtas e os sons de engasgo, o cheiro de sangue era mesmo nauseante. Seus olhos estavam presos em Jun, na forma como a cabeça estava inclinada e na porra da pedra que serviria de arma.

  Os gritos – quem mais, além dela, estaria berrando? – foram mais estridentes do que qualquer coisa que pudesse ter se lembrado, então vieram os rostos fantasmas de Sasuke Uchiha, Shikamaru Nara e Gaara, o irmão caipira de Kankuro, mas os três nada mais eram do que borrões enquanto se aproximavam. Seus braços pareciam de borracha quando foram levemente erguidos e um par de mãos a soergueu pelas axilas, sua cabeça pendeu outra vez e ela viu as pontas dos pés deslizando sobre o solo.

(Saturn)

  Karin sentiu que alguém afastava o cabelo de sua testa em movimentos trêmulos e seus olhos demoraram para focalizar o rosto de Sasuke, os olhos dele a estudavam com tanta angústia que ela quis perguntar se era tão ruim assim. Ela gemeu quando ele a ergueu e a puxou contra o peito, logo ela estava flutuando e suas mãos pendiam inúteis sobre o estômago.

  ...testemunha, testemunha, test....

— ...aconteceu... — parecia a voz de Sakura-oh-toda-poderosa-Haruno, mas como ela poderia ter certeza se tudo o que ela escutava era aquela porcaria de música ecoando na sua cabeça? — ...aqui...

  Ela sentiu que não estava mais em movimento e seu pescoço doeu terrivelmente quando sua cabeça pendeu para o lado outra vez, foi automático apertar o abdômen quando escutou a voz de Naruto, urgente e assustada, provavelmente perguntando o que havia acontecido.

— ...se acalmar agora.... — Ela apostava que era Shikamaru quem estava falando agora. Os barulhos de passos se misturaram a vozes estridentes e baixas, todas apavoradas e Karin xingou quando conseguiu abrir os olhos e ver os próprios dedos grudentos de sangue, terra e fios de cabelo.

— ...é minha irmã! É MINHA... — Sem dúvidas, era Naruto quem berrava. O rosto de Sakura ocupou seu campo de visão e Karin tentou espiar sobre o ombro da médica, mas o máximo que conseguiu distinguir foi o formato de costas – talvez de Kankuro ou do irmão dele, ou até mesmo de Shikamaru, Hinata e Kankuro juntos – que criaram uma barreira entre ela e o irmão.

— ...não é o único...

— ...barulho assim e eu...

— Eu não quero...

— Foda-se o que...

— ...será que nenhum de....

  As frases se embaralhavam em seus ouvidos e Karin choramingou quando sentiu algo líquido sendo despejado em sua barriga, suas pernas tremeram quando Sakura encostou os dedos ao redor do abdômen e trincou os dentes com fúria. A dor não vinha mais em ondas e não havia adrenalina para desviar sua atenção para outra coisa, seus membros ardiam e sua pele parecia ter sido marcada a ferro.

— ...estamos cuidando dela, olhe a sua sobrinha — a ordem irritada foi suficiente para deixar Karin alarmada e Naruto quieto por alguns instantes, os olhos inchados e turvos da ruiva ficaram alertas assim que encarou o ferimento outra vez.

— Eu não vou sobreviver, não é? — Sua voz saiu grogue e dificultosa pela respiração descompassada, manter a cabeça erguida doía mais ainda e seus olhos lacrimejaram quando sentiu o ombro direito parecendo rasgar enquanto levantava o braço ferido. — Ah, merda.

— Você está com... febre ou... — a pergunta sussurrada de Sakura não disfarçou sua voz embargada, os olhos verdes se desviaram dos seus por alguns instantes e quando o rosto oval e pálido da médica voltou a surgir em seu campo de visão, a culpa era notável. — E-Eu não tenho como.... estancar ou... limpar bem... E-Eu...

— Por favor — os dedos de Karin pareciam garras quando agarraram o braço de Sakura e apertaram com força. — Por favor, doutora... Por favor... Eu não quero morrer. E-Eu... Merda, eu não quero... — sua voz sumiu e seus olhos encararam os da médica com tanto pânico e clemência que ela precisou fechar os olhos com força. — E-Eu... não quero morrer assim...

— Eu sei — a resposta dela intensificou suas lágrimas e Karin piscou furiosamente até notar que elas pingavam da ponta do seu queixo. — Eu sei — ela repetiu e cobriu a boca para conter um soluço; a quietude repentina foi interrompida pelo rosto angustiado de Naruto perguntando:

— Ela está bem, não está? Está tudo bem, certo? Karin? Karin? — a figura dele parecia se materializar conforme a voz sôfrega dele ficava cada vez mais frágil ao ser barrado novamente por Kankuro, Sasuke e Gaara. — Por favor, fala comigo. Karin?

— Ele não pode me ver assim — ela precisou do resto de controle que a sua mente ainda conseguia reunir para articular as palavras, sua cabeça parecia um disco quebrado naquela música infernal e o lado esquerdo do corpo não respondia muito bem agora. — Por favor — apertou o braço da médica com o restante de forças que tinha — Por favor, isso o mataria. Ele... ele é meu irmão.

  Sakura concordou num aceno mecânico e limpou as mãos trêmulas na calça jeans, ela ergueu o corpo e parecia cambaleante quando girou os calcanhares e encarou o Uzumaki. O choque de compreensão ao reparar no rosto dela foi o que fez seus ombros abaixarem automaticamente e sua respiração disparar.

— Ela está infectada.  

[01:02] 18/12 — Agora, Floresta de Nakanocho

Não... não pode ser... — aquelas palavras eram as mais estúpidas, mais doloridas e fantasiosas que eu poderia ouvir e, pela terceira ou quinta vez na vida, eu não sentia mais que estava respirando, parado no meio de uma clareira em plena área urbana, bem no fim do mundo ou que eu tinha chão. — É mentira. Por que está mentindo, Sakura? Por que é...

— Eu sinto muito — a voz de Sakura falhou outra vez e ela desviou o olhar quando eu dei um passo à frente; não demorou muito até que Kankuro estendesse o braço e me segurasse bem ali.

— Não, não. NÃO! Isso é mentira, certo? — Cuspi as palavras e encarei o rosto dos outros, desesperado que alguém simplesmente me encarasse convicto de que eu falava a verdade. — Não pode... não pode ser verdade. Isso... isso é loucura. É...

— Eu sinto muito, Naruto — Sakura me encarou e não percebi que as lágrimas no rosto dela também deslizavam no meu. Virei a cabeça para os lados, mais desesperado do que antes porque ninguém queria contradizer as palavras da Haruno.

— Karin... — murmurei o nome dela sem conseguir dar mais um passo e me apoiei em Kankuro quando o silêncio continuou, minha garganta estava apertada e eu tive medo quando abri a boca e insisti: — Vamos, Karin... Ela... ela está errada, certo? Você... por favor...

  Eu não me escutava, não conseguia associar aquela voz sofrida e débil como minha, não conseguia parar de chamar Karin e implorar que ela simplesmente me dissesse que estava tudo bem, que tudo ficaria bem, que as coisas seriam como antes e que trocaríamos chutes na canela e que seríamos a dupla Uzumaki, nós contra o mundo.

— Karin...

— Cala a boca, cala a boca, Naruto! E-Eu... odeio.... Odeio você.... — A agressividade nas palavras dela me paralisaram imediatamente e eu não soube o que fazer. — Eu te odeio, eu não preciso de você, nunca precisei! Você... Você acha que pode me salvar dessa, acha? Eu não preciso e não quero que você seja meu irmão! Você não é merda nenhuma!

— Karin... Por favor...

— Cala a droga da boca, eu não suporto... Eu... Eu te odeio tanto — fechei os olhos com força e foi a tarefa mais árdua e dolorosa do mundo continuar escutando aquela voz irritada, furiosa e carregada com palavras que só ela sabia como machucavam. — Porque nada vai ficar bem, então... Então o que você está esperando para sumir da minha vida?

— Pare, por fa...

— SAI! VAI EMBORA!

  Escutei aquela voz débil e chorosa que saía da minha garganta e implorava a Karin que não me mandasse embora, que não me deixasse e que não continuasse a cuspir todas aquelas palavras, que simplesmente dissesse que as coisas poderiam ficar bem, que havia alguma cura. Tropecei alguns passos para frente e Kankuro simplesmente me amparou, porque nós sabíamos que eu não conseguiria ir adiante e apontar uma arma contra a minha irmã.

  Eu queria que houvesse uma cura.

  Quando a voz embargada e arrastada do Uchiha finalmente se materializou, dizendo que era melhor me afastar, eu não pude fazer mais nada além de ser empurrado para trás. O mundo estava em câmera lenta quando eu escutei os berros enraivecidos de Karin e lembrei da menina de onze anos que gritava até que eu a deixasse entrar no meu quarto, porque nada naquelas palavras duras conseguia apagar as risadas de tempos melhores que atormentavam a minha cabeça quando éramos nós dois contra o resto de mundo e não havia infectados, não havia Muralha e não havia uma epidemia que estava acabando com tudo.

— Tem que ter um... um jeito, e-eu... — encarei Sasuke Uchiha como se tudo dependesse do que ele pudesse dizer, como se ele tivesse uma carta na manga que resolveria as coisas. — A Muralha tinha... tinha infectados, então... Kabuto. Kabuto, por favor... — virei o corpo mais aflito do que nunca e apertei os ombros franzinos do garoto. — Existe....

— Eu... Eu sinto...

— Vamos lá, apenas me diga, ok? Existe alguma cura, qualquer coisa?

— Não faça isso com você mesmo — o tom agoniado de Hinata me fez encará-la assustado e tentei articular qualquer coisa que pudesse convencê-los de que havia outro plano, uma alternativa, qualquer porcaria que servisse para salvar Karin de virar um monstro, uma solução que a trouxesse de volta.

  Não.

  Eu deveria ter esperado pelo barulho do tiro e pelo baque de um corpo tombado no chão. Minhas pernas se moveram, primeiro trôpegas e depois um pouco mais rápido, até estancarem de vez; o rosto de Sakura estava em choque e a arma tremia em sua mão, ela estava de joelhos próximo ao corpo inerte da minha irmã.

  Não, por favor...

  Arrastar os pés foi a parte mais difícil e ver que eu estava finalmente me aproximando me deixou tonto, enjoado e apavorado; não percebi que estava balbuciando até escutar os soluços rompendo meu peito e sentir meus dedos enterrados na minha cabeça e não havia mais nada além daquele choro insuportável quando desabei rente ao corpo de Karin.

  Foi aí que eu percebi que não adiantaria encontrar uma cura, uma alternativa e um plano B, porque Karin sempre esteve um passo à frente. Mesmo que Sakura balbuciasse que havia sido ela a puxar o gatilho, mesmo que ela dissesse que aquela era a verdade, eu odiava saber que Karin era aquele corpo sem vida, molenga nos meus braços e com olhos mortos encarando os céus porque ela sabia que eu não teria a coragem de puxar o gatilho.

  A moça de dezesseis anos que comemorou seu aniversário comigo, dando uma volta pela cidade e depois fingindo estar surpresa ao chegar em casa e ter uma festa esperando por ela, aquela garota que era durona e esperta estava bem ali nos meus braços, imóvel e distante demais.

  Porque eu havia falhado em protegê-la de tudo e de todos, como ela havia feito comigo. Não era eu o lado bom da família, era Karin. Sempre foi. 


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOO
Antes de qualquer coisa, muito obrigada por acompanharem a fanfic, comentarem e visualizarem. Escrevo com esforço para apresentar uma estória legal, agradeço muito pelo apoio.
Estamos, oficialmente, rumo ao final da fanfic. Foram anos de enrolação, ainda haverá mais uma pitada de romance nos capítulos restantes e logo mais a fanfic será terminada.
Escrever esse capítulo foi muito difícil para mim, tenho afeição aos monstrinhos que criei e a Karin não era a pessoa mais correta, não era exemplo e menos ainda imune aos erros. Retratei na Karin o que vi ao longo dos anos em outras pessoas: essa paixão excessiva pelo príncipe encantado, o abandono a família, as aventuras e as drogas e tentei inserir tudo isso no final do mundo; ela tem problemas com o irmão mais velho, não é boa mãe, está em abstinência forçada (já que, para todos os efeitos, ela quer provar ao Naruto que pode controlar até mesmo seus vícios) e foi abandonada pelo príncipe bem na parte em que tudo começa a dar errado. Aos trancos e barrancos, com a boca suja, eu quis retratar essa menina bancando a durona, a invencível matadora de monstros quando, na verdade, ela é a mais assustada com tudo isso.
Devaneei... Mas escrever esse capítulo me foi doído em certo ponto. Maas.
As informações adicionais que forneço são:
— o grupo de Naruto ainda está ao redor da Muralha, mas se distanciaram, mais ou menos, uns três quilômetros e meio;
— as explosões dentro da Muralha foram tentativas de seus habitantes para conter as massas de infectados em locais específicos;
É mais isso por enquanto.
Agradeço muito o suporte de todos vocês e nos vemos no próximo.
Até lá! o/



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