Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 21
Viva la revolución!




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Viva a revolução

[23:59] 17/12 — Agora, Zona 1, Muralha, Floresta de Nakanocho

  Enquanto Naruto Uzumaki observava a urina escorrer pela perna de Kabuto Hatake e iniciava uma discussão árdua com Sasuke Uchiha e o grupo de resgate se armava até os dentes, Karin Uzumaki mantinha os olhos úmidos direcionados na porta guardada pelos dois homens armados e as mãos rente ao peito; nesse meio tempo, Gaara no Sabaku, o caipira caçula, escoltava Hanabi Hyuuga pelo gramado irregular até a Zona 1, seguindo o plano bolado às pressas horas antes.

  Não era um plano ruim, longe disso, era extremamente simples e prático: levaria a menina até a enfermaria, traria as duas crianças consigo e rumariam até a despensa, pegariam comida e encontrariam Naruto e companhia depois disso. Fácil. Aquele tipo de supervisão acontecia volta e meia com as crianças, ninguém suspeitaria.

  Enquanto sua mão esquerda envolvia a de Hanabi – aquilo não era parte do plano, mas ele temia que a menina se apavorasse e saísse correndo na direção errada -, a direita estava colada na coronha da pistola 9mm presa na cintura e, até aí, tudo bem. Nada de errado por aqui.

  A movimentação estranha dos soldados e o soar fantasmagórico da sirene – exclusiva de filmes apocalípticos, quando as coisas saíam de vez do controle – eram dois indicativos de que alguma coisa séria estava acontecendo dentro da Muralha. O primeiro pensamento que cruzou a sua cabeça foi de que era melhor dar meia volta e abortar a missão, prático assim.

  Então é melhor abrir o guarda-chuva, antes que a merda respingue e é melhor pegar as suas coisas e dar o fora daqui, agora mesmo, agorinha, antes...

— Quero ver a minha irmã — a voz ligeiramente trêmula, mas convicta de Hanabi o fez virar a cabeça na direção da menina e encará-la como se, por um instante, ele tivesse se esquecido do plano, da ideia suicida de participar do motim Uzumaki. — Eu quero vê-la, você disse que...

— Eu sei, eu sei — ele sussurrou nervoso e precisou afastar o conselho do pai alcoólatra da cabeça, precisou pôr os olhos na direção do prédio da enfermaria, nos guardas inquietos parados a pouco mais de cinquenta metros, para retornar ao plano. — Eu sei o que eu disse, agora fica quieta. Nós vamos vê-la.

  A distância havia encurtado consideravelmente em passadas longas, as mãos suavam constantemente e tudo o que se lembrou de fazer foi agitar a cabeça quando os dois guardas desviaram a atenção para suas pernas trêmulas e o enlace na garotinha de olhos perolados. Nada de errado por aqui.

  Siga o plano, siga o plano, caro mestre e então, quem sabe, você não morre no processo.

  A sensação de alívio e apreensão, aquela mistura ácida que agitava seu estômago desde o instante em que havia se voluntariado ao resgate de Jun, alterou ainda mais sua respiração e a firmeza de suas pernas quando atravessaram o portal de pedra e o cheiro de água sanitária fez as narinas arderem. A agitação do lado de fora não havia alterado a rotina dentro daquelas paredes, as macas permaneciam no mesmo lugar e a quantidade de guardas rondando a escadaria ainda era a mesma.

  Certo, o plano. Siga o plano, siga...

— Ei, você — o ruivo deixou transparecer a surpresa repentina que o abateu e congelou seus pés a poucos passos da entrada da enfermaria, girou a cabeça e espiou sobre o ombro a moça de estatura mediana parada atrás dele. — Por acaso não ouviu a sirene?

— Arrancaram as minhas orelhas por acaso? — Foi a primeira coisa que pôde dizer quando finalmente abriu a boca e endireitou a postura, estreitou ligeiramente os olhos diante do desconcerto da moça; Gaara apertou a mão ao redor dos dedos finos e trêmulos de Hanabi e a agitou como se fosse um animal sendo domesticado. — Estou escutando perfeitamente bem, obrigado pela preocupação.

— Você não parece ferido, nem a menina. O que...

— Eu estou encarregado dessa pestinha aqui, vê? — Essa foi a segunda coisa que disse assim que sentiu o suor escorregando pelas pernas e pelas costas, num rastro úmido e gélido sobre a pele e o ruivo acreditava mesmo que soava convincente. — Ordens superiores — o sorriso beirava ao maníaco, largo demais, dentes demais. — Eu faço o meu trabalho, você faz o seu e todos saem felizes, que tal?

— Ordens de quem?

  O repuxar dos lábios doía devido ao esforço e vacilou suavemente em puro aborrecimento quando o olhar da moça ficou mais cético e suas mãos trouxeram a arma empunhada para mais perto do corpo; a saraivada de disparos irrompeu o barulho contínuo da sirene lá fora, os sons de tiros pipocavam no ar de forma distante e tencionaram mais ainda os músculos faciais do rosto de Gaara ao encarar a guarda.

  Não, nada de errado. O franzir do cenho da moça demonstrava sua desconfiança quando botou os olhos no ruivo. Nada de errado mesmo.

— Foi o gene...

— Ah, aí está você — o tom repreensivo implícito na voz extremamente indiferente de Ino Yamanaka interrompeu sua terceira resposta imediata e, outra vez, a mistura ácida agitou seu estômago quando a loira abraçou uma prancheta rente ao corpo e desviou o olhar para Hanabi por alguns instantes; era a Senhorita Olhos Frios quem o encarava. — Por que demorou tanto? Não importa. Vamos logo, eu não tenho o dia todo. Ainda tenho que entregar um relatório para Yamato e para o general.

   As passadas longas ganharam ritmo novamente quando Ino girou os calcanhares e se afastou da entrada da enfermaria, sendo lealmente seguida pelo ruivo e a garotinha, a marcha curta e silenciosa pelo corredor limpo foi interrompida assim que a loira se afastou até um leito ladeado por cortinas improvisadas que serviam como indicativo para casos simples de observação.

  A postura profissional e superior deu lugar à pura ansiedade assim que a loira puxou uma parte do tecido grosso e espiava a movimentação no corredor estreito. Gaara soltou o ar, esperando que aquilo lhe trouxesse algum tipo de calma momentânea, mas tudo o que havia conseguido era oxigênio e adrenalina bombeados em seu corpo.

  Os olhos verdes dele quiseram ignorar a menina parada sobre a cama, as pernas balançando para frente e para trás numa coordenação quase musical, as mãos apertando o colchão fino e o tecido do lençol, ele quis – acredite, a todo custo mesmo— ignorar Jun Uzumaki, sã e salva, encarando-o dentro daquele cubículo apertado.

— Muito bem, muito bem. Alguém nos seguiu? — Ele cuspiu as palavras enquanto aumentava o aperto na mão de Hanabi e esfregava a boca com a mão livre, numa homenagem desapercebida ao hábito do pai alcoolatra nos momentos em que precisava usar a cabeça de cima. — Alguém? Ino, você pode...

— Dá para voc...

— Eu me lembro de você — a voz sussurrada de Jun interrompeu a sua própria histeria e captou sua atenção da mesma forma como fizera nos campos de treinamentos, tempos atrás. Era a porra do olhar, a porra dos olhos distantes e conflituosos que o fizeram suar novamente. — Você cuidou daquele fraco? Cuidou dele, não cuidou?

  Foi impossível conter o arrepio que percorreu seu corpo quando a menina inclinou a cabeça para o lado, como se ponderasse a ordem dos desenhos animados que assistiria, e o tremor nas pernas não era nada comparado ao horror, à centelha de semelhança horrenda que o invadiu quando imaginou as suas meninas outra vez.

  Era só um fracote, um fracote patético, magrela e ridículo que as pegou. Pegou suas meninas, as pegou e as levou para...

— Do que você está falando, Jun? — a pergunta, aquele questionamento sacana e absurdamente apavorante não pôde ser evitado por Ino, nem mesmo a postura tensa e o lampejo de curiosidade mórbida que mudaram sua expressão. — Gaara... — o olhar desviava de um para o outro, as mãos permaneciam agarradas à borda do tecido enquanto girava o tronco para encará-los.

— Não olhe para mim — retrucou apreensivo e deixou escapar parte daquele medo inquieto que sentia sob o olhar da menina. Volte ao plano, o mantra ecoava na sua cabeça novamente, num sussurro débil que lhe dava certa segurança. — Agora me escutem bem, suas pirralhas — lambeu os lábios antes de prosseguir com as instruções básicas e a próxima etapa do plano.

— Gaara — ele encarou a enfermeira mais assustado do antes porque soube, como numa conexão genial em sua cabeça caipira, que alguém acabaria morto até o fim daquela loucura. — Tenha cuidado.

— Eu sempre tenho — era a resposta típica em seus encontros quando ele tinha de se esgueirar de volta ao próprio quarto. Mas não havia bom humor dessa vez e nem mesmo um sorriso debochado no rosto.

  Não houve conversa quando a sirene apocalíptica ressoou mais alta do lado de fora e a movimentação dentro da enfermaria mudou; Ino e as duas crianças saíram do cubículo de observação de forma rápida e silenciosa pela direita enquanto o ruivo andava com tranquilidade pelo corredor. Nada de errado aí, não senhor.

  Quando avançou os primeiros passos sem receber um segundo olhar dos soldados transeuntes e dos médicos de plantão, a euforia – aquela velha companheira nas rondas ao lado de Kankuro em tempos normais e civilizados – o preencheu de forma saudosa e confortável, afastou a paranoia e as ordens metódicas na sua cabeça para manter o foco; ele estava se sentindo leve, o gosto do triunfo por seu plano estar dando certo na vida real era mais agradável do que ver Kabuto Hatake gaguejando em seus frustrados discursos oh-minhas-brilhantes-observações-papai.

  Seu avanço foi interrompido por suas pernas que, aparentemente, viraram duas extensões inúteis de borracha e não se moviam assim que seus olhos reconheceram a cara angulosa de Hidan.

— Ah, merda, merda, merda — moveu a cabeça automaticamente para a direita, procurando desesperadamente as silhuetas femininas esgueirando-se pela parede ou qualquer movimentação naquela direção. Foi uma mistura ácida de euforia e puro pânico que o invadiu quando viu Ino guiando as duas meninas num trote furtivo e acelerado pela lateral. — Merda, merda, merda, mil vezes merda.

  Girou os calcanhares quase que instantemente quando a voz de Hidan se sobressaiu à sirene mística e sua cabeça parecia estar imersa na voz rouca e bêbada do pai. É melhor abrir logo o guarda-chuva antes que a merda respingue, moleque. Embora ele se esforçasse mesmo, se esforçasse pra valer, a sua cabeça não conseguia funcionar com tamanha pressão e não...

— Merda... — sua voz mal passava de um sussurro quando ergueu os olhos e avistou Sakura Haruno, a médica do grupo Uzumaki, vindo da direção oposta e caminhando apressada bem na sua direção. — Ah, droga! — Foi uma espécie de percepção divina, voz na cabeça, qualquer porcaria que sirva para descrever que Gaara havia notado o porquê de Hidan ter pego Karin Uzumaki primeiro. — Ei, doutora.

— Agora não — a resposta foi ríspida e ela mal havia direcionado o olhar para o ruivo até que ele a puxou pelo cotovelo num aperto forte, logo forçou as pernas a se moverem para acompanhá-la. — Mas que...?

— Não grite, por favor, não faça nenhum escândalo — cuspiu as palavras rapidamente e forçou-a a acompanhar o ritmo de suas passadas conforme espiava sobre o ombro. Seus dedos voltaram para a coronha da arma automaticamente e ele sentiu as palmas das mãos grudentas de suor outra vez. — Apenas aja naturalmente.

— O que é que você está fazendo?

— Boa pergunta, doutora — uma risada nervosa quase escapou de seus lábios quando empurrou a Haruno na direção da parede oposta e passou um braço com aparente intimidade pelos ombros dela, puxando-a para mais perto assim que escutou a voz de Hidan reverberando pelo lugar outra vez. — Muito bem, muito bem. Siga o plano. — O mantra não conseguiu acalmá-lo ou ajudá-lo a decifrar como poderia evitar Hidan até a saída, apenas aumentou a paranoia e a histeria. — Ah, merda.

— Você é o meu resgate? Isso é sério?

— Isso não está em discussão, doutora. — Faltava pouco mais de dois ou três metros até o portal de pedra da enfermaria. — Não me olhe desse jeito — os dois se encararam e ela arqueou a sobrancelha rapidamente, Hidan e outro soldado passaram pela porta e marcharam para as macas. — Eu tenho um plano.

— Muito bem, qual é o plano? — Dessa vez, ela o puxou bruscamente pelo braço e acelerou o ritmo das passadas até a porta, logo alcançaram um trote nervoso e encurtaram mais um metro daquela forma.

— Será que a gente pode discutir o plano depois de dar o fora daqui? — Gaara soou histérico e irritado assim que pensou ter escutado Hidan novamente, sua cabeça continuava arranhando o velho ditado do pai alcoólatra sobre merda no ventilador e estimava a distância até a saída de forma obsessiva.

  Ouvir seu nome sendo chamado era a última coisa que havia ponderado em seu prático e simples plano, escutar a famosa pergunta “O que você está fazendo aqui” não havia sequer passado por sua cabeça, mas quando as escutou nessa ordem, seu cérebro não conseguia reproduzir mais do que as sábias palavras que o perseguiram a infância e a adolescência.

  Abra logo o guarda-chuva.

— ...eu perguntei o que...

  Sua mente levou algum tempo para registrar que suas pernas rijas estavam em movimento e que sua respiração havia saltado de irregular para ofegante em questão de segundos, nem mesmo havia percebido que estava correndo quando atravessaram o portal de pedra. Tateou a coronha do revólver e o sacou num ato quase inconsciente quando escutou a segunda saraivada de disparos, a leste dali.

  Os dois escorregaram pela grama e escoraram os corpos na lateral da enfermaria, retomaram o trote nervoso ao contornar o prédio pela direita até uma das quinas da Muralha e foram adiante. Gaara virou a cabeça na direção dos tiros, a tempo de ver parte do motim Uzumaki marchando com pressa até a Zona 2.

— Ah, merda.

  Aquelas duas palavras resumiam bem o que aconteceria se ele não fosse rápido o suficiente para pegar comida, Ino e as duas crianças, rumar com segurança até o líder insano do motim e dar o fora são e salvo.

— Tente se controlar um pouco, você está tremendo. — Sakura o analisava enquanto ele lutava para retomar o controle de seus pensamentos e desviá-los para o prático plano de antes. — Você está bem? Ei, olhe para mim — sua voz soou firme e alerta quando o ruivo a encarou. — Me escuta, Gaara: nós vamos seguir o plano e dar o fora daqui em segurança. Não entre em choque agora, entendeu? — Assim que ele assentiu, Sakura soltou o ar rapidamente e perguntou: — O que fazemos agora?

(Jhonny, I hardly knew ya)

— Muito bem, certo — ele murmurou num tom apático quando limpou as palmas suadas nas coxas e apertou a coronha do revólver 9mm com mais força. — Muito bem, doutora... Novo plano: nós vamos pegar Ino e as crianças, pegar alguma comida e nos encontrar com o seu chefe porra louca, e então nos armar até os dentes para dar o fora daqui.

[00:01] 18/12 — Agora, Zona 2, Muralha, Floresta de Nakanocho

  Hidan era observador e isso era uma coisa que justificava o porquê de ele estar ali, são e salvo, dentro da fortaleza militar no fim dos tempos e ser o desgraçado mais eficiente em obter informações naqueles muros. Então quando a sua cara angulosa acompanhou a trajetória afobada da nova dupla imbatível e inusitada – o caipira de testa tatuada e a médica corajosa o suficiente para enganar Kakashi -, ele simplesmente soube que algo estava acontecendo.

  A sirene de emergência continuava ressoando infernalmente e, sem dúvida alguma, estava atraindo uma boa parcela dos contaminados até as mediações da Muralha. Ele deu meia volta e marchou rapidamente de volta ao interrogatório.

[00:04] 18/12 — Agora, Muralha, Floresta de Nakanocho

  Não estrague as coisas, foi a ordem final do Uchiha antes dele andar casualmente até os contêineres de metal espalhados pela grama a mais ou menos quinze metros de distância, acompanhado por Kabuto e Kankuro. O garoto dos portões andava um pouco mais a frente como o combinado, mas não parava de olhar para os lados como uma criança assustada com o monstro debaixo da cama e tremia tanto quanto uma.

  Encarei rapidamente os olhos arregalados e as bocas retas das expressões tensas que marcaram os rostos de Hinata e Shikamaru, como se tudo aquilo não passasse da parte ruim do sonho, aquela que antecedia o clímax de acordar suado e conviver com a versão em que sua irmã caçula era levada para interrogatório dentro de um lugar que poderia ter infectados guardados como souvenir do fim do mundo. Poderia? Vamos lá, rapaz, nós dois...

  Não pense nisso.

  Estiquei um pouco mais o pescoço e acompanhei o avanço lento deles, então a inquietação se tornou incômoda demais, tencionou mais ainda meus músculos e cutucou aquele lado fértil da imaginação para o pior tipo de merda possível. Não pense, não pense, não... Aquela boa e velha raiva cega, aquela propulsão infinita de adrenalina que esgotava meu corpo na maior parte do tempo voltou com uma nova urgência quando o maldito clichê cruzou a minha mente.

  Já passou pela sua cabeça loira e estratégica que já pode ser tarde demais a essa altura do jogo?

— Foda-se isso — respondi numa voz assustada e enraivecida; andei até um canto do contêiner em que estávamos escondidos e olhei ao redor, torcendo para que nenhum dos soldados de Kakashi decidisse virar a cabeça na minha direção.

— Nós temos que esperar o sinal deles, Naruto — a voz de Shikamaru parecia alta demais, mas mal passava de um murmúrio rouco. Balancei negativamente a cabeça e apertei ainda mais o cabo da Magnum .357.

— Eu não vou esperar porcaria nenhuma — retruquei irritado. — Se vocês quiserem, fiquem aí ou façam o que vocês quiserem. O cacete que eu vou esperar que o Uchiha salve o dia.

  Não esperei qualquer resposta, apenas escorei o corpo na quina do contêiner e avancei pela grama, num trote desenfreado para frente enquanto eu tinha a certeza absoluta de que alguém viraria a cabeça, alguém me localizaria só por prestar atenção nos meus batimentos cardíacos ou que simplesmente se materializaria.

  Soergui o corpo assim que minhas pernas voltaram a doer e acelerei um pouco o ritmo, forçando ainda mais os meus músculos a trabalharem, me impulsionando para frente como se eu pudesse competir com o tempo, como se pudesse evitar que o clichê saísse da minha cabeça e virasse verdade.

  Vamos, vamos, rapaz. É melhor... Trinquei a mandíbula e ergui o revólver até a altura do meu rosto por puro reflexo assim que vi o perfil de um rapaz armado perto de outro contêiner, a poucos passos de distância. Não estrague... Agachei ali mesmo e estiquei o pescoço, meus olhos caçavam qualquer coisa que se mexesse e eu tentava a todo custo escutar qualquer coisa além da minha respiração ofegante e do meu coração disparado.

  Pisquei contra as gotas de suor e avancei outra vez da forma menos ruidosa possível, só depois percebi que eu prendi a respiração assim que encurtei a distância até o soldado, me lancei contra ele e agarrei sua cintura com força. Ergui o tronco e desferi uma coronhada no rosto dele, o estalo da cartilagem sendo esmagada foi ruidoso e alto e, outra vez, achei que alguém me localizaria pelo barulho assim que ele caiu.

(Hunger)

  Tique... Ofeguei pelo esforço do segundo golpe e soergui o tronco e a cabeça, espiei para os lados enquanto puxava a pistola semiautomática do coldre preso na perna dele e a enfiava na cintura o mais rápido que meus dedos conseguiam se mexer. Tique taque, tique taque, rapaz. O tempo está acabando e aí sim vai ser...

Ei, ei, o que você... — não foi exatamente a surpresa de ter sido flagrado ou a pergunta quase retórica que me paralisou, nada disso. Bem a tempo, senhor. Siga o script agora, sim? Controlei a vontade histérica de rir quando a situação pareceu mais surreal ainda quando a dupla que se materializou avançou na minha direção, o de chapéu encardido apontava uma arma para mim.

— Porra de timing — resmunguei e corri na direção do cara com o chapéu e enfiei a ponta da minha bota o mais fundo que pude na virilha dele, apertei os dentes quando escutei um gemido de dor e o rosto dele perdeu a cor.

  Minha cabeça girou com o golpe na têmpora, o mundo pareceu duplicado por um momento e senti a dor subindo pela lombar quando fui lançado contra a lateral do contêiner, ainda faltava derrubar mais um; meus dedos estavam livres quando segurei os ombros do soldado como apoio antes de desferir uma cabeçada que me fez ver o mundo girar por algum tempo.

 Ergui os punhos em defesa quando percebi a nova investida lenta e previsível dele, desviei num passo trôpego para a esquerda quando o punho direito cerrado dele acertou a estrutura de metal com força. Aposto que essa doeu, senhoras e senhores. Aposto que... O desgraçado ainda tinha um par de braços, então a mão esquerda dele encontrou minha mandíbula com força.

— Filho da puta!

  Cambaleei um pouco e cerrei os dentes quando senti o sangue fluindo dentro da minha boca, ergui os punhos cerrados quando desferi um chute entre as penas dele com força e sorri com escárnio assim que o rosto dele empalideceu repentinamente. Cuspi e avaliei rapidamente o cara do chapéu em posição fetal no chão, o rosto afundado na grama, enquanto o outro continuava de joelhos. Repeti o golpe em cada um, apenas por precaução, antes de recolher a Magnum e ir em frente.

   Interrompi o trote frenético assim que alcancei o contêiner mais próximo, andei rente à lateral até o canto mais próximo e precisei de uma boa dose de autocontrole quando escutei a voz arrogante do arrogante Uchiha sobressaindo-se à sirene infernal e aos gaguejos de Kabuto.

  Já é tarde demais para ela, não acha? A essa altura, ela já foi...

Foda-se isso também — respirei fundo e me esgueirei pelo canto; não sei dizer se os olhos de Kabuto ficaram ainda mais arregalados quando me materializei na porta reforçada ou quando o corpo do soldado caiu inerte numa poça morna de sangue pelo disparo que atravessou sua mandíbula de baixo para cima.

— Que porcaria é essa?

— Mas que porra que você...?

— Abaixe a arma agora! Agora!

   As vozes – do soldado que estava vivo (por enquanto) dentro do contêiner, de Kabuto e do Uchiha – ressoaram numa mistura histérica e firme ao mesmo tempo, quando o cheiro de pólvora encheu o ar no disparo seguinte. Meu braço doeu com o recuo do coice e a bala ricocheteou dentro daquela caixa abafada de metal, outro grito histérico encheu meus ouvidos e minhas pernas ainda doíam pela posição soerguida em que eu estava.

  Foi aí que pus os olhos dentro do contêiner e registrei que Kankuro havia entrado primeiro, mas estava petrificado como se tivesse visto algo horrível, intragável ou insano demais. Não, não, não. Entrei com a arma rente ao rosto e puxei Kankuro pelo ombro, e vi Karin.

  Eu não sabia que estava gritando até que senti a garganta seca, dolorida pelo esforço e nem sabia que estava xingando compulsivamente até perceber que minha boca estava mesmo se mexendo. Não era a forma como o tronco nu dela estava exposto ou como as mãos estavam cerradas e algemadas sobre o único móvel do lugar, nem mesmo a expressão casual do homem com cabelo prateado puxado para trás, parado bem atrás dela que elevou a raiva para cólera cega.

  Era a minha irmãzinha ali. Era o “tarde demais” que estava expresso no sorriso, na droga do sorriso presunçoso dele.

— EU VOU TE MATAR! EU VOU TE MATAR, SEU PEDAÇO DE MERDA! — A minha garganta doeu mais e percebi que não avançava porque Kankuro e Shikamaru – ele havia chegado? – mantinham seus braços e suas mãos me segurando pela cintura e pelo peito, enquanto o cuspe voava e eu sentia minhas pernas e braços rígidos como tábuas. — É MELHOR VOCÊ ME RESPONDER QUANDO FALO COM VOCÊ, ENTENDEU?

  Foi o Uchiha quem se moveu primeiro e usou a coronha do rifle para afetar aquele sorriso, aquela droga de expressão do rosto daquele cara, e o fez mais uma vez e mais uma enquanto o desgraçado se afastava com as mãos espalmadas, como a porra de um inocente.

— Naruto, ei, ei... Se acalma, cara. Mantenha a cabeça fria, entendeu? — Kankuro sussurrava como se estivéssemos nos esgueirando pelos corredores do alojamento e aquilo intensificou a cólera. Ótimo. Quanto mais, melhor. — Nós vamos pegá-lo, mas não agora. Não até tirar aquelas porras de algemas da Karin.

— Eu também quero vê-lo morto, eu quero — Shikamaru se esforçava para mexer os lábios enquanto os olhos duros dele me acompanhavam; havia uma pausa entre uma palavra e outra. — Você consegue se acalmar até lá?

— Claro. Claro, eu consigo — o sorriso maníaco rasgou meus lábios automaticamente e cuspi as palavras sem me importar se aquilo os convenceria ou não, mas eles cederam e o aperto deles diminuiu em seguida.

  Foda-se isso também, merda.

  Avancei, forçando as pernas rígidas a trabalharem mais uma vez enquanto empurrava meu corpo pela barreira tardia dos dois rapazes e contornava a superfície maciça da mesa de metal, minha garganta fechou abruptamente e senti o ar eclodindo meus pulmões enquanto impulsionava mais meus pés para frente e enfiava uma mão no ombro do Uchiha e o puxava com força para o lado.

  Disparei na direção do canalha e o cano da arma subiu demais, mas o desgraçado abaixou com suavidade e a bala ricocheteou pelas paredes reforçadas de metal e berrei de dor quando senti o projétil abrindo caminho pela pele do meu antebraço. Ele encurtou a distância e segurou meus punhos, forcei meu corpo contra o dele até encostar o cano quente da Magnum no ombro do canalha.

  Ele berrou e o sorriso maníaco aumentou no meu rosto, apertei o gatilho mais uma vez e ele esticou o pescoço para o lado com agilidade; então vi estrelas na primeira cabeçada e elas aumentaram na segunda, ele inverteu as posições e minhas costas bateram na parede. Enfiei as mãos no pescoço dele, desajeitadamente, enquanto ele usava o peso dos nossos corpos a seu favor e me esmagava contra a parede.

  Tateei minha cintura até sentir a lâmina afiada da machadinha e a puxei de qualquer jeito antes de enterrá-la o máximo possível no ombro direito dele. O canalha era resistente, admito. Uma das mãos dele cobriu parte do meu rosto enquanto as unhas dele cravavam minha bochecha, abri a boca e mordi com força parte da palma da mão do desgraçado. Levantei o joelho com dificuldade várias vezes, os berros dele se misturavam aos meus no processo.

  Inclinei um pouco o corpo e desferi o joelho na base da barriga dele mais uma vez, mas o desgraçado era mais durão do que os outros soldados e não caiu de joelhos ou em posição fetal quando acertei a virilha dele, ele se limitou a um gemido contido e só. Ofeguei e puxei a machadinha pelo cabo, abrindo um corte irregular no ombro; foi então que ele cambaleou uns três passos e escorregou na quina do contêiner.

  A porcaria do sorriso ressurgiu apesar da careta de dor e desconforto, apesar do corte no ombro e no filete grosso de sangue que escorria das narinas pelas cabeçadas que ele desferiu, apesar de todas essas merdas, aquela droga de sorriso satisfeito e vitorioso repuxava os lábios dele e mostrava a fileira de dentes perfeitamente arrumados, agora manchados de sangue.

   Acertei o chute no meio das pernas dele com o que me restava de energia e gemi pelo esforço. O sorriso deu lugar a lábios escancarados e dentes arreganhados numa faceta de dor profunda.

— Só por precaução — murmurei e virei o corpo e, então, minhas pernas ficaram rígidas mais uma vez e minhas mãos tremiam quando encarei Karin. Eu não queria abrir a boca, não queria olhá-la, não suportava vê-la encolhida e tremendo como um animal acuado. Mas, ei, dê uma boa olhada, rapaz. Dê uma boa olhada no que significa estar atrasado.

  Quando minhas pernas se mexeram outra vez, fiquei agachado diante da mesa e estiquei as mãos na direção dos pulsos algemados dela, tentando a todo custo desviar o olhar daquele par de olhos distantes e úmidos. Vê-la se retrair assim que encostei a ponta dos dedos nos punhos imobilizados aumentou a sensação de impotência, de ter chegado tarde demais.

— Eu não vou te machucar — minha garganta apertou mais quando ela não se mexeu. — Ei, está tudo bem, está tudo bem agora — era a pior coisa que eu podia dizer, mas aquilo escapou antes que eu pudesse evitar: — Eu prometo. Ninguém vai te machucar, Karin.

  O olhar dela transbordava o quão inútil era aquele consolo e como nada estava bem, como as coisas nunca estiveram bem e que nada mudaria. Desviei o olhar imediatamente e precisei de três tentativas até conseguir segurar o zíper da minha jaqueta, além de mais duas até ter firmeza para puxá-lo para baixo.

— Vocês... vocês acham mesmo que vão sair vivos? Acham que o Senhor... permitiria? — A voz dele era pastosa, mas aquele tom arrogante, prepotente me irritavam tanto quanto o rosto irritado do canalha. — Ele me dará forças, e... — O discurso foi interrompido pela coronhada brusca, serventia do Uchiha; finalmente consegui tirar minha jaqueta e cobrir Karin.

  Foi a maldita risada debochada e rouca que me fez encará-lo, com as costas apoiadas na parede casualmente, se acomodando melhor e cobrindo parcialmente o ombro ferido enquanto esticava uma perna e dobrava a outra; não percebi que eu havia me movido até que ele estava ali, parado na minha frente com a cabeça erguida para me encarar.

  Não reconheci a calma na minha voz quando perguntei:

— Onde estão as chaves?

— Oh... Então você é o irmão, o cava... — aquela faceta se transformou num berro de pura dor quando apertei o gatilho e a bala abriu caminho pelo joelho dele. As mãos foram para a perna estirada imediatamente, apertando o fluxo de sangue. — DEUS! OH, DEUS! SEU... — outro berro, mais histérico do que antes, o interrompeu quando disparei outra vez e ajudei a primeira bala a abrir mais espaço na carne do canalha.

— Eu quero as chaves das algemas.

— EU VOU MATAR VOCÊ, VOU MATAR VOCÊ NA FRENTE DELA E DEPOIS... — o cuspe voou quando ele esticou mais o pescoço, os tendões saltaram e franzi mais ainda o cenho. — ...EU JURO, EU JURO POR DEUS QUE EU VOU MATAR CADA UM DE VOCÊS, E JURO QUE VOU PUNÍ-LA, SUA VADIAZINHA MENT...

  O terceiro disparo à queima roupa separou o restante dos tecidos repuxados e elásticos que ainda seguravam a panturrilha à coxa, o maldito continuou gritando, amaldiçoando e apertando o cotoco da perna. Abaixei e tateei com a mão livre os bolsos na calça úmida de sangue, o volume do molho de chaves foi confortável sob meus dedos e o apanhei tremendo.

  Ninguém disse nada e enfiei cada uma das quatro chaves nas algemas até ouvir um clique, o tilintar dos dentes das chaves escorregando junto com as algemas pareceu durar uma eternidade enquanto Karin permanecia imóvel. Ela puxou os pulsos livres e ergueu o tronco com dificuldade, a jaqueta quase deslizou pelas costas dela e bati com o quadril na quina da mesa ao contorná-la com pressa.

  Ela não se mexia e mal parecia respirar quando passei os braços dela com calma pelos buracos das mangas e puxava o zíper. Dê uma boa olhada, rapaz, vamos. Abra bem a porra dos olhos e veja o que você fez ao bancar o lobo solitário, salvador da pátria, o super machão, o...

— Ninguém vai te machucar, Karin, eu prometo. Vou te manter a salvo, tá? E-Eu vou. — Segurei o rosto dela, inspecionando os tons avermelhados e a pele inchada ao redor do nariz, os filetes grossos de sangue. Doía. — Nós vamos sair daqui.

— Jun. — Os olhos dela ganharam algum foco e as mãos dela agarraram meus braços, os nós feridos e o nariz machucado dela intensificaram toda a bagunça doída que eu sentia naquele momento. — Jun. Onde... onde ela está, Naruto? Onde... Cadê a minha filha?!

— Nós temos que sair — foi Shikamaru quem cuspiu as palavras, naquele misto de horror e urgência enquanto analisava o rosto de Karin com intensidade e apertava a escopeta contra o peito magro. Todos nós erguemos os rostos para o alto, por puro reflexo, assim que a sirene apocalíptica parou de ecoar e o silêncio parecia sufocar todo o resto.

— ESTOU FALANDO! EU ESTOU... — cerrei o punho com força e puxei o ar com dificuldade quando girei o corpo na direção dele. O cheiro de pólvora impregnou aquela maldita caixa abafada mais uma vez e as palavras do canalha se tornaram um engasgo sofrido e molhado.

  Você não sentiu o coice, não foi?

  Parecia que havia mãos invisíveis guiando meu pescoço para o lado, me forçando a encarar Karin com os dois braços trêmulos estendidos, a semiautomática nas mãos dela não parecia real e menos ainda o gorgolejo ruidoso ou o buraco no pescoço dele. Ah não, você não percebeu que ela pegou a arma? Não me diga que você não achava mesmo que ela não seria capaz de...

— Ah, minha nossa. Ah, não, não. — O horror crescente na voz aguda de Kabuto simplificava muito bem os olhos esbugalhados de pânico e descrença, além do bombeamento inverso de adrenalina que mantinha minhas pernas congeladas e minha respiração ofegante. — Por favor, por favor, por favor, vamos sair daqui.

— Vamos, vamos, se mexam — o Uchiha tentou impor convicção na voz, mas falhou como qualquer pessoa falharia naquele exato momento em que a poça morna de sangue crescia preguiçosa na nossa direção.

  Shikamaru foi quem conseguiu puxar Karin pelos ombros e tirá-la dali, não consegui desgrudar os olhos da silhueta mediana dela e a forma como ela arrastava os pés, como se não lembrasse exatamente do que fazer com eles. Kankuro lançou um olhar alarmado na minha direção antes de desapoiar as costas da parede de metal e girar os calcanhares para a esquerda; saí em seguida e foi o Uchiha quem fechou a porta reforçada.   

  Se, naquele instante eufórico, violento e regado a adrenalina, eu tivesse escutado as três regras de sobrevivência que haviam me levado àqueles muros, talvez as coisas tivessem sido diferentes.

  Mas aí vai uma verdade que não contam sobre finais de mundo: não há tempo para pensar no plano B. Quando encarei o Uchiha novamente, tão trêmulo e assustado quanto eu, aquela camada de adrenalina pareceu recuar diante do silêncio repentino quando a sirene ecoou pela última vez dentro da Muralha.

  Tudo o que eu pude dizer foi:

— Nos tire daqui.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOOO
Cá estou eu. A demora foi maior porque esse capítulo foi punk de escrever.
Agradeço muito a paciência de todos vocês e pelos comentários, sugestões e críticas, todos estão me ajudando a me atentar a alguns detalhes.
Não sei se alguma coisa passou ou ficou confusa nesse capítulo, então caso haja alguma dúvida, pode mandar.
Não farei muitos comentários porque estou com a cabeça girando. kk Enfim.
Até o próximo!
o/



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