Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 19
Some things are meant to be




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Algumas coisas são para ser

 

[01:02] 16/12 — Agora, Zona 4, Muralha, Floresta de Nakanocho

  Embora fosse um horário incomum para duas pessoas circularem pelos corredores fervorosamente limpos com água sanitária e o sabão restantes em estoque, ali estavam eles escorregando pelo piso como dois adolescentes de detenção, sussurrando como um par de ladrões afobados.

  A excitação usual não era a mesma dessa vez, a boa e velha confiança que Ino aprendera com a senhora Yamanaka de nada lhe servia já que estava abalada demais para simplesmente relaxar como diziam os sábios médicos da vida sexual. Tentem dar umazinha no fim do mundo. A menos que você seja necrófila, não tem como molhar as calcinhas sabendo que tem gente morrendo por sua culpa.

  As carícias em sua pele, os toques ousados e a famosa mão boba de Gaara não conseguiam fazê-la relaxar, mas irritavam-na. A rispidez – outra emoção muito bem aprendida com a senhora Yamanaka – tomou conta de Ino instantaneamente.

— Gaara... Pare... Por favor... — ela empurrou-o com delicadeza da primeira vez e a voz dele, abafada contra seu pescoço, foi outro fator que colaborou com sua irritação. — Para com isso, eu...

— Você quer me examinar primeiro? Tudo bem enfermeira... Eu tiro a parte de baixo agora? — as mãos seguraram o próprio cinto e um sorriso malicioso escancarou suas intenções, mas o olhar irritado dela servira como primeiro alerta, seguido das mãos dela nos ombros dele. — O que foi? Não estou falando putaria suficiente?

— Dá pra você usar a cabeça de cima por um minuto? Por favor? — ela soava como uma mãe pegando o filho adolescente batendo uma no quarto com a revista pornô endurecida de inúmeros esporros. Ele soltou o ar e agitou as mãos por um instante antes de deixá-las cair ao lado do corpo.

— O que é que foi? Não me diga que você se apaixonou e coisas do tipo, esse não foi o acordo... — foi a primeira coisa que ele pensou que justificaria a rigidez dela e o olhar desesperado para contar algo importante. Ela bufou e balançou a cabeça negativamente.

— Não acredito que transei mesmo com você...

— ...amizade colorida lembra? Eu pulo na sua cama, você na minha... Eu achei que estávamos de acordo sobre não desenvolver relacionamentos, não nesse fim de mundo e de jeito nenhum aumentar a família — ele continuou gesticulando e fingiu não ouvi-la por meio instante, o nervosismo dela aumentou consideravelmente e ele franziu o cenho. — O que é que foi Ino?

  Ela exasperou e temeu que perdesse o controle naquele instante, espremida num corredor do centro médico da Muralha com o cara com quem vinha aliviando sua tensão nas últimas seis semanas. Dá pra ser mais ridículo do que isso? A coisa toda soava surreal e, se fosse analisada através da lógica e dos padrões de uma sociedade civilizada, pareceria mais um conto macabro de terror do que necessariamente a verdade.

  A Muralha, também conhecida nos acampamentos e nos noticiários como uma fortaleza contra os contaminados, que é a grande esperança murada do distrito japonês de Osaka era um manicômio nazista e seu líder, bem vestido e fardado, era o mais louco deles.

  Faça colar essa, que nem molhar as calcinhas no fim do mundo. Você consegue.

— Você precisa me prometer que não vai abrir a boca por enquanto, entendeu? Nada de gritos histéricos, nada de porradas ou merdas do tipo, ou eu dou as costas e nunca mais pulo na sua cama e na sua cara, entendeu? — um meio sorriso malicioso repuxou os lábios dele e as sobrancelhas se ergueram rapidamente com a memória. Ele concordou e ela prosseguiu.

  As primeiras palavras que sua mente caipira haviam registrado “Kakashi mandou injetar o vírus”, o fizeram se sentir tão nocauteado como quando havia, finalmente, entendido que nunca mais veria as sobrinhas e a cunhada. Ele sabia que Ino continua falando – e, porra, como ela fala! —, percebia que ela tremia conforme despejava uma tonelada ácida de informações sobre a Muralha e toda a sua macabra rotina.

  Aquela era uma anestesia fodida, não existia mistura química suficiente para fazê-lo se esquecer de toda aquela conversa depois – vejam senhoras e senhores, que belo exemplo de uma porra de conversa! Quer fazer um cara brochar? Conte isso! Palavra de escoteiro, senhoritas. Sua mente caipira, mas extremamente rápida em fazer conexões entre fatos isolados, quis negar toda aquela informação.

  O que é que você faz quando a merda é jogada no ventilador, pirralho? Você abre seu guarda chuva. Nem uma gota de bosta vai respingar, foi o único conselho que seu pai alcoólatra disse em toda sua miserável e inútil vida de beberrão, foram as únicas palavras que serviram para alguma coisa além de Não mije no próprio sapato.

— Há quanto tempo?

  Sua própria voz parecia pertencer à outra pessoa, não tinha confiança nenhuma e soou tão desesperadora e assustada como Ino. Ele não conseguia aceitar que estava vivendo no mesmo teto que infectados, não podia associar a imagem de um líder mão de ferro como Kakashi com um cientista pirado e perigosamente insano. Não, ele é uma pessoa esperta. Ele não faria isso, era o que a parte eternamente esperançosa dizia, mas...

  Mas.

  Ino estava na Muralha há mais tempo do que ele e gabava-se por ser uma das primeiras pessoas que pisaram naquele chão, talvez uma das poucas que haviam sobrevivido aos tantos quilômetros percorridos e alcançado seu lugar ao sol. Aqui é seguro, ela dizia. Mas.

— Há quanto tempo isso acontece? — Ele não conseguia pronunciar as palavras, não podia falar em voz que esteve vivendo o sonho americano ridiculamente cheio de ação e aventura, e não a realidade.

— Desde o começo do vírus. Você está aqui esse tempo todo e nunca desconfiou das pessoas que simplesmente acordam mortas ou dos doentes que nunca saram? Não notou que pessoas feridas não passam pelos portões? — A voz dela soou histérica e mais desesperada, o queixo tremia e as mãos suavam sem parar. Acredite em mim, era o que o corpo todo dela berrava. Acredita em mim! — Não seja burro Gaara, ele só quer os mais fortes porque quer infectá-los, quer injetar o vírus.

   Ele lembrou das inúmeras ordens dos walkie talkies para enterrar os adoentados que faleceram, literalmente, da noite para o dia, de como os doentes nunca melhoravam de um resfriado, uma infecção simples, apesar do coquetel de remédios que era fornecido; parecia que sua cabeça explodiria com tantas conexões.

    Mas. Ela sempre soube. E ajudou.

— ...está me ouvindo? Por favor Gaara, eu preciso que você preste atenção. Não temos muito tempo — as palavras sussurradas tinham um quê de hipocrisia aos seus ouvidos e ele cerrou os punhos, pois temia usá-los em Ino naquele instante. E isso não vai terminar bem. — Eu não posso mais fazer isso e preciso de ajuda. Ele está louco e quer usar crianças, me ouviu? Kakashi quer usá-las da mesma forma como fez com aquele garoto e...

Agora você não pode mais fazer isso Ino? Agora?! Sério? — A raiva emergia lentamente e sua mente procurava motivos para acusá-la mais do que o necessário, seus olhos observavam-na com fúria, captando os mínimos movimentos e distorcendo-os em pequenos sinais de desafio que justificassem os encontros nada amorosos – mas certamente ansiosos - de seus punhos contra o rosto dela.

— É, agora. Só agora eu criei coragem para fazer alguma coisa a respeito — a voz dela soou incrivelmente sarcástica e oscilou quando ela sustentou o olhar sobre ele. Ino queria agarrar-se à indiferença, à máscara confortável de frieza e passividade, mas ela não conseguia tirar os gritos moribundos da cabeça. Era demais pedir que eles sumissem? — Isso não é sobre você e eu, isso é sobre pessoas que estão sendo usadas e jogadas fora.

— Pessoas que você ajudou a terminar assim, senhora enfermeira! Não tire o seu da reta! — Quando ele aponta na direção dela, os olhos esverdeados a culpam em genuíno deleite.

— Você se fez de idiota porque nunca quis ver o que realmente acontece aqui, não tire o seu da reta também! — A voz dela se elevou outra vez e seu corpo estremeceu de pura adrenalina, as elevações constantes de raiva e nervosismo serviram de alguma coisa afinal. Aquela descarga de energia foi suficiente para fazê-la encarar Gaara e deixá-lo quieto por alguns minutos. — Quer ficar puto? Ótimo! Mas depois de fazermos alguma coisa.

Nós? Eu não vou limpar a sujeira que você começou, garota. Sinto muito, mas não limpo a bagunça de mais ninguém além da minha — ele queria chacoalhá-la, queria esmurrá-la por ter sido egoísta a esse ponto, pois imaginava-a abraçada a um prontuário enquanto assistia pessoas se contorcendo em ângulos antinaturais e urrando por ajuda, clamando por misericórdia, implorando pela porra da ajuda dela. A senhorita Olhos Frios não tem compaixão. Ela deve ter ficado bem parada e feliz por não ser ela.

— Eu não tinha ajuda! Será que você não entende? Eu fiz o que tinha de fazer para não ser eu ali dentro daquela câmara! — Ino se odiava por dizer a verdade, a mais pura e bruta verdade, detestava-se ainda mais por dizer isso para ele; sua voz embargava e ela precisou parar antes de prosseguir: — Eu preciso que você me ajude a parar com isso Gaara, eu devo isso a eles.

  As palavras sussurradas fazem todo o sentido do mundo para ele e, em meio à raiva e às assimilações fantásticas que seu cérebro consegue fazer, ele a observa calmamente e distorce seu tremor, sua falta de controle no sentimento mais humano de todos, a culpa.

  Os olhos azuis que o encaram, desesperados por uma resposta positiva, não são os da Senhorita Olhos Frios, são da garota que raramente lhe sorri e que raramente demonstra mais do que excitação e desejo, pertencem à garota de vinte e seis anos que o puxa para mais perto na cama e o abraça com força.

  É por ela que ele abre a boca e, num murmúrio conformado, pergunta:

— O que é que eu posso fazer?

               ¶ [04:52] 16/12 — Agora, Guarita B, Zona 2, Muralha, Floresta de Nakanocho

  As nuvens pesadas e cinzentas se movimentam com graça e encobrem todo o céu num tom monocromático – soava poético para Shikamaru enquanto observava sua própria respiração se transformar em névoa e desaparecer. A quietude confortante era muito bem vinda, obrigado, e o ajudava a pensar com a clareza que a situação exigia.

  Nos últimos sete dias, a velha rotina havia abraçado-os: sessões de treinamento corporal e com armas durante as manhãs, pausa para comida, discussões ocasionais e conversas amenas nas tardes, nova pausa para comida e bebida, cumprir turnos de vigia nas guaritas, pausa para cigarros e necessidades fisiológicas. A mesma merda, outro dia.

  Não houve excursões extraordinárias para lugares remotos como creches e manicômios, as rotas foram limitadas aos locais comuns de abastecimento no raio de três quilômetros e meio. Ocasionalmente seu grupo se esbarrava entre uma pausa e outra para comer e beber, falavam sobre amenidades e tentavam fingir que estavam tranquilos - não que suas habilidades teatrais fossem mais necessárias o tempo todo.

  Então o que diabos eles estão planejando?

  Shikamaru desviou os olhos para a massa inquieta que as nuvens formaram e para os raios luminosos entre elas, a fúria da natureza era incrivelmente bela e assustadora; era impossível não encarar o anúncio de uma tempestade. Ele observou os portões imponentes e, se quisesse, ouviria os berros isolados dos infectados que ladeavam a fortaleza, mas a ideia revirou seu estômago e ele fechou os olhos.

  Mas não era tanto a abrupta calmaria da Muralha que o desgastava noite após noite, ou o distanciamento entre seu próprio grupo, mas as palavras mágicas que havia dito para Naruto e Hinata:

— Eu tenho um plano.

  E então, voilá!, os mocinhos sairiam atirando como o senhor Norris e explosões cinematográficas os acompanhariam em sua fuga heróica pelo chão batido da Muralha até os portões e, enfim, à liberdade que a floresta oferecia. Quem sabe alguns carros pegariam fogo no meio do processo ou, melhor ainda, somente dez pessoas conseguiriam desmantelar um grupo militar de, pelo menos, oitenta pessoas sem levar um tiro só no rabo. Fantástico!

  Seria bom, seria extremamente útil e Shikamaru não precisaria mais queimar seus neurônios. Não senhor, problema resolvido, certo? Eles têm a porra do plano, então qual é o problema?

— Não há plano nenhum — ele confessou ao nada e esfregou os olhos com raiva, como se estivesse iniciando sua penitência e seus pecados seriam perdoados após vinte chibatadas. — Não há plano — Shikamaru apoiou as mãos na mureta e ergueu os olhos para o céu raivoso, seus olhos clamavam por ajuda, não importava a origem.

  Apesar de Shikamaru Nara não ser o marco zero da queda daquele grupo de estranhos dentro da Muralha, apesar dele não ter agido impulsivamente diante do general, ele sentia que as vidas daqueles estranhos - que se conheceram ao longo das estradas e ruas comerciais de Osaka - estavam em suas mãos. A sobrevivência dele e daqueles que eram a sua única família dependiam de sua criatividade, habilidade que havia garantido comida em tempos desesperadores e uma bolsa de estudos em engenharia em tempos melhores.

  Então pense, pense, pense! Pense droga! Ele fita aquele céu raivoso, como se fosse a personificação de alguma divindade, e sente-se mais desamparado do que quando assistiu os apartamentos do prédio vizinho pipocarem com disparos de tiro e jorros de sangue. É um Tarantino mais limpo, foi a última coisa que foi capaz de pensar antes de se juntar aos vizinhos que desciam os lances de escada em meio a berros e sons de corpos pisoteados.

  Ele esmurrou a mureta enquanto a impotência o dominava e sua mente parafraseava que o tempo estava correndo, a porra do tempo estava acabando e não havia plano. Você é o garoto das estratégias e não tem um plano? Você é o gênio das fugas lógicas e não consegue ver que a solução que está embaixo da porra do seu nariz?! Você é um gênio, mesmo? Pra valer?

— Ei – ele se assustou quando sentiu o peso de uma mão em seu ombro e soltou a respiração, sob o olhar analítico de Sakura ele parecia ter trinta e cinco, não vinte e cinco anos. — Desculpe o atraso, eu queria ter certeza de que ninguém estava me seguindo até aqui.

  Houve um momento de silêncio enquanto Shikamaru tentava entender do que diabos Sakura estava falando, e mais outro enquanto sua mente repassava as conversas mais recentes que tivera nos últimos dias. Você não está batendo bem da cabeça, amigo... Essa tensão toda vai te matar... Quer dizer, Kakashi é quem vai enfiar uma bala na sua testa geniosa se você não bolar alguma coisa logo, então... Sem pressão.

— Tudo bem — as palavras mecânicas para qualquer situação fizeram seu trabalho e Sakura balançou a cabeça positivamente. – Tudo bem — ele repetiu e respirou fundo, alheio ao latejar nos nós dos dedos feridos pelo atrito contra a mureta de pedra. — Ninguém te seguiu até aqui? — ela balançou a cabeça negativamente e ele concordou, tentou afastar a voz acusadora da cabeça e raciocinar como ela havia mandado. — Sasuke sabe que você está aqui?

— Em partes, mas isso não é importante agora — ela responde enquanto se aproxima, enfia as mãos no bolso do casaco e encara as nuvens inquietas, agitadas com os raios que parecem nascer entre elas. — Qual é o problema Shikamaru?

  Ele respira fundo e se obriga a continuar encarando aquele céu escurecido antes de desviar o olhar para Sakura. O plano está bem debaixo do seu nariz, era o que a voz raivosa dissera como um adolescente birrento e ele não queria ter entendido o que aquilo significava, desejava não ser esperto o suficiente para ver o óbvio.

— Quando nós nos conhecemos, a primeira coisa que você me disse foi que nós precisamos ficar juntos se quisermos sobreviver — ele murmurou e encarou-a, umedeceu os lábios e tocou os nós dos dedos da mão direita com extrema cautela, como se o toque pudesse despertar os nervos feridos de seu torpor temporário. — E eu acho que você é uma das únicas pessoas que pode me ajudar.

— O que você quer dizer com isso? — O tom de desconfiança o decepcionou inicialmente, mas ela não parecia notar que estava soando exatamente como Sasuke. Ele fingiu não notar e prosseguiu:

— Eu quero dizer que a Muralha não é um lugar seguro e, para dar o fora, alguém vai morrer — ele sente o estômago revirando e as palmas de suas mãos suam tanto quanto estivera com Hinata e Naruto e dissera que havia uma escapatória, havia uma solução. — E eu não vejo outra saída além de usar Sasuke como nosso passaporte pra sair daqui.

  O rosto dela empalideceu automaticamente, da mesma forma como havia encontrado Sasuke Uchiha em um hospital com o andar de cima lotado de infectados, os olhos dela pareceram perder o brilho quando notaram o corpo magro e quase esquelético, os dedos agitados caçando remédios dentro de um cubículo escuro e parte de um cenário de horror.

— Nós não somos burros e você também sabe que todas aqueles... espetáculos... — a palavra é dita com desprezo por Shikamaru —...entre o Sasuke e Naruto foram só pra te proteger da atenção do Kakashi. Ele queria saber quem fez o soldado dele abandonar o posto e se vocês dois fossem vistos juntos... Bom...

  Sakura fechou os olhos e se forçou a manter a calma, todo o autocontrole e a frieza foram necessários para escutar o que Shikamaru dizia e propor uma solução viável que atendesse os dois lados envolvidos. Era incrível como aqueles sete dias remoendo o diagnóstico de Yahiko foram suficientes para absorvê-la para uma versão de si mesma amedrontada e desesperada por soluções práticas.

  É melhor se recompor, é melhor escutar o que ele tem a dizer... Ela se forçou a abrir os olhos e encarar Shikamaru, forçou-se a ignorar como seu próprio coração batia descompassado e como todo o contexto apresentado revelava um desfecho cruel e prático. Ou você achou mesmo que ia viver um romance no fim do mundo?

 — Se eu estivesse na mesma situação que ele, se um lunático quisesse machucar alguém que eu amo, eu faria o mesmo — a voz de Shikamaru era gentil e seu olhar era acolhedor, como há muito tempo era, mas seu rosto parecia incrivelmente cansado e os olhos castanhos fixaram-se no rosto dela. — Mas nós temos um problema sério aqui Sakura. Sasuke fez parte desse lugar e nunca explicou porque fugiu, ele nunca disse nada sobre o que realmente acontece nesses muros.

— O que vocês queriam? Que ele sentasse, chorasse e falasse sobre a vida dele para estranhos? — Ela questionou em voz baixa enquanto a frustração e a desconfiança entonavam sua voz, ambos ficaram em silêncio por algum tempo enquanto as gotas d’água eram lançadas impiedosamente abaixo das nuvens.

— Nós somos um grupo, não estranhos. — Ele rebateu pouco depois e observou o rosto de Sakura mudando da frustração para reflexão lentamente. Sua voz continuava baixa e gentil, mas ele sentia que perderia não apenas o controle, mas o restante de humanidade se as coisas prosseguissem como previra. — Você é minha família Sakura, assim como os outros.

— Sasuke também é a minha família, Shikamaru — ela sussurrou. — Mas não vou escolher entre ele e você, ou Naruto ou qualquer outra pessoa. Eu sei que assim que entramos aqui, Naruto fez algum acordo com aquele general e as coisas pioraram a partir daí — ela respirou fundo e tentou ignorar o bolo na garganta, os olhos marejados e a sensação de impotência que lhe corroía. Ah não, você achou que iam ficar juntos e ter filhos? No fim do mundo, você achou mesmo que seria feliz? — Mas precisa haver outro jeito... Não é justo, não é humano fazer isso!

  Você não é o garoto das estratégias?, o tom zombeteiro daquela pergunta lhe irritara tanto quanto ter pronunciado as palavras mágicas que, inconscientemente, contribuíram para toda aquela merda.

— É por isso que eu preciso da sua ajuda Sakura... — ele murmurou e passou o braço esquerdo pelos ombros dela. — Você disse que só sobreviveríamos juntos e eu não gosto de ter de usar outra pessoa para salvar outras, eu...

  Eu não quero mais ver as pessoas que eu me importo morrendo, não quero ter que escolher entre abandoná-las ou enfiar uma bala nelas. Eu não quero mais ser um monstro. Ela encarou-o da mesma forma como ele mesmo havia encarado Naruto dias antes, à espera de uma solução prática, alguma interferência divina que simplesmente arrancasse o vírus da face da Terra e trouxesse a normalidade ao comando outra vez.

— É exatamente o que você vai fazer, Shikamaru — ela fechou os olhos e conteve as lágrimas, cerrou os punhos e sua voz soou cautelosa: — Eu já entendi que ele e o Naruto nunca vão se entender, mas usar Sasuke como a porra de uma isca já é demais. Você diz que não quer usar uma pessoa para salvar outras, mas é exatamente o que você vai fazer.

  Shikamaru sentiu o desprezo implícito no tom de voz dela e se forçou a acompanhar o raciocínio que ela apresentava, seus argumentos e se sentiu incomodado. Será que você não pode ver que a porra da solução está bem debaixo do seu nariz?! Você é mesmo um gênio?

— O que você propõe então? Eu estou aberto a qualquer solução.

  A risada curta de Sakura não era a reação que Shikamaru esperava, menos ainda ver como um sorriso se instalava no rosto dela e a deixava mais jovem. Ela balançou a cabeça negativamente e suspirou, como se o assunto a deixasse cansada.

— Será que nunca passou pela sua cabeça o óbvio? Sasuke já saiu daqui uma vez, ele pode fazer isso de novo — ela disse num tom amigável e se inclinou na direção de Shikamaru. — Você não precisa usá-lo para morrer pelo bem maior, Shikamaru... Você só precisa pedir a ajuda dele pra sair fora daqui.

— Ele não confia em mim — ele afirmou automaticamente e bufou irritado. — E eu não confio nele Sakura, não sei se estou disposto a arriscar tantas vidas por causa do que ele sabe sobre esse lugar.

— Então você vai ter que assumir os riscos — ela rebateu em seguida e os dois se encararam.

  A solução óbvia tinha um porém óbvio para Shikamaru: Sasuke e Sakura formavam a dupla imbatível, tinham um pacto de se protegerem e aquilo havia fragilizado a confiança de todos na Haruno de forma drástica. O impasse era que seu plano imaginário estava resumido em apostar as fichas restantes no atirador de elite e na médica e torcer para que ninguém morresse no processo.

  Tipo como o senhor Norris nos filmes, o pensamento o fez se sentir enjoado com o seu desespero. Ele queria que todo aquele clima de desconfiança e barganha desaparecesse como nos livros de ficção científica e que houvesse uma solução prática, ou ainda que ele pudesse assumir a postura de mafioso frio e calculista que resolvia a maior parte dos problemas com assassinatos elaborados.

  Mas ele, como todos ali, era meramente humano.

— O que você decidiu Shikamaru? — Aquela era mesmo uma boa pergunta ao antigo estudante de engenharia e o fez soltar o ar mecanicamente enquanto seus dedos agarravam a superfície da mureta com força. — Não vou mentir e dizer que você não precisa confiar no Sasuke, mas você vai ter que fazer isso. É a única forma de sair daqui.

  E, como qualquer ser humano desesperado por uma saída cinematográfica, ele disse exatamente o que Sakura não esperava ouvir:

— Então vamos ter que assumir os riscos por isso, não é? — Ele inalou o ar, úmido e filtrado pela floresta que ladeava a Muralha, até sentir que sua voz não soava angustiada. — Eu não preciso confiar nele, Sakura... Já confio em você para nos ajudar.

  Um sorriso tímido surgiu, com esforço, no rosto de Shikamaru e incentivou Sakura a fazer o mesmo por alguns instantes. Ela respirou fundo e afagou a bochecha dele calmamente e depois se afastou em silêncio; nesse meio tempo, enquanto Shikamaru Nara, o gênio do grupo de Naruto Uzumaki, apostava suas fichas restantes na dupla imbatível, e Ino Yamanaka e Gaara Sabaku bolavam seu plano, um homem corpulento observava Sakura Haruno atravessar a área gramada após sua conversa com o gênio do grupo Uzumaki.

  Se ele não estivesse errado – e seu bom Senhor sabia que não estava -, a médica não era a única a bancar a esperta com o general. E como um bom soldado – seu bom Senhor o sabia que era -, é seu dever verificar a situação e interrogar a moça na primeira oportunidade.

  Hidan cruzou os braços definidos na frente do peito e acompanhou o trajeto percorrido por Sakura da guarita até as delimitações da enfermagem e simplesmente soube que, outra vez, o Senhor o chamava para trabalhar e lhe mostraria como. Agarrou instintivamente o crucifixo no cordão de prata no pescoço e o beijou automaticamente, pedindo pela ajuda divina para executar sua missão na Terra.

  E Hidan a teve.

             ¶ [06:09] 16/12 — Agora, Zona 3, Alojamento, Muralha, Floresta de Nakanocho

  Só estou conferindo se está tudo bem, era a frase que martelava na minha cabeça feito um mantra antigo conforme eu atravessava o corredor silencioso e parcialmente iluminado, contava as portas e espiava sobre o ombro vez ou outra, apenas para ter certeza de que não havia ninguém me seguindo ou que trombaria com algum conhecido.

  A sensação de alívio prevaleceu por alguns instantes e tudo o que eu escutava era o barulho da sola de borracha raspando a superfície cerâmica do chão e meu coração descompassado, numa imitação da adrenalina que eu sentia nas rondas fora da Muralha.

   Só estou checando a situação, era a desculpa idiota que eu havia inventado para me convencer a parar de encarar o teto e desviar a atenção do que poderia ter acontecido se Shikamaru não tivesse aparecido no meu quarto na semana anterior.

  Pelo amor, você está contando os dias! Está contando os dias que não vê Hinata Hyuuga! Ao ardor no meu rosto foi incômodo por alguns minutos e fui estúpido o suficiente para acreditar que eu estava rumando até o quarto dela apenas para ter certeza de que as coisas estavam normais.

  Defina normal, señor.

  Quando ergui o punho diante da porta cinzenta, parado feito um idiota desnorteado no primeiro encontro com a garota, foi aí que percebi que meus batimentos cardíacos ainda estavam alterados, o suor brotava na palma das mãos e meu estômago parecia embrulhado. Ah, meu garoto... Não me diga qu...

— Naruto?

— É... oi — parecia que toda a minha capacidade de fala havia sido reduzida no instante em que Hinata abriu a porta, com o cenho franzido e o rosto preocupado. Não me diga que... — Eu... estava apenas passando por aqui. Resolvi verificar como estão as coisas com você. — Limpei a garganta e enfiei os punhos no bolso da calça antes que eu começasse a gesticular nervosamente. — E com a sua irmã, claro.

(Can’t help falling in love)

— Ah, eu... agradeço a sua preocupação. Estamos bem — ela respondeu desviando o olhar para a beliche e mordeu o lábio inferior assim que voltou a me encarar. — Você não veio até aqui só para saber se nós duas estamos bem.

— Só quis ter certeza de que está tudo bem — retruquei automaticamente, cuspindo as palavras de forma nervosa e senti o ardor nas bochechas outra vez quando Hinata estreitou os olhos. — É sério, eu só estava andando e... meio que, estava no meio do meu caminho, sabe. Só aproveitei a oportunidade.

— Você precisa falar com outras garotas — o tom debochado dela fez um sorriso relaxado repuxar os meus lábios e cocei a nuca desconcertado quando notei que Hinata não desviava o olhar analítico.

— Na verdade, não tenho interesse por nenhuma outra garota — aquela tentativa de flerte aumentou o sorriso bobo no meu rosto assim que notei o leve rubor no rosto dela; aquela mistura de ansiedade, medo e conforto me dominou e me cativou como não acontecia há um bom tempo e toquei o rosto dela como se fosse a coisa mais natural do mundo.

  Eu não tenho interesse em nenhuma outra além de você, eram as palavras que estavam presas na minha garganta quando contornei a curva do pescoço dela com as pontas dos dedos; não conseguia me afastar dela ou parar de sentir a textura da pele dela, os contornos delicados do rosto e perceber que eu era o responsável pela respiração descompassada dela.

  Eu queria gravar na minha cabeça cada linha de expressão, cada marca e cada reação que notava, sentia e a fazia sentir quando segurei seu rosto com as duas mãos e senti o toque hesitante dela nos meus braços. Eu queria que aquilo durasse para sempre, que meu coração continuasse naquele ritmo estranho e inseguro e que Hinata percebesse que me fazia agir como um idiota desengonçado.

— O que tem de errado com as outras garotas?

— Elas não são você.

  Aquela agitação toda no meu estômago aumentou e entreabri os lábios quando nossas testas se colaram, então foi a vez do medo me fazer ofegar quando Hinata circulou os braços ao meu redor e foi a vez daquela necessidade de tê-la mais perto, como um adolescente apaixonado. E se Shikamaru não tivesse entrado? Vocês dois teriam se...

  O toque cauteloso dos lábios dela nos meus era incrivelmente suave e gentil, o calor e a pressão que o corpo dela faziam contra o meu era a coisa mais agradável que eu havia sentido e não contive o riso de satisfação, de alegria plena quando ela moveu a boca com mais confiança.

  Eu era um adolescente apaixonado.

  Segurei os dedos dela junto ao meu peito quando nos afastamos, sem que aquele sorriso idiota deixasse o meu rosto todas as mínimas vezes em que os olhos dela brilhavam, o rubor aquecia as suas bochechas e seus lábios se repuxavam num sorriso convencido e encantador, nem mesmo quando nossas respirações iam e vinham no mesmo ritmo urgente e intenso quando meus lábios tocaram os dela de novo.

— O que quer que isso seja, eu não quero perder — ela balbuciou com os olhos fechados, mas eu não conseguia parar de afagar seu rosto como se, a qualquer instante, alguém aparecesse e trouxesse a velha realidade à tona. Eu não aguentaria que aquele momento acabasse. — Porque eu... não...

— Eu não posso controlar que estou me apaixonando por você.

— Então, não controle.

  Quando nos beijamos outra vez, não parecia que estávamos dentro de muros fortificados contra monstros ou que a vida havia se tornado uma disputa contínua e cansativa de sobrevivência, tudo o que existia era que eu não conseguiria deixar Hinata sair da minha vida, não quando ela a havia tornado melhor.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOO!
Cá estou eu com o novo capítulo de DTB! Constatações óbvias a parte, peço desculpas pela imensa demora porque, como sempre, minha vida anda uma zona de guerra muito louca e espero que vocês não tenham desistido da fic.
Retomando a linha de raciocínio:
Minha intenção com o capítulo foi de trazer um romance bom para o contexto apocalíptico, li uma porrada de livros nessa temática e outros tantos conteúdos para dar o meu melhor com NaruHina. Como eu havia comentado há oitenta anos, DTB é meu xodó e estou focada nos próximos capítulos; já adianto que a próxima postagem será rápida porque o capítulo seguinte está pronto.
;D
Não há explicações adicionais hoje, mas estou à disposição para tirar quaisquer dúvidas. Outra nova: estou editando NTLM do começo (se ainda existe algum leitor dela, porque eu meio que a larguei às traças), tem uma porrada de coisa ali que pode ser melhorada e estou trabalhando nisso.
Por enquanto é só.
Agradeço muitíssimo os comentários, os favoritos e a todos vocês que tiram um tempo para ler as minhas ideias. Obrigada mesmo!
Até o próximo!



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