Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 17
Sons of Anarchy




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Filhos da anarquia

[22:11] 8/12 — Agora, 2,5 km noroeste, Nakanocho

  As chamas crepitavam entre as pedras e as folhas secas, lançavam sua luminosidade ao céu negro estrelado e pequenos feixes de luz sobre os corpos apáticos que rodeavam a fogueira; sons de mastigação e de líquido sendo sorvidos vez ou outra quebravam o silêncio.

  Os jipes estavam posicionados numa fileira à beira da estrada, cinquenta metros atrás deles e a gasolina restante era suficiente para chegar na Muralha outra vez. Não houve abraços apertados, conselhos ou perguntas sobre como foi atravessar uma horda de infectados esfomeados; nada se falou sobre as longas horas na estrada e sobre a constatação de que os desgraçados estavam se multiplicando.

  O Capitão Óbvio ataca novamente!

  A praga havia se alastrado de forma assustadora e o mundo era um lugar cada vez menos povoado por pessoas saudáveis. Cada um deles teve a oportunidade de vivenciar isso em primeira mão e estavam, relativamente, satisfeitos daquela dose insana de adrenalina e horror.

  Os rostos abatidos e apáticos tinham olhos vazios e desesperançosos, mal murmuravam alguma coisa e os dedos se moviam na direção das chamas, em busca de conforto e calor. Karin ergueu a cabeça e levantou o corpo, arrastou os pés pelo solo cheio de gravetos e folhas na direção dos jipes.

  Ignorou o chamado do irmão, a famosíssima pergunta “Onde é que você vai?” foi dita, logo as cabeças se moviam num leve reflexo à agitação do mundo exterior. Karin nunca sentira tanto frio em toda a sua vida, nunca sentira-se tão impotente e inútil desde seus dezessete anos de idade e jamais havia sentido a culpa corroê-la com tamanha intensidade.

  Aquela vadiazinha tinha a mania de pesar em seus ombros nos momentos mais estranhos – como se pessoas atacando pessoas fosse absolutamente normal —, deixava seu peito pesado e parecia que desataria num choro compulsivo a qualquer instante. Exatamente como acontecia após a Senhora H alegrar outro ser humano miserável como eu.

  Aquela autopiedade também era outro sinal da Senhora Culpa agindo em seu sistema, depois vinha a autodepreciação moral e, quem sabe, alguns sermões do pai lhe viessem à cabeça. Karin exasperou e apoiou as mãos nos joelhos, sentiu a ânsia dominando o estômago no instante em que repassou tudo o que vivenciara horas antes.

— Cacete garota, você está bem? — a voz grave de Gaara a surpreendeu imediatamente e ela teve certeza de que havia esbugalhado os olhos em puro pavor. Karin respirou fundo e abaixou a cabeça por alguns instantes; era ali que a garota durona entrava em cena.

— Escuta aqui garotão, não estou com muito humor hoje... Então sugiro que você bata uma pra lá — ela apontou para qualquer direção e o sorriso quase rasgou os cantos dos lábios. Sua voz soou trêmula e Karin limpou as palmas suadas na calça jeans e tentou não se lembrar do ataque furioso do ruivo horas atrás. — Se você...

— Anda, pega isso aí. Você precisa mais do que eu — ele estendeu um cantil prateado na direção dela, o gesto a deixou em choque por alguns instantes. Ele balançou o objeto e o som do líquido remexendo lá dentro a deixou instigada. — Vamos, não tem nada que o álcool não possa apagar...

  Ela deu um passo para frente e agarrou o cantil, os olhos se estreitaram sobre o objeto prata e a pessoa que o oferecia. Levou algum tempo até que Karin pegasse o cantil e entornasse seu conteúdo como um animal sedento, o alcóol – de má qualidade, diga-se de passagem – desceu rasgando como há muito não fazia.

  Aquele acesso de autopiedade aumentou um pouco e Karin devolveu o cantil ao dono rapidamente, seus joelhos cederam e ela sentou sobre o chão coberto de folhas, galhos e pedras.

— Ei, você está bem?

  Gaara se sentiu ridículo, estúpido de verdade ao perguntar aquilo assim que Karin encarou-o. Ela soltou um riso sarcástico sem desviar o olhar por um bom tempo.

— Dá pra você simplesmente ir embora? Eu quero ficar sozinha — a boa e velha Karin de seis meses atrás mostrou suas garras e ajeitou-se confortavelmente na pele dela; aquela versão sua ainda estava ali, muito bem, obrigada.

— Oh claro que sim, irmãzinha... Mas eu quero ficar bêbado e ficar de ressaca sozinho não é tão legal assim — Gaara retrucou e sentou ao lado dela, havia pouco mais de alguns centímetros separando-os e Karin sentiu o fedor azedo que o corpo dele exalava. — Então... Você tem uma filha hein?

  O álcool balançava dentro do cantil conforme Gaara o levava à boca e consumia-o, pouco a pouco, fazia algumas caretas de acordo com os goles ingeridos e passava o objeto à Karin. Os dedos trêmulos dela tocavam os dedos igualmente trêmulos dele, parecia que em pouco tempo ela estaria rindo, uma gargalhada nervosa e estridente.

  Ha-ha. Acabei de ver crianças transformadas, elas tinham o que? Cinco? Sete? Porra, como são monstrinhos! Já nessa idade! Não deviam estar, sei lá, vivos?!

— É. Ponto para o mensageiro — ela murmurou as palavras sem muita emoção, enquanto o álcool e sua mente tentavam lidar com as horas na creche.

— Qual é o nome mesmo? — Gaara sentia que deveria mantê-la conversando, sentia que era sua forma de ajudá-la a esquecer os corpinhos em decomposição, colados ao solo acarpetado para sempre.

— Jun — e logo mais ela vai estar transformada aos nove! Puta merda! Como eles sobem rápido na vida, não é? A Senhora Culpa era uma verdadeira vadia, concluiu Karin. Era uma droga que a bebida não fosse forte o suficiente para derrubá-la, mas ela tomou os últimos goles na ânsia de que o álcool a nocauteasse de seus pensamentos insanos e perigosamente verdadeiros. A mente fala do que o coração está cheio, esse é o provérbio verdadeiro. Isso aí.

— Jun?! — houve um riso rouco e depois um balançar de cabeça por Gaara. — Não é a toa que ela não consiga muitos amigos... Jun é meio nome de cachorro. Quem escolheu? Você ou o pai?

— Vai se foder — Karin reagiu automaticamente e balançar a cabeça a ajudou a sentir tontura. Bom. Desde que a Senhora C não a atormentasse, ela conseguia suportar o resto. — Eu que escolhi. Eu estava meio... alta na hora...

— Ah — aquela sílaba enfática de “Pobre garota” saiu dos lábios de Gaara automaticamente e seus olhos esquadrinharam o rosto abatido de Karin, procurando um sinal de que ela estava puta da vida ou exibindo um sorriso de triunfo de alguma vitória interna. Mas o olhar dela estava distante. — E o pai, onde ele se meteu? Quero dizer...

  O sorriso de desdém dela surgiu como um puro reflexo à conversa, os lábios se repuxaram de forma natural e os olhos se apertavam enquanto Karin encarava Gaara. Ele conhecia bem aquela expressão e a postura corporal que a acompanhava, então se limitou a levar o cantil aos lábios e murmurar:

— Ah.

  Eles não disseram mais nada, apenas sorviam os goles de bebida calmamente, os dedos trêmulos se esbarravam enquanto o maxilar de Karin formigava e a cabeça de Gaara ficava enevoada por pensamentos confusos. Os fantasmas deram lugar à rostos conhecidos, distorcidos pelo vírus; os erros do passado pareciam ter acontecido há uma semana, o arrependimento e a culpa por cada um deles pesava cem vezes mais.

  Permaneceram em silêncio, a culpa remoendo-os lentamente e apontado seus dedos tenebrosos para os corpinhos abandonados na creche. Os “e se” dançavam infelizes, o álcool os dragava para uma névoa angustiante de reflexão e imaginação, onde o mundo não tinha mais regras e — vejam só, que coisa mais louca – tudo havia se resumido em sobrevivência, daquela primitiva que se fica extasiado de ser ver nas grandes telas.

  Aquele mundo utópico, distorcido e cinzento era real. Muito real e estava ali para devorá-los vivos; um por um, todos morreriam. Não havia cura. Não havia magia e nem mesmo príncipe encantado que quebrasse aquela maldição – ah não, nada disso.

— Eu não quero morrer. Não quero terminar como eles — a confissão de Gaara não surpreendeu Karin, nem mesmo quando ela aspirou o ar puro e o céu parecia encará-la com severidade.

— Ninguém quer morrer.

  A risada que rompeu os lábios de Gaara foi quase tímida, logo ganhou volume e foi acompanhada por Karin. Não havia nada de engraçado, era apenas o álcool entorpecendo sua capacidade de análise por um instante e aquilo o deixou aliviado; sempre se podia contar com o álcool para apagar as coisas ruins.

— Se você falar sobre a minha filha de novo, garoto de recados, eu juro que fodo sua bunda branca — a ameaça soou enrolada e grogue, os olhos distantes de Karin se fixaram no rosto de Gaara e ela deu dois tapinhas na bochecha dele. — Não se esqueça disso garotão.

— Mal posso esperar, garota...

  Outra risada irrompeu seus lábios, logo ele se ocupou em esvaziar o cantil e fingir que aquele dia não passava de um pesadelo pertencente à outra pessoa, alguém completamente doente ou tomado pelo vírus. Fingiu que não era sua realidade e se saiu bem nisso.

[12:06] 9/12 — Agora, 150 metros da Muralha, Floresta de Nakanocho

  Não houve conversa, somente o motor dos jipes e o farfalhar constante de alguns galhos na lataria dos automóveis quebrava a quietude; o caminho de volta jamais parecera tão longo e o cheiro acre das árvores tão insuportável.

  Karin estava sentada no banco da frente, ao lado de Shikamaru que mantinha as mãos no volante há algumas horas; eu e Hinata permanecemos no banco traseiro - cada um estava preso em seu próprio mundo e se recusaria a sair dele tão cedo.

  O refúgio murado mostrava sua imponência, os grandes portões de aço chapado estavam mais adiante conforme a trilha de terra batida surgia e os infectados também. Fingi que não via os rostos distorcidos, que eles não batiam os corpos e as mãos no jipe, que não arreganhavam os dentes e os exibiam.

  Encarei os carpetes puídos do carro, tentei fazer de conta que o som úmido de dedos deslizando nas portas e janelas não exista; a mochila do garoto permanecia abandonada em meus pés. Tiraram as tripas dele, a porra do intestino. Ah merda merda merda. A voz dele ainda ecoava na minha cabeça. Não, não. São os gritos. Ele gritou pra valer enquanto era comido vivo. VIVO. Tentei respirar calmamente e não adiantou droga nenhuma.

  Os grunhidos estavam bem aqui — de novo, soava como a porra de uma horda de fieis -, o cheiro podre – de novo eu estava em cima daquele maldito trailer -, os rostos distorcidos não acabavam, não sumiam da vista – de novo eu observava o menino sendo devorado. E novamente a ânsia me dominou, o pânico também pegou carona e eu só queria atravessar logo os portões e dar o fora daquele carro.

  Somente quando os ruídos ficaram limitados ao som das rodas em movimento e do motor, foi aí que consegui recuperar certo controle. Você está a salvo, garoto. São e salvo. Os portões foram fechados ruidosamente e peguei a mochila aos meus pés e abri a porta.

  Éramos intrusos outra vez. Os rostos desconfiados nos encaravam, as pessoas que caminhavam tranquilamente aqui e ali viravam os pescoços, os vigias mantinham o dedo ao alcance do gatilho – era sempre bom ser bem vindo.

— Que cara é essa soldado?

  Eu não tinha energia suficiente para bancar o idiota na frente de Kakashi, não havia ânimo para empenhar aquele papel estúpido mais uma vez e fazer de conta que era divertido medir forças com um psicótico com mania de grandeza. Foi mal, irmão. Não vai rolar.

  Aquele caminho rotineiro até os quartos parecia extremamente cansativo e longo dessa vez. O rosto parcialmente coberto de Kakashi ainda estava na minha frente e ele permanecia com sua costumeira arrogância. Será que esse cara fica excitado com ele mesmo? Tipo, pra valer? Deu alguns passos adiante e ele estendeu o braço, impedindo meu caminho e eu podia jurar que o cara estava sorrindo.

— Eu fiz uma pergunta. Responda o seu superior, soldado... Não gosto de me repetir — ele soou ameaçador e havia uma centelha na minha mente que queria resolver tudo no braço. Como nos velhos tempos, lembra? A merda toda era mais fácil nos velhos tempos... Estendi a mochila do garoto no peito dele e a soltei. — O que é isso?

— Os pertences do menino que você mandou pra morrer lá fora — respondi e senti a tensão dominar meus músculos instantaneamente; a grama afundava levemente conforme eu andava para frente e ouvi os passos apressados bem atrás de mim. Por favor, faça alguma besteira. Por favor.

— Ei, soldado! Pare agora! Isso é uma ordem!

— Você sabe que eles não tinham experiência! Você sabia disso e mandou crianças pra morrer lá fora! Por nada! — dei meia volta automaticamente e apontei na direção dele, somente cuspi as palavras que a raiva havia fermentado o caminho todo até aqui. — Eram crianças! Moleques! E você os enviou pra morrer, seu filho da puta!

— EI, EI, EI! Calma aí rapaz! — Gaara se materializou e estendeu os braços para evitar que eu ou Kakashi déssemos mais um passo a frente. — Não foi isso o que aconteceu. Os rapazes se assustaram e foram contaminados, não tivemos escolha. — O olhar alarmado de Gaara alternava para certa advertência rapidamente e ele virava a cabeça constantemente. — Não foi mesmo, loiro?

  Por favor... Eu só preciso de uma besteira. Só uma.

  Continuei encarando Kakashi e tentei raciocinar da forma como Gaara queria, mas eu estou tão cansado dessa merda toda; aos poucos Gaara abaixou os braços e relaxou visivelmente. Só preciso de uma besteira.

— Sabe como é Kakashi... Faz tempo que eles não saem em busca de suprimentos e não somos amigos de bebida... Os ânimos estão alterados, estresse pós busca. — O ruivo falava como se tudo não passasse de um episódio isolado, um problema com o carburador do carro que apareceu do nada.

— Entendo, soldado...  Alguém pegue essa mochila e veja o que dá pra aproveitar — o único olho dele continuava me encarando e sua postura egocêntrica continuava inabalável; senti a boa e velha raiva ensandecida borbulhou e iniciou seu serviço de transformar pequenos gestos em atos provocativos dignos de uma guerra civil. — Por que a surpresa soldado? A Muralha é feita por pessoas fortes, os fracos ficam do lado de fora.

— Ei Naruto, vamos embora. Anda — os dedos de Karin estavam no meu cotovelo e sua voz era arrastada e um pouco chorosa; eu permaneci imóvel apesar das palavras sussurradas dela e dos seus puxões para começar a me mover para longe dali. — Naruto, você não deve nada pra ele.

— Nenhum de vocês me forneceu um relatório oficial do que aconteceu. Estou esperando, soldados... Isso... — ele jogou a mochila do garoto no chão e limpou as mãos como se estivesse segurando uma sacola de lixo — ...não quer dizer nada. Então, soldado, vai levar o dia todo ou você vai me contar como vocês falharam? Porque é o que está parecendo.

— Por que você não vai descobrir por conta própria e nos deixa em paz? Ou quem sabe, você pode ir se foder no meio dos infectados, que tal?! — Karin elevou a voz e seus olhos o fuzilavam enquanto ele direcionava sua atenção para ela. Kakashi começou a marchar na nossa direção e ficou perigosamente próximo dela. — Além de idiota também é surdo?

— Você vai retirar o que disse agora mesmo, sua cadela.

— Foda-se!

  E... Bingo!

  O avanço dele foi imediato quando Karin reuniu uma boa quantidade de cuspe e a lançou — com gosto, espero — no rosto de Kakashi. Era infantil, era idiota – sim, eu sei. Mas foi o gatilho inicial da merda toda que nos atormentaria nos próximos dias; foi o gesto de anarquia de Karin que deu o marco zero à nossa queda.

  As reações em cadeia – puxei a arma do coldre, apontei-a na testa de Kakashi e pus dedo sobre o gatilho -, aconteceram rápido demais e a fúria dele era palpável. Karin estava pouco mais que meio passo ao meu lado e o olho preto e raivoso do general fitava minha irmã; ele avançou rápido e enfiou os dedos na gola da blusa dela.

  Você não pediu uma besteira garoto? Aí está.

(I'm eighteen)

  Houve berros, um som oco quando a coronha da arma deslizou com incrível facilidade contra o maxilar de Kakashi. Os sons seguintes – passos trôpegos, grama amassada, gritos, vozes alteradas – preenchiam minha cabeça e eu sentia o olhar furioso dele sobre mim e Karin. A raiva inflava tudo, especialmente meu ego e o estresse; os braços que se materializaram e nos apartaram tinham dificuldade em nos conter.

— SE VOCÊ ENCOSTAR NELA, EU TE MATO! ME OUVIU, CAOLHO DE MERDA?!

— EI, EI! CALMA AÍ!

— SEU DESGRAÇADO! SEU DESGRAÇADO! ME SOLTEM, É UMA ORDEM!

— EU VOU ARROMBAR SEU RABO, ME OUVIU CAPITÃO GANCHO?! EU É QUE VOU TE MATAR, SEU FILHO DA PUTA DE MERDA!

  Os berros – pronunciados por mim, Gaara, Kakashi e Karin – ecoavam dentro daqueles muros, então a raiva se transformou numa coisa contagiante e eu precisava dar umas boas porradas naquele general desgraçado e tinha de ser logo. Os gritos continuaram, o esforço descomunal para me livrar dos braços que me mantinham relativamente parado era desgastante; o caos estava instalado.

  O disparo soou como uma trovoada enfurecida de algum deus nórdico, Gaara mantinha o braço erguido para o céu, a pistola parecia brilhar e ele abaixou-a rapidamente.

— PAREM COM ISSO MERDA! Todos vocês se acalmem, seus desgraçados! — ele olhou em volta lentamente e franziu o cenho conforme inspecionava os olhares raivosos e desafiadores que eram trocados entre nós. — Se... acalmem...

— Me soltem AGORA! É UMA ORDEM! — as veias saltavam sob a pele do pescoço de Kakashi e ele puxou os braços com força e ajeitou a roupa amarrotada. Toda a sua cautelosa pose de poder estava desfeita e isso o irritava. Ainda bem seu filho da puta. Faça alguma merda agora que está nervosinho. Ande... Estou esperando... — É bom saber que vocês não estão surdos — ele ergueu o olhar na minha direção e depois para Karin, ajeitou o cabelo e os punhos da blusa que usava. — A maioria, pelo menos.

— Tem um buraco seu que...

— Cala a boca, droga! Será que você não pode controlar a sua irmã, hein? — Gaara interrompeu-a bruscamente e se pôs na frente de Karin automaticamente. Ele me encarou alarmado e depois sorriu nervoso para Kakashi. — Desculpe, chefe... A busca não foi exatamente o que esperávamos e agora isso... Eu sei que eles estão arrependidos. Arrependidos pra caralho.

  Pra caralho mesmo.

— Vai se foder você também, garoto de recados! Fodam-se todos vocês seus cuzões! — Karin esbravejou e mostrou o dedo do meio para Gaara e depois para os soldados de Kakashi que nos ladeavam feito lobos. Ela começou a marchar para longe dali e Kakashi se moveu.

— Aonde você pensa que vai soldado? Eu não a dispensei. — O tom autoritário estava mais irritadiço e sua postura ficou mais tensa no instante em que Karin girou os calcanhares e ergueu – com muito, muito gosto, espero – os dois dedos do meio e sorriu irônica.

  O sorriso igualmente irônico que tomou conta da minha expressão foi automático e desfez-se assim que encarei a mochila abandonada do garoto que morrera na estrada. Estilo buffet ao ar livre.

— Você e sua irmã são ruins com ordens, não é soldado? — Kakashi retomou a faceta severa e caminhou com calma na minha direção enquanto os canos das armas continuavam pairando no ar, perigosamente apontados na minha cabeça. — Eu fiz uma pergunta, soldado. Estou esperando a sua resposta.

— Isso aí. Somos uma negação com ordens, se você quer saber — retruquei enquanto tentava, inutilmente, manter afastada da mente a imagem dos olhos esbugalhados no meio da massa vermelha e sangrenta que era o rosto do garoto. — Mas cá entre nós, você é um assassino. Você mandou todos aqueles meninos pra morrer porque você tem medo de abandonar o seu posto e ir lá fora. — Encostei um dedo no peito dele e senti a tensão retornar. — Você é que é o covarde aqui. Eu não sigo covardes.

  A arma ainda estava à mão e encarei-o por um bom tempo antes de arrastar os pés para longe dele; eu estava apenas a três passos de distância quando a voz dele me fez parar:

— Esses meninos não são a minha responsabilidade fora desses muros. Minha função é manter os soldados respirando aqui dentro, mas lá fora Naruto... — ele soltou uma risada debochada, uma boa gargalhada do tipo que se solta com uma piada extremamente boa. — Lá fora filho, eles passam a ser a sua responsabilidade. Então, se morrem... Bem... Sabemos a quem culpar, não é?

  Foi ali que eu soube que teria de cumprir o que havia prometido à Kakashi: foderia com a sua vida. Vamos falar de forma clara, sim? Você vai matá-lo garoto. Sim, senhor. Eu vou.

[12:21] 9/12 — Agora, Portões da Muralha, Floresta de Nakanocho

    E se...?

  Essas eram as palavras mágicas que iniciavam guerras pelo mundo. Ideias horrendas e grandes planos muito bem sucedidos eram concebidos assim; elas eram o botão vermelho de autodestruição nos momentos mais insanos da humanidade e que se alojava tão confortavelmente bem sob a imagem de palavras inocentes que – ora essa, quem diria -, até mesmo os humanos mais desgraçados desse planeta, no estilo nazi, se fizeram essa pergunta.

  E se...?

  Kakashi Hatake, conhecido como o general da Muralha, também é um destes pobres diabos curiosos com a possibilidade que duas palavras proporcionam. O controle, seu santuário, fora abalado e insultado na frente de todos seus soldados, homens e mulheres que juraram solenemente trocar suas vidas em prol de um bem maior.

  Mas ah, santa mãe, por que diabos eles têm que bancar os rebeldes de alguma aliança intergalática? Por que eles gostam de enfrentá-lo? Não se faça de idiota, nós sabemos bem que eles querem disciplina. Vamos lá, eles estão implorando por isso há um bom tempo. Ele inspirou o ar e o tecido da máscara pinicava a pele tracejada pelas cicatrizes deixadas por Itachi Uchiha em uma etapa de incentivo. A raiva escapou de sua cautelosa jaula e assumiu o comando.

— Yamato? — ele virou a cabeça e encarou o homem de pouco mais de cinquenta anos, agasalhado com um colete camuflado e uma bandana igualmente verde na testa. A saudação militar foi automática. — Parabéns, você ganhou mais uma cobaia.

— Senhor? O senhor diz... — ele não escondeu a surpresa ou a ganância que se apossaram de seu corpo flácido nem a forma como os olhos castanhos se arregalaram. Ele limpou a garganta e se aproximou lentamente, o olhar de Kakashi o acompanhava como se ele fosse atacá-lo. — Digo senhor... Ele?

— Não. Tenho outros planos para os irmãos Uzumaki, mas... a pirralha deles deve servir, não é? — ele pôs as mãos atrás das costas e o tom professoral apareceu, seu olhar estava concentrado nas silhuetas que se afastavam com incrível rapidez. — Não mostrou utilidade alguma além de consumir nossos mantimentos. A outra menina já foi testada?

— Ah, bom senhor... É... — a voz desconcertada de Yamato transmitiu sua surpresa e ele olhou alarmado para os demais soldados. — Sim, sim. Os menores são mais fáceis de lidar. Estamos tendo progresso com as crianças, elas... respondem mais rápido aos estímulos, senhor.

— Ótimo. Ótimo... — e se... Kakashi sorriu como não fazia há um bom tempo e a pele rígida das feridas se repuxou mais ainda. Ele inclinou um pouco a cabeça enquanto ouvia os murmúrios curiosos brotando. — Hidan. — outra continência, outro “Sim senhor”. — Esses soldados se recusaram a seguir minhas ordens, já que não há mais mantimentos com eles ou qualquer relatório do que diabos aconteceu... Quero um relatório oral da garota Uzumaki.

— Sim senhor — um sorriso malicioso se instalou nos lábios dele ao virar a cabeça na direção em que Karin fora. — Quando devo agir, senhor?

— Imediatamente soldado. — Kakashi respirou fundo e se aproximou de Hidan, colocou uma mão no ombro dele e o encarou. — Faça-a falar, mas eu quero que use os seus métodos, entende filho?

  A resposta afirmativa soou igualmente mecânica como a anterior e Kakashi se afastou satisfeito. Sua voz elevou-se severa e dispensou todos os soldados e transeuntes que estavam a paisana e, voilà, a vida retoma seu curso outra vez.

  O general retomou sua postura arrogante e controladora, pois seu ego – aquela parte irracional e furiosa de cada ser humano – havia sido gravemente ferido, havia levado um belo de um chute nas bolas e isso não se fazia, não mesmo. E se ensiná-los uma lição? Todo soldado tem disciplina, todos eles aprendem no final... Ah sim, eles aprendem queridos. Por bem ou por mal.

  Ele pediu, pediu mesmooh por favor, por favor, por favorzinho – que fosse por mal. Sempre era mais divertido assim.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOO!
A fanfic segue mais um ano, agradeço a todos que comentam, favoritam e acompanham a estória. Obrigada pela infinita paciência, sei que abuso, mas espero que valha a pena... O capítulo total deu quase dez mil palavras, como os anteriores, por isso a postagem dupla. Na verdade é um capítulo só, mas fica informação demais em uma página.
O enfoque desse capítulo foi mais tenso porque estamos rumando para as etapas mais importantes da fic, incluindo a morte de personagens muito vitais na trama e a real sobre a Muralha. A primeira etapa é essa percepção da verdadeira rotina e do propósito da Muralha, dentro de três capítulos explicarei detalhadamente essa função.
Explicações adicionais sobre o capítulo atual:
— a Karin já entendeu que a Jun não está bem, ela não é mentalmente saudável para uma criança de nove anos, independentemente se o mundo está em colapso ou não, mas seu lado materno ainda fala mais alto e ela se recusa a aceitar qualquer insinuação de que ela teme a própria filha ou que Jun é perigosa;
— Yamato é o responsável pelo projeto com as cobaias do vírus, então ele designa os enfermeiros e médicos que assistirão aquela pessoa;
— a Muralha era um centro de pesquisa militar (lá no começo expliquei isso, com o POV do Sasuke), por isso eles têm tantos recursos urbanos como eletricidade, água limpa, armas, etc, etc;
Levei mais tempo para editar esse capítulo do que o esperado e peço desculpas pela demora. Estou reorganizando minha vida e muita coisa rolou entre novembro e janeiro, então peço a compreensão de todos.
Sobre as demais fics, estou me repetindo, mas vou pô-las em ordem. Aceito ajuda.
DTB é o meu xodó por hora, mil ideias ao mesmo tempo, mas organizá-las de forma coerente não é como antes. Sei lá, é bacana evoluir com a fic e tento escrever a mesma coisa com menos palavras, menos parágrafos.
Se há erros ortográficos, por favor me avisem.
E meus mais sinceros agradecimentos do fundo do coração à factory_girl pela recomendação. Fico muito feliz pelo reconhecimento e pelo carinho! De verdade!
É isso por hora.
Caso algo tenha ficado esquisito ou mal compreendido no capítulo, me avisem. Estou meio virada há horas e é isso.
Até o próximo!
P.S.: Se eu não respondi algum review, é apenas minha falta de jeito em responder mesmo. Tô há anos aqui e ainda fico meio sem jeito em responder à altura todas as suas observações calorosas e críticas que me ajudam a manter o ritmo de festa com a fic. Obrigada pelo apoio e pela leitura!



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