Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 14
Like Loki's prank




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14. Como uma travessura de Loki           

[14:12] 8/12 — Agora, Zona 51 - primeiro subsolo, sala 15, Muralha, Nakanocho

  Respire fundo. Ele respirou fundo e sentiu que retomava o autocontrole aos poucos. Isso. Se controle. Ergueu o punho diante da porta e encarou-a como se ela guardasse algo grandioso e poderoso do outro lado. Não trema tanto, seu babaca! É só bater na porta e pronto. Sem mistério.

  Quando Kabuto finalmente conseguiu bater na porta duas vezes, ele soltou o ar que segurava e aguardou em silêncio. Trazia consigo seu caderno de anotações sobre todas as falhas internas da Muralha e possíveis soluções de baixo custo que poderiam, talvez daqui a alguns anos, reativar a energia na base operacional via satélite – o que pouparia tempo, recursos e vidas nas explorações para abrir caminho no pequeno bosque à sua volta.

   Em teoria, a ideia era realmente boa. Como se alguém tivesse se lembrado de desligar satélites e a TV a cabo quando a merda toda começou...

— Você está interrompendo.

  O sorriso tosco e nervoso de Kabuto surgiu como num passe de mágica assim que a voz Hidan ecoou pelo cômodo e sua cara angulosa apareceu numa fresta da porta, ele manteve o campo de visão de Kabuto limitado ao seu rosto e nada mais.

— Eu não quero nem saber o que você quer, mas o chefe está em reunião agora. Volte daqui umas horas — Hidan tinha o dom com as palavras e sabia como ser estúpido ao usá-las. Pensamentos positivos, Kabuto... Ele ergueu um dedo exatamente como um professor faz ao explicar algo muito importante. — Não entendeu? Caia fora.

— Eu vim dar algumas sugestões realmente...

  A porta foi fechada no momento em que Kabuto abriu a boca para tentar explicar o motivo de estar ali, parado feito um estagiário ansioso para mostrar ao chefe exigente o quão bom trabalhador era. Ele respirou fundo e bateu na porta outra vez e mais outra, estava perto de esmurrá-la quando os cabelos bem penteados para trás de Hidan evidenciaram seu rosto quadrado mais uma vez.

— Eu tenho informações realmente úteis ao general, então...

— Escute garoto...

— Deixe-o entrar Hidan.

  A voz autoritária de Kakashi soou pelo cômodo tal como sua irritação, respirou fundo enquanto Hidan encarava-o como se tivesse perdido a razão e abria a porta para Kabuto passar agarrado ao seu caderno de anotações. Havia uma luz fraca sobre a mesa pesada de metal e uma porção de papéis, além de água limpa e algumas plantas das instalações da Muralha com grossos riscos pretos em alguns pontos.

  Kabuto andou, intimidado sob os olhares de Kakashi e Hidan, para perto da mesa e seu sorriso tosco se tornou em algo realmente deprimente de se encarar por muito tempo. Tire essa droga da cara... Os músculos do rosto pareciam ter congelado naquele sorriso idiota. Ótimo.

— Estou no meio de uma reunião Kabuto, então seja rápido e não desperdice muito o meu tempo — embora a máscara de tecido cobrisse superficialmente o nariz e a boca de Kakashi, seu único olho parecia transbordar a emoção que o objeto cobria: desprezo. — Então o que foi?

— Bem, eu... Estive fazendo algumas anotações sobre algumas falhas de segurança nas guaritas e também sobre a concentração de turnos na área dos suprimentos alimentícios e medicinais e pensei que... — aquela era a terceira vez em que tentava abrir o caderno nas anotações específicas e no esquema que havia bolado e, pela terceira vez, Kakashi massageava a testa e andava da esquerda para a direita. — Podíamos fazer uma escala mais equilibrada e talvez diminuir a carga horária...

— Você pensou e encontrou falhas? Mesmo?

  O sorriso tosco foi desaparecendo do rosto de Kabuto aos poucos e então seus dedos trêmulos ajeitaram os óculos e sua cabeça abaixou automaticamente, procurando pelo esquema que havia desenvolvido horas a fio e repensado várias vezes.

— B-Bem... E-Eu... Acredito que se investíssemos em mais painéis solares e em mais fossos de água, economizaríamos cerca de 73% do nosso pessoal e suprimentos atuais na busca de no-novos... itens, viu? – mostrou o esquema rabiscado nas páginas e depois folheou o caderno. — E haveria a possibilidade de não depender apenas do gás para aquecimento, ilu-iluminação e... Também poderíamos reativar a rede de internet e usar os satélites em...

— Quando será que sua cabeça sonhadora vai entender que isso— a voz baixa de Kakashi continha ira controlada, deu alguns passos para mais perto de Kabuto apontou para o caderno — não é e nunca vai ser a sua função? Você só está vivo, debaixo das minhas regras e do meu teto porque a sua função é me trazer informações relevantes sobre os portões. Os portões, Kabuto e não sobre energia solar e quantos soldados vão à campo para manter este lugar.

— Eu... só...

— Agora que já esclarecemos esse ponto — ergueu a mão rapidamente e abaixou-a lentamente, interrompendo a possível resposta de Kabuto —, não desperdice mais o meu tempo sobre suas bobagens e questionamentos sobre a minha autoridade e sobre as minhas ordens. Entendido? Ótimo. Dispensado.

— Mas...

  Houve o silêncio constrangedor enquanto as mãos suadas e trêmulas de Kabuto apertavam a capa maleável do caderno e seus pés se moviam rapidamente para a porta, permaneceu com a cabeça abaixada o tempo todo e mal conseguiu girar a maçaneta para sair logo dali. Quando a porta foi fechada atrás de si, Kabuto sentiu as pernas fraquejarem e ficou agachado por alguns instantes, ergueu a cabeça e sentiu o suor escorregar gélido pela espinha.

  Mas que maravilha hein? Você tinha que abrir a boca sobre a porcentagem e a porcaria dos esquemas?

— Ele talvez tenha razão... — a voz de Hidan parecia quase intimidada a princípio, mas permanecia firme e alta o suficiente para Kabuto escutar. — Seria uma boa...

— Também quer me trazer informações sobre os portões soldado? — houve o silêncio após a pergunta ríspida de Kakashi; Kabuto imaginou por meio segundo se o outro homem estaria sentido o mesmo terror assombroso que ele sentira na presença do general. Pode apostar que sim. — Era o que eu imaginava. Agora... Como vão as inserções semanais do protótipo?

— Estamos com alguns sujeitos problemáticos, senhor... A maioria não consegue hospedar o protótipo e responder às ordens e comandos simples, senhor... A natureza do vírus é mais forte horas depois — em algum momento a voz de Hidan pareceu falhar, talvez de repulsa ou medo; houve o silêncio e depois a hesitação desapareceu. — Estamos com dificuldade em achar... bons hospedeiros... A saúde deles muda drasticamente na primeira etapa e depois o corpo tenta criar anticorpos, o que afeta o desempenho do protótipo.

— Teste-o nas crianças.

  Mesmo que estivesse do outro lado da porta, o terror que se instalou na mente de Kabuto e a compreensão da ordem de Kakashi fizeram-no tremer e imaginar a praticidade com que as palavras saíram meio abafadas da máscara. Dentro do cômodo, Hidan encarava o chefe como se ele fosse um lunático à beira de um ataque espasmódico.

— Senhor?

— Estamos usando soldados de meia idade, doentes e sujeitos com algum histórico de doença. Teste o protótipo nos saudáveis dessa vez, soldado e traga-me bons resultados — tudo aquilo fora dito com firmeza e sem qualquer hesitação ou pausa. Kakashi estudou a expressão assustada de Hidan se transformar em irritação. — A fórmula será testada inicialmente nos sujeitos 7HC e 9HC; aqui estão os registros... Alguma dúvida soldado?

  As duas folhas de papel com informações manuscritas e organizadas em forma de tópicos tinham em letras garrafais os nomes e o número provisório de registro. HANABI HYUUGA – 9HC e YAHIKO MANAO – 7HC estavam sublinhados e escritos caprichosamente no alto dos papéis que Hidan segurava.

— Dispensado.

            ¶ [13:26] 8/12 — 1:15h antes, 14 km dos portões da Muralha, Estrada 337, Nakanocho

   Não havia nada mais agradável do que dirigir em silêncio, aquela magia das bocas fechadas parecia melhorar tudo; parecia que eu estava dirigindo como há alguns meses outra vez - absolutamente confortável com a velocidade do carro sobre o tapete negro que era a estrada e tinha como ruído apenas o som do motor e nenhuma merda a mais.

  Havia se tornando um ritual sagrado dirigir em absoluto silêncio desde os tempos em que eu levantava de madrugada à procura de Karin e seu tão babaca namorado de merda. Tomara que o filho da puta tenha encharcado a cara com gasolina e se incendiado depois. Não. Tomara que o desgraçado tenha sido castrado com a porra de uma faca enferrujada enquanto tinha a cara queimada... Soa melhor.

  Acho que sorri com o pensamento. Continuei em linha reta por mais alguns quilômetros e um radar cheio de buracos de bala surgiu pouco depois, atravessei a cancela travada no alto e o caminho se dividia mais adiante para a esquerda, a direita e a em linha reta. Continuei dirigindo em frente e desviei de alguns carros largados na rodovia de qualquer jeito e das portas escancaradas que bloqueavam o caminho.

 — Naruto — a voz levemente assustada da Hinata quebrou o ritual de silêncio e puxei o freio de mão em seguida.

— É, eu sei.

  Eu não podia calcular por quantos quilômetros aquela situação se estendia, mas estava bem na minha frente agora; parecia um quebra-cabeça estranho de carros amontoados abandonados com portas abertas e deixados em zigue-zague pelos antigos donos. Vidros estavam estourados, pneus estavam baixos e inúmeras latarias amassadas enquanto um punhado de infectados zanzava entre os veículos, como se fossem turistas em um dia de desfile.

  As beiradas poeirentas de asfalto mostravam alguns pedaços de metal que podiam ter sido a proteção da estrada algum tempo atrás e estavam rompidos em alguns pontos e, na minha frente, havia uns três ou cinco carros batidos nas saídas improvisadas.

— Vamos dar a volta. — Eu não sabia quem era o garoto, só sabia que tinha dezesseis anos e a voz de uma líder de torcida depois de uma ressaca. — Deve haver um contorno.

  A proteção da estrada não parecia resistente o suficiente para segurar um carro em alta velocidade, desde que houvesse espaço para fazer aquela manobra e gasolina suficiente – a segunda estava começando a ficar perto do irritante E. Olhei os dois lados que cercavam a estrada, não havia nada além de alguns carros jogados no mato alto à esquerda e alguns arbustos.

  Tamborilei os dedos sobre o volante. Não havia muitas opções e precisávamos nos manter em movimento, não seria bom ficar esperando até que um grupo esfomeado de infectados surgisse ou que algum grupo melhor equipado e louco aparecesse e levasse o jipe. Na melhor das hipóteses, ninguém se machuca... Já na pior, bem... Imaginem o estrago garotos e garotas.

— Vamos ter que ir a pé. — Houve um murmúrio de insatisfação vindo do adolescente e depois algum tipo de reclamação. Virei um pouco a cabeça para encará-lo. — Se você não quiser que eu mesmo arranque sua bunda desse banco, é melhor levantar e dar o fora do carro.

— Eu não sigo ordens suas.

— Foda-se isso. Dê o fora — falei e abri a porta do motorista, observei um pouco o céu brilhante e claro por algum tempo antes de sair totalmente do carro. Shikamaru e Hinata saíram pouco depois, levou certo tempo até que o garoto saísse e batesse a porta com alguma força; me aproximei de Shikamaru e estudei o mapa estendido sobre o capô.

— Nós estamos aqui — ele apontou para uma linha reta. — Vamos levar cerca de três horas a pé, daqui até a creche são mais quatro quilômetros e meio. Dá pra voltar de tarde se corrermos boa parte do caminho, mas precisamos deixar o jipe aqui para quando voltarmos de lá. — Ele suspirou e me encarou. — Alguém tem que ficar para olhar o carro enquanto isso.

— Vamos deixar o garoto. Não que ele vá reclamar disso — murmurei em resposta e Shikamaru balançou negativamente a cabeça.

— Ele é só um garoto bobo, vai entrar em pânico assim que ver um infectado se aproximando e vamos perder o carro — outro balanço negativo de cabeça e ele espalmou as mãos sobre o mapa. — Eu fico. Leve o garoto, Naruto... Ele só precisa de uma história para contar ao Gaara e acabou; você sabe disso tão bem quanto eu.

  Encarei-o por alguns minutos e depois observei o garoto magrela e desajeitado que penteava com os dedos o cabelo curto castanho e apertava o coldre na perna. Cuidar da Jun era mais fácil do que isso. Ele interrompeu sua atividade paranoica e me encarou curioso – onde estão os infectados quando se precisa deles?

  Nada como bancar a babá de um adolescente de testa oleosa e voz estranha bem na porra do fim do mundo. Tomara que não fique histérico quando alguma coisa der errado.

— Você me deve essa! — apontei para o rosto de Shikamaru e conferi o revólver .22 que eu carregava, tirei o pente e contei as balas antes de prendê-lo ao coldre novamente. Abri a porta do motorista e me estiquei para alcançar a mochila que continha um walk talkie, um sinalizador, alguns remédios, água, dois canivetes e meia caixa de munição para revólveres .22 e .38.

— Vou ficar na linha dois, então tome cuidado. Vou orientá-lo daqui Naruto — ele respondeu e pegou o mapa com cuidado, subiu no teto do carro e pegou um binóculos de dentro de uma sacola.

— Vocês dois, peguem suas coisas e comecem a andar — falei terminando de ajeitar a mochila nas costas e de pegar o facão. Hinata entregou o rifle à Shikamaru e pegou um pedaço de ferro pontiagudo. — Se você não obedecer o que eu disser, você vai ser pego e eu não me importo nem um pouco em enfiar uma bala na sua cabeça. Então não tente bancar o esperto, senão rasgo a sua barriga e te abandono como comida de cachorro, entendeu? Ótimo.

  Sorri levemente quando ele esboçou medo e sua boca tremeu, dei as costas e andei até a proteção da estrada e passei as pernas sobre ela. O mato chegava próximo aos meus joelhos e dificultaria uma corrida muito longa, andei o mais depressa possível em linha reta e me afastei um pouco da estrada. Ouvi os passos um pouco mais barulhentos atrás e outros mais leves a minha direita.

  Virei um pouco a cabeça e Hinata me acompanhava, encarei-a alguns instantes e observei seu rosto naquele tempo. Era como se o fim do mundo não tivesse abalado-a totalmente, ela conseguia ser naturalmente encantadora. Teria sido diferente sem essa loucura toda?

— Você está me encarando — ela disse, como se a situação a divertisse e levantou um pouco a sobrancelha. — Isso não é muito confortável quando tem um adolescente cheio de hormônios logo ali.

— Preferia que não tivesse ninguém? — arrisquei perguntar e ela desviou o rosto rapidamente, encarei o caminho rapidamente e depois minha atenção estava novamente presa à ela. — Desculpe... Eu só não estou acostumado...

— Você não está acostumado a conversar com outra garota que não seja a Karin? — ela presumiu e encarei-a surpreso. Ela sorriu e parecia que meus lábios se abriam em um sorriso estúpido em resposta da forma mais natural e suave possível; foi estranho caminhar em silêncio perto dela e incômodo ter que desviar o olhar todo instante. — Eu gostaria de dizer que não me importo com o que você fez com o meu primo, mas eu me importo. Aquilo foi cruel.

— Você deixou sua posição clara — aos poucos aquele sorriso diminuía e o rosto ferido de Neji surgiu na minha mente, bem como seus olhos levemente avermelhados. O silêncio se tornou mais incômodo ainda e eu não conseguia encarar Hinata naquele momento. — Ele fez a própria escolha, não posso decidir por todos.

— Eu entendo isso, mas não diminui que ele era o que havia me sobrado. Agora eu só tenho a minha irmã e não posso estar perto o tempo todo para protegê-la. É... assustador — sua voz soava desesperada por algum tipo de conforto e a observei, ela continuava a olhar para frente e depois me encarou. — Ela não passa de uma criança pequena, mal tem dez anos... Então de uma hora para outra, Hanabi precisa usar armas para se defender ou não vai aguentar... Isso é mais assustador ainda Naruto.

— As coisas são assim agora — foi tudo o que consegui dizer, foi o melhor que pude pensar naquele momento. As coisas seriam diferentes sem essa porcaria de realidade? Eu estaria perto dela nesse instante? Ouviria sua voz e tentaria adivinhar quando ela me surpreenderia?

— Nem tudo precisa ser assim... Nem tudo precisa ser só matar ou morrer, alguma coisa boa tem que surgir disso — ela parecia mais desesperada por qualquer fio de esperança, qualquer atitude minha que provasse o que ela dizia. Eu encontrei algo bom bem no meio desse inferno, era o que eu queria ter dito.

— Eu pensei que a Karin estava morta assim que fiquei enfurnado com os outros naquela cabana... — falei. — Eu tinha certeza absoluta de que ela não tinha aguentado, que as coisas ficaram feias e ela simplesmente foi pega. Mas eu errei e, depois dela, você é a pessoa mais durona que eu conheço. Você cuida bem da Hanabi, é isso o que importa.

  Ela me encarou surpresa e parou de andar, respirei fundo e me aproximei um pouco.

— Eu gostaria de dizer que você vai poder protegê-la de tudo, mas não vai. Mas se continuar cuidando dela assim, ela vai ser tão corajosa como você e vai ser uma pessoa boa... Isso já é algo bom saindo no meio disso tudo.

— Obrigada Naruto — ela murmurou e retomou o ritmo dos passos, acompanhei-a em seguida e nos observávamos vez ou outra enquanto andávamos em linha reta. Você estar aqui é a melhor coisa acontecendo no mundo para mim, era o que eu gostaria de ter dito. Apenas continuei em silêncio ao lado dela.

  Respirei fundo enquanto avançávamos pelo mato, os carros que haviam invadido a área surgiam abandonados e com as portas escancaradas. Aos poucos o sorriso em meu rosto desapareceu, o cheiro de corpos em decomposição - forte e enjoativo como o de vômito – encheu o ar e as moscas zumbiam. O metal rompido da barreira indicava parte da força usada e do desespero do motorista em fugir o quanto antes.

  Apressei um pouco os passos da forma mais silenciosa que pude, tentando prestar atenção onde pisava e para onde ia. Parecia que meus batimentos cardíacos eram altos demais e a forma como eu respirava era barulhenta o suficiente para atrair a atenção de algum infectado que pudesse estar escondido ou escorado entre os carros, que começavam a surgir em maior quantidade.

  Passei próximo de um veículo tombado e o cheiro podre que vinha dele era insuportável, tentei não encarar o vidro de trás espatifado e com uma mão cheia de moscas que pousavam nos pedaços podres de carne e no sangue seco nas duas unhas restantes. Trinquei a mandíbula e desviei o olhar, mais adiante havia uma van amassada na frente com o motorista morto e o rosto desfigurado sobre o volante. A pele dele estava esticada de um jeito estranho e parte do couro cabeludo pendia para o lado. Mais moscas. Mais zumbidos. Mais fedor. Mais ânsia.

  A proteção da estrada permanecia razoavelmente intacta daquele ponto em diante, mas a quantidade de carros abandonados em zigue-zague era maior do que eu esperava – praticamente terminava até onde a vista alcançava. Levantei levemente a mão e esgueirei o corpo próximo a um carro.

— O que vamos fazer? — a pergunta desesperada do garoto me pareceu alta demais e encarei-o com irritação. — E-Eu... Tem contaminados no meio dos carros, não dá pra continuar, nós temos...

— Nós vamos te jogar no meio dos infectados se você não calar a boca, que tal isso? — sussurrei e ergui levemente o facão, o garoto estremeceu levemente e encarou Hinata à procura de algum apoio. Sorri um pouco quando ele não obteve nenhum.

— Temos que continuar pela estrada — o pânico na voz de Hinata era quase contagiante e seu olhar estava fixo nas silhuetas misturadas à paisagem dos veículos, vez ou outra havia o som de um esbarrão alto ou de um grunhido. — Os carros bloquearam esse lado.

— Muito perspicaz Watson — ironizei baixinho e ela me encarou imediatamente. A ansiedade começou a agitar meus nervos naquele instante, parecia que respirar fazia barulho demais e que os infectados estavam nos encarando apesar da distância. Definitivamente eu precisava conversar mais com outra garota que não fosse Karin. — Vamos nos esgueirar pelos carros e abrir caminho sem barulho. Não façam merda e talvez a gente sobreviva.

— Talvez? M-Mas... E se eles nos virem? E se eles me virem?! — a voz do garoto quase desafinou conforme suas palavras ganhavam volume e ele suava. Sorri abertamente.

— Se eles te virem, mate-os— agarrei o ombro dele rapidamente e forcei-o a me encarar. — Ou morra.

  Caminhar sobre a grama da maneira menos ruidosa possível era altamente estressante, parecia que cada passo partia milhares de galhos e o barulho ecoaria pelo lugar inteiro automaticamente; todas as vezes em que eu ou os outros encostavam na lataria dos carros, era como se os infectados estivessem nos acompanhando o tempo todo e que viriam na nossa direção em seguida.

  Avançamos os três metros restantes de grama e corremos até o carro tombado mais próximo, ignorei o zumbido das moscas, o suor que escorria pelas costas e pernas e também o barulho dos dentes rangendo do garoto. Tudo o que importava era avançar pelo asfalto o quanto antes. Encarei os dois um pouco atrás de mim e respirei fundo antes de andar agachado até o veículo mais próximo.

  O cheiro de putrefação – uma mistura de carne podre com vômito seco – tomou conta do ar, era impossível tentar não prender a respiração e controlar a bile quando ergui a cabeça e vi as tripas de alguém esticadas na janela do motorista, elas exalavam um cheiro fétido e o sangue escorrido pelo vidro parecia uma pintura abstrata.

  Siga em frente se não quiser ser aberto desse jeito. Continue se movendo.

  Trinquei a mandíbula e minhas panturrilhas tremiam demais conforme eu me forçava a continuar andando daquela forma; vez ou outra eu encarava Hinata e o garoto e via o terror estampado nos olhos dele e a insegurança dos dela. Não encare muito tempo ou você vai se assustar também... Eu mal respirava enquanto pisava da forma mais silenciosa possível e erguia a cabeça na altura suficiente para saber o quanto havia percorrido.

  O barulho de um corpo esbarrando na lataria foi terrivelmente alto. Perto demais. Acompanhei, paralisado, as sombras dos pés que se moviam do outro lado do carro, desorientadas e inquietas, a maneira como elas pareciam crescer e apontar na minha direção era assustador. Eu sentia a necessidade de me mover o quanto antes para fora dali.

  Empunhei o facão e o mantive rente ao peito, tentei respirar apenas pelo tempo necessário enquanto o infectado esbarrava outra vez na lateral do carro e grunhia irritado. Perto demais! Apoiei o joelho esquerdo no chão e me preparei para golpeá-lo assim que qualquer parte do seu corpo aparecesse bem na minha frente ou acima de mim.

  Movi o pé esquerdo para frente e apoiei o peso do corpo na perna direita, segurei o cabo do facão com mais força e avancei mais um passo. Repeti o processo, passo por passo, enquanto eu ouvia o infectado se encontrando contra a lataria cada vez mais rápido e de forma violenta. Eu ouvia meus batimentos cardíacos como a coisa mais desesperadora do mundo e sentia o sangue sendo bombeado por meu corpo com o máximo de adrenalina possível.

  Parei rente ao pneu traseiro e ergui um pouco a coluna, flexionei ainda mais os joelhos e desdobrei um pouco as panturrilhas. Perto demais! Perto demais! Virei um pouco a cabeça e vi o infectado enfiando as unhas em uma das janelas do carro e rosnando para o que havia lá dentro, agachei rapidamente e ouvi o choque do corpo magro contra a lataria. Avancei mais dois passos da mesma maneira e afastei as pernas conforme escorava o corpo na traseira do carro.

  A van tombada na diagonal estava a pouco mais de meio metro de distância e paralela a proteção da estrada, havia uma brecha um pouco estreita que dava acesso ao restante da estrada e ao caminho de carros emaranhados. Virei um pouco a cabeça quando o barulho cessou e recomeçou em passos arrastados e lentos sobre o chão, o infectado estava dando a volta.

  Disparei na direção da van o mais rápido possível e encostei as costas no fundo do veículo o quanto antes, olhei freneticamente para o infectado mais atrás enquanto tentava retomar o controle da minha respiração. Hinata parou ofegante ao meu lado e o garoto continuava agachado perto da traseira do outro carro, franzi o cenho e me aproximei da fresta.

  Estava terminando de passar metade do corpo pela fresta e agachar o quanto antes quando ouvi outro grunhido seguido de alguns rosnados, minhas narinas ardiam o cheiro fétido que aumentava entre os carros e vinha das partes de corpo desmembradas e dos corpos dilacerados. Havia dois carros atravessados na pista, ambos com as portas amassadas abertas e com bagagens abandonadas e amontoadas em cima dos bancos.

  Tentei ignorar o cheiro de óleo e carne podre quando deitei no chão e me movi para debaixo do carro; tentei fazer de conta que a ardência nos antebraços, conforme eu os arrastava no asfalto e puxava o resto do corpo para frente, simplesmente não existia e que o suor que pingava da minha testa não fazia meus olhos arderem e que os outros se moviam mais devagar atrás de mim.

  Mal ergui a cabeça quando ouvi um grito desafinado e sobrecarregado de medo, arrastei as pernas para fora e vi o garoto se debatendo como um peixe e movendo pernas e braços rápido demais para frente. Puxei Hinata pelo braço assim que ela esgueirou a cabeça para fora e olhei em volta rapidamente, os infectados pendiam a cabeça na nossa direção e dois deles começavam a trotar.

(Burn it down)

— Merda! Corre! — eu nem lembrava quando havia dito aquilo, mas a urgência fez o garoto se apressar e puxei-o pelas costas e o impulsionei para frente. — Subam nos carros! Depressa!

  Eu ouvia os grasnados dos corvos, meus batimentos cardíacos e os esbarrões de corpos contra lataria, quase imaginei se Shikamaru estava acompanhando aquilo e se dispararia com o rifle, mas era impossível não encarar os corpos deixados para trás nos carros e o que fora feito deles. Se não quiser ser rasgado até o saco, corra. CORRA.

  Aumentei o ritmo e corri em zigue-zague, pulei sobre o capô de um carro e tropecei quando alcancei o chão outra vez. Retomei a corrida e forcei minhas pernas para passadas mais longas e vi que Hinata havia tomado a dianteira e estava subindo no capô de um carro e enfiava as pernas sobre o teto e gritava apontando para um trailer próximo.

— AI MEU DEUS! MERDA! — o barulho do disparo ecoou mais alto do que a voz do garoto e virei a cabeça assustado, havia um infectado com o ombro e braço direitos puxados num ângulo antinatural e parte da boca despontando em um sorriso de carne fresca e sangue escorrido. Um olho estava definitivamente cego enquanto o outro encarava o garoto.

  Vamos. Ele teve sua chance, agora salve a sua bunda! Grunhi irritado quando parei e movi os calcanhares para dar a meia volta, retomei o ritmo das passadas e calculei a distância e apertei o cabo do facão com mais força. Corre garoto... Pelo amor, saia daí! O grito que saiu da minha boca era tão primitivo e enraivecido quanto o do infectado e desferi o golpe em sua jugular, senti a lâmina travar no osso e o sangue esguichar o ferimento como um chafariz.

— CORRE MOLEQUE! — ordenei enquanto tirava o facão do pescoço do infectado com dificuldade e ouvia seus engasgos. Empurrei o garoto e recomecei a correr, parecia que meu corpo todo estava desacostumado com aquele ritmo frenético de fuga ensandecida e clamava por descanso o quanto antes.

  Hinata estava próxima de um carro parado a pouco mais de 40 graus do pedaço de metal contínuo que ladeava a estrada e um trailer abandonado rente a ele. O ar que eu puxava entrava e saía da minha boca e narinas freneticamente e eu sentia as pontadas de dor nas coxas, panturrilhas e no abdômen – eu não ia aguentar correr mais tempo.

  O esforço de pular sobre mais um capô foi mais desgastante do que antes e rolei o corpo sobre o restante da lataria enquanto avançava até o trailer. Os disparos atrás de mim eram constantes e pararam subitamente, mas não os gritos de desespero do garoto; enfiei os dedos sobre o capô do carro e depois no vidro enquanto subia no teto e ouvia os tênis do garoto escorregando na lataria instantes depois.

— VAI, VAI, VAI! — ele berrou quando subi no teto, ouvi o barulho de unhas arranhando o capô e eu soube que tinha que subir no trailer logo. VAI, VAI, VAI! CORRE! O pânico me dominou quando corri três passos e percebi que o trailer não estava tão rente assim com o carro, havia cerca de meio metro entre os dois e virei a cabeça quando ouvi o assombroso berro de dor.

  Esse era mais intenso, mais estridente e eu vi os dentes do infectado se afundando com gosto na perna do garoto e os dedos ossudos e sujos enfiados na parte de trás do joelho dele. O garoto ergueu a cabeça e me encarou alarmado, desesperado para que eu o salvasse. Os gritos aumentavam conforme eu desviava o olhar e corria e tentava saltar até o teto do trailer. TEM QUE DAR!

  Parecia que aquela merda ia tombar assim que joguei o peso do corpo sobre os braços enquanto metade do meu corpo ficava na lateral do trailer. TEM QUE DAR! ANDA! Gritei quando senti meus pés serem puxados e chutei aleatoriamente, minhas botas escorregavam e berrei quando encarei o que havia abaixo de mim. AH MERDA! ANDA! ANDA!

  Joguei os braços um pouco mais para frente e forcei-os até que conseguisse puxar o restante do corpo, ouvi a lâmina do facão deslizar arranhando a superfície do teto e puxei a perna direita e flexionei-a contra a lataria. Ouvi os disparos misturados aos berros agonizantes do garoto, o barulho da bala perfurando metal e carne era marcante e o cheiro de sangue fresco encheu o ar, bem como o de vômito, carne podre e óleo.

  Senti uma puxada forte na perna e dedos se enfiando na minha panturrilha esquerda. NÃO, NÃO, NÃO! Puxei a perna mais para cima e depois a enfiei sobre o teto do trailer, subi num impulso rápido e berrei quando os rosnados se tornaram mais altos e os infectados arranhavam a lataria com força; tateei a perna esquerda com as mãos tremendo e o barulho ensurdecedor me enlouquecendo. NÃO, NÃO! NÃO VAI ACONTECER! EU NÃO FUI PEGO! EU NÃO FUI PEGO SEUS DESGRAÇADOS!

  Em meio ao fedor e ao barulho – Hinata estava mesmo gritando? -, a última coisa que minha mente registrou foi o baque violento da minha cabeça contra a lataria e o quão idiota era sentir que meus dedos afrouxavam, o facão tilintava no chão – Hinata continua gritando ou é o garoto? Deus... Ele grita feito uma menina... - e minhas pernas escorregavam sobre o teto do trailer.

  Que forma idiota de morrer.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!
Atualização mais rápida dessa vez... Conforme prometido, vou tentar retomar esse ritmo de capítulos e estou animada com o rumo da fanfic. Esse capítulo e o anterior foram os mais extensos e difíceis porque eu simplesmente não achava bom o suficiente, então aqui está o resultado final.
O momento NaruHina foi bem pequeno, mas terá mais espaço no próximo capítulo. Só para reforçar alguns pontos:
— As condições principais para os recrutas da Muralha são o estado de saúde e o tempo que cada um passou do lado de fora, tanto para ajudar na vigilância e manutenção do lugar quanto para o atual experimento de Kakashi;
— a primeira parte do capítulo anterior, na qual havia um cara caído sobre o teto de um veículo, se referia ao Naruto;
— a média de quilômetros percorridos bem como o tempo gasto são estipulados, nada com 100% de certezas;
A partir desse momento a fanfic entra no primeiro clímax que será a volta do Naruto e de seu grupo à Muralha, seguido de alguns acontecimentos que desencadearão no season finale da fic. Agradeço muito àqueles que têm acompanhado a estória e continuam comentando, dando opiniões sobre o que pode e deve melhorar e afins. Espero revê-los nos reviews logo e nos demais capítulos.
Por hoje é mais isso. Qualquer erro ortográfico, me avisem. De praxe, dúvidas, sugestões e críticas (positivas ou negativas) são bem vindas. ^-^
Até o próximo!
o/



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