Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 12
Dr. Frankenstein




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12 – Dr. Frankenstein

[05:56] 8/12 — Agora, Portões da Muralha, Nakanocho

Os dedos ossudos e com carne exposta nas pontas mal exibiam unhas, entretanto aqueles pares de mãos arranhavam o concreto e escoravam suas testas nos muros fortificados e vigiados. Não havia emoção em seus olhos ou em suas vozes, parecia que o tato tentava encontrar algo que o corpo clamava desesperadamente: alimento.

As bocas se abriam em urros, em grunhidos e em sílabas mal compreendidas, os olhos caçavam e analisavam qualquer movimento enquanto as narinas se ocupavam em localizar um animal despedaçado ou o cheiro de algo apodrecendo.

Eram, ao todo, quatro infectados de pé e um escorado num tronco de árvore próximo dali, não havia comunicação entre eles além de alguns olhares demorados e cabeças inclinadas para alguma direção; não havia humanidade alguma neles.

Os dez pares de pés – alguns desnudos e outros calçados – se arrastavam na grama e marcavam uma trilha torta conforme avançavam, as mãos buscavam equilíbrio nas paredes e os corpos magros, sujos e feridos iam adiante, esbarrando uns nos outros e paravam repentinamente quando notavam algum movimento na floresta, mas logo prosseguiam apalpando ao redor, expelindo sons e saliva.

Os dois portões extensos e pesados se impunham como uma barreira entre eles e o alimento, as extensas placas de aço patinável mediam pouco mais de um metro e meio de altura e os outros sessenta centímetros para cima eram ocupados por tiras extensas do mesmo material, somadas aos quase e oito metros de largura do portão que deslizava ruidosamente para a direita. Havia uma brecha de oito centímetros entre uma placa e outra e aquele feixe de luz, clara e brilhante, era atrativo demais aos olhares irracionais e predadores.

O rosto pálido está colado ao metal, as veias roxas e azuis contrastam com o tom vermelho nirvana do globo ocular direito e os vasos sanguíneos, como pequenas rachaduras na conjuntiva, evidenciam o estágio atual do vírus; o hálito fétido escapa dos lábios entreabertos e os restos de tecido epitelial, presos entre os dentes, ficam à mostra enquanto o fascínio domina e molda a expressão facial e corporal daquela mulher. Ombros encolhidos, dedos esticados, sobrancelhas levantando e a testa formando linhas finas enquanto o tecido muscular se contrai.

O fascínio é substituído pela excitação quando a silhueta minúscula de uma menina surge no campo de visão obtido naqueles míseros oito centímetros. A saliva enche o céu da boca, o corpo treme de ansiedade e os dedos flexionam-se e seguram o nada firmemente; a garota se aproxima sem temor, sem hesitar e o olhar igualmente fascinado não parece estar a dezesseis metros de distância e sim a dezesseis exatos milímetros.

Os passos ritmados e extremamente silenciosos fazem o corpo miúdo e saudável avançar e a respiração da infectada fica alterada, dispara furiosamente e a faz soltar um grunhido de excitação quando enfia os dedos na fresta e sente que pode alcançar aquele corpo pequeno e indefeso.

Acompanhou com impaciência o avanço moderado daquela menina, seu rosto se expremia na fresta da melhor maneira possível, ora grunhia, ora mal conseguia emitir qualquer ruído que fosse e os outros quatro infectados se agitavam ao seu redor e quando finalmente a garotinha parou, o olhar fascinado dela acompanhou o antebraço igualmente pálido e imundo se mexendo no ar enquanto a metade do rosto pressionada contra a chapa de aço encarava-a.

O corpo contaminado reberverou em fome e no instinto de caça quando a garota parou a pouco mais de meio metro de distância, os dedos fechavam e agarravam o ar enquanto a garganta expelia sons barulhentos, selvagens, primitivos; o cabelo - outrora louro e ondulado – era um emaranhado de fios opacos, amarronzados pela sujeira e colados na testa e nuca. Um côro irregular de grunhidos e rosnados entoou com força, anunciava que os monstros estavam à sua espera. Um arrepio percorreu a coluna da menina ao encarar aqueles olhos doentes que a olhavam de volta, inumanos e totalmente famintos.

Os batimentos cardíacos naquele corpo miúdo pareciam absurdamente audíveis e capazes de incitar ainda mais a agitação dos infectados; cada poro de seu corpo transpirava e sentiu o sangue esfriar rapidamente conflitando com a adrenalina que seu organismo produzia. Ela moveu as pernas para frente e ficou a meio palmo de distância dos dedos agitados, esticados e flexionados que tentavam pegá-la, observou o esforço feito por aquela infectada e pendeu levemente a cabeça.

O mundo girou mais devagar enquanto o olhar juvenil acompanhava o rosto daquela infectada, analisando cada traço e ponderando se ela compreendia no que havia sido transformada. A boca se abria um berros desesperados, lábios torciam-se sobre os dentes e os olhos eram duas bolas vermelhas de puro transtorno e fome; tudo parecia lento aos olhos de Jun que se perguntava se aquela infectada sabia que não podia pegá-la.

Talvez. Quem sabe?

Aproximou-se do portão e passou perto demais daquele braço estendido, sentiu a temperatura gélida do aço sob a ponta dos seus dedos e escorou a testa ali, o metal estremeceu levemente quando uma pancada brusca foi dada do lado de fora. Houve mais um murro, depois algo mais estrondoso e dedos escorregando nos portões. Ela ouviu cada movimento do outro lado, imaginava os corpos se atirando contra as placas de aço, mãos e pés desferindo golpes inúteis e os punhos fechados esmurrando, socando a entrada da Muralha.

Imaginou-os passando cambaleantes e tontos por aqueles portões, imaginou o rastro de poeira que seus pés levantariam quando tomassem impulso e corressem muro adentro. Idealizou gritos humanos e animalescos, tiros, corpos sendo destroçados, pessoas morrendo engasgadas no próprio sangue, crianças chorando desoladas enquanto tropeçavam nos próprios pés. Imaginou uma multidão agonizando, uma horda de fracos transformados em máquinas sanguinárias e esfomeadas, uma extensão de monstros saltando sobre os mais indefesos e arrancando com os dentes pele, músculo e sangue.

Se você quiser sobreviver, é assim que as coisas são: ou você mata essas coisas...

— ...ou elas matam você.

  ¶ [08:17] 8/12 — Agora, Alojamento, Zona 3, Muralha, Nakanocho

  Um sorriso amplo e calmo moldava a expressão dela. Os passos levemente apressados a guiavam adiante, enquanto ela desviava das crianças que passavam correndo no corredor e tropeçavam mais a frente. Contou doze passos e virou à esquerda, os olhos perolados percorriam as seis portas cinza e pararam na quarta.

  Mal notou quando seus dedos alcançaram a maçaneta, somente girou-a no sentido horário e sentiu a temperatura dois graus mais quente dentro do cômodo assim que atravessou a soleira da porta em três passos curtos.

  A confusão que inundou o rosto de Sakura Haruno era, em partes, compreensiva; o baque suave da porta sendo fechada tão rápida e bruscamente como havia sido aberta a fez franzir o cenho.

— Mas o...

  O estalo alto e curto, como o de um galho seco quebrado ao meio, foi o único som que a mente da médica registrou naquele momento e embora o ardor se espalhasse por sua bochecha direita, apesar da respiração ofegante da Hyuuga invadir o cômodo e o som do chuveiro ligado ecoando pelo cômodo, nada daquilo lhe tirou do estado de torpor instantâneo.

  Sakura ergueu o rosto, quase que em câmera lenta, confusão e choque moldando sua expressão enquanto os dedos apertavam a toalha que envolvia o corpo nu. Outro estalo, dessa vez mais alto, mais forte e tão veloz quanto o anterior.

— Vadia! — a voz de Hinata soou firme e baixa, mal parecia que ela movera os lábios ou que seu corpo tremia enquanto encarava a moça de cabelos róseos. Seus olhos percorriam o rastro de roupas jogadas e amassadas no chão, tanto femininas quanto masculinas; analisaram os lençóis desarrumados e o vapor que vinha do banheiro.

  Um novo tremor agitou o corpo dela e um sorriso cínico se formou no rosto de Hinata quando ouviu a voz abafada e rouca de Sasuke vinda do banheiro. Enquanto ela trepa com um cara confortavelmente, dia e noite, você e sua irmã estão na mira de um louco com complexo militar por tempo indeterminado. Lindo, não acha?

— O que...

— Está tudo...

   Ambas as vozes se misturaram – a de Sasuke e a de Sakura -, e Hinata não conteve o impulso de sacar a semi automática 9mm que carregava rente à cintura; também não conteve-se ao empunhar a arma e mirá-la no rosto do Uchiha. Era tudo automático: a surpresa, o choque, a raiva, dar asas à imaginação e pensar no quão satisfeitos ambos estavam após uma rodada de sexo matinal pouco depois de descobrir que a atenção de Kakashi estava agora em outra pessoa.

  O sorriso cínico que moldava o rosto de Hinata se transformou numa linha reta enquanto os olhos dela não se desviavam do casal. O corpo de Sasuke, parcialmente coberto por uma toalha longa, se projetou à frente de Sakura, bloqueando a visão da Hyuuga e, automaticamente, protegendo-a. O amor não é lindo?

— O que...

— Vocês dois são mais baixos do que eu imaginei — a voz de Hinata soou contida e firme e interrompeu a pergunta de Sasuke. — Eu só tenho uma pergunta: estão satisfeitos agora? Ou ainda precisam ferrar com mais alguém antes de uma rapidinha?

— Eu nã...

— Resposta errada — o cão da arma foi puxado rapidamente, a munição estava pronta para ser disparada e o cano da pistola continuava apontada para o rosto de Sasuke. — Estão felizes agora que colocaram uma criança em risco? Vocês conseguiram: vão poder trepar em paz.

— Nunca foi...

  Foi automático. O avançar rápido de Hinata, o movimento brusco do braço esquerdo, o impacto de metal contra pele, o impulso de autodefesa tardia que inebriou Sasuke. O atrito do cabo da arma com a fronte do Uchiha foi rápido e bruto, deixou-o desnorteado e suas pernas falharam levemente.

  O grunhido de dor que escapara de Sasuke, tal como o filete de sangue que brotava de seu supercílio ferido inflaram certa proporção de orgulho em Hinata. Os três tremiam, ora de excitação, adrenalina ou choque.

— Por que você está fazendo isso? — a pergunta de Sakura era claramente estúpida, mas mesmo assim ela proferiu as palavras, uma por uma, e encarou Hinata enquanto amparava Sasuke. A mão esquerda estancava como podia o ferimento do rapaz enquanto a direita forçava-o a permanecer parado onde estava.

  Houve alguns minutos de silêncio, nos quais Hinata ponderava se Sakura era realmente idiota a tal ponto ou se o que sentia por Sasuke era capaz de deixá-la mentalmente alienada ao que ocorria.

— Não se faça de idiota, Sakura. Não aja como se você não soubesse que agora a minha vida e a vida da minha irmã estão nas mãos de um maníaco só porque vocês precisavam de um tempo para transar.

 O som da maçaneta sendo girada e o do baque suave da porta sendo fechada foram os únicos barulhos dentro do cômodo, além da respiração ofegante de Sakura e a irregular de Sasuke. Do mesmo modo que havia entrado, Hinata abandonou o local: com um sorriso cínico e em passos semiaudíveis.

  Tentem transar agora, seus putos.

    ¶ [10:43] 8/12 — Agora, Refeitório, Zona 3, Muralha, Nakanocho

  Havia poucas coisas que conseguiam irritar Shikamaru Nara e uma delas era o excesso de barulho. Na realidade, desde que o mundo havia mudado drasticamente, qualquer ruído que excedesse uma escala de decibéis era inaceitável e prejudicial. Conviver com o silêncio era uma consequência tolerável por sobreviver.

  Pouco mais de dois meses haviam se passado e aquela explosão de barulho ainda o incomodava. Talheres raspando pratos. Cadeiras sendo puxadas. Crianças rindo, correndo, caindo e repetindo esse ciclo. Copos amassados, risadas altas e escandalosas. Mordidas. Porcelana quebrada. Conversas paralelas. Altas. Tudo excessivamente barulhento.

  Embora seus olhos se concentrassem precisamente nas duas torradas quebradas e no omelete insosso que estavam dispostos no prato de plástico, e embora seus dedos agarrassem o cabo do garfo de inox e o espetasse esporadicamente na comida, nada ali conseguia desviar sua mente de que havia algo sério e perigoso acontecendo.

  Shikamaru simplesmente sentia, em cada poro de seu corpo, que deveria dar o fora daqueles muros. Ergueu os olhos da comida e observou a conversa superficial que acontecia entre Karin, Kankuro e Yahiko, sabia que falavam e se comportavam da mesma maneira como há dois meses atrás.

— ...soube que vai acontecer uma espécie de convocação mais tarde. Algo do tipo ultrassecreto. — O olhar de Shikamaru permaneceu desinteressado enquanto a voz de Yahiko soava animada e nervosa. Karin apoiou o rosto sobre o punho direito enquanto levava uma torrada à boca e Kankuro bebericava um pouco de café.

— Deve ser algum tipo de fetiche do Capitão Gancho. Eu tomaria cuidado, rapazes... Se ele anda tão interessado assim em saber com quem o senhor Não-toque-na-minha-franja pega... — o comentário de Karin era ácido e acompanhado de um sorriso zombeteiro. — Definitivamente há um belo pé na bunda envolvido... E algumas sessões fio-terra...

— Mas que mer...

— Vocês se importam se eu me sentar aqui? Claro que não — a presença de Gaara era tão perturbadora à Shikamaru quanto aquele ciclo barulhento que ocorria no refeitório; automaticamente todo o corpo do Nara se preparava para uma possível discussão. Uma cadeira foi puxada ruidosamente e a bandeja de metal foi depositada com desleixo sobre a mesa. — Por que ficaram encabulados, garotos e garota? Continuem a conversa.

  Kankuro enrijeceu na cadeira enquanto analisava, meticulosamente, os movimentos exagerados e grosseiros de Gaara ao espetar porções do omelete no garfo e levá-las à boca. Houve uma troca de olhares rápida entre Karin e Yahiko, mas Shikamaru permanecia estático, totalmente focado em encarar sua comida e fingir que Gaara não existia.

  O esforço do rapaz era notável, mas o maldito barulho o incomodava – aquele som infernal do talher raspando na superfície do prato, de dentes mastigando a porção recém-chegada, a respiração entrecortada, lábios repuxados, conversas paralelas, palavras desconexas, risos infantis, vozes altas demais. Tudo extremamente alto. Falso.

— O que é que você quer? — a pergunta de Kankuro interrompeu um comentário de Karin sobre Kakashi. O tom de voz de Kankuro era irritado, seu rosto estava franzido numa expressão ranzinza e sua atenção estava presa aos movimentos do ruivo.

— Estou apenas comendo. Já que é um espaço comum a todos, não vejo nenhum motivo que me faça levantar a bunda daqui e comer em outro lugar, certo maninho? — outro sorriso zombeteiro, mais uma porção espetada e levada à boca. — Não contou à seus amigos que você tem família ou como foi que sua espo...

  Shikamaru detestou a orquestra ruidosa de talheres tilintando sobre a mesa, os pratos sendo empurrados e a forma como a bandeja de Gaara caiu no chão quando Kankuro atravessou o corpo sobre a mesa e colocou ambas as mãos ao redor do colarinho de Gaara. O barulho das cadeiras empurradas bruscamente para trás ou para o lado, das respirações ofegantes, as palavras sibiladas em tom de ameaça e outras que tentavam acalmar Kankuro – aquele conjunto todo trouxe um quê de desafio caótico.

  Repentinamente o silêncio reinou. Mau sinal.

  Houve uma leve quebra da quietude enquanto Kankuro afastava-se de Gaara e os dois desabavam nas cadeiras, pouco depois a calmaria dominou o ar novamente. Shikamaru não desviou os olhos da comida e imaginou a expressão chocada de Karin e de Yahiko, a maneira como ambos tentavam assimilar o que diabos estava acontecendo; sua mente conseguia recriar o tremor que escalava o corpo de Kankuro e se espalhava por cada membro seu, a calma forçada que Gaara mantinha e os olhares espantados e céticos dos demais habitantes da Muralha.

  Sua própria mente assimilava ideias absurdas, conjecturava possibilidades plausíveis que explicassem o sentido de todos aqueles conflitos, um após o outro, repentinamente após todo o seu grupo ter sido aceito. Primeiro os interrogatórios individuais, depois a ala médica, agora o estande de tiro improvisado com as crianças, o comportamento de Sasuke e de Sakura, a mudança de Karin e o quase confronto final entre Naruto e Sasuke.

  E agora, isso: conflito de irmãos. Bela história, bons motivos para ressentir antigas feridas, relembrar a tragédia, a bebedeira, as merdas anteriores à atual insanidade. E por que só agora? Por que só meses depois e não no instante em que atravessamos os muros?

— Você se importa em nos dizer o que realmente quer? — a voz quase apática de Shikamaru quebrou, pela segunda vez, o silêncio. Seus dedos estavam concetrados em manipular o garfo e mexer pedaços de comida de um lado para o outro no prato.

— Na realidade, eu só queria passar algum tempo com meu irmão. Saber como ele está, esse tipo de coisa. — Gaara respondeu rapidamente sem desviar os olhos de Kankuro enquanto seus dedos organizavam os garfos e facas sobre a mesa. — Ele não mudou muita coisa, o que não me surpreende...

— Filho da puta!

— Ei, ei... Vamos manter o nível, ok? — Gaara se afastou quase automaticamente quando Kankuro levantou sobressaltado. Novamente Yahiko e Karin interviram e ela manteve as mãos nos ombros de Kankuro, como se aquilo pudesse acalmá-lo ou diminuir o olhar homicida que ele direcionava ao ruivo. — Será que você não pode se manter calmo por alguns minutos?

— Agora você já sabe como ele está — a empatia no timbre de Shikamaru era claramente forçada e pouco depois ele levantou e enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta. Apenas apontou com a cabeça para a saída e rumou para lá; foi seguido por Yahiko, Karin e por último por Kankuro.

  Saída pela tangente. Sem grandes conflitos, afrontas, nada de berros e murros. Havia uma fileira de quatro mesas até as portas duplas pintadas de branco e com empurradores cinzas, cerca de doze pessoas paralisadas e com olhares curiosos acompanhando a caminhada do grupo e, finalmente, o olhar irritadiço de Gaara seguindo cada um deles.

  Não façam merda. Era o único pensamento que ziguezagueava pela mente de Shikamaru enquanto tentava controlar a vontade de sair correndo e atravessar as portas como uma pessoa desesperada faria. É tudo parte do show. Assim que sua mão direita encostou no puxador da porta e exerceu um pouco de pressão sobre ela, seus ombros relaxaram visivelmente.

  O ar estava três graus mais gélido no corredor, mas os tons monocromáticos das paredes e do chão e o barulho de refeitório diminuindo a cada passo agiam como um calmante no corpo de Shikamaru; finalmente conseguir pensar com clareza e seus pés se moveram mais devagar.

  Não saímos mais em reconhecimento de campo ou para encontrar suprimentos há três semanas, há conflitos pessoais demais acontecendo ao mesmo tempo e estamos sendo analisados desde então. Estreitou levemente os olhos quando viu duas crianças dobrando o corredor na direção contrária. Há câmeras e outra forma de Kakashi saber o que planejamos. Ele quer nos pegar em contradição, por isso o confinamento e os confrontos.

  Pense! Cada um deles havia sido analisado, interrogado e recebido um tapa amigável nas costas, um cobertor e uma cama. Parecia extremamente bondoso da parte de Kakashi abrir os portões pouco depois da invasão de Naruto com a sobrinha asmática nos braços, parecia que ele estava interessado em fortificar o lugar e dar uma chance à cada um deles de provar seu valor.

  Pense! Pense! A realidade é que havia sido extremamente fácil entrar na Muralha, nada de resistências, motins ou surras no meio da noite. Cada pessoa ali parecia estar familiarizada com a violência, de um modo ou de outro, a tomar decisões difíceis para sobreviver e manter as demais pessoas a salvo dos infectados; todos pareciam estar pronto para enfrentar o fim do mundo cinematográfico, mas não sabiam como fazê-lo.

  Shikamaru traçou mentalmente os eventos mais recentes: as vigílias de Kakashi, o comportamento cauteloso de Karin, as palavras controversas de Sakura, os conflitos entre Sasuke e Naruto, as proibições da ala médica e os constantes exames sanguíneos, os urros que imaginava ter ouvido e o boato de que havia um infectado no treinamento das crianças.

  Se todos estão aqui realmente sabem como é o mundo lá fora, então por que diabos eles usaram um infectado para treinar? Como eles trouxeram e mantiveram um infectado vivo aqui?! Por que tanto monitoramente para uma droga de cubículo com remédios e...

  O corpo todo de Shikamaru estancou ante a possibilidade que se desenhava em sua cabeça, um arrepio escalou sua coluna e sentiu as pontas dos dedos esfriarem repentinamente; forçou as pernas a se moverem e cerrou as mãos em punhos numa tentativa de controlar o tremor que se espalhou por seus membros. O terror mascarou-se em frieza nos olhos do Nara e seus passos se tornaram duros e rápidos; olhou de soslaio para a direita e Yahiko tentava acompanhar seu ritmo.

— Vá à enfermaria, diga que está passando mal e veja se percebe algo estranho. Tente subir as escadas que é onde eles guardam os remédios — as palavras mal passavam de sussurros e a expressão de Shikamaru beirava entre o choque e autocontrole. — Me encontre de madrugada na guarita de vigília.

— Algum problema lá? — a pergunta escapou dos lábios de Yahiko pouco depois de forma natural e inocente. — Acho melhor Sasuke ou Kankuro irem co...

— Não vamos nos expor mais do que o necessário. Peça a ajuda de alguém no corredor daqui alguns minutos, vai parecer mais casual — a mandíbula de Shikamaru tremia levemente enquanto passava as instruções à Yahiko, olhou para frente e respondeu ao aceno de uma garota.

  Ambos se separaram quando avançaram mais alguns passos e Shikamaru abriu a quarta porta que avistou, entrou no cômodo e foi seguido por Karin e Kankuro. Os olhos do Nara encararam os móveis dispostos nos quinze metros quadrados que deveriam passar alguma sensação de familiaridade com quadros pendurados, fotografias de estranhos sorridentes e duas escopetas penduradas na parede.

  Eles estão nos vigiando, nos observando e esperando uma oportunidade. Para quê? O motivo ainda fazia Shikamaru considerar e desconsiderar justificativas, esfregou os olhos com força e ignorou as palavras irritadiças de Karin e seus questionamentos e encarou os próprios pés.

— Vamos lá, desenbuche logo ou vou ser obrigada a socar sua cara de gênio. Aqui eles não podem nos ouvir, as câmeras não capturam sons — a voz de Karin ecoou nos ouvidos de Shikamaru e ganhou volume, conforme ele franzia o cenho e erguia os olhos para encará-la. — O que aconteceu?

— Eles estão nos vigiando, Karin — soava paranoico vindo de Shikamaru, mas o olhar de Karin permaneceu sério. — Todas essas... brigas, afrontas... São uma forma de nos testar e é pessoal. Kakashi quer algo de nós e...

— Como o que? Nós não fizemos nada a ele e... — ela retrucou e bufou irritada, massageou a nuca e deixou as mãos caírem rente ao corpo. — Tudo bem que eu exagerei algumas vezes, mas tudo aquilo fazia parte de testar seu ego e nada mais.

— Ele sabe como nos atingir — Kankuro interferiu e encarou os dois seriamente, mantinha o cenho franzido e deixou a cabeça cair entre suas mãos. — Ele sabe o que fazer porque alguém está orientando o desgraçado nesse sentido. Nenhum de nós se envolveu com Kakashi ou fugiu com o rabo entre as pernas...

— Exceto Sasuke.

  A sentença pronunciada por Karin soou baixa e quase irritada, ela massageou a nuca outra vez, atravessou o cômodo e se sentou em uma das duas beliches dispostas no quarto. Cada um dos três se encarou como se esperasse por uma confirmação ou negação do outro sobre o assunto.

— Não podemos simplesmente confirmar isso... — a voz de Shikamaru soou cautelosa e seus olhos estudaram as reações dos outros. — Não temos provas de que o cara...

— Vamos ser sinceros, ok? O cara caiu de paráquedas na nossa frente; apareceu e pronto — Karin interrompeu o outro abruptamente. — Ele fez parte desse lugar e não sabemos merda nenhuma a respeito dele, exceto que ele come a oh-toda-poderosa Haruno. Você mesmo disse ao Naruto que ele estaria disposto a mentir o quanto achasse necessário para salvar a própria bunda!

— Precisamos ter cuidado... — havia um quê de alerta nas palavras de Shikamaru quando seus olhos encararam a porta e depois o rosto de Karin. — E o que Sasuke ganharia em colaborar com Kakashi sendo que ele fugiu daqui?

— Ele saiu para encontrar a Sakura. Está na cara — Kankuro respondeu e sorriu com escárnio em seguida. — Fugir pode ser interpretado de várias formas e até agora só temos a palavra de Sasuke.

— Não faz sentido — Shikamaru balançou negativamente a cabeça. — Estamos sendo testados de forma pessoal e direta, estamos confinados aqui há mais de duas semanas e até agora não houve nenhum tipo de convocação de Kakashi ou de alguém em quem ele confie para que qualquer um de nós vá dar uma volta. Nada além dessas merdas todas.

— O que nos leva a Sasuke outra vez... Ele trabalhou para Kakashi antes e pode ter decidido retomar a antiga vida, por que não? — Karin ergueu os ombros rapidamente e seu olhar continuava focado em Shikamaru. — Ele esteve perto o suficiente para entender o que nos afeta, saber qual tipo de situação nos abala e pode ter ido chupar as bolas do Capitão Gancho outra vez em troca de anistia.

— Merda...

— O bom filho à casa torna — finalizou Kankuro. 

    ¶ [11:08] 8/12 — Agora, Zona 2, Área de treinamento, Muralha, Nakanocho

  O barulho do tiro ecoou a uma boa distância, a cápsula da bala caiu num baque surdo na grama e meu ombro tremeu um pouco quando absorveu o impacto do disparo da submetralhadora; encarei o buraco no peito do manequim sucateado posicionado há três metros de meio de distância e o sorriso torto que eu havia desenhado naquela cara cerâmica e concluí que havia feito um bom trabalho.

  Eu ignorava o suor que escorria pela testa, a leve dor nas panturrilhas e o incômodo nos ombros e braços conforme as horas se arrastavam e o calor aumentava; vez ou outra a brisa agitava a relva e razia certo frescor, mas logo acabava.

  Não havia muita gente espalhada naquela área e fiquei agradecido por isso porque a última coisa que eu precisava agora era que alguém apontasse o dedo para os hematomas no meu rosto – um agradável presente do agradável e gracioso Uchiha -, abrisse a boca e despejasse a típica pergunta de como isso foi parar aí. Trinquei um pouco a mandíbula e mirei no pescoço do manequim e apertei o gatilho repetidas vezes até que a cabeça rolasse e caísse de forma estúpida.

  Abaixei a submetralhadora assim que o sorriso torto do manequim desapareceu totalmente e só restou o corpo decapitado com as mãos coladas na cintura. Adorável. Aquele era o terceiro manequim que eu destruía completamente, sempre com o mesmo processo: primeiro estraçalhava seu peito, algumas vezes abria alguns buracos no quadril e na virilha e depois o decapitava a tiros. E sempre desenhava o mesmo sorriso torto e agradável do Uchiha naquela cara indiferente e perfeitamente redonda a três metros e meio de distância.

  Se tudo permanecesse naquele ritmo, eu ainda mataria mais dois ou três Uchiha de cerâmica. Isso sim, senhoras e senhores, é o que chamo de canalização de raiva. Tudo sob controle. Virei um pouco a cabeça e visualizei o buraco no peito do manequim que não era grande o suficiente para causar sofrimento em um Uchiha real, mirei outra vez e disparei até a munição acabar totalmente.

  Havia um espaço de pouco mais de seis centímetros entre o peito do manequim e sorri em satisfação. Isso certamente traria algum sofrimento para alguém.

— Eu espero que a arma esteja descarregada agora — a voz de Shikamaru simplesmente se materializou próxima de mim e virei bruscamente o corpo. Meu dedo continuava no gatilho e soltei o ar imediatamente. — Você levou uns bons socos aí... — ele apontou para o meu rosto e se aproximou com as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans.

— Imagino que você também queira alguns... — retruquei e Shikamaru apenas balançou  negativamente a cabeça, ele parecia nervoso e manteve o olhar fixo nos muros por algum tempo antes de pegar dois cigarros amassados e me entregar um. — Está tudo bem?

  Observei com paciência os movimentos trêmulos e repetitivos de Shikamaru enquanto tentava acender o próprio cigarro e equilibrava-o entre os dedos; após algumas tantas tentativas ele tragou-o e soltou a fumaça em seguida. Quando ele estendeu o isqueiro em minha direção, apenas peguei-o e acendi meu cigarro.

  O gosto do tabaco invadiu minha boca e minha garganta assim que traguei o cigarro e soltei a fumaça em seguida, segurei-o entre os dedos e apoiei o peso do corpo na perna direita.

— Bem... Não. Aconteceu uma coisa estranha mais cedo — ele começou a dizer e levou o cigarro aos lábios novamente, tragou-o e me encarou. — Kankuro quase pulou no pescoço do irmão nessa manhã... Foi estranho, para ser bem sincero, o cara simplesmente apareceu e agiu como se estivesse tudo bem.

— Espera, espera... Irmão? — franzi o cenho. — Ele só havia falado sobre um irmão caipira drogado que podia estar por aí e... Cacete. O cara está aqui?! Isso é... bom... — As palavras soaram estranhas demais, porque eu não acredito em voltas surpreendentes de parentes tidos como mortos; esses retornos são sinais de que há alguma merda acontecendo. Algo grande. Traguei o cigarro mais duas vezes e encarei Shikamaru. — Ele estava aqui esse tempo todo...

— E só apareceu agora. É — ele completou o restante da frase e soltou o ar, sua postura era de alguém em extremo estado de alerta. — Ele teve dois meses para dar as caras, invadir o quarto do Kankuro, trocar alguns socos e pontapés e o que mais eles tivessem que acertar. Ele estava presente quando entramos aqui e ele podia ter reconhecido o próprio irmão até mesmo no inferno...

— Mas ele esperou todo esse tempo e só decidiu matar as saudades agora. — Concluí e tentei acompanhar a linha de raciocínio de Shikamaru, mas tudo o que me vinha à mente era que era apenas mais um teste. — Qual é o nome dele?

— Gaara. É o ruivo com a tatuagem na testa. O máximo que sei é que ele é o responsável do treinamento das crianças por aqui e... — Shikamaru levou os dedos trêmulos aos lábios outra vez e quase esmagou o cigarro ao tentar tragá-lo. Naquele gesto desesperado e aflito, eu soube que o que quer que estivesse assombrando a cabeça de Shikamaru, era sério o suficiente para fazê-lo fumar como um condenado à cadeira elétrica. — Eu soube que havia um infectado no último treinamento.

  Um gosto amargo se instalou no céu da boca e pisquei algumas vezes enquanto a fumaça acompanhava as palavras de Shikamaru e, simplesmente, desaparecia. Tentei conter a vontade de rir, gargalhar em alto e bom som do que havia escutado e balançar a cabeça negativamente.

  A risada curta e grogue que escapou da minha boca era sarcástica e balancei negativamente a cabeça, bloqueando todos os porquês lógicos e plausíveis que podiam explicar se Shikamaru tinha razão ou se estava paranóico demais. O cara deve ter tomado alguma coisa vencida. É. Verdade absoluta, senhoras e senhores.

— Mentira. — Foi a única palavra que murmurei enquanto observava a raiva surgir entre a cautela extrema de Shikamaru. — Você acha mesmo que eles deixariam um infectado aqui? Eles sabem que tipo de merda é essa, não importa se eles os chamam de contaminados ou de praga do apocalipse...

— Então por que eles nunca saem? Você já os viu sair em qualquer tipo de busca por suprimentos alguma vez? — Shikamaru simplesmente cuspiu as palavras com raiva e certo controle, mas mantinha os olhos presos em mim e eu sabia que ele estava certo. — Anda... Já viu isso acontecer alguma maldita vez?!

  Fiquei em silêncio enquanto Shikamaru tragava o restante de seu cigarro. Somos nós quem saímos atrás de suprimentos, aquela era a única resposta que havia. Desde o instante em que havíamos sido aceitos dentro da Muralha, nosso grupo se arriscava por remédios, comida enlatada e água, e então simplesmente ficamos ali. Nada de convocações, nada de interrogatórios, nada de treinamentos coletivos ou merdas do tipo.

  Trinquei a mandíbula quando o gosto amargo no céu da boca se tornou mais intenso e um arrepio percorreu minha espinha em seguida. Não pense merdas, não há provas, não há nada além de suposições entre dois paranóicos. O mundo não é uma grande roda de conspirações e traições, Naruto... Essa merda toda acabou.

— E o que isso prova? — perguntei, repetindo aquelas palavras na minha mente como se fossem feitas a partir de morfina e servissem para levar para longe todas as coisas incômodas. Essa merda toda acabou. Está enterrada na porra de um prédio, com aquele antigo você que levou uma bala no peito. — Até onde eu sei, nós estávamos lá fora por mais tempo... É lógico que...

(All of this could have been yours)

— Então por que nos trancafiaram aqui, do nada e sem qualquer tipo de explicação? — ele rebateu com os olhos sérios e as palavras extremamente convictas, sem espaço para hesitação e alternativas. Essa merda toda tem que ter acabado... Nada de conspirações, traições... — Estamos assim há duas semanas e o que foi que aconteceu nesse meio tempo?

  Uchiha. Haruno. Hinata. Karin. Kakashi. Jun. Não era o que havia acontecido necessariamente, era quem. Eu visualizava cada situação, cada maldito detalhe e sentia que eles me consumiam e todos apontavam para as palavras de Shikamaru. Você fez uma barganha com o diabo, garoto... Uma barganha perigosa demais... Junte apenas mais algumas peças do quebra-cabeça e você terá a sua resposta...

— Olhe...

— Você acha que levou uma surra em público por nada?! Você quase se matou com o Sasuke...

— Não fala a porra do nome dele! — apontei o dedo na direção de Shikamaru e avancei mais dois passos; a raiva simplesmente surgiu e agitou todo o meu corpo naquele instante e me forcei a abaixar a mão e me afastar. — Isso não tem nada a ver com...

— Não?! Por que vocês fizeram tudo aquilo? Por causa de uma garota? Por causa da Hinata? — Ele vociferou em seguida e me encarava com certa aflição; mantive a boca fechada enquanto ele tentava controlar o nervosismo. — Por que diabos vocês quase se mataram com tanta gente olhando, sendo que ele podia ter resolvido isso de outra forma? Por que só agora o irmão do Kankuro decide aparecer e fazer cena com todo mundo olhando? Hã? Por que tantos ataques pessoais na frente de todos?

  Porque faz parte do plano. É parte da porra do plano de Kakashi para descobrir quem fez o Uchiha abandonar o posto. É isso, não é?

— O que quer que seja que Kakashi queira, nós estamos fazendo... Nós estamos bancando os idiotas agressivos, exatamente como ele quer. — Shikamaru ditou cada palavra como se temesse pronunciá-las e elas ecoavam na minha cabeça, faziam o trabalho de tecer possibilidades e nenhuma delas parecia boa. — Karin e Kankuro suspeitam que Kakashi está sendo orientado sobre como nos atingir.

  Ele não precisou falar mais nada. Some um idiota prepotente a outro idiota prepotente desesperado por proteção ao amor da sua vida. Faça as contas, garoto... Quem disse que só você pode fazer barganhas com o diabo?

  Fingi que minha mandíbula não estava trincada com tanta força que eu sentia meus dentes doerem; fingi que a raiva não fervilhava meus pensamentos e tensionava meus músculos; fiz de conta que estava tudo sob controle e que aquela conversa não acontecera, tal como as palavras de Shikamaru e a verdade que ele expunha.

— Mas eu não tenho provas, então não posso simplesmente apontar e dizer... — Shikamaru continuou a falar, sua voz diminuindo gradativamente e seus dedos tremiam um pouco menos. — Merda! Nós precisamos nos proteger Naruto, há alguma coisa séria acontecendo e não dá para ignorar que eles trouxeram um infectado vivo aqui e estamos sendo claramente atacados.

— Como eles conseguiram trazer um infectado se eles não saem? — a minha pergunta simplesmente surgiu e parecia arranhar a minha garganta enquanto isso. Nós nos encaramos, a sombra do medo surgindo e mastingando todas as brechas possíveis para crescer e se espalhar.

— Eles estã-

— Olá meninas! — o grito alegre veio de um rapaz ruivo com uma tatuagem pequena de um uma bala na testa e um sorriso falso nos lábios. Ele continuou se aproximando e Shikamaru desviou o olhar para os muros imediatamente. — Atrapalhei alguma coisa importante? Alguma conspiração? Merda, espero que eu tenha...

  Os passos dele eram amortecidos pela grama e não levou muito tempo até ele se manter a pouco mais de meio metro de distância, ele nos encarou e suspirou. Gaara. O irmão caipira drogado de Kankuro, bem na minha frente...

— Vou ser breve... Estejam nos portões em meia hora, Kakashi vai decidir quantos grupos vão dar uma volta na cidade e buscar alguns suprimentos. — Tudo o que Gaara dizia soava mecânico, automático, sem qualquer emoção, ele apenas reproduzia o que haviam mandado dizer e nada mais. — É melhor se apressarem. Ele odeia atrasos e eu não gostaria de ouvir mais um discurso sobre pontualidade. — Outro sorriso forçado e ele começou a se afastar.

  Houve um grito mais curto, afobado e quase sem fôlego de Kabuto que tentava encurtar a distância o mais rápido que suas pernas permitiam. Ele parou duas vezes até nos alcançar e pôs as mãos sobre os joelhos assim que seus pés pararam, ele aspirou o ar com força e ergueu a cabeça devagar, como se o processo todo o cansasse mais do que a corrida.

— Ka... Kakashi mandou dizer...

— Eu passei as ordens, Kabuto. Não precisa se preocupar com isso, já está feito — Gaara interrompeu-o bruscamente e agitou a mão, dispensando-o silenciosamente e lhe lançou um sorriso satisfeito quando observou a expressão cansada de Kabuto se transformar em irritação. — Precisa ser mais rápido, criança... Algum dia eu realmente vou te deixar para trás.

— Ma... Mas! — ele tentou retrucar, mas Gaara apenas se afastou. — Odeio esse cara... Bem, é melhor se apressarem. Kakashi odeia atrasos.

  Shikamaru murmurou alguma coisa e deu um tapa amigável no ombro de Kabuto pouco antes de se mover para os portões. Encarei os alvos perfurados por balas, posicionados em diferentes alturas e distâncias e imaginei um infectado se movendo entre eles, avançando ensandecido até um punhado de crianças chorosas e apavoradas. Era cruel demais e brutal demais, mas eu conseguia ouvir seus possíveis movimentos, tentava adivinhar como ele agiria, quem ele tentaria pegar primeiro.

  O mundo não é cheio de conspirações... O mundo não é uma máquina de traições e de pessoas autodestrutivas... Essa merda está morta e enterrada em um prédio de Osaka. Comecei a andar na direção dos portões e senti que o amargor no céu da boca havia se instalado em meu estômago, enquanto os calafrios percorriam meus braços e costas.

  Eles não saem. Como havia a porra de um infectado vivo aqui?

  Os portões pareciam duas placas imperativas de proteção do outro lado, do mundo lá fora e pareciam intransponíveis. Se eles não saem para caçar um... Continuei avançando e não sentia mais a grama tão alta, aos poucos meus passos ganhavam mais velocidade como se isso interrompesse os pensamentos na minha mente. Se eu quisesse um infectado e não achasse em nenhum lugar, o que eu faria?

  Virei ligeiramente a cabeça e avistei o cubículo que era destinado para exames médicos e medicações. Outro arrepio percorreu meu corpo e senti meu estômago embrulhando, apressei os passos um pouco mais e encarei os portões novamente. Bem... Eu não posso sair e trazer um infectado... Eu simplesmente...

— Gosto de ver que meus soldados são realmente pontuais... — a voz ardilosa de Kakashi ecoou com firmeza a alguns metros e ele se aproximava tranquilamente. Aos poucos os outros chegaram e todos se enfileiraram em frente aos portões. Como carneiros no matadouro. — Precisamos de suprimentos e não posso arriscar muitos de vocês, por isso serão apenas cinco trios... Vocês receberão um sinalizador, três armas e um kit de primeiros socorros, além de comida e água...

  Havia mais do que prepotência no olho dele: havia ganância e, sobretudo, vontade de realizá-la. Karin, Kankuro, Shikamaru, Gaara, Sasuke, Sakura e Hinata estavam presentes, além de alguns adolescentes; todas as palavras de Kakashi pareciam ensaiadas. Encarei Shikamaru, mas seu olhar estava fixo na ala médica e eu o acompanhei.

  Bem... Se eu não posso sair e trazer um infectado, eu simplesmente o faço. Eu o crio. Eu lhe dou vida.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOOOOOOOO!
Mil anos depois, cá estou eu...
Atualizações rápidas sobre essa demora: trabalhar e estudar é punk, amigos... Me mudei há algumas semanas, então ainda tive de resolver alguns problemas técnicos com a internet e outras coisas... Enfim. Cá está o décimo segundo capítulo e espero que tenham gostado.
Atualização sobre as demais fanfics: estou escrevendo os novos capítulos. Vou entrar de férias oficiais do serviço em alguns dias e vou me concentrar totalmente na escrita (finalmente). Sei que dá a impressão de que abandonei tudo, mas de verdade, sinto falta de sentar a bunda na cadeira e escrever por horas a fio e dialogar com vocês através dos reviews (se ainda tiver sobrado alguém). Não sei se respondi a todos os comentários, mas agradeço-os desde já. Estou tentando de verdade retomar ao ritmo de escrita antigo, mas está complicado... Enfim...
Agora vamos ao capítulo:
Procurei focar mais no Shikamaru nesse capítulo, mostrar o lado mais humano dele. Numa breve explicação, o grupo para ele é como sua família, então ele se sente receoso em afirmar que alguém ali está orquestrando problemas internos para benefício próprio e é por isso que ele precisa de algo palpável que embase suas decisões da forma mais justa possível.
A dica da vez: fiquem de olho no Sasuke. Ele ainda será motivo de algumas situações.
Eu quis manter uma atitude mais durona por parte da Hinata, mas não se esqueçam de que isso pode gerar uma reação à altura tanto da Sakura quanto do Sasuke. O romance entre a Hinata e o Naruto vai dar mais indícios no próximo capítulo.
É mais isso por enquanto. Espero que tenham gostado, qualquer sugestão, crítica, mensagem, review, recomendação e afins são sempre bem vindos. Qualquer erro ortográfico, por favor me avise!
Até o próximo!
o/
P.S.: Vai haver sangue, porrada e corridas no próximo capítulo. E um quê de "dane-se". ^^



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