Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 11
The matador




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11. O matador

[05:33] 11/7 - Setenta e um dias antes, Distrito de Osaka

  O mundo estava de cabeça para baixo enquanto seus olhos percorriam o teto num frenesi angustiado durante os momentos intermináveis em que os gritos – berros de horror de outras pessoas -, os urros e rosnados e o som de algo sendo arrancado e mastigado invadiam seus ouvidos.

  Soltou um grunhido abafado quando viu que o teto dançava ante seu olhar agoniado e sentiu as costas doerem pela posição largada em que estava escorada na sala.

Pela primeira vez em alguns anos, Karin Uzumaki não sabia distinguir a realidade da fantasia. Porque tudo aquilo - o que quer diabos que fosse -, todo aquele inferno parecia um filme de terror de cinema. Dessa vez os monstros não estavam na sua cabeça porque estava chapada, o horror de estar sentindo a droga sair de seu corpo como um parasita intrometido não era pior do que o que sentia por ouvir gritos e urros.

Concluiu que estava alta. Tinha que ter usado heroína, meta, bala ou qualquer merda de prazo vencido porque os monstros não estavam na sua cabeça, tinham fugido para a realidade e ela não sabia o que fazer.

Quando finalmente ela se pôs de pé, a visão catastrófica lhe atingiu como um golpe impiedoso e certeiro: os prédios comerciais e residenciais estavam em chamas ardentes e cuspiam fumaça preta de suas janelas outrora de vidros longos e de efeito espelhado; helicópteros sobrevoavam a cidade, sirenes ecoavam como passos num corredor longo e pessoas gritavam.

Mas não eram pessoas. Porque pessoas não se contorciam daquele jeito, não rasgavam outras pessoas de modo ensandecido e menos ainda pareciam sentir prazer naquilo. Pessoas não caçavam pessoas.

Então ela se deu conta de que tinha de dar o fora da cidade, pegar suas roupas, Suigetsu, Jun e um dinheiro e simplesmente dar o fora dali. O que quer que estivesse acontecendo em Osaka, fosse sonho ou realidade, ela e sua família precisavam sair o quanto antes.

— Suigetsu?! Jun?! Nó... — não conteve a tontura que a abateu assim que chegou ao sofá; por Deus, ela estava chapada demais. — Querida! Amor!

Passaram-se minutos enquanto ela chamava-os numa voz grogue e arrastada sem conseguir resposta nenhuma; passou-se mais um tempo até que ela conseguisse firmar os pés sem que o mundo girasse e mais um tanto para assimilar o que estava acontecendo.

A voz automática do apresentador de televisão invadia o apartamento de baixo custo, o sinal rompia entre uma frase e outra e Karin mal notava que esbarrava nas caixas e agulhas vazias enquanto atravessava o corredor até o seu quarto. A ânsia de vômito lhe embrulhou o estômago assim que empurrou a porta comida por cupim, mas forçou os olhos a vasculhar o local.

(Stutter)

 A cortina escura e rasgada continuava intacta e torta na janela, o colchão sujo e fino que dividia com Suigetsu estava com lençol e coberta revirados, os travesseiros haviam sumido tal como as mudas de roupas que estavam no armário de cozinha que haviam improvisado como guarda roupa no qual a porta ainda estava caída naquele ângulo que desafiava a física. Então o desespero tomou conta do seu peito e o inflou na mais aguda dor.

— Suigetsu?! Jun?!

A imagem de ambos gritando e sendo perseguidos por uma daquelas coisas aumentou seu desespero e lhe deixou desorientada sobre o que fazer a seguir. Respire fundo, garota... Você precisa procurar pela casa.

E foi o que ela fez.

Karin escancarou as portas restantes, chamou por eles e não obtinha resposta alguma; quando correu até a cozinha, um som alto chamou a sua atenção. Por instinto seus dedos agarraram o cabo da faca mais afiada e longa que possuía e ela prendeu a respiração como se sua vida dependesse disso e aguardou. Os passos suaves e quase calculados emitiam leves ruídos no piso e aquele som agonizante de ossos sendo puxados e repuxados com brusquidão fez Karin sentir a ânsia voltar.

Estava imaginando, tinha que estar, afinal tinha injetado metade de uma agulha no braço há algumas horas e nada mais explicaria porque estava segurando uma faca para se proteger de um monstro - um monstro que pulou de suas horas mais altas para lhe assombrar dentro do apartamento em que vivia.

Seu coração martelava rápido e descargas de adrenalina contrapunham-se em suas veias, mal se ouviu gritar - de pânico, de medo, de terror - quando o visitante pôs uma mão longa e suja de sangue na soleira da cozinha e exibiu o rosto parcialmente dilacerado.

— PUT...

Foi instantâneo. O corpo feminino e ferido mancou em sua direção com um sorriso despontando na carne fresca, os dedos longos e sujos de sangue apontaram em sua direção com um gotejar lento e espesso rubro e Karin sentia a paralisia roendo seus ossos e músculos. Tufos de cabelos outrora castanho grudavam na testa e nuca da outra garota, o vestido verde tinha uma estaca de vidro bem presa ao quadril e os olhos dela eram penosos e com veias saltando.

Karin mal a ouvia, mal notava o quanto ela se aproximava porque seus olhos não conseguiam se desgrudar daquele olhar penoso hipnótico e surreal. E quando a adrenalina vibrou por seu corpo, a lâmina da faca desceu num corte ríspido pelos dedos da garota e o urro dela - de dor, de agonia e principalmente de raiva - despertou Karin.

E no instante seguinte ela avançou e o barulho da lâmina sendo enterrada na jugular da outra soou como um estalo rápido e profundo. Ela sentia, ela ouvia a lâmina rasgando nervos, carne e penetrando o mais fundo que podia enquanto o sangue saía do ferimento.  

Largou o cabo da faca ali mesmo e escorou o corpo na soleira. Deus! Estava chapada bem no fim do mundo, bem na porra do fim do mundo e havia sido abandonada. A adrenalina enrijeceu seu corpo quando notou que a garota tentava se mover em sua direção, esticava a mão sangrenta e emitia sons moribundos enquanto engasgava no próprio sangue.

Karin não sabia o quão rápido havia se movido, mal havia percebido que havia dado o fora do apartamento e agora olhava desorientada na rua movimentada onde os monstros da sua cabeça saltavam sobre pessoas e as mordiam, arranhavam e destroçavam sem pudor algum.

As pessoas que conseguiam corriam atrás dos carros que passavam por eles enquanto atropelavam quem não fosse rápido o suficiente para escapar; uma horda de policiais marchava na direção contrária, acompanhada de caminhões de guerra e homens mascarados que atiravam bombas de gás e balas contra pessoas e aqueles monstros.

Não era um sonho, nem mesmo um filme ou uma fantasia de uma garota chapada. Era a nova realidade dela.

Foi ali que Karin notou que não havia como abandonar a cidade, nenhum helicóptero estava ali para resgatá-los e os policiais não iriam ajudar ninguém. Era um extermínio e ela estava na zona de perigo. O mundo girava sem nexo e embalado pelo caos e não havia para onde fugir.

[01:06] 7/12 — Agora, Zona 3, Muralha, Nakanocho

A camada de suor que cobria ambos os corpos nus e agora unidos como um só parecia ser um sinal de que ainda estavam vivos. Os movimentos ritmados e íntimos faziam o prazer físico crescer e envolvê-los mais ainda, unia-os como nunca. Os olhos dela se fecharam por um segundo, enquanto ela sentia suas pernas tremeres e fecharem com força ao redor do quadril dele.

Os olhares se conectaram, transbordavam juras que somente eles conheciam e pediam por mais, sem que as palavras precisassem ser enunciadas. As mãos dele afundaram no colchão quando sentiu que seu corpo estava no limite; a boca dela procurou a dele e logo a encontrou. Os gemidos roucos ganharam volume.

Amaram-se mais e os olhos dele lampejavam de tanto desejo quanto os dela; ele sentia a excitação dela envolvê-lo e seu membro enrijecia dentro de Sakura. Entregaram-se um ao outro, enquanto o prazer os unia e relaxava cada parte de seus corpos.

Demoraram a sair daquela posição; o corpo de Sasuke tremia sobre o de Sakura e as unhas dela passeavam nas costas dele com calma. Ele levantou a cabeça e seus lábios tomaram os de Sakura em outro beijo tranquilo e suave.

— Amo você.

As duas palavras fizeram surgir um sorriso feliz, enquanto os olhos dela se fixaram aos dele. Automaticamente seus dedos contornaram o rosto de Sasuke e permaneceram ali. Ele sentia o coração bater rápido demais enquanto o sorriso dela o contagiava.

— Precisou que o mundo acabasse para dizer isso em voz alta? — as palavras sussurradas, como se contivessem o maior segredo do mundo, soaram bem humoradas e gentis. Ele balançou negativamente a cabeça e deitou ao lado dela.  — Você sabe que não deveria estar aqui...

— Não notei reclamações da sua parte... — ele retrucou e recostou o corpo à cabeceira do beliche que ocupavam. Os fios prateados de luz atravessavam as janelas posicionadas a pouco mais de trinta centímetros do telhado, de forma estreita que lembrava uma cela.

— Eles estão de olho em nós. Pode ser perigoso.

O bom humor abandonava o rosto de Sasuke abruptamente e seus músculos tencionaram automaticamente, Sakura ajeitou o corpo à altura do dele e apoiou a cabeça no ombro masculino. Ambos os pares de olhos notavam as mesmas coisas: o rastro de roupas abandonadas no chão, as paredes cinzentas e mórbidas, os adesivos infantis colados nelas como uma tentativa de animar o lugar e, sobretudo os dois fuzis encostados na soleira da porta e ao machado sobre a cômoda de quatro gavetas.

O outro beliche, totalmente arrumado e livre de ocupantes por aquela temporada, estava do outro lado do quarto. O lugar media pouco mais de vinte metros quadrados e ainda assim parecia ser capaz de sufocá-los quando se observa por tempo demais.

Não era o lugar deles. Não importava se não usavam braçadeiras vermelhas ou se estavam ajudando na vigília daqueles muros, ainda estavam sendo observados como ratos de laboratório.

— Já disse que não precisa se preocupar. Kakashi não tem interesse em mim — a convicção na voz de Sasuke quase a convenceu de que poderia abaixar a guarda. Mas havia algo de errado ali. Ela sentia em cada poro de seu corpo.

— Acho que Naruto está...

— Será que você não pode parar de falar nele, pelo menos agora? — ele levantou e sentou na cama, o colchão cedeu conforme seu corpo se ajeitava ali. Sua mão direita massageava a própria testa, tentando ignorar a irritação que ameaçava controlar seu corpo. — Ele não é um herói.

— Ei, ele salvou a minha vida. Se cheguei... Se chegamos tão longe, é graças a ele. Não custa ser um pouco agradecido — a irritação estava presente na voz de Sakura e seu corpo todo retesou ante o olhar de desconfiança que Sasuke lhe lançou. Ela tentou se aproximar, mas toda a linguagem corporal dele dizia para se manter afastada. — Tudo o que eu quis dizer é que não é seguro que nos vejamos. Ainda não... Kakashi continua nos sondando, eu sei.

  O suspiro irritadiço escapou dos lábios dele em seguida e os dedos procuraram os fios do próprio couro cabeludo em claro sinal de nervosismo, sua mente raciocinava o óbvio: Kakashi ainda estava à espreita e detestava-se por estar fazendo exatamente o que o antigo tentente queria. Ele queria o nome da garota que o fizera abandonar o posto e atravessar a Muralha de modo furtivo.

  Não demoraria muito para que Kakashi ligasse os pontos e soubesse quem era.

— Isso não estaria acontecendo se não estivéssemos aqui... — concluiu de modo inútil e se virou para Sakura. Seus olhares fixaram-se e ele precisou se concentrar na lógica imutável de que não estavam seguros. — Naruto não deveria ter encontrado esse lugar. Não é seguro.

— Se aqui não é tão seguro, por que não me mostra? — havia mais do que irritação na voz de Sakura, havia um quê de firmeza do qual Sasuke vagamente lembrava ter ouvido. O modo como o olhar dela brilhava em convicção e desafio lhe fez sentir-se egoísta por um instante. — Você precisa confiar em mim, se quiser que eu acredite que não estamos bem aqui dentro.

— Você já percebeu isso Sakura — ele disparou em seguida e estreitou os olhos ante a surpresa que ela demonstrou. Seus dedos afagaram a curva do maxilar de Sakura e ela relaxou minimamente. — Acredite em mim, não vamos estar a salvo dentro desses muros.

— Então nos tire daqui.

  Ele não precisou pronunciar a verdade para ela – já estava bem claro na forma como seus olhos se desviaram e sua respiração ficou tensa. Ambos sabiam que não havia como dar o fora da Muralha sem que alguém acabasse morto e foi por isso que Sasuke havia escapado; todos estavam distraídos demais em transformar Itachi Uchiha na máquina perfeita de combate – um monstro inabalável e de habilidades físicas incompatíveis com o DNA humano, limitado ao instinto de sobrevivência e excluído mentalmente de regras morais e sociais.

  O primeiro que infectaria o resto do mundo foi o seu irmão.

[11:12] 7/12 — Agora, Guarita B, Zona 2, Muralha, Nakanocho

  Há pouco mais de uma hora que a quietude me fazia companhia. Nada de urros, nada de movimentação atípica nos portões ou nos muros, nada de veículos estranhos ou de uma explosão vinda de algum local próximo. Parecia que o mundo estava paralisado.

  Virei a cabeça apenas o suficiente para ver uma fileira de crianças empunhando revólveres de diferentes calibres e disparando aleatoriamente nos alvos mais a frente, o rapaz ruivo – Gaara – andava entre elas com as mãos na cintura e era acompanhado por Kakashi. Outras pessoas zizezagueavam entre os alojamentos e algumas nas cabines de interrogatório, mas minha cabeça estava concentrada unica e exclusivamente na Hyuuga.

  Algo estava seriamente errado comigo.

— Você está me evitando? — a pergunta me pegou desprevenido e automaticamente empunhei o rifle que segurava. Karin levantou a sobrancelha e abaixei a arma em seguida, bufei irritado e ela apenas se aproximou. — Não precisa estourar meus miolos para dizer que você está puto comigo.

— O que é que você está fazendo aqui? — questionei encarando-a e o olhar abatido dela se transformou numa máscara de cinismo atípica e repentina. — Pensei que você estivesse ajudando com a cozinha.

— Nós dois sabemos que eu nunca vou cozinhar sem explodir o lugar inteiro — ela tentou sorrir, mas nenhuma emoção chegou aos seus olhos e ela se debruçou sobre a mureta de concreto. — Eu pensei que você estivesse enfiado na cama da Hinata.

— Mas que merda é essa?

  O sorriso cínico que ela me lançou foi verdadeiro e ela inclinou a cabeça para o lado, como se considerasse as palavras que diria a seguir. A maior merda era que eu, secretamente, imaginei a cena.

— Vocês dois vivem saindo nas buscas, praticam luta ou sei lá como você chama transar agora, mas parece que você também está se apoiando nisso para fugir de Jun ou de mim. Ou de nós duas — a voz dela era tão ácida quanto suas palavras e me fizeram sentir como o grande filho da puta.

  Àquela altura do campeonato, eu estava sendo o maior canalha do mundo ao aproveitar qualquer oportunidade para ficar próximo da Hyuuga para fugir de Jun e de Karin e, pouco depois, encarava as duas e afirmava que estaria ali minha irmã e a minha sobrinha são a minha família. O detalhe era que Karin é a minha família e Jun ressurgira dos mortos para me assombrar. Eu não hesitaria em arrancar a garganta de quem fosse para proteger Karin, mas pensaria duas vezes antes de me mover por Jun.

  Ela não devia ter sobrevivido sem que algo não desse errado, minha mente dava voltas na única conclusão plausível que eu havia rabiscado naqueles dois meses. Porque havia algo de errado com Jun.

— Então eu preciso saber se você está a fim dela ou se está me escondendo alguma coisa — o ultimato estava nítido na voz de Karin e a encarei por um bom tempo. Não importava quantas vezes ela me pedisse pela verdade, Karin já havia tirado suas próprias conclusões e elas estavam mais próximas da realidade do que eu poderia especular.

— Você me pede para te dizer a verdade, mas você é rápida em entender a situação. Então me diga você o que é que está acontecendo comigo e com Jun, porque os meus problemas com você estão parcialmente resolvidos.

  Ela piscou algumas vezes e novamente a frieza mesclou-se ao seu cinismo habitual, mas havia um quê da velha Karin, aquela impulsiva e explosiva, se pronunciando bem na minha frente; ela me encarou e desviou o olhar para o horizonte. Aquela Karin... Eu odiava-a profundamente.

— Você não aceita que ela tenha sobrevivido porque não entra na sua cabeça que ela é forte. Parece que sempre precisa haver alguma merda acontecendo, alguma merda grande pra que você possa salvar o mundo, mas você errou, meu chapa. Jun está do mesmo jeito — aos poucos, senti a raiva pronunciando-se e senti o peso da arma em minhas mãos quando ela finalmente me encarou. Ela está tentando acreditar nas próprias palavras... Porque ela sabe o que tem de errado e, acredite garoto, ela não vai dar o braço a torcer.

— E sabe do que mais Naruto? Eu não vou abandonar a minha filha e não vou permitir que você aja como se ela fosse... Como se ela fosse... — as palavras morreram aí e Karin tremia tanto quanto eu, mas o nervosismo dela a impulsionava a continuar falando. — Eu sei que você não a aceita, mas porra! Já se passou tanto tempo e você continua agindo como se ela te assustasse.

— Não confunda as situações! — grunhi e esmurrei a mureta com força. — Por que você não admite que ela não é a mesma? Você se culpa tanto por tê-la abandonado que agora quer bancar a super mãe?!

  Parabéns. Você tocou num ponto sensível. Parecia que estávamos discutindo como há dois anos atrás, com palavras crueis e ferimentos antigos sendo abertos no processo, enquanto ela aparentava uma magreza assustadora e lábios rachados, eu transbordava raiva e o institinto de proteção fraternal sobre Jun. Outra vez, eu tinha 23 anos e ela 22 – a mesma violência e a mesma imaturidade, que nos acompanhava desde a adolescência, estavam impregnadas em cada ação e reação.

— Você nunca deu a mínima para Jun enquanto se drogava, enquanto fodia com o vagabundo que te engravidou ou quando jogou a menina no meu colo e foi ter uma porra de overdose... — as palavras soaram extamente como há dois anos: raivosas e volumosas. Eu sabia que Karin me encarava com os olhos surpresos, talvez indignados ou raivosos, nunca vou saber dizer porque tudo o que importa é que eu estava puto da vida com ela. — Mas não seja cínica em dizer que Jun é a mesma.

— V-Você não sabe do que...

  Foi o que bastou para que eu repetisse a mesma raiva ensandecida que sentia todas as vezes em que Karin aparecia cambaleante; em que o cheiro de vômito e urina eram insuportáveis, mas ela continuava a rir como se o mundo fosse um carrocel colorido e engraçado; em cada maldita vez em que tinha que mentir para Jun que sua mãe estava de férias, quando na verdade ela estava esmurrando a porta do quarto ao lado e chorando que precisava de uma dose.

  ...está falando! Parecia que havia uma garota de pouco mais de dezenove anos, olhos marcados de maquiagem borrada e lábios rachados, olheiras profundas e as roupas mal ajustadas no corpo magro e perfurado. Eu lia os lábios dela formulando aquelas palavras do mesmo jeito trêmulo e arrogante, enquanto o corpo dela parecia encolher e tremer.

  A boa e velha raiva repentinamente me pareceu mais familiar do que nunca.

— Eu não sei o que eu estou falando?! Ah, Karin... Não tente foder comigo... Você nos abandonou! Deu as costas pra todo mundo, pra quem realmente se importava com você por causa de um moleque! — ela gaguejou uma resposta inútil e totalmente típica de antigamente e segurei a arma com mais força, e mal senti que meus olhos ardiam. — Eu também precisei de você, eu também precisava de ajuda, mas adivinha? O mundo tinha que girar o seu redor, não é? As pessoas precisavam ter pena de você, precisavam olhar bem na sua cara e te chamar de viciada, não era?

  Então tudo estava explodindo: o meu maxilar, a minha cabeça e principalmente a certeza de que as coisas estavam bem. Levou algum tempo para que eu entedesse que Karin havia me estapeado com toda a força que possuía, não muito mais do que alguns segundos para que o silêncio se instalasse e finalmente a calmaria.

  Era incrível como eu estava prestes a foder ainda mais com a situação.

— Alguma coisa aconteceu com Jun enquanto ela estava com Suigetsu, alguma merda séria que a mudou e se continuar desse jeito, ela não pode ficar por perto — o medo que dominou Karin virou ódio, era palpável e ela se armou dele da única forma que conhecia.

— Eu não vou abandoná-la.

— Não, de novo não, você só vai deixá-la seguir o próprio caminho, se prefere assim — afirmei e ela deu um passo a frente com os punhos cerrados e eu sentia a vontade dela de atacar, como se seus murros resolvessem as merdas que ela havia feito. — Ela não é confiável e alguém vai morrer se ela continuar por perto. Espero que não seja você.

  Karin me segurou pelo braço e me encarou da mesma forma arrogante e cínica, e tive de me lembrar de que ela não estava mais com os braços espetados e que não havia cheiro de vômito e bebida nela.

— Se você tentar me afastar dela, eu te mato.

— A sua filha morreu no dia em que o vírus se espalhou, essa Jun... Essa garota não é a sua filha, não é a sua família.

— Aparentemente você também não é.

[13:06] 7/12 — Agora, Zona 2, Área de treinamento, Muralha, Nakanocho

  Os braços pequenos estavam estendidos o máximo possível e as armas pareciam apavorar os mais novos, enquanto as crianças mais velhas demonstravam intimidade com os revólveres e com as pistolas; Gaara acompanhava o desempenho de cada uma com o olhar de um perito procurando imperfeições em seu laudo.

  Os alvos eram garrafas ou bonecos improvisados com pneus carecas e algumas placas de madeira pintadas com uma série de círculos; a relva alta era outro fator contra as crianças e as forçavam a semicerrar os olhos e a procurar uma posição melhor para atirar. Estavam naquilo há pouco mais de uma hora e meia e Gaara olhou para trás, sentindo o olhar analítico de Kakashi seguindo-o como sua própria sombra.

  Devia muito àquele arrogante caolho, tinha que admitir, portanto não sentiu surpresa alguma quando Kakashi o incubiu dos treinamentos infantis e da seleção dos desamparados que atravessariam os portões pesados da Muralha. Na verdade, ele sentiu que havia nascido para fazer aquilo: selecionar quem deveria viver ou morrer.

  Chamou a atenção dos menores com um olhar severo e a ordem para pararem, sentiu os olhares acuados e até mesmo ansiosos e analisou o grupo de doze crianças, entre oito e treze anos. Mas dentre todas, o olhar quase indiferente e totalmente distante da garotinha ruiva o incomodava.

  Jun Uzumaki. Sobrinha do filho da mãe mais petulante que conhecera na vida e filha de uma mulher tão boca suja quanto a sua própria mãe. Aquela coisa minúscula e magricela tinha o olhar mais perturbador que tinha visto e sempre sentia que não devia abaixar a guarda perto daquela criança.

— Vocês estão indo muito bem, mas ainda não é o suficiente. Esse tempo todo, vocês atiraram em coisas inúteis e que não salvariam ninguém. — Ele esperou um momento e olhou para trás novamente, o balançar de cabeça positivo de Kakashi indicava que ele deveria prosseguir como discutido anteriormente. — A partir de hoje, vocês vão saber como é que a coisa realmente funciona.

  Dentro de um dos cubículos superaquecidos e a mais de trezentos metros à direita, o barulho inquietante capturou a atenção das crianças, era algo perturbador e extremamente agressivo e somente duas delas reconheceram os urros de dor e de fome: Jun e Hanabi. A porta da cabine de interrogatório foi aberta por um homem, totalmente protegido com um colete e protetores de perna e cotovelo, usava além disso um capacete e empunhava uma arma de choque; por aquela abertura surgiu a personificação do outro lado.

  Era um homem e se debatia e expunha os dentes ensanguentados e sujos enquanto era empurrado para frente. Os ossos pareciam galhos secos e causavam um barulho anormal todas as vezes em que ele se mexia e rosnava, os olhos eram vermelho-sangue e ele parecia tentar localizar quem atacar primeiro, os dois homens que o guiavam para frente ou aquele que apontava em sua direção. O infectado estava com os braços imobilizados por algemas e uma corrente pesada, havia uma espécie de guia de contenção de animais em seu pescoço.

 — Isso é um contaminado, crianças, e ele vai rasgar seu pescoço assim que puder. — O tom divertido na voz de Gaara apenas aterrorizou mais as crianças, os olhos infantis assistiam com terror o infectado se aproximando e se debatendo, rosnando e gritando, cheirando o ar e inclinando a cabeça quando seu campo de visão as encontrou.

  Somente Jun não demonstrava medo, na verdade o corpo tremia com a descarga de adrenalina. Ela ansiava em chegar mais perto, ansiava em encarar aquele rosto deformado e suas feridas, ansiava em ver o monstro dos contos de fadas novamente.

  As crianças se agitaram quando a distância entre elas e o infectado foi reduzida para cem metros, pouco mais de quatro se puseram a correr enquanto outras permaneciam paralisadas pelo medo. O tiro as assustou mais ainda e as três meninas e o garoto pararam imediatamente.  A arma de Gaara – uma semi automática 9mm – estava direcionada para o alto e em seguida para a cabeça do menino.

— Eu não os dispensei da aula ainda. Então é melhor voltarem, eu não gostaria que vocês se machucassem por mãos humanas... — o braço esticado acompanhava os passos trôpegos das quatro crianças até que elas formassem um semicírulo com o restante, Gaara apenas abaixou o braço e o olhar severo permaneceu em seu rosto o resto do tempo. — Muito bom. Eu vou explicar algumas coisas, então é melhor que prestem atenção, crianças, eu não gosto de me repetir.

  As informações eram passadas sem qualquer tipo de filtragem no linguajar ou no timbre da voz de Gaara, ele apenas cuspia o que sabia enquanto as crianças menores tremiam de medo e as maiores suavam frio. Embora sua própria cabeça tentasse entender a lógica de manter um infectado dentro da Muralha, vivo e absolutamente protegido, Gaara sentiu o suor escorrendo frio pelas costas quando sentiu o cheiro podre vindo do contaminado e teve a necessidade de enfiar uma bala na testa dele.

  O ruivo apoiou as mãos nos quadris e franziu a testa suavemente, sentindo o olhar de Kakashi cada vez mais analítico e presunçoso sobre si. Concluiu que aquilo deveria ser apenas um teste e quando as coisas saíssem do controle, ele teria o prazer de decepar os braços e pés daquele infectado e queimá-lo vivo.

— Eu quero que cada um de vocês dê um passo à frente e atire naquele desgraçado. Então, quem é o primeiro?

  Nenhuma criança havia se pronunciado e elas se entreolhavam como se pudessem decidir quem obedeceria ou se recusaria a atirar, o alívio tomou conta delas quando a menina ruiva e franzina deu alguns passos adiante, os braços finos balançavam mais com o peso da semi automática .22 e os olhos lilases eram opacos e distantes.

  Jun se pôs a cerca de setenta metros de distância entre ela e o infectado, Gaara estava à sua esquerda um pouco mais à frente e a observou com desconfiança. Ele murmurou algumas regras para empunhar melhor a pistola, mas ela o ignorou e segurou a arma com ambas as mãos.

  Tudo o que ela via era uma pessoa fraca demais para morrer por conta própria, alguém que havia se permitido ter sido abandonado por outras pessoas e que agora precisava morrer. Fracos não podiam viver por muito tempo já que, de um jeito ou de outro, eles apenas fariam mau às pessoas fortes.

  Exatamente como sua mãe fazia com seu tio. Exatamente como seu pai fizera consigo. E, de qualquer modo, só havia um modo de diferenciá-los.

  O disparo de uma calibre .22 era suave e ríspido ao mesmo tempo, rasgava o ar velozmente e assim que o projétil acertou o joelho direito do homem que segurava o infectado pela guia, o sangue jorrou com abundância e seu corpo tombou imediatamente. Mas não foi aquele som que marcou cada um ali presente e sim o grito absurdamente alto e aterrorizado do homem quando seu braço direito fora mordido com prazer nítido pelo infectado.

(Immigrant song)

  Automaticamente, o homem que carregava a arma de choque descarregou-a sem raciocionar que a voltagem era baixa demais para causar danos e limitada apenas a choques estimulativos de uma tensão de cerca de dez mil volts. Ele caiu bruscamente quando o infectado saltou sobre si e se moveu freneticamente até alcançar qualquer parte de pele exposta, os dedos do homem se enterraram na cabeça do infectado e não conseguiram impedir que os dentes rasgassem sua jugular quando estendeu o pescoço, num ato irracional.

  Havia o esginchar constante e rubro e gritos, o horror preenchia o espaço de modo tão bruto que ninguém conseguia se mover. O som esganiçado do homem que engasgava com o próprio sangue era alto e aos poucos abaixava, dando lugar ao som de algo sendo mastigado e arrancado com extrema força; as crianças gritaram e tropeçavam miseravelmente ao tentar fugir. O olhar fascinado do infectado acompanhou-as enquanto ele levantava e inclinava a cabeça, como se calculasse a distância e precisão dos passos.

  Os primeiros passos foram falhados, sem prestar atenção ao homem da guia que arrastava o corpo como podia, pois seus olhos vermelhos e doentios se fixaram na criança parada com a arma rente ao corpo. Ele expôs os dentes num sorriso despontando carne fresca e sangue e seus passos seguintes foram largos e precisos enquanto grunhia de emoção.

  Gaara empunhou sua pistola, mas não sentiu o tremor habitual da arma quando ouviu o disparo no mesmo instante. Ainda ouvia os grunhidos do contaminado e franziu o cenho quando seus olhos viram Jun caminhar lentamente até o infectado, caído a poucos metros com o joelho direito sangrando e remexendo-se sobre os braços algemados. Seu corpo se moveu automaticamente e paralisou quando ouviu o terceiro disparo e finalmente o silêncio.

    A quietude permaneceu por um longo tempo, foi quebrada apenas pelos passos suaves de Jun sobre a grama e o gotejar mais suave ainda do sangue espesso que caía do cano da arma conforme a menina se movimentava. Ela parou de repente na frente de Gaara e ergueu a cabeça.

— A aula acabou agora?

  A pergunta o pegou desprevenido, pois a maneira como ela agia, de forma tão natural e tranquila como se o perguntasse a que horas poderia comer chocolate, o fizeram tomar um bom tempo antes de formular uma resposta. Os olhos verdes de Gaara analisavam os respingos de sangue no antebraço e punho esquerdos de Jun e a maneira como os dedos dela agarravam com força a arma e o dedo indicador ainda permanecia no gatilho.

— Jun, certo? — ele questionou como se não soubesse o que dizer e, realmente, não sabia. — É melhor ir se limpar... Você está suja, então... — ele se sentiu inquieto ante o olhar curioso que ela lhe lançou. — Todos estão dispensados por hoje.

  Ela apenas piscou lentamente e franziu o cenho, como se não pudesse associar o que ele queria dizer. Houve um brilho de alarme no olhar dela e aquilo o incomodou mais ainda, mas repentinamente ela apenas inclinou a cabeça e sussurou:

— Se eu fosse você, atiraria naquele cara lá na frente... Antes que ele se torne um problema. E também, ele não cala a boca.

  Ela girou a cabeça e observou o homem caído que ainda se arrastava para qualquer canto onde pudesse ter proteção, mordeu o lábio inferior e conteve a vontade de ajudá-lo a se livrar de sua dor e de seus gritos definitivamente. Ele não fora forte para impedir o primeiro ataque, não resistiria se alguém simplesmente atirasse em sua cabeça.

  Quando Jun finalmente se virou e trilhou seu caminho até o alojamento, Gaara relaxou o corpo minimamente, levou as mãos à cabeça e massageou a nuca enquanto atravessava a grama alta até o rapaz que agora estava sentenciado à morte. Encaixou a arma no coldre pouco depois de ter disparado e ainda tremia ao checar se a pistola estava bem presa à sua cintura, pois sentia o medo à espreita, ameaçando paralisá-lo novamente e consumir sua mente com o que havia acontecido.

  Pela primeira vez em um longo tempo, sentiu a necessidade de fumar um cigarro até que suas mãos parassem de tremer e até que sentisse que poderia caminhar normalmente. Desviou a atenção dos olhos esbugalhados e mortos do rapaz e encarou o cadáver do contaminado: dos buracos no joelho e no peito jorravam sangue em abundância e a expressão de horror estava eternizada no rosto sujo e com veias finas roxas saltando na pele. Como uma criança de nove anos fez isso? Isso é... insano demais.

  Foi ali que ele soube que as coisas fugiram do controle porque Jun quis assim e ela não hesitaria em fazê-lo novamente, e Gaara não queria descobrir o que a motivara, somente não queria estar por perto se acontecesse.

  Não, não se acontecesse. Não era a palavra certa; quando soava assustadoramente melhor.

                                       ¶ [13:54] 7/12 — Agora, Zona 3, Muralha, Nakanocho

  É um belo dia. Um belíssimo dia para destruir relacionamentos e foder com a cara de alguém, sim senhor... É um ótimo dia.

  Minha mente ainda repetia incansavelmente o que havia acontecido há pouco na guarita e marchei pelos corredores até encontrar meu quarto. Naquele instante, senti falta dos tempos fora destes muros, onde tudo se resumia às minhas decisões e ninguém me incomodava por isso, também nada de crianças correndo nos corredores e suas vozes infantis preenchendo o lugar, nada de crises existenciais de Karin ou de Uchiha.

   Aquela era a melhor parte.

  Revirei os olhos quando o avistei, há poucos passos adiante e com uma expressão irritada em seu rosto. Novidade... Deve estar na seca. Isso explica muita coisa.

— Agor...

  A primeira coisa que eu registrei foi que meu rosto estava morno, depois que eu estava no chão e que o gosto de sangue encheu a minha boca. A quarta coisa que eu consegui entender é que o chão era frio e confortável e amansava aquela dor crescente no lado direito do meu rosto.

  Senti que meu corpo foi levantado e vi o mundo girar quando minha cabeça bateu com força contra algo duro – talvez a parede -; abri a boca e senti dessa vez que o mundo ia girar mais uma vez e um grunhido escapou dos meus lábios. Abri os olhos e tudo o que focalizei foi o rosto ensandecido do Uchiha enquanto ele gritava o que quer que fosse e o canalha continuava a bater a minha cabeça contra a porra da parede. Não acredito que estou levando uma surra dele.

— Eu não sei do que você está... falando!

  Era a frase perfeita, afinal eu realmente não sabia o que ele falava ou vociferava. Aos poucos a dor no lado direito do meu rosto se tornou incômoda e segurei o pescoço do Uchiha com força e o empurrei quando ele trincou os dentes. Num movimento automático, me lancei contra ele e o empurrei contra a parede dessa vez, em seguida dois socos de esquerda e um de direita em suas costelas.

(Comin’ home)

  Ele revidou com um golpe no meu estômago e encaixou seus braços ao redor do meu pescoço, numa chave. Reaja! Grunhi de dor quando senti a joelhada na minha barriga e o ar escapou rápido demais dos meus pulmões, soquei seu flanco esquerdo com o máximo de força que podia, mas o desgraçado não diminuia a força que exercia nos braços.

  Um berro de dor – talvez meu ou dele -, escapou quando senti meu corpo sendo puxado bruscamente e mãos me seguravam pelo peito e pelo ombro, mas tudo o que eu focalizava era ele. Uchiha. De pé, escorado na parede e apontando o dedo na minha direção, enquanto gritava alguma coisa.

  Eu não dava a mínima para o que ele estava falando, mas a merda havia virado pessoal. Surrá-lo era uma questão de honra.

  Quando me atirei em sua direção outra vez, empurrei com força os pares de mãos e braços que tentavam me conter e, quando ouvi o baque absurdamente alto da sua cabeça batendo contra a parede, desferi um soco em seu rosto e uma cabeçada com força.

  O mundo girava, mas não me impediu de desferir uma joelhada no rosto do Uchiha enquanto ele deslizava pela parede, tão atordoado quanto eu. Cuspi em sua direção quando ele tentava se levantar e não senti remorso nenhum ao chutá-lo com força no estômago três vezes.

  Novamente os pares de mãos e braços me puxavam, mas eu ainda não havia acabado com ele. O Uchiha levantou com ajuda, mas seus olhos continuavam irados e focados em mim.

— NÃO SABE APANHAR, HÃ, SEU DESGRAÇADO FILHO DA MÃE?! — gritei debochado e sorri com escárnio quando ele se agitou, há pouco mais de cinco passos de distância. — ANDA! EU AINDA NÃO ACABEI COM VOCÊ!

— FIQUE LONGE DELA, SEU FILHO DA PUTA! OU EU...

— VAI ME MATAR? TENTA A SORTE!

  Não conseguiram contê-lo e sorri ainda mais quando ele ergueu os punhos. Eu precisava daquela ação, precisava de uma válvula de escape e o Uchiha já havia me dado motivos suficientes para mandar ao inferno as regras e o bom costume. Portanto, enquanto trocávamos socos e pontapés, tudo o que eu sentia era meu corpo queimando de dor e de adrenalina.

  Embora meu estômago reclamasse todas as vezes em que eu me esquivava repentinamente ou recebia outro soco, consegui me esquivar o suficiente para ficar atrás dele e travá-lo com uma chave de pescoço. Exerci o máximo de força que conseguia e grunhi de dor quando ele desferiu cotoveladas contra minhas costelas e minha barriga, da melhor maneira que conseguia.

  Foi quase engraçado assisti-lo perder o ar e gastar suas energias tentando se livar de mim. Pisquei fortemente quando um rastro grosso de sangue passou pelo meu olho esquerdo e senti o contato gélido do cano de uma arma na minha nuca logo em seguida.

— Solta ele. Anda.

  Franzi o cenho e virei minimamente a cabeça, apenas o suficiente para perceber que era a Hyuuga que segurava a arma e não havia blefe em sua voz. Sorri com isso. Ela não vai fazer isso. É contra os princípios de boa moça dela.

— Não se meta.

— Eu não estou pedindo.

  Quando ouvi o som da arma sendo destravada, meu corpo enrijeceu automaticamente e apertei ainda mais os braços ao redor do pescoço do Uchiha. Cerrei os dentes quando a arma foi pressionada com mais força contra a minha pele. Merda!

  Com relutância, afrouxei os braços e o Uchiha tossiu ruidosamente e se afastou, Shikamaru e Yahiko o seguraram e murmuraram algumas perguntas rapidamente. Assim que o Uchiha recuperou certo fôlego, ele me encarou e repetiu as mesmas palavras:

— Fi... Fique longe... dela...

  Relaxei um pouco quando não houve mais pressão na minha nuca e girei o corpo para encarar Hinata Hyuuga. O olhar firme e preocupado que ela me lançou aumentou a minha irritação; não houve troca de palavras ou olhares depois disso, senti a mão morna dela apertando meu pulso e me arrastando pelo corredor para longe.

  O silêncio perdurou quando entramos no quarto dela e enquanto ela passava um algodão úmido na minha testa e na lateral do meu rosto com cautela. Tudo o que fiz foi observar enquanto minha mente dava voltas sobre o que diabos havia acontecido. Pense, filho da puta... Pense...

— Ei!

— A culpa não é minha — ela retrucou sem desviar os olhos do alto da minha testa enquanto pressionava uma gaze ali. Minha mente oscilava entre o olhar severo da Hyuuga e as palavras enraivecidas do Uchiha. Pense, Naruto... Ele nunca agiria desse modo. Ande... — Aquilo tudo foi para valer, não foi?

  A pergunta dela interrompeu bruscamente meus pensamentos e ergui a sobrancelha esquerda da melhor maneira que pude. Tentei formular alguma resposta coerente, mas tudo se aproximava do redundante “Sim”.

— Foi — murmurei e ela apenas mordeu o lábio inferior.

— Por que vocês se arriscaram tanto? Eu quero dizer, todo mundo estava olhando e tinha algo sério ali quando vocês simplesmente... — ela balançou negativamente a cabeça e apertou um pedaço de gaze úmida sobre meu rosto. — Por que você não parou?

  Boa pergunta. Resposta: porque eu não queria parar até que ele estivesse morto ou bem perto disso. Mas por que ele não parou também? O que ele queria fazendo aquele show? Encarei a Hyuuga e ela suspirou enquanto me olhava como se eu fosse um idiota inconsequente e impulsivo, esfregou algum creme nos ferimentos e se afastou.

  Houve uma pequena parte minha que odiou quando ela se afastou repentinamente.

— Isso tudo foi pela Sakura?

  Franzi o cenho e ela me encarou com certa desconfiança, se aproximou e colocou um pano gelado sobre a minha testa. O contato térmico era agradável e me fez fechar os olhos com calma. Matemática simples, garoto: um líder desesperado por um nome mais um imbecil que não segura o que tem no meio das pernas, adicione uma garota disposta a matar e morrer por esse imbecil e acrescente uma bela briga com outra garota defendendo o idiota... Igual a...

— Filho da puta.

  Levantei bruscamente e me odiei por ter caído no jogo sujo do Uchiha com tanta facilidade. Filho da puta, desgraçado doente! Chutei com força a primeira coisa que avistei e grunhi irritado quando senti o olhar assustado da Hyuuga sobre mim. Ela pôs as mãos no meu rosto e me incomodei com seu toque, mas ela insistiu.

— Se acalma ou vou enfiar uma bala no seu joelho. — A ameaça me fez sorrir brevemente, ela passou os dedos no ferimento acima da minha sobrancelha direita - presente do gancho do Uchiha -, limpando o rastro rubro que manchava a minha pele. — Agora... O que aconteceu ali, aquilo tudo foi por causa da Sakura?

— Ele colocou um alvo em você, Hinata. Tudo o que aquele desgraçado queria fazer era desviar a atenção do Kakashi e ele conseguiu. — Falei sem conter a raiva ou o cinismo que aumentavam rapidamente, segurei as mãos dela e as afastei do meu rosto em seguida. Droga, droga, droga! — Eu também fui idiota! Inferno!

— O que o Kakashi tem a ver?

— Ele queria saber o nome da garota que fez o Uchiha abandonar o posto, Hinata... — ela franziu ligeiramente o cenho e então a compreensão a abateu rapidamente. — Você não deveria ter apontado a arma para mim.

  Não houve mais nada além do silêncio, pois a confusão dela e o meu ódio eram palpáveis. Agora havia ficado realmente pessoal.


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Notas finais do capítulo

YOOOOOOOOOOOOOOO!!
Milhares de anos depois, ressurgi das trevas.
Desculpem pela imensa demora, algumas mudanças aconteceram na minha rotina e até que eu conseguisse outro computador, levou um tempo. Espero que tenham gostado do capítulo e da guinada da fanfic.
Tentei focar no relacionamento do Naruto com a Hinata e no comportamento da Jun, ela é realmente a minha personagem favorita até o momento... A estória teve um salto temporal de dois meses, basicamente não valia a pena escrever que eles ficaram em observação até que conquistaram o direito de atuar dentro da Muralha, então o modo como Naruto age com a Hinata permanece do mesmo: leve e próximo.
Enfim, espero que tenham gostado das músicas e também do que propus. Não prometo postagens rápidas, porque a rotina está muito puxada, mas estou escrevendo aos poucos. Obrigada por acompanhar a fanfic. Até o próximo!
o/



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