Terminei a prova com a sensação de dever cumprido e comecei a andar meio sem rumo pelo campus. Ainda está bem claro e eu já estou chegando perto dos trilhos do trem quando as preocupações não param de tomar minha cabeça. Se os garotos resolverem escolher a garota, então, aí sim eu estou morto.

Talvez a história da promessa não passe de uma desculpa para a minha covardia. Não pode ser tão difícil, mas com a minha posição social de agora qualquer vacilo vai virar motivo de fofoca e brincadeiras por, não sei, o curso inteiro. Além disso, é bem divertido dar uns amassos com a garota e simplesmente dispensá-la, como se ela não fosse boa o suficiente pra merecer qualquer coisa a mais de mim. Certo, Caio, isso foi ridículo. Estou começando a suar e começo a cogitar estudar qualquer coisa para refrescar minha mente.

Deus, eu devo estar mesmo em desespero.

Passo por entre as árvores até a pista de caminhada, ainda decidindo para onde ir. Devem ser essas andanças a esmo que deixam minha resistência tão boa na piscina, afinal. Piscina, é isso! Começo a correr um pouco para alcançar o lugar, ansiando por que a água me relaxe a ponto de esquecer toda essa história ridícula. Atravesso a cerquinha e arremesso a camisa e a bermuda em qualquer lugar antes de colocar a sunga.

O calor esquentava a água o suficiente e, mesmo com o sol já se pondo, o lugar estava bem agradável. Por ser segunda-feira, o ambiente estava praticamente vazio e eu aproveitei o espaço livre para treinar as braçadas. Entre uma série e outra, ouço passos emborrachados no calçamento ao redor da piscina. Assim que ponho a cabeça para fora da água, vejo Marcelo, Eduardo e Marcos sorrindo sob a luz fraca dos postes.

– Caio? – Marcelo me chama para a borda da piscina. Alcanço-a em poucos segundos e apóio-me pelos cotovelos para escutá-lo.

– Estávamos pensando que talvez seu desafio tenha sido mal pensado – Eduardo começa a dizer e eu quase afundo na água.

O que aquilo queria dizer? Não vou ter que quebrar minha promessa ou mentir para os meus amigos? Estou quase dando puxando-o para um abraço de agradecimento quando ele volta a falar.

– Você topa uma mudança no desafio? – Consigo ver suas sobrancelhas se erguendo no escuro.

– Claro que sim! – Eu rio, pensando se haveria resposta mais óbvia que essa no mundo.

Eles trocam olhares mais uma vez e sorriem.

– Eu disse que ele ia topar! – Marcos se gaba. – Tu perdeste. Aquela gordinha da casa de portão azul quase me agarrou ontem! Nunca corri tanto.

 Reviro os olhos e começo a sair da piscina, passando a toalha seca pelo cabelo.

– Então, qual a nova regra? – pergunto, preparando-me psicologicamente para ter que correr da senhora gordinha à qual Marcos se referiu. Ou para ter que tomar não sei quantas doses de qualquer coisa, ou fazer qualquer coisa.

Qualquer coisa esta que não envolva eu e três mulheres entre quatro paredes. Que maravilha.

– Dadas as circunstâncias, – responde Marcelo em um tom formal – decidimos que nós poderemos escolher o lugar e você poderá escolher a garota.

 Lugar? Garota? Eu poderei escolher qual campainha tocar, então? Ou escolher qual garota fará o drink e eles escolherão a boate?

Percebendo meu olhar perplexo, Eduardo volta a explicar as coisas.

– Isso. Você tem até quarta-feira pra escolher a garota. Nós já decidimos que vai ser no Fliperama que nós fomos semana passada. Lembra daquela salinha que tem o vídeo-game e a mesa de totó?

Eu assinto, já vestindo a bermuda por cima da sunga molhada.

– Então. É lá que você vai dar seu showzinho. – Ele sorri. – Tem uma salinha antes com uns sofás maneiros. A gente vai sentar lá e comer qualquer coisa enquanto te espera comer outra coisa – ele diz e os garotos riem.

Comer outra coisa. Acho engraçado o quanto as coisas podem piorar em alguns minutos. Ontem, por “alguns minutos” eu arrisquei promessa pela minha vaga na faculdade. E agora, por “alguns minutos” eu vou ter que “dar um trato na garota” dentro de uma sala de jogos.

– E como vocês vão saber se o serviço foi feito certo? – Dou um sorriso fraco.

– Não escutou o que ele disse, sonso? – Marcelo revira os olhos. – Estaremos do lado de fora, escutando tudo que você disser... – Ele agora enumera os itens nos dedos. – Disser, fizer, derrubar, etc.

Os rapazes começam a rir e eu penso por alguns segundos. O que é um corte pra quem está todo mutilado?           

– Tudo bem. – Dou de ombros.            

– É esse o espírito! – Eles dão tapinhas nas minhas costas depois que eu visto a camiseta úmida.

– Isso vai ser mais divertido que ver Marcos saltando de quintal em quintal – Marcelo diz, seu sotaque mineiro carregando algumas palavras. Marcos parece um pouco em dúvida, mas em seguida acompanha os outros nas risadas.

Pode apostar que vai. E bem mais complicado também.

– A gente vai tomar alguma coisa no Leão. – Escuto a voz de Eduardo dizer quando já estou quase atravessando a cerca de metal da piscina. – Você não quer vir?

Viro-me para eles e solto o ar – que eu nem havia me dado conta de estar segurando.

– Treinei bastante hoje – digo, encarando o relógio de pulso de um jeito quase teatral. – Preciso descansar um pouco, mas podem ir. Talvez eu encontre com vocês mais tarde. – Eu aceno, batendo a portinha de metal atrás de mim.

Enquanto ando de volta para casa, faço uma lista mental das minhas prioridades. Preciso ir bem cedinho ao Fliperama para dar uma olhada no espaço, nem que seja por pura precaução. Depois, não seria má ideia pensar em uma garota para levar lá.

Mas como eu vou saber o tipo de coisa que eu vou ter que imitar pra fazer tudo parecer real? Baixar um filme está fora de cogitação, porque além de ir contra a promessa, o outro imbecil que mora conosco, Felipe, atrasou a conta da internet. Ir tomar alguma coisa no Leão está totalmente fora da minha lista, mas ligar para Vanessa?

Está em primeiro lugar.