Constante De Laura escrita por Renata


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Mais um, o mais longo até agora.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/406440/chapter/5

Laura demorou para conseguir abrir a porta de casa. Talvez porque ela estivesse nervosa, e talvez porque ela estivesse espiando o garoto discretamente por cima do ombro. Ou talvez as duas coisas.

“Ok. Eu estou mesmo pensando que esse cara é... Bem, extraterrestre?”

Laura tentava se convencer de alguma coisa.

“Não. Um maluco que topou fazer alguma experiência da NASA, é isso.”

 Assim que a porta cedeu à chave, Laura a empurrou, e abriu espaço para que o garoto passasse. E ele não entrou. Laura bateu um dos pés no chão, ansiosa e então bufou indignada, e acabou por entrar antes que o garoto mesmo. Assim que ela passou pela porta, o garoto voltou a segui-la. Dom atravessou o pequeno corredor que levava aos cômodos da casa como um raio, apenas parando menos de dois segundos para encará-los e Laura se perguntou de onde é que ele tinha surgido.

A menina sentiu que seu estômago estava reclamando, afinal ela ainda não tinha almoçado. Parou no meio do caminho que levava à sala, e ficou pensado no que deveria fazer. O garoto parou ao seu lado, olhando para seu rosto atentamente. Laura contorceu as feições e se dirigiu à cozinha.

Laura abriu a porta do micro-ondas e viu um prato que parecia saboroso: Arroz branquinho, batatinhas fritas, feijão, e na geladeira, com toda certeza, uma linda salada. A menina amava quando a mãe deixava seu almoço pronto, e era só esquentar. E ela já estava prestes a fazer isso quando se lembrou do garoto.

Ele estava parado em pé, no meio da cozinha, sem dizer uma palavra se quer, parecia cansado e provavelmente com fome. Laura resolveu ligar o micro-ondas e esperar até que o almoço ficasse quentinho. Enquanto isso, foi até o armário e abriu a gaveta com as talheres, pegando um par de garfos e um de facas. O menino apenas observava tudo atentamente, ás vezes fazendo uma cara que Laura julgou como confusão. O apito que anunciava que o micro-ondas já tinha feito o seu trabalho fez se audível, e Laura correu para tirar o prato de lá. Seu estômago se animou ao sentir o cheiro da comida, e ela colocou o prato sobre a mesa, do lado oposto ao qual iria se sentar.

-Senta aí. - Ela disse para o menino, apontando para a cadeira.

Ele não se moveu.

“Ótimo.” Pensou Laura.

Foi até o garoto e arrastou um pouco a cadeira para ele. Ele apenas observou o que Laura fazia, mas nem manifestou uma ação qualquer que indicasse que iria se sentar. Laura estava ficando irritada, e sentir o cheiro da comida fazia sua paciência começar a se esvair. E então ela decidiu fazer uma coisa. Apesar de hesitar um pouco, Laura por fim colocou as duas mãos nos ombros do garoto e praticamente o empurrou para a cadeira. Funcionou. O menino finalmente se sentou e continuou a olhar para Laura, mas dessa vez com um pouco de espanto. A garota, por sua vez, empurrou o prato e as talheres para mais perto dele. E ele não fez nada. Laura não conseguia acreditar naquilo. Como ele podia ignorar batatinhas tão perfeitamente fritas? Ela até pensou em pescar algumas delas de volta. Mas antes que o seu lado impulsivo vencesse a batalha  contra o seu lado racional, que tentava impedi-la de tomar as batatinhas do garoto, se lembrou que na geladeira também tinha um pedaço de empadão, do dia anterior, mas que não seria nada mal.

Laura fez todo o processo de micro-ondas novamente, e se sentou à mesa. O garoto ainda não tinha tocado no prato, e também não tinha se movido um centímetro na cadeira. Pelo menos não o seu corpo, porque os olhos percorriam a cozinha toda, de repente, seus olhos pararam novamente em Laura, que pigarreou baixinho e levantou seu garfo, desejando um bom apetite silencioso, e passando a atacar o empadão à sua frente.

O menino pareceu finalmente compreender o que estava acontecendo, pois ficou olhando para o prato, que ainda soltava fumaça á sua frente. Pegou o garfo e começou a comer. Primeiro, parecia um pouco receoso. Mas depois que provou a primeira batatinha começou a comer bem depressa.

- Você estava mesmo com fome. - Laura disse sem esperar resposta, e essa é claro, não veio. Tudo o que viu foi as batatinhas sumirem.

A menina terminou o empadão também, então sentiu sede. Se levantou da mesa e apanhou dois copos, e novamente na geladeira, pegou uma jarra com suco de uva. Encheu os dois copos e empurrou um para o garoto, que o agarrou com as duas mãos. Laura tomou o conteúdo de seu copo quase num único gole, e o menino que estava sentado bem na sua frente quase engasgou assim que provou um pouco do suco. Ele parou o que estava fazendo, franziu o cenho e depois voltou a tomar o líquido roxo. Laura sentiu vontade de rir, mas se conteve. Quando ele soltou o copo, Laura juntou a pouca louça na mesa e lavou tudo bem rápido. O menino, obviamente, não fez nada, nada além de ficar observando tudo o que podia.

Laura terminou de empilhar a louça no escorredor, secou as mãos e se virou novamente para o menino, que agora tinha o olhar fixo no chão. Laura acompanhou a linha de seu olhar e percebeu que Dom estava embaixo da mesa, ronronando e se enroscando em suas pernas. Laura recolheu Dom do chão e se dirigiu para o seu quarto, e de alguma forma, como ela já esperava, o garoto a seguiu.

Assim que chegaram ao seu quarto, Laura observou com o canto dos olhos o menino que estava ao seu lado. Percebeu que ele era um pouco mais baixo que ela, e que seus cabelos possuíam cachos grandes e bem feitos, quase dourados. As listrinhas de seu macacão branco eram azuis escuras, e se estendiam dos ombros até as pernas. Parecia uma roupa de astronauta, como Laura não pode deixar de notar.

“O mais legal dessa roupa são os coturnos, com toda a certeza.”

Os olhos de Laura passaram dos coturnos de cano médio bem amarrados e engraxados do menino para os seus tênis sujos.  Resolveu ignorar aquela situação e largou Dom no chão, que saiu andando devagar para algum de seus inúmeros esconderijos felinos. Laura parou em frente à sua escrivaninha, que ainda estava muito bagunçada. Empurrou uma pilha de livros para um canto, e pegou o de Português e o de História. Puxou de uma pilha também um caderno velho, equilibrou algumas canetas, lápis e uma borracha sobre os livros, assim que se virou para deixar o quarto, quase esbarrou no garoto, que estava bem ali, observando a escrivaninha.

Ele finalmente se atreveu a fazer mais do que apenas olhar, passou as pontas dos dedos por cima da madeira da escrivaninha e depois pelos livros amontoados. Parou com as mãos em cima de um porta-retratos, onde tinha uma foto, onde estavam Laura e seus pais em uma festa. Ele passou os olhos da foto para Laura e de Laura para a foto. Depois pegou um papel cheio de desenhos que Laura tinha feito em uma aula tediosa. Laura desviou dele segurando a pilha de materiais. Laura se dirigiu para o seu lugar favorito na casa, depois de seu quarto, é claro. O sótão.

Assim que Laura subiu os degraus que levavam á edícula da casa, ela ouviu passos apressados lá embaixo, e logo o garoto apareceu no seu encalço. Laura ascendeu a luz, iluminando o cômodo. Jogou os materiais em cima de uma mesinha velha de madeira e arrastou uma cadeira. O menino ficou em pé, ali perto, e Laura resolveu que deveria tentar fazer os seus exercícios atrasados. Começou a passar as páginas de “Manual de Língua Portuguesa” com desânimo, e ainda tentava entender o que a tinha levado a recolher um garoto esquisito, que não falava, e que estava num micro-ônibus mais esquisito ainda, para dentro de casa. Enquanto divagava sobre as possibilidades, percebeu que uma mão pousava sobre o livro de História sobre a mesa. Os dedos do menino se fecharam em torno do livro, e ao seu lado, Laura ouviu um baque surdo.

O garoto havia se jogado e estava sentado com as pernas cruzadas no melhor estilo índio e estava analisando o livro de Laura. E Laura o observou curiosa enquanto ele abria o livro no capítulo que retratava a Pré-História.

Laura realmente conseguiu se envolver com as suas lições de casa, porque só se deu conta de que horas eram quando observou pela janela o carro que pertencia aos vizinhos, que chegavam em casa por volta das quatro da tarde. Ela fechou o caderno velho e apanhou os livros. Tentou empurrar a cadeira, mas percebeu que o garoto ainda estava sentado ali, com livro de História aberto nas mãos, e ele já estava no capítulo sobre os diversos povos mesopotâmios. Laura se perguntou se ele estava entendendo alguma coisa. Com cuidado se levantou e atravessou o sótão, descendo as escadas e largando os materiais novamente sobre a escrivaninha do quarto. O garota a seguiu, e estava parado bem diante dela, com o livro de História ainda aberto. Laura o pegou de sua mão delicadamente, marcou a página do livro onde ele estava com o papel cheio de desenhos.

- Acredita que eu estou como fome?- Laura disse para ele, e foi para a cozinha, sem esperar por sua resposta, apenas esperava que ele a seguisse novamente.

Dessa vez, Laura não precisou empurrar o menino para a cadeira. Ela preparou dois achocolatados, pois a aquela altura da tarde, Curitiba já tinha mudado de clima e começava a esfriar um pouco. Colocou um potinho decorado sobre a mesa, e dentro deles, biscoitinhos amanteigados esperavam par ser devorados. Assim que pegou o copo, o menino pareceu sentir o quente em trono de seus dedos, pois o soltou e juntou as sobrancelhas.  Depois o pegou novamente e começou a assoprar o achocolatado.

Depois de biscoitos, Laura resolveu conferir o relógio da cozinha. Se assustou ao ver que já eram  16:30. Sua mãe chegaria da biblioteca às 17:00 e seu pai não demoraria para deixar o escritório também. Seu estômago se congelou, e ela encarou o garoto a sua frente, que comia um biscoitinho.

“Ele não podia voltar para aquela coisa no bosque”. – Laura pensou.

“E meus pais iriam surtar ao ver um cara dentro de casa, mesmo que ela pareça mais novo que eu.”

Laura decidiu que precisaria escondê-lo. E o sótão parecia o melhor lugar. Ninguém quase nunca ia até lá, exceto ela, e também nos dias de faxina geral.

“No sótão tem um sofá velho, mas em bom estado, que pode muito bem ser uma cama.”

Laura esperou o menino terminar o seu achocolatado, e então passou a colocar o plano em prática. Pegou um pote no armário, e nele colocou um bom pedaço de empadão que ainda sobrara na geladeira. Encheu uma garrafa com água e pegou um copo, garfo e faca. Enrolou tudo num pano de prato, adicionado também uma maça. Correu com todas essas coisas para o seu quarto, largando tudo em cima da escrivaninha, driblando o seu material escolar. O menino já estava na porta do quarto quando ela puxou de uma porta de seu armário de roupas um cobertor cor-de-rosa cheio de desenhos infantis. Tentou encontrar também alguma roupa, mas depois desistiu, e foi até o quarto de seus pais, voltando de lá com um moletom, uma camiseta de pijama e um casaco velhos.

Laura consegui equilibrar tudo nos braços como pode, e subiu os degraus que levavam ao sótão. Por Deus ela tinha se lembrado que ele tinha uma chave e ela poderia trancar a porta, por precaução. Forrou o sofá com um lençol que encontrou dentro de uma gaveta de um pequeno móvel, e por sorte, encontrou também travesseiros. Esticou o cobertor por cima do sofá e suspirou.

O menino estava parado no meio do sótão, olhando tudo o que podia. E Laura resolveu indicar onde tinha um pequeno banheiro, que ficava num cantinho do sótão.

- Cara, você vai ter que dormir aqui, no sótão. E não vai poder sair daqui, eu sinto muito...

O menino encarou Laura por longos segundos, e Laura suspirou frustrada.

-Espero que esteja entendendo. Eu vou trazer o livro de História pra você.

Laura saiu do sótão e voltou tão rápido que nem deu tempo de o garoto perceber o que ela fazia. Nas mãos trazia o livro que prometera e um abajur. Colocou-o  numa tomada, perto do sofá e entregou o livro para o menino. Laura se deixou cair no sofá, com as mãos apoiadas no rosto.

-Se você me entender... – Laura implorava que sim - Me promete que fica aqui quietinho, sem fazer barulho?

O menino ficou imóvel, apenas a olhando. E ela soltou um suspiro leve.

-Amanhã antes do colégio, eu passo aqui, eu juro.

O barulho do portão ecoou lá embaixo e Laura espiou por entre as cortinas da edícula, sua mãe já estava na calçada.

Laura correu até a porta, e antes de fechá-la, deu um aceninho para o menino, que apenas curvou os lábios de leve, para cima, parecendo um sorriso. Laura fechou a porta, e a trancou, guardando as chaves no bolso. E então desceu correndo para a entrada de casa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então? Laura, o que você vai fazer?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Constante De Laura" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.