Os Dezoito Andares escrita por AAJ


Capítulo 2
Décimo Sétimo Andar




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            Enquanto toda essa confusão acontecia na vida (ou na morte) de Adam, o senhor idoso do décimo sétimo andar via as notícias do canal cinco enquanto sua cuidadora preparava seu almoço na cozinha, preocupada se os filhos haviam chegado bem em casa.

            O senhor, que um dia fora jovem, queria novamente ter a bela vida que tinha antes. Queria sua adorável esposa de volta, mas a mesma havia sido levada pela velhice. Queria cuidar de seus filhos novamente, mas agora os mesmos sequer tinham paciência para fazerem uma ligação para o pai. Queria respirar fundo de um ar puro e correr na praia como há muito tempo não fazia.

            Para ele, não precisava estar morto para se ter um descanso eterno. Bastava somente envelhecer. Tendo ou não doenças, não se sentia mais o mesmo. Não tinha mais força, nem vitalidade, e ousava dizer que nem tinha mais uma vida.

            Apenas existia.

            Existia para ser tratado como uma criança que não tinha noção das coisas, como se seus oitenta e cinco anos não fossem nada.

            Ninguém o dava ouvidos além de seus netos. Há tempos pedia humildemente uma única fotografia de sua esposa, mas que jamais havia chegado em suas mãos. Tudo o que falava era motivo de riso ou de deboche por parte de seus filhos, pessoas a quem ele havia dedicado sua vida para chegar no momento que mais precisara e ganhar esse tratamento fútil em troca.

            A morte seria satisfatória naquele momento de abandono. Do que adiantava seus filhos pagarem uma cuidadora, boa comida e um bom apartamento se nunca o desejavam um “bom dia” ou perguntavam como ele estava? Quando sua hora chegasse, tinha certeza absoluta: seu nome seria muito bem pronunciado e abençoado. Diriam com os olhos marejados, “sinto falta de meu pai”.

            Ele podia dizer nesse momento enquanto ainda estava vivo que sentia falta de seus filhos. Não adianta ser santificado quando morto, se quando vivo era apenas uma despesa para os filhos.

            Era isso o que se passava na mente cansada do senhor Oliveira. Ele gostava muito do seu nome: Augusto Oliveira. Lembrava-o de seus próprios pais, de sua própria infância, de sua própria história. Mas agora não passava de um avô, apenas existindo para alegrar e brincar com seus netos.

            Seus netos eram sua maior alegria, pois talvez fossem os únicos que o entendiam ou que se importavam o suficiente para tentarem entendê-lo com suas mentes infantis que não processavam por completo o tormento do avô.

            A cuidadora chamada Cintia derrubou algumas panelas assustando o senhor Oliveira, concentrada demais no seu amor materno que gritava alto. A preocupação e a raiva por ser obrigada a deixá-los andando por aí, sozinhos à própria sorte, deixavam-na aérea. Queria não precisar daquele dinheiro, ser estável economicamente para poder curtir seus filhos levá-los para a escola, buscá-los, mimá-los, ser mais participativa, fazer o café da manhã e ser a melhor mãe do mundo.

            Apesar de não ter tido a chance de fazer metade do que queria, seus filhos a viam como uma rainha. Adoravam sua mãe e todo o sacrifico que ela fez para mantê-los com uma vida estável, tendo escola boa e comida na mesa. Não tinham a presença de uma figura paterna, mas isso não importava.

            Tinham sua mãe afinal.

            E um dia antes do senhor Oliveira se juntar à sua esposa, seus netos o presentearam com uma caixa amarela embalada por um grande laço vermelho. Ao desfazer o laço com seus movimentos lentos e mãos calejadas, o senhor Oliveira sorriu satisfeito.

            Lá estava, todo decorado com cola colorida e gliter, uma dedicatória escrita com uma caligrafia infantil e giz de cera azul, um álbum de fotos de seu casamento.


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