La Revenge escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 23
A hora mais escura do dia...




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“A hora mais escura do dia é a que vem antes do sol nascer”
Provérbio árabe


Araci foi para os fundos da casa ver como ia o andamento do serviço. Em um espaço aberto, Mônica espalhava com as mãos esterco de vaca para que secasse. O serviço estava quase completo e tudo parecia em ordem.

Olhando para o rosto da moça, ela não viu o menor sinal de emoção, nem mesmo nojo ou repulsa como era de se esperar. Era preocupante considerando que Mônica estava em sua casa há mais de uma semana e as aulas iam começar dentro de poucos dias. Ela não podia começar o semestre daquele jeito.

Quando a viu pela primeira vez, Araci ficou preocupada. A moça estava encurvada, pálida, abatida e sem nenhum brilho nos olhos. Mais parecia um robô que só fazia o que lhe mandavam e nada mais. Falava pouco e apenas escutava alheia enquanto seus pais faziam milhares de recomendações desnecessárias.

Vários dias se passaram sem que houvesse nenhuma mudança. Ela apenas fazia o que era ordenado e pronto. Não questionava, não reclamava, só obedecia. Aos poucos ela estava aprendendo a fazer bem o serviço, mas Araci não se preocupava com esse detalhe e sim com o estado emocional daquela jovem.

- Você já acabou?
- Acabei. – a moça respondeu mecanicamente.
- Que bom. Vá lavar as mãos que eu vou fazer um café para nós. Tem umas broinhas de milho que você vai gostar.

Ainda sem esboçar nenhuma reação, Mônica levantou-se dali para se lavar. Ela se sentia oca, vazia. Toda sua emoção foi escoada depois que seus pais a deixaram ali e foram embora. Quando se despediram, ela teve a impressão de que eles nem pareciam tristes. Talvez até estivessem aliviados por se livrarem de um problema como ela.

Seus amigos que ficaram no limoeiro já devem tê-la esquecido totalmente. E ela também estava sem o Cebola, que no pior momento da sua vida tinha lhe virado as costas para ficar com a Irene. O que mais sobrava? Talvez nada e era isso que a deixava totalmente apática.

Pelo menos D. Araci era boa pessoa e não a bruxa velha e rabugenta que tinha pensado no início. Ainda bem, porque ela tinha o pressentimento de que ia ficar ali pelo resto da vida, esquecida por todos.

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Mônica dormia profundamente quando acordou num salto com o despertador do celular. Todo o quarto estava escuro, tirando apenas a luz que vinha do visor do aparelho.

- Como é? Quatro e meia da manhã? Cruz credo! – ela ia voltar a dormir quando se lembrou que Araci tinha lhe pedido para acordar naquela hora.

Com os olhos pesados e tonta de sono, trocou de roupa com dificuldade e foi para a sala com uma cara péssima. Ela não estava acostumada a acordar tão cedo.

- Bom dia, Mônica. – Araci falou já pronta e bem disposta.
- Bom dia... – ela bocejou, se espreguiçou bem e depois perguntou. – Por que a gente acordou tão cedo?
- Eu quero que veja uma coisa.

Ainda cambaleando de sono, ela seguiu a senhora e as duas foram para o terreiro. Fazia frio, ainda caía o sereno da noite e estava bem escuro.

- Pra onde a gente tá indo? Não enxergo nada!
- É só me seguir que não tem erro.
- Não é perigoso andar por aqui no escuro? Vai que aparece algum tarado!
- É totalmente seguro, não se preocupe.

As duas andaram por vinte minutos quando chegaram a um pequeno elevado. Logo a frente, havia somente a escuridão. As estrelas brilhavam no céu noturno e um vento frio soprava em seu rosto.

- Por que a gente tá aqui? – ao invés de responder, Araci falou.
- As aulas começam daqui a uns dias. Você devia se animar.

Mônica não falou nada.

- Sabe, seus pais me contaram o que aconteceu na outra escola.
- Prometo que não vou brigar com ninguém. –falou desanimada demais para tentar explicar alguma coisa.
- Só me responde uma pergunta: você consegue dizer, olhando nos meus olhos, que não fez nada?

Pela primeira vez a moça esboçou reação pulando de susto e olhando Araci com os olhos arregalados. Por que ela estava falando aquilo?

- Então? Você consegue?

Apesar de tudo estar escuro, Mônica conseguia ver dois olhos brilhantes se destacando na escuridão. Aquela senhora tinha um olhar muito penetrante, era como se enxergasse sua alma. Parecia impossível mentir para ela olhando em seus olhos. Mônica deixou a apatia de lado e respondeu com convicção.

- Eu não fiz aquelas coisas, juro! Tá certo que andei sendo muito chata com a Irene, armei barraco na porta da escola e era por minha causa que ela não fazia amizade com ninguém... admito isso! Mas escrever aqueles emails desaforados e depois bater nela? Isso eu não fiz de jeito nenhum!  

Araci a fitou por alguns instantes e depois falou calmamente.

- Acredito em você.  
- Éeee? A senhora acredita mesmo? Sério?
- Claro! Você é sincera e admite seus defeitos. Se tivesse feito, sei que falaria a verdade.
- Mas lá em casa ninguém acreditou! Nem meus pais, nem meus amigos. Eles... eles... – ela parou de falar sentindo outro nó na garganta e Araci sentou-se no chão, fazendo um gesto para que a moça sentasse também
- Venha, menina. Você precisa desabafar. Tem muita coisa acumulada aí dentro que pode te fazer mal no futuro. Hora de colocar tudo para fora. – ela fez com que Mônica apoiasse a cabeça em seu colo.

Sem conseguir segurar mais, ela deu início ao pranto mais longo, sofrido e desesperado de toda sua vida. Ela chorava toda a dor, o abandono, a mágoa e a perda de tudo o que amava. Nem lhe incomodava a situação de estar chorando daquele jeito no colo de uma desconhecida. Nada mais importava.

- Isso, chore o quanto quiser. Coloque tudo para fora e limpe seu coração.

Ela chorou por muito tempo, talvez mais de meia hora, como se fosse uma criança pequena. Quem podia imaginar que ainda havia muita coisa para colocar para fora? Aos poucos foi se acalmando até sobrar apenas fracos soluços que sacudiam seu corpo de vez em quando. A índia colocou uma das mãos na sua testa e começou a fazer uma oração em pensamento. Isso fez com que ela cochilasse por uns dez minutos.

Após acordar, Mônica se sentia melhor e não chorava mais. Era como se tivessem tirado uma tonelada de sujeira de dentro do seu corpo. Ao ver que a jovem estava mais calma, Araci apontou para a paisagem ao redor e perguntou.

- O que acha? – Mônica estranhou a pergunta e respondeu olhando a sua volta.
- Não dá pra ver nada!
- Tem certeza?
- Tenho, ué! Tá um breu danado aqui!
- Claro, essa é a hora mais escura da noite!

Mônica pensou um pouco e disse.

- Que nem a minha vida...
- Acha mesmo?
- Eu nunca passei por tanta coisa ruim de uma vez só!

Araci apontou para o horizonte e falou.

- Olhe bem. O que vê?

Mônica olhou por algum tempo e percebeu que o céu estava clareando aos poucos, indicando que o sol ia nascer dentro de instantes.

- O sol vai nascer?
- Sim. Dentro de alguns minutos.
- Mas agorinha pouco tava a maior escuridão!
- Exato. Mas é exatamente na hora mais escura da noite que o sol começa a nascer e clarear o dia.

Ela ficou muda, olhando totalmente pasma para o horizonte. O tempo foi passando e o céu clareava cada vez mais.

- Assim é sua vida. O período mais escuro já passou. Está na hora do nascer do sol. Resta apenas saber se você irá ou não apreciá-lo.
- Eu quero apreciar, quero sim! Cansei de sofrer!
- Então aprenda a deixar o passado para trás, porque não dá para fazer nada. Tenha em mente que todo dia terá o nascer do sol. Mesmo que o céu esteja todo coberto com nuvens, ele sempre brilhará para todos nós.

O sol começou a despontar no horizonte, iluminando tudo ao seu redor e espantando o frio enchendo o seu corpo com um calor agradável. À medida que ele se levantava, ia iluminando a campina e Mônica exclamou surpresa.

- Quantas flores! Eu nem tinha visto!
- Elas sempre estiveram aí, mas você não as viu porque estava escuro. Agora que o dia está clareando, podemos vê-las melhor.
- E são lindas!

Araci colocou uma mão sobre seu ombro e falou de um jeito maternal.

- Eu sei que você passou por muita coisa, mas agora é hora de seguir em frente. Você vai passar por um período de grande aprendizado que lhe servirá para a vida toda. Então aproveite, se esforce e faça sua parte. A vida se encarregará de fazer o resto.
- Agora que a senhora falou, tô me sentindo bem melhor. Ih, não quero mais sofrer não, credo! Já deu!

Ela sorriu bem humorada.

- Isso mesmo, já deu e já cansou. Hora de aprender a ser feliz.
- E como se faz isso?
- Quer ser feliz? Então aprenda a olhar as flores.
- Aprender a olhar? Como assim?
- Você vai aprender com o tempo. E quando conseguir, poderá entender por que essas coisas aconteceram e tudo ficará bem outra vez. Agora vamos. Está na hora de começar o trabalho. Há muito o que fazer.

Mônica deu mais uma olhada no campo de lírios e seguiu Araci sentindo-se bem pela primeira vez em muito tempo.


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