Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 66
Catarina de las Rosas Rodriguez


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus chuchus, como vão vocês? o3o Até que eu postei rápido desta vez, não?
A única coisa ruim de postar rápido é que eu não encontro assunto para debater com vocês HUEUHHHUHUUHUEUH Mas, enfim, alguém viu as tretas com a Dilma na TV? Confesso que não assisto muito, mas esse dia eu vi e tive sorte, porque teve umas tretas da boas, hahaha! (sim, eu amo umas tretas, sorry).
Bom, o título do capítulo está meio "wat", mas foi a única coisa que eu achei para colocar :/ Tenho um bloqueio quando o assunto é título de capítulos/histórias/qualquer coisa HUAHUAHUAHUAHHAUHA
Enfim, o capítulo está ENORME, mas vocês goxtam assim, né? -qq Espero meeesmo que vocês gostem,
Boa leitura!



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Eu havia lido uma vez que, quando você acorda, não se lembra de absolutamente nada durante três segundos. E foi naquela manhã de domingo, após a festa da Marcela, que eu havia descoberto que esses três segundos são, simplesmente, os melhores segundos que alguém pode ter.

Para início de conversa, eu estava mais perdida que cego em tiroteio. Minha boca estava com gosto de cabo de guarda-chuva; todo meu corpo estava dolorido, a dor na minha cabeça estava excruciante e minha visão estava completamente embaçada.

Forcei meus olhos no ambiente e tentei me localizar. Eu estava no quarto da Marcela. Mais especificamente, na cama dela. O ambiente estava meio escuro, sendo somente iluminado por alguns feixes de luz que passavam pelas janelas. Virei a cabeça devagar, percebendo que, deitados do meu lado direito, estavam Jonas e Marcela, dormindo feitos gatos gordos.

Dei um gemido dolorido e tirei o edredom de cima de mim. Olhei para meu corpo, tomando um susto. Eu estava sem minha fantasia. Vestia uma camisola preta com babados roxos, obviamente emprestada de alguém.

Eu não fazia ideia de que horas eram e o porquê de estar ali, vestida daquela maneira. Então, para simplificar, tentei acordar Marcela.

– Hmm, oxigenada… - Grunhi, minha garganta dolorida, os olhos miúdos, cutucando a cabeça loura de Marcela. - Acorda…

Marcela devolveu meu grunhido com outro grunhido, virando-se para mim, os olhos ainda fechados.

– Quê? - Perguntou, a voz arrastada e grogue.

– Acorda… Preciso de respostas…

– Hmm - ela gemeu, ousando abrir apenas um olho. - Oi, Katrina… O que foi?

– Por que estou no seu quarto, vestindo essa camisola?

– Ah… - Ela suspirou, abrindo um sorrisinho. - Pelo o que Jonas me contou, você caiu no sono antes do ‘parabéns’. Pedro te carregou até meu quarto, onde minhas criadas te vestiram de forma confortável. Você apagou o resto da festa… - Enquanto ela ia falando, escorreguei meus pés para fora da cama, fincando-os no chão gelado. - ...Mas pedi para que guardassem doces e um, quer dizer, três pedacinhos de bolo para você.

Suspirei, sentindo-me cansada. Dei uma boa espreguiçada, erguendo meus braços e depois me curvando, tentando tocar meus dedinhos do pé.

– Hm, a festa acabou que horas?

– O último convidado foi embora uma da manhã… - Ela deu um gritinho - deuses! Meu aniversário vai ser comentado por muitas semanas ainda! - Marcela sorriu, satisfeita, e sentou-se na cama. Seu cabelo estava marcado e parecia um ninho de ratos.

Sorri para ela, mas logo senti minhas bochechas doerem. Gemi por causa disso, esfregando-as de forma bruta. Me estiquei e pressionei o interruptor perto da cama, fazendo uma luz se acender acima de nós.

– E minha mãe? Onde ela tá? - Tentei perguntar, agora estralando minhas costas.

– Ela está dormindo no quarto de hóspedes… Falando nisto, até convidei o Pedro para dormir aqui, mas ele recusou de forma educada e foi embora logo depois do parabéns. Não entendi direito, porque ele estava… Hm, estranho…– Disse ela, com um ar pensativo. Quando arqueei uma sobrancelha, sentando-me novamente na cama, ela continuou: - não sei explicar… Ele estava sorrindo toda hora, rindo sozinho às vezes. Quando o convidei para passar a noite, ele disse algo como “não posso, seria um crime para mim mesmo”. – Ela deu de ombros, indiferente. - Vai saber o que se passa na cabeça desses garotos, né?

Assenti, fechando os olhos por um instante. E foi aí, exatamente aí, que eu me lembrei do que havia ocorrido na noite passada. As lembranças me atingiram como raios, entrando no meu cérebro numa combustão indesejável. Tudo o que eu havia dito, sentido e pensado naquele instante reinou meus pensamentos.

Eu gosto de você do mesmo jeito que eu gosto de dormir, Pedro… E eu amo dormir”.

Comecei a piscar, chocada. Abri e fechei a boca, sentido todos os meus músculos se retesarem; minhas mãos tremeram sob mim, e por um breve instante senti que iria desabar na cama. Caramba, eu havia dito para um cara que eu o amava, agora todas as cartas estavam sobre a mesa.

E eu, querendo ou não, não fazia ideia de como lidar com essa partida. Sentimentos expostos definitivamente não fazem meu estilo. Sou do tipo que trabalha com cantos, mas nunca de frente. Mas, já que tudo tem que piorar, Pedro é do tipo que trabalha pela frente, então eu teria que encará-lo de um jeito ou de outro.

E esse ‘jeito’ era, obviamente, evitá-lo por tempo indeterminado.

Sim, eu sou muito covarde. E me odeio muito por isso.

Dei um suspiro pesado, olhando desolada o cômodo. Juntei minhas mãos e passei-as pelo meu rosto, tentando me acalmar.

– Katrina…? - Marcela colocou uma mão sobre meu joelho, me olhando de forma interrogativa. - O que aconteceu? Está com cara de cachorro que caiu da mudança.

Olhei-a por entre meus dedos.

O.k., Deus, o que eu faço? Conto para ela ou deixo isso quieto?

Não podia negar: a segunda opção me parecia três mil vezes mais atraente, mas eu senti que, se não contasse a ela, ficaria me massacrando com pensamentos depois. Enquanto ainda pensava a respeito, percebi que Jonas começou a despertar.

Marcela virou-se para encará-lo, sorrindo ao vê-lo sentar-se na cama com cara de perdido. O cabelo naturalmente liso do garoto estava para cima, e ele estava com cara de morte. Jonas olhou para nós duas, limpando com as costas da mão um canto babado da boca.

– Oi… - Ele gemeu, preguiçoso, voltando a afundar a cabeça no travesseiro. - O que tá rolando? Meu Deus do céu, Marcela, esse travesseiro é tão bom que eu estou tendo orgasmos só de deitar nele.

Ela riu pelo nariz, revirando os olhos.

– A Katrina, Jonas. Acho que ela está com problemas.

Quando que ela não está com problemas? - Ele retrucou, ajeitando-se na cama, de modo mais confortável para nos olhar.

Eu até riria se minha situação não estivesse miserável.

O.k., agora era dizer ou... Dizer. Não havia, simplesmente, outra alternativa senão esta. E, também, de qualquer jeito, uma hora ou outra eles iriam descobrir.

Marcela estava ajoelhada na cama, as mãos apertadinhas em cima das pernas, olhando-me com expectativa. Seu cabelo estava me distraindo, com um lado trançado e o outro solto.

– Aahn… - Comecei, sem jeito, arrumando a alça da camisola. - Ontem, quando o Jonas foi beber água e me deixou sozinha com o Pedro…

– Transaram? - Jonas tentou adivinhar, erguendo uma das sobrancelhas.

– Quê? Não! Não, idiota, não transamos! - Debati, cética. Chacoalhei a cabeça, retornando ao assunto inicial. - Me deixa acabar de falar? Tá, o.k., é embaraçoso, certo? Não dá para simplesmente sair dizendo e coisa e tal porque é difícil pra mim.

– Fala logo, mulher! - Jonas apressou-se, batendo no colchão com o punho cerrado.

– Marcela, cala a boca dele! - Instruí para a oxigenada, que olhou para Jonas e sorriu, deitando-se de forma bruta em cima dele. A garota tapou sua boca com as mãos, voltando a olhar pra mim.

– Prossiga!

– Ah, o.k… - Mexi nos meus dedos, olhando repentinamente para baixo. - Bem, digamos que eu… Tenha, hm, acidentalmente dito para o Pedro que eu o amo…

Continuei com a cabeça abaixada, repentinamente interessada no meu joelho. Reparei também que minha pele das pernas havia ficado mais bronzeada.

Arrisquei levantar a cabeça, prevendo ouvir exclamações desesperadas dos dois. Mas, ao contrário, a única coisa que ouvi foi um estranho…

Silêncio.

Olhei para baixo de novo, desta vez cutucando minha pele de forma ardida. Minhas unhas fizeram uma pequena marcação em forma de meia-lua no meu joelho.

Aliás, você sabia que ao longo da nossa vida perdemos cerca de quarenta e sete quilos de pele?

Infelizmente, meus pensamentos interessantíssimos foram bruscamente interrompidos por um grito (berro) de Marcela, que acordou até os cachorros da vizinhança. A garota estava mais radiante que o Sol e se ergueu na cama, começando a pular em cima dela numa energia que me fez querer morrer.

Jonas, que ainda estava deitado, me encarou como se eu tivesse dito que Channing Tatum era gay e que estava vindo para o Brasil; ou seja, chocado.

Marcela ainda pulava na cama, dizendo que “a vida é boa!” e “ganhei meu Natal!”. Fiquei encarando-a, sem entender toda aquela animação.

Mas durou pouco. Jonas, provavelmente querendo começar um assunto novo, deu um forte soco na cama, fazendo o pé de Marcela afundar na ondulação, fazendo-a desequilibrar. A vara de cutucar estrela deu um berro, agora de agonia, e caiu para trás como um saco de batatas no chão.

– Marcela! - Gritei, subindo na cama e me inclinando, tentando ver seu estado. Jonas apenas ergueu uma sobrancelha, fazendo um bico e virando sua cabeça para vê-la.

Um braço esguio apareceu no meu campo de visão. A oxigenada fez um positivo torto com a mão, provavelmente dolorida em algum lugar.

– Tô bem! - Falou, convicta. Jonas sorriu de lado e virou-se para mim.

– O.k., Katrina, agora… QUAL FOI A REAÇÃO DO PEDRO, PELO AMOR DE DEUS? - Ele gritou na minha cara de repente, assustando-me. - Vamos, vamos, vamos, detalhes!

– Ah… - Falei, olhando-o com uma sobrancelha erguida, hesitante pelo interesse repentino - bom, essa parte é complicada porque eu não faço ideia. Apaguei na hora.

– QUÊ? - Marcela e Jonas gritaram ao mesmo tempo, exasperados. A garota apareceu por cima do colchão, pulando para cima dele como um gato.

– Como assim? - Ela perguntou, fazendo um teatro com as mãos - “Pedro, eu te amo”, boom, Katrina is dead? É isso?

– Basicamente, sim. - Respondi, agora desconcertada, levantando de vez da cama. Olhei para o relógio em cima do criado-mudo, que marcava, feliz “10:09”. Sério, aquela noite eu havia dormido como uma pedra. - Marcela, o que tem nessa sua cama? Maracugina?

– Aaah, eu quem o diga! - Jonas exclamou, tirando as cobertas de cima dele e botando os pés no chão, sentado. - Ai, caramba, câimbra! - O garoto deu um pulo, em pé, e fincou bem forte os pés no chão. Ri quando vi que ele estava só de samba-canção vermelha.

Jonas fazia uma cara de desgosto enquanto massageava a panturrilha. Marcela ainda estava na cama, deitada de bruços, encarando o nada. Cara, aquele quarto estava fedendo a adolescentes, o que, de longe, não era agradável.

Quando Jonas coçou sua costela, resmungando que iria ao banheiro, notei um enorme arroxeado em suas costas, próximo ao seu ombro. Ergui uma sobrancelha; aquilo era grande demais para ser uma marca de chupão.

Quando Jonas entrou no banheiro, grogue, me virei para Marcela.

– Hey, oxigenada, você percebeu que o Jonas está agindo de forma estranha ultimamente? - Perguntei, arrumando a alça da camisola.

– Hmm, não, não notei. Você acha que ele está? - Ela argumentou, apoiando a cabeça no punho.

– Não só acho como tenho certeza. E eu não erro.

*

Tomamos café-da-manhã na casa da Marcela. Sim, a penca toda. A garota havia emprestado para mim e para Jonas algumas roupas velhas, enquanto minha mãe havia pego roupas da Marina.

Isadora tinha ressurgido como uma fênix da cozinha, alegando que estava a festa inteira “enchendo o bucho com a comida boa dos ricos”, junto com Camila.

E, pela primeira vez em dezesseis anos, eu experimentei aquele cereal chamado “Froot Loops”, um carinha super famoso nas redes sociais que eu sempre tive vontade de comer.

Na primeira colherada, olhei, duvidosa, para os grãos coloridos.

– O quê? - Marcela perguntou, sentando-se na mesa junto com todos nós. Ela olhou para minha mãe logo em seguida, que também estava com o mesmo olhar que eu. - Ah, pera, não me digam que nunca comeram esse cereal?

– Tá brincando?! - Exclamei, cética e extasiada, pegando a tigela e bebendo-a como se fosse um copo, engolindo tudo em menos de alguns segundos. Atraí o olhar de Jonas e de Carlos, o irmão mais velho de Marcela. Os dois ficaram me encarando enquanto eu enxugava os cantos da boca, radiante. - Essa joça colorida é melhor que acordar milionária!

– Você… Engoliu… Tudo de uma vez? - Perguntou Carlos, me cutucando no ombro, mas ignorei-o porque tinha assuntos mais importantes.

Empurrei a tigela pela mesa, até alcançar Marcela, um pedido mudo para “mais, mais, mais!”. Ela sorriu, feliz, e saltitou em direção à um armário, abrindo-o e revelando uma prateleira cheia de embalagens de Froot Loops.

Senti todo meu corpo estremecer com a visão, fechando os olhos com força por alguns segundos.

– Oh, meu, eu tive um orgasmo agora mesmo. - Soltei a pérola, suspirando e vendo Marcela se aproximar com uma embalagem já aberta, retirando um saquinho de alumínio dali de dentro e despejando parte do conteúdo na tigela.

– Katrina! - Minha mãe me censurou, olhando para mim com cara de “o que eu fiz de errado?”. Dona Marina começou a rir descontroladamente ao lado de Jonas, soltando vários “ronc” e “desculpe!”. Serena revirou os olhos, balançando a cabeça em negativa. - Meu Deus, me desculpem! Minha filha é retardada!

E me deu um pedala.

– Katrina, querida, você pode pegar um se quiser! - Marina disse, feliz, apoiando o queixo nas mãos.

– Mesmo? - Perguntei por perguntar, já que iria pegar uma pacote com ou sem a autorização dela.

– Sim!

Não!– Mamãe murmurou do meu lado, bem baixinho, logo dando uma colherada no seu cereal, muito interessada no teto.

Mas quem liga para as mães quando se trata de Froot Loops?

Me levantei da cadeira, praticamente correndo, e atravessei a cozinha, abrindo o mesmo armário que Marcela havia aberto há alguns segundos. Peguei um dos pacotes de cereal e enfiei-o por baixo das minhas roupas, prensando-o entre meus seios e a camiseta branca. Logo senti minhas amiguinhas ficarem alegres por causa do contato direto e gelado da caixa, já que eu não estava usando sutiã - quem usa sutiã de manhã, aliás?

– Ka… - Minha mãe tentou, mas ela logo desistiu, jogando suas mãos para cima. O cabelo louro que estava amarrado em um coque movimentou-se abruptamente, quase desfazendo-se. - Cansei, vou levá-la ao psiquiatra amanhã.

– Por que diabos está escondendo uma caixa de cereal nos peitos? - Jonas perguntou, sem piscar, me olhando com ceticismo.

– Pra minha mãe não ter motivos para brigar comigo, sabe? O que os olhos não veem o coração não sente. - Falei, me encaminhando para me sentar novamente.

– Ignorem. Outro dia ela falou que duendes roubaram as meias dela. - Mamãe resmungou, comendo seu cereal com cara de quem iria me matar se eu dissesse algo a mais.

Apenas sorri de canto, ouvindo as risadinhas dos outros. Marina, de repente, bateu na mesa, como se tivesse se lembrado de algo. Ela olhou para mim, divertida.

– Katrina, querida, tem algo que eu quero te perguntar… Posso?

– Hmm, claro - falei, hesitante, erguendo uma sobrancelha. Já tava pressentindo que viria merda…

– O seu namorado tem algum problema em dormir na casa dos outros? - Perguntou Marina, inocente.

Engasguei com o cereal, cuspindo na tigela. Jonas e Marcela pararam o que estavam fazendo e me encararam, sem piscar. Suas expressões diziam claramente: “namorado?”. Tentei dar um sorriso discreto, completamente desconfortável, e chutei minha mãe por debaixo da mesa por ter inventado aquela mentira.

– Aaaaanh, sobre isso… - Tentei, forçando minha mente a bolar algo inteligente. Minha mãe havia criado uma bola de neve. - Pois é, o Pedro, ele tem, hm, camanofobia, que é um medo de dormir em camas, sabe? - Me remexi na cadeira, sentindo ser observada por Marina. - Ele só dorme no chão, geralmente em assoalhos, e por causa do seu piso ele não… Hm, quis dormir aqui, entende? Piso de… Concreto. – Finalizei, afundando minha colher no leite, mais constrangida que padre em puteiro.

– Meu pai amado… - Jonas resmungou baixinho, provavelmente lendo meus pensamentos. Ele coçou a cabeça e se levantou, colocando a tigela na pia.

– Oh… - Marina exclamou após um momento, surpresa. - Eu não sabia disso! É uma nova fobia? Porque, você sabe, todos nós temos fobias! Eu, por exemplo, tenho astrofobia, um medo irracional de trovões. Você tem, querida? - De novo, para mim. - Sabe, não é algo que dê vergonha!

Como eu odeio ricos.

*

Às duas e meia o bonde todo estava na minha casa. Tratei de entrar como um raio pela porta, sendo perseguida por Hércules, para não dar de cara com Pedro.

Pelo visto, seu Antônio chamou minha mãe e ambos começaram a ter uma conversa amigável de vizinhos, enquanto Isadora ia para a cozinha com Camila nos braços, indo abrir as janelas.

Jonas e Marcela subiram as escadas atrás de mim, adentrando meu quarto com familiaridade. O garoto estava mais radiante que o Sol, sorrindo o tempo todo.

– Não vejo a hora de começar a me arrumar… Vocês sabem, tenho um encontro hoje! - Ele apontou para ele mesmo. - Tomara que role algo, sério, tô na seca há semanas!

– Você só pensa nisso? - Marcela perguntou, jogando-se no colchão, preguiçosa. Ela tirou do bolso seu celular, e os dedinhos nervosos voltaram. - Você não pensa em passear, em conversar, em se divertir?

– Não, eu penso sim, lógico… Mas, sei lá, não faz meu tipo de coisa. Não sei se continuaria com esse tipo de pensamento caso eu namorasse, mas por enquanto eu prefiro a diversão carnal, sabe?

– Sei, safado. Aliás, Katrina, como vai ficar sua relação com o Pedro agora? - Marcela perguntou, rolando no colchão e ficando perto de mim, que estava sentada na minha cama.

– Que relação? - Brinquei, colocando uma perna sobre a cama.

– Ah, por favor, Katrina, largue de brincadeiras. Não dá para evitá-lo eternamente, sabe? Vocês são vizinhos, estudam na mesma escola, ele conhece e é amigo da sua mãe, além da minha mãe achar que são namorados - sim, eu havia explicado para eles a situação. - … Tudo se encaixa, uma hora ou outra vocês irão se esbarrar e não haverá como evitar isso.

– Até que tem como eu sumir. - Rebati, erguendo o queixo.

Jonas deu uma risada debochada, revirando os olhos.

– Ah, é mesmo, Mestre dos Magos?

– Sim, é bem fácil, na realidade. O primeiro passo é eu me mudar para o México, depois é só arranjar uma identidade nova, como... Catarina de las Rosas Rodriguez. Porque nome de pobre é tudo.

E os dois desembestaram a rir. Jonas sentou-se no colchão de Marcela, deitando sua cabeça nas pernas da outra. Ele ficou me olhando por alguns segundos.

– Katrina… Sobre amanhã… - Ele começou, piscando devagar. - Está tendo coragem para, você sabe, encarar todo mundo depois da gafe com a Carmen? Porque tá todo mundo acreditando nas mentiras dela.

Dei de ombros, sem me importar realmente.

– Não tô nem aí. Não vou à escola para que as pessoas me amem. Vou à escola porque não quero levar umas chineladas da minha mãe. Meu potencial nada tem a ver com os outros.

– Seu narcisismo me cega. - Jonas resmungou.

– Não entendo essa sua picuinha com a autoestima da Katrina. - Marcela opinou, botando a mão sob a cabeça. - Ela está certa, tá? Não há nada de errado em se achar linda e maravilhosa, Jonas.

Dei uma risada escandalosa de vilã de novela, fazendo os dois rirem.

– Pois é, tem uma super autoestima, mas abrir para o boy que te ama, nada, né? - Jonas falou na cara dura, erguendo uma sobrancelha.

Abri a boca, chocada. Marcela encarou-o, provavelmente pensando o mesmo que eu.

– Jonas, você é muito sujo! - Disse ela, perplexa, dando um tapa forte na testa dele.

Peguei meu travesseiro e o joguei com uma força meio brutal na cara de Jonas, que deu um gritinho.

– Só disse verdades! Não estressa que sou uma carpa! Sua ursa!

– Ursa, é? - Me aproveitei do momento, me jogando em cima dos dois com violência. Eles até tentaram se proteger, mas eu era mais pesada que ambos juntos. Esmaguei-os, fazendo-os rir e se espernear.

– O.k., help! Chama o SAMU que eu não tô sentindo minha perna! - Jonas gritou, dando um forte tapa estalado na minha costela.

Comecei a rir, pensando seriamente que aqueles dois me faziam tão bem quanto um pote de sorvete de morango no verão.

*

Jonas saiu de casa às sete. Ele, após ter tomado banho, obrigou todo mundo a cheirá-lo, pedindo opiniões sobre seu novo perfume. Depois de ouvir um “hoje rola” convicto da minha mãe, ele saiu de casa saltitando, vestindo um sobretudo preto por cima de uma camiseta branca e calça jeans.

À noite esfriou para caramba. Eu estava no sofá, embrulhada numa manta, com Camila sentada no meio das minhas pernas. Hércules estava sobre meus pés, também cobrindo-se, assistindo junto conosco Dora, a Aventureira.

– Não pegue, Raposo mau! - Camila gritou, nervosa, atirando um bicho de pelúcia contra a TV.

– Camilaaa– minha mãe cantarolou, vindo da cozinha com um sorriso inocente. - Vamos dormir?

– Não! - Ela berrou, as sobrancelhas juntas, parecendo muito brava.

– “Não”, nada! Vamos, mocinha! A Katrina também vai, por que você não pode? - Ela perguntou, persistente, pegando-a sob os braços.

Camila ainda grunhiu sobre querer ver Dora, mas mamãe subiu com ela para colocá-la no berço antes que ela reclamasse mais.

Bocejei, esticando meus braços para cima, afundando-me mais no sofá. Eu estava com uma preguiça colossal e não queria de jeito nenhum ir à escola amanhã. Já havia pego toda a lição da semana, por isso estava com a ficha limpa.

Minha mãe desceu instantes depois, sorrindo para mim.

– Vá para a cama, Katrina. É cedo, mas você tem que acordar cedinho amanhã. Preparada?

– Não - grunhi, esfregando os olhos. Hércules me olhou por cima da coberta, preocupado. Ele se esfregou nos meus pés. - Seu focinho é gelado, vai lamber sua avó.

– Katrina, sobe logo, a Marcela já está enfiada nas cobertas. Sua vez. Longo dia amanhã.

Gemi em protesto, me enrolando na manta como se eu fosse um enroladinho de queijo. Subi as escadas assim, com Hércules atrás, e abri a porta com um chute para que ele entrasse primeiro.

O cachorro voou em cima de Marcela, que mexia no celular, distraída. Ela gritou quando viu aquela figura enorme aparecendo de repente no seu campo de visão, fazendo-me rir. Como estava um frio desgraçado, já vesti meu uniforme para não passar sufoco amanhã.

Hércules dormiu de conchinha comigo. Sua cabeça ficou apoiada nas minhas costelas, sob meu braço. Infelizmente, adormeci ouvindo o “tic, tic, tic, tu, tic, tic” que os dedinhos de Marcela faziam ao digitar no celular.

Fora isso, dormi como uma pedra. Dormi tão bem que nem tive a oportunidade de sonhar. Minhas cobertas estavam tão quentinhas e tão gostosas que repensei em levantar de fato para encarar todo aquele pessoal nojento.

Pressionei os olhos com força quando senti os dedos de Marcela me cutucando.

– Sai! - Falei, me contorcendo.

– Vamos, Katrina, já são seis horas. Nós vamos nos atrasar!

– Mas eu acabei de fechar os olhos, porra!

Ela riu, feliz.

– Às vezes tenho essa mesma sensação. Vamos, levante.

– Você não se cansa de ser feliz? - Perguntei, grogue, erguendo o corpo.

– Nem um pouco!

Enquanto eu jogava meus pés para fora da cama, já vestida com a roupa da escola, Marcela pulava de um lado para o outro, tentando se aquecer. Calcei meu tênis, bocejando, completamente cansada. Sério, parecia que tinham me jogado de um abismo, depois me eletrocutado e torturado com um alicate.

Hércules ainda dormia embaixo das minhas cobertas, só com o rabo para fora. Percebi que com o movimento de sua respiração, o cobertor se movia devagar, compassadamente. Sorri e me levantei, sendo acompanhada por Marcela.

Descemos juntas, Marcela comentando sobre seus passos amorosos com Derek. Pelo o que eu estava ouvindo, tudo ia às mil maravilhas. O sofá estava desocupado, só com um amontoado de cobertores e um travesseiro, então deduzi que Jonas já havia acordado.

Um cheiro de café invadiu minhas narinas quando cheguei ao piso inferior, e não demorou para que eu ouvisse um falatório na cozinha. Ainda estava escuro lá fora, com um vento persistente assobiando na janela.

O bonde todo estava acordado daquela vez. Jonas estava sentado na mesa, com uma cara de idiota apaixonado, segurando uma xícara; Isadora alimentava Camila com banana amassada, e ela parecia gostar.

Enquanto isso, Serena colocava a garrafa térmica em cima da mesa, despejando café na xícara vazia de Jonas, que pareceu voltar à realidade.

– Bom-dia! - Mamãe cumprimentou-nos, parecendo feliz. Seu cabelo encaracolado estava preso num coque todo mal feito, deixando que alguns fios escapassem, o que combinou com seu sorriso colossal, que, não duvido eu, poderia iluminar a parte oriental do mundo daqui de casa.

Deuses, a felicidade das pessoas me enjoa às vezes.

Sentei-me à mesa, percebendo que Jonas não parava de suspirar enquanto observava o conteúdo flamejante de sua xícara. Seu sorriso tosco entregava completamente que havia acontecido algo ontem. Na realidade, eu podia ver coraçõezinhos brotando de suas orelhas.

– E aí, Jonas, rolou sacanagem ontem? - Perguntei, bem direta, pedindo logo depois para a minha mãe pegar a embalagem de Froot Loops.

Ele me olhou, surpreso, mas não tirou o sorriso da cara.

– Não, Katrina, não rolou sacanagem… Rolou uma coisa muito melhor.

Bati na mesa, pegando a embalagem e abrindo-a sem esperar muito. Meus olhos estavam arregalados.

– Ele te deu uma banheira?! Porra, até eu quero namorar esse cara! - Falei, alterada.

– Não é?! - Minha mãe concordou, também alterada, jogando as mãos para a cintura. Jonas e Marcela nos encaravam, vendo navios.

– Hã… O que uma coisa tem a ver com a outra? - Jonas perguntou, erguendo as mãos.

– Ah, Jonas, porfa, né? A única coisa melhor que sexo neste mundo é ter uma banheira. - Falei, comendo o cereal cru, vendo-o começar a gargalhar. - Eu e minha mãe, particularmente, nunca entramos em uma.

– Sim - Serena assentiu com convicção. - Meu objetivo na vida é ter uma banheira.

– Isso é deprimente. - Isadora opinou enquanto eu me levantava para buscar o leite na geladeira.

Enquanto eu comia meu cereal de forma sossegada, o pessoal começou a conversar sobre banheiras. De banheiras, o assuntou passou para paqueras.

Não me pergunte como.

– O Derek é meio temperamental, mas dá para lidar.

– Meu peguete tem pinto pequeno. - Jonas também confessou, levantando-se para escovar os dentes. Ele parecia chateado por causa disso. - Espero que isso não tenha ocorrido com os minos de vocês, garotas.

– Ah, isso nunca ocorreu comigo! - Mamãe alegrou-se, pegando o prato de Jonas e indo até a pia. - Sabe, parece praga das boas! Absolutamente todos os caras com quem me relacionei tinham um p…

– Mãe! - Exclamei de repente, interrompendo aquela conversa desconfortável. Ela olhou para nós com olhos pidões.

– Desculpa... Me empolguei! - Então ela olhou no relógio, sorrindo de canto. - Acho melhor vocês irem agora, já está no horário.

– Yep– Marcela opinou, levantando-se, já pronta para ir. Limpei minha tigela pela terceira vez naquela manhã e corri para o banheiro, abrindo a porta com tudo, assustando Jonas, que escovava os dentes.

Terminamos rapidamente nossa higiene pessoal. Como eu estava meio atrasada e os dois andavam devagar, não me dei ao luxo de pentear o cabelo - que, no caso, estava estranhamente comportado -, então somente amarrei-o de lado.

Nos despedimos do povo, e eu recebi um “apronta qualquer coisinha hoje, Katrina, que juro por Deus, o chinelo estrala” da minha mãe, com um olhar mortal de brinde. Apenas tossi para desviar o constrangimento e andei rápido pela calçada esburacada na frente dos dois.

*

O dia ameaçava abrir, mas uma camada de poluição proibia qualquer tipo de movimentação nos céus. Pássaros cantavam harmoniosamente em cima dos fios elétricos dos postes manchados de sangue e tiros, que estavam próximos à escola. A tia brigava com alguns alunos sentados na calçada para que esses entrassem, e disse um “bom-dia” para nós quando passamos por ela.

– Vagabundos - murmurei, sem paciência para esse tipo de gente.

Notei os intermináveis olhares de ‘não acredito que a bruxa voltou’ completamente descarados lançados a mim; algumas pessoas abriam a boca, horrorizadas, obviamente pensando de como eu não fora expulsa.

– Deuses - Jonas murmurou perto do meu ouvido. - Isso parece uma cena daqueles filmes estadunidenses onde ninguém gosta da novata. É ruim estar deste lado da cena.

Dei uma risada nasalada, abrindo um sorriso torto.

– Tá brincando? Essa é a minha parte favorita. Até criei uma trilha sonora na minha mente.

– Espero que a faixa um não fale sobre assassinatos - Marcela sussurrou, parecendo hesitante.

– Na realidade fala sobre um cara que matou uma mulher após ela recusar seu pedido de casamento. - Falei, erguendo os olhos para encará-la. - Aí ele transa com o corpo dela, e ela volta dos mortos querendo justiça. Aí ela mata ele. No final os dois se casam.

– Uau, que romântico, até escapou uma lágrima aqui. - Jonas falou, limpando uma sujeira imaginária do rosto enquanto ele se separava de nós nas escadas. - Nos encontramos no intervalo!

– Tchau, tchau! - Marcela despediu-se, subindo atrás de mim.

Quando entramos na sala de aula, dei de cara com Carmen, que estava com um esparadrapo enorme no queixo. Seu olho esquerdo estava esverdeado e um pouco inchado. Ela olhou de forma mortal para mim.

– Ora, ora, vejam quem voltou! - Disse ela, debochada, olhando de cima a baixo para mim.

Eu até iria passar por ela e simplesmente ignorá-la, mas minha língua estava coçando. Eu tinha que soltar um comentário venenoso.

– Nossa, Carmen, você tá bonita hoje. - O cinismo estava simplesmente borbulhando sob minha pele. - Cê tá com o rosto alegre, jovial, namorador! Precisa fazer esse seu tratamento mais vezes, sabe?

Ela deu um riso forçado, como se pudesse me morder e ignorou-me, voltando a sentar-se em seu lugar, cochichando algo com suas coleguinhas. Sorri, sentindo meu humor melhorar uns dez por cento.

Marcela olhou para mim de forma hesitante, dizendo o caminho todo até a minha carteira que era para eu me controlar.

– Você está à beira de ser expulsa, Katrina! Não estrague suas chances! - Ela me alertou uma última vez, encerrando o assunto quando a professora entrou em sala.

Apenas revirei os olhos, cansada daquilo tudo.

Enquanto a professora lia Machado de Assis para nós, vaguei meu olhar pelo meu material e comecei a desenhar coisas aleatórias na contracapa do meu caderno. Mesmo desenhando, eu me mantinha atenta às falas da professora, e tive plena consciência quando ela parou a aula, olhando-me fixamente.

– Desenhos interessantes, Katrina?

– Depende. - Desafiei-a, recebendo um chute de Marcela por debaixo da mesa. Grunhi com dor, mas não tirei meus olhos da folha. - Você gosta de ver jebas voadoras?

Uma risada estrondosa soou dos fundos da sala, onde geralmente a turma dos encrenqueiros ficava. Todo mundo perdeu o fio da meada e ergui o olhar para encarar a professora, que parecia furiosa. Ela apontou para a porta.

– Katrina, fora.

Oh, não.

– Não, não, não, não! - Exclamei, tentando manter a calma. - Não faça isso! Mais um deslize e eu não comparecerei nunca mais nesta escola, professora. Está realmente pronta para me deixar? Me deixa quieta aqui, juro que deixo as jebas voadoras de lado só por você, mas, sério, não me manda para fora!

Seu rosto estava vermelho de raiva contida, como se ela pudesse explodir a qualquer momento. Os alunos ainda riam, incapazes de não aplaudirem qualquer merda que falavam. A professora vagou o olhar pela sala, repousando-o em cima de sua mesa. Havia uma grande papelada cheia de cartolinas coloridas.

– Venha aqui, Katrina.

Bufei, erguendo-me da cadeira. Marcela me lançou um olhar de “eu te avisei”, enquanto voltava a escrever em seu caderno. Fiquei ao lado da mesa da professora, esperando instruções.

– O.k., pegue estes cartazes e os cole pelo corredor. Aqui, o crachá de autorização e… - Ela enfiou a mão no bolso da camiseta - fita adesiva. Se não quer fazer nada, não atrapalhe minha aula.

Dei um grunhido.

– Ou eu posso ficar quieta ali no meu lugar, sem nunca ter existido.

– Não me teste hoje, Katrina, meu humor não está um dos melhores. Vá agora. - Ela pendurou o crachá no meu pescoço, dando tapinhas no meu ombro.

Quase, mas quase mesmo que eu disse “o cara não chegou , né, professora?”. Mas me contive o máximo que pude e peguei a pasta e a fita adesiva, sorrindo de maneira falsa para a professora enquanto saía da sala.

Eu devia ter colado, pelo menos, uns vinte cartazes. A maioria dizia sobre os perigos de fumar, de beber e de se drogar. Outros incentivavam o uso de camisinha nas relações sexuais (e teve um bastante engraçado, com a frase “USE CAMISINHA SE NÃO QUISER QUE A CEGONHA PEGUE VOCÊ”, com o desenho de uma cegonha espreitando por uma janela) e outros diziam sobre o quão era importante o respeito mútuo para uma sociedade pacífica.

Citaram até Gandhi com “olho por olho e o mundo acabará cego”.

Todos os cartazes haviam sido feitos por alunos. Eles, atrás, mostravam o nome da pessoa, sua série e número.

Eram cartazes bastante legais e eu dei várias risadas colando-os. Não contive minha curiosidade, e a cada cartaz colado, eu o virava e xeretava quem o fez.

Mas, foi bem neste instante quando eu peguei outro. A cartolina era azul e, com letras simples mas grandes, tinha escrito:

Quanto te pagam para ser fiscal de cu?

Nem precisei virar a página para adivinhar de quem era. Sorri enquanto colava o cartaz de Jonas na parede, medindo-o para que não ficasse torto.

Até que chegou uma parte onde eu tinha que colocar a cartolina mais para cima, já que a parte de baixo estava lotada de outros trabalhos sobre o relevo do Brasil.

Pedi uma cadeira numa sala ao lado, usando-a de escada para colar o restante dos trabalhos. Eu os havia colocado no chão de qualquer jeito, pegando três de cada vez, colando-os de melhor maneira possível.

Ou era isso ou era ser expulsa.

Eu nem havia terminado ali quando o sinal da segunda aula tocou. Ouvi o burburinho que sempre é formado quando o sinal toca, e todas as salas que estavam de portas fechadas abriram-se, revelando professores sorridentes trocando de salas. Acho que a professora de português fora a única que não havia mudado, já que era dobradinha.

Levei um susto quando uma sala inteira saiu, todos pulando e fazendo algazarra, indo para a educação física. No mesmo tempo em que eles saíam, vi Jonas subindo as escadas acompanhado de uma professora, segurando as coisas dela. Ambos entraram numa sala e eu voltei minha atenção ao cartaz que colava.

– Tá torto ali. - Alguém disse atrás de mim no mesmo instante em que me fazia uma cosquinha na cintura.

Levei um susto colossal, perdendo o equilíbrio ao dar um passo em falso sobre a cadeira, caindo para trás.

– Caralho! - Berrei no susto, antes de ser enlaçada por trás. No fim eu e a pessoa caímos no chão de forma dolorida.

Eu só fui perceber o ridículo da situação após dois segundos, quando me vi sentada em cima do colo do infeliz. E, pelo o que eu estava sentindo ali atrás, definitivamente era um garoto. Tentei me mover, mas o abraço não era muito frouxo.

Olhei para baixo, para os braços daquela pessoa, e notei as marcas proeminentes de garras em sua pele.

– Pedro… - Falei, antes mesmo de me virar, já reconhecendo-o.

Céus, eu o reconheci pelo braço, as coisas estão sérias para o meu lado.

Ele riu antes de me soltar. Levantei-me, sentindo minhas juntas doloridas. Quando me virei para encará-lo, percebi que o italiano estava completamente bem humorado. E eu podia dizer isso só vendo aqueles olhinhos miúdos e quase sumidos por conta do sorriso.

O.k., as coisas estão péssimas para o meu lado. Pigarreei, jogando a cartolina de qualquer jeito no chão para disfarçar.

– O que está fazendo aqui fora? - Perguntei, sentindo que todos os meus órgãos internos estavam prontos para dar tchau e estourar dentro do meu corpo.

– Na realidade, era para eu estar na quadra, mas parei para encher o seu saco. - Ele gracejou, levantando-se. - E você, o que faz aqui fora?

– Hm, a professora não quis que eu atrapalhasse ela, então me mandou colar estes cartazes aqui.

Pedro ergueu o olhar, nostálgico, e observou os cartazes.

– Fizemos isso sexta-feira. Foi um fuá. O meu ainda não está aí, mas acho que está legal, mesmo eu não sendo perito em artes.

Estreitei os olhos, lembrando-me de uma coisa. Eu sabia que tinha me confessado a ele, mas Pedro não sabia que eu me lembrava. Era só agir com… Naturalidade.

Mas não é você que era experiente com as mãos? - Cutuquei-o, lembrando que ele jogava vôlei.

Pedro sorriu de maneira presunçosa.

– Eu sou bom com as mãos, mas não costumo usá-las para esse tipo de atividade, entende? - Ele devolvei o cutucão, fazendo-me rir de maneira sofrida.

Merda, como eu odiava aquele cara. Por que ele tinha que ser tão bonito, mesmo?

Enquanto eu avaliava a situação, Pedro, de repente, soltou um som de dor, esfregando com veemência seu peito. Voltei à realidade, assustada com aquilo. Cara. Eu havia caído em cima dele.

Katrina Dias, uma garota que pesa seten-, digo, que está acima do seu peso ideal, caiu em cima do Pedro. Isso deveria estar em um jornal, logo ao lado de uma manchete como esta: “T-rex é encontrado morto na capital do Acre. Testemunhas dizem que ele estava andando normalmente até encontrar um atirador de elite, que dizimou o inocente dinossauro”.

Pigarreei, não tão preocupada assim. Olhei-o de esguelha.

– Hm, você tá machucado?

– Desculpe? - Perguntou, realmente não entendendo.

– Machuquei você? Sabe, eu caí em cima de você, e não é como se eu tivesse o peso de uma garotinha de quinta série.

Pedro sorriu, parecendo satisfeito.

– Não, não estou machucado, megera. Aliás, fico feliz por você não ter o peso de uma garotinha da quinta série. Porque, sério, se eu me sentisse atraído por uma, eu seria um maldito de um pedófilo.

Dei uma risada nasalada, erguendo os braços e me perguntando se aquilo ali tinha lógica.

– Cara, eu estou me referindo ao meu peso, não minha idade.

Ele deu de ombros, ainda com o sorrisinho bobo na cara.

– Eu sei, só estou brincando com você. É que eu me lembrei de uma conversa que eu tive com o meu pai. Eu estava falando sobre você, e…

– Espera, espera, espera! - Cortei-o, surpresa, fazendo-o se ligar também no que estava falando. - Então quer dizer que eu sou assunto na sua casa?

Eu não estava demonstrando (na realidade, estava fazendo minha melhor cara de cética absoluta), mas além de eu estar incrivelmente feliz por razão nenhuma - pelo menos não uma coerente -, eu estava chocada, já que não é todo dia que as pessoas vêm me falar que falam sobre mim em suas casas.

Pedro mexeu nos seus dedos - que no caso também estavam arranhados -, embaraçado. Provavelmente estava arranjando um jeito de circundar a gafe.

– Tá, eu falo de você. Assim como você fala de mim, que eu sei. - Revirei os olhos, cruzando os braços ao mesmo tempo. - Mas não é sobre isto que estamos conversando aqui. Me lembro que meu pai disse que algumas pessoas deveriam se espelhar em você em alguns pontos...

– Finalmente alguém reconheceu meu potencial! - Exclamei, erguendo os braços de maneira exagerada.

– … Mas deveriam fazê-lo de forma cautelosa, já que você pode tornar-se um mau exemplo com facilidade… - Ele continuou, rindo no final com a cara que eu fiz.

Apontei para ele.

– Seu pai merece uns tapas na bunda. Quando eu encontrá-lo, farei isso. - Aliás, essa era a primeira vez em que nós conversávamos sobre o pai do Pedro. Aquele homem sempre fora um mistério, porque eu, em dois anos, nunca havia visto-o.

Pedro dizia que ele sempre estava fora, indo trabalhar cedo e voltando para casa de madrugada. Por isso que cada momento com ele era importante. E saber que eu era assunto em um desses momentos fez com que eu me sentisse muito especial.

Só sei que Pedro abriu um sorriso amistoso.

– O.k., então você daria tapas na bunda de um major?

Eu ia dizer um recheado “SIM”, mas parei para pensar por dois instantes. Ele estava referindo-se ao major, militar? Porra, o pai do Pedro era militar?

– Você criou uma gangue sob o nariz de um militar?! - Exaltei-me, completamente cética (de verdade).

Algumas pessoas que estavam no corredor viraram-se e encararam-nos. Pedro fez um “shhhh” e tapou a minha boca, me empurrando em direção à sala vazia de artes. Ele nos fechou lá dentro, deixando-me entre ele e a porta.

– Você é doida, megera? - Ele riu, mas logo assumiu uma expressão séria. - Dizer isso em voz alta é a mesma coisa que me matar, sabe?

Estreitei os olhos, olhando-o de forma séria.

– Você é o louco aqui.

– Não me olhe com esses olhinhos sentenciadores, Katrina. - Pedro espalmou sua mão na porta, próxima a minha cabeça. - Só fiz o que fiz porque não tinha ideia das consequências. Mas, quando tive consciência dos meus atos, saí daquilo o mais rápido que pude. E não me olhe como se nunca tivesse feito algo errado, megera - ele sorriu na última parte, inclinando-se.

Bosta, ele ia me beijar. Todos os meus músculos ficaram rígidos como pedra e eu me condenei por ficar ansiosa por este momento.

– Você… Deveria estar na sua aula de educação física… - Tentei, desviando levemente o rosto.

Pedro aproveitou a chance para me beijar na bochecha, deslizando sua boca em direção a minha orelha.

– E você deveria estar colando cartazes, mas nós estamos aqui.

– Não dava para estarmos em outro lugar… - Grunhi, sem saber direito o que dizer, contorcendo-me para que ele me largasse.

Pedro beijou a pele sensível atrás da minha orelha, fazendo os pelinhos da minha nuca se arrepiarem.

– Ah, é mesmo?

Merda. O que eu disse havia soado como um convite implícito.

Quando eu estava pronta para empurrá-lo e voltar a colar os cartazes, ouvi um estrondo forte vindo da porta, como se algo tivesse sido bruscamente arremessado - como uma geladeira.

Nós dois levamos um susto colossal, e eu cheguei a dar dois passos para frente, dando um encontrão no italiano, que automaticamente me abraçou, como se quisesse me proteger de alguma coisa.

Pedro virou-se de costas para a porta, me levando junto, e me olhou como se perguntasse: “o que diabos foi isso?”. Também lancei o mesmo olhar para ele, arqueando uma sobrancelha.

– Seu viado de merda! - Alguém berrou em plenos pulmões do outro lado da porta, parecendo realmente nervoso. Estreitei os olhos.

– Ei, ei, ei, cara, foi só um esbarrão. - Alguém que eu definitivamente conhecia retrucou.

– Esbarrão?! Você apertou a minha bunda! Seu gay nojento! Na realidade, por que você está aqui nesta escola?! Não deveriam deixar entrar gente como você!

Abri devagar a boca, chocada. Pedro afrouxou o abraço e eu percebi que ele olhava com as sobrancelhas juntas para a porta, parecendo interessado de forma negativa na conversa.

– Quer saber? - Cuspiram as palavras. - Pode bater que eu gosto!

Então eu reconheci.

– Meu Deus! - Sussurrei, perplexa. - Jonas!

Eu sabia que ele estava escondendo alguma coisa.

Me soltei do Pedro, indo para trás devagar. Quando comecei a ouvir sons de murros e grunhidos de dor, não me aguentei. Parecia que todo o sangue havia ido para a minha cabeça, como se eu tivesse ficado louca de repente.

Avancei o sinal com tudo, empurrando o Pedro e quase abrindo a porta. Eu teria realmente aberto a porta e metido a voadora na cara do desgraçado, mas Pedro pegou-me pela cintura e me impediu de fazer isso.

– Me solta! - Gritei, mas ele tapou a minha boca e me afastou da porta. Esperneei, chutando a parede.

– Katrina, pera aí! - Pedro tentou, apertando-me com mais força. - Pensa por um instante, megera! - Me contorci como uma cobra, não querendo nem um pouco pensar no momento. - Você já… Não, venha aqui! Você já tá totalmente encrencada e ainda quer espancar um cara?! Isso só vai afundar sua situação!

– Não ligo! - Berrei, mas, novamente, Pedro tapou a minha boca, tentando ser sutil. Comecei a soltar sons aleatórios, chutando tudo pela frente. Derrubei uma mesa e duas cadeiras, tudo isso tentando me livrar do garoto.

Jonas estava apanhando do outro lado da porta e ninguém estava fazendo nada. Até parecia que os dois lá fora estavam com uma capa de invisibilidade, sendo impossíveis aos olhos dos outros.

– Você precisa achar outra forma de resolver seus problemas, Katrina! - Pedro grunhiu quando eu o acertei sem querer no estômago.

– Espero que isso tenha te servido de lição, sua bichinha de merda! - Parei de espernear quando eu ouvi essa frase.

Fiquei parada e quieta depois disso, ouvindo Pedro respirar com dificuldade atrás de mim, obviamente cansado de tentar me conter. Eu sentia como se ódio tivesse tomado conta das minhas veias, bombeando meu cérebro com informações homicidas. Cerrei os punhos, realmente nervosa.

– Megera, ei, não explode. Vamos resolver isso sem precisar socar ninguém, tá bom? - Pedro segurou minha mão, abrindo meus dedos.

É mais que horrível você querer fazer alguma coisa e não ter poder para tal.

Mas eu não sou dessas.

Virei-me para o Pedro, as sobrancelhas bem juntas.

– Eu vou fazer alguma coisa. E vou fazer agora. Não interessa se será pela violência ou não, mas eu irei fazer alguma coisa. Ele é o meu amigo, Pedro, e eu tenho certeza que ele faria o mesmo por mim. Não interessa se eu serei expulsa ou não, escola é o que não falta, ainda mais para uma aluna exemplar como eu. Você pode tentar me impedir, sério, quem sou eu para negar você e esses seus braços, mas tenha em mente que eu irei te ignorar espetacularmente, não importa o que diga. Sou eu quem faz as chantagens aqui.

O garoto ficou estático por alguns segundos, apenas olhando-me de forma terna. Sua mão afrouxou o aperto, e um sorriso desleixado se formou nos lábios dele. Pedro riu de uma maneira que eu não consegui explicar, balançando levemente a cabeça enquanto coçava o cabelo.

– Às vezes eu me pergunto como eu posso estar apaixonado por uma fera narcisista como você.

Dei de ombros, fingindo indiferença.

– Ninguém pode fugir da fera Katrina, awr– fiz uma demonstração, movendo minhas mãos como se fossem garras.

Pedro balançou a cabeça, entretido. Girei meus calcanhares e me encaminhei à porta, pronta para quebrar narizes.

– Calma aí, Katrina. - Pedro me interrompeu de novo. Sério, eu já estava ficando nervosa com ele.

– Quê é?

– Olha, eu não quero que você se meta em encrencas sozinha. Se quer fazer alguma coisa, então vou ajudá-la. Mas não podemos fazer isso de maneira irresponsável.

– O.k. - Concordei, cruzando os braços. - E como pretende fazer um cara pagar pela mesma moeda de maneira responsável?

Pedro relaxou os ombros, suspirando pesadamente.

– Só pela voz do sujeito, já reconheci quem era. O nome dele é Luiz alguma-coisa-Santos, e repetiu sei lá quantas vezes, já que está no terceiro ano com vinte e um anos. Ele é um completo babaca. As meninas da minha sala vivem reclamando dele.

– Pera. - Cortei-o, não acreditando. - Tem certeza que há um aluno aqui nessa bodega com vinte e um anos? - Pedro assentiu. - Tá brincando! Caramba, burro é eufemismo!

Ele sorriu de canto, assentindo com convicção.

– É. Acredite, ele tem mesmo uma cara de marginal desgraçada. O cara tem carro, paga aluguel, trabalha numa empresa e está no terceiro ano. - Pedro revirou os olhos, como se o pensamento o enojasse. - Ele tem mais motivos para ser agredido que o Jonas, sério.

Eu ia rir e concordar, mas um pensamento relâmpago invadiu meu cérebro. Parei todas as minhas ações e encarei-o com um provável sorriso maldoso nos lábios.

– Espera aí, Pedro… Eu tive uma ideia.

*

Quando o sinal de saída soou bem alto pela escola, eu não saí. Eu voei. Marcela ia falar algo comigo mas eu já estava na porta, correndo feito uma condenada pelos corredores escorregadios. Vários pés indesejáveis apareciam na minha frente, mas eu pulava todos, sem tempo para intervenções.

Pedro e eu combinamos de nos encontrarmos na minha casa, logo depois da escola. Irracional, eu sei. Mas tínhamos que fazer isso o mais rápido possível, já que eu duvidava de uma possível agressão com outros alunos - não que o caso de terceiros me importasse mais que o caso do Jonas.

Quando dei por mim, estava na porta da minha casa, ofegando como um bode velho, terrivelmente suada. Quando girei a maçaneta, ouvi meu nome sendo gritado.

Virei a cabeça e vi Pedro correndo na minha direção, parecendo exausto. Ele foi desacelerando, respirando ruidosamente pela boca, apoiando-se nos joelhos, acabado.

– Você corre como… Um… Leopardo…! - Guinchou ele, sem forças para reclamar, tentando recuperar o fôlego.

– É… Porque você não me viu… - Tentei, passando a mão pela testa, umedecendo os lábios. - Em forma ainda! Vamos, entra! - Falei, escancarando a porta.

Deuses, o que eu estava fazendo? Dando filé aos leões, só pode.

Minha mãe estava tão ocupada conversando com suas amigas pelo telefone enquanto assistia a novela e fazia as unhas do pé, que nem notou quando entramos, suados e cansados, e subimos as escadas.

Então eu pensei em algo: era a primeira vez que Pedro veria meu muquifo, digo, quarto.

Abri a porta devagar, com o pé, jogando minha mochila perto do batente. Fui entrando no quarto, deixando o Pedro ter um vislumbre daquilo ali.

– Santo Cristo… - Ele murmurou, vendo todas aquelas roupas jogadas de qualquer jeito pelo chão, Barney caído num canto, lançando um olhar meio bizarro para um coelho de pelúcia, o colchão de Marcela cheio de tralhas de beleza, minha cama desarrumada com Hércules dormindo e o guarda-roupa aberto, com minhas porcarias saindo e caindo no chão. - Megera, isto aqui é o seu quarto?

– Sim. - Falei, sentando-me na cama, puxando o rabo de Hércules, que acordou num susto, aparecendo sob as cobertas.

Pedro, então, relaxou os ombros, jogando a mala também de qualquer jeito num canto.

– Bom, vou ignorar seu quarto por enquanto e me concentrar em você. O que ronda nesta cabecinha perversa, senhorita Katrina?

– Hm, o.k., quais são as informações que você coletou com o povo da escola?

Pedro veio na minha direção, sentando-se também na minha cama, tentando começar a falar. Mas logo ele se interrompeu, levantando-se de repente, olhando para o lugar onde havia se sentado.

– Tem alguma coisa aqui… - Disse, enfiando a mão por baixo do cobertor e retirando um… Sutiã de lá. Pedro cerrou os lábios, nervoso, e reparei que ele havia ficado vermelho. O garoto atirou a peça para o outro lado da cama, sentando-se de forma mais confortável.

Não resisti. Eu tinha que alfinetá-lo.

– Grande, né? - Perguntei com descaramento, recebendo um olhar entrecortado.

– Cala a boca, megera - Pedro riu outra vez, agora definitivamente embaraçado. Ele batucou nos joelhos, como se tivesse pressa. É claro, ele tinha um trabalho à ir. - Bom, enfim, o nome do sujeito em questão é Luiz Caio Oliveira Santos. Como eu disse, ele repetiu várias vezes o primeiro ano e agora está com vinte e um no terceiro. As garotas reclamam dele porque o cara só está interessado em sexo, nada mais. Ah, claro, e tudo acontece no carro dele, o chamado “Paraíso”, é.

Revirei os olhos, cansada de objetos inanimados nomeados. Já basta José, o sofá.

– Nem sexo decente o cara faz, mereço - resmunguei, cruzando as pernas como uma índia. A sorte era que estava entrando um ventinho gostoso pela janela, porque eu não iria aguentar ficar muito tempo ali dentro com o Pedro.

Então, do nada, uma ideia brilhante sobre como dar um jeito naquilo pintou na minha mente.

– Pedro, você ainda tem seu taco de beisebol?

– Hm, sim, por quê? Oh, não, eu conheço esse olhar…

– Ótimo, porque iremos usá-lo. Eu tenho tinta spray e alguns pincéis, iremos precisar deles.

– O que diabos pretende fazer? - O italiano perguntou, espremendo os olhos.

– Iremos fazer o seguinte: amanhã, na hora de intervalo, vou procurar esse tal de Luiz e conversar com ele, dando um convite implícito de que eu quero conhecer o carro. Na hora da saída, você irá nos seguir e, quando eu estiver próxima o suficiente do veículo, irei apagá-lo. Você terá em sua mochila os nossos equipamentos que iremos usar para zoar o carro. Vamos desenhar pintos gigantes no capô.

Assim que eu terminei de falar, notei que as sobrancelhas do Pedro estavam praticamente no teto de tão arqueadas.

– Tá brincando, né?

– Não, não estou! É um ótimo plano!

– “Ótimo plano”? Esse é um dos piores planos que eu já ouvi na vida, Katrina. - Retrucou, balançando a cabeça.

– Se não tem ideia melhor, então não reclama. Na realidade, mesmo se você tivesse algo melhor, o que eu acho impossível, não iria aceitar, já que sou eu quem mando aqui. - Falei, cutucando a bochecha dele.

Pedro deu um suspiro pesado.

– Megera, se alguém descobrir… - Ele hesitou, estralando a língua.

Revirei os olhos, cansada daquele nhenhenhém. Pedro deveria se jogar mais de cabeça quando o assunto era fazer merda.

Mas eu não era do tipo que desistia. Eu era do tipo que subornava.

E como todos nós sabemos, a melhor forma de subornar alguém que te ama (como a sua mãe ou como o vizinho italiano), é dizer e fazer coisas que deixem a pessoa sem saída: ou aceita, ou aceita.

Inclinei-me para a frente, apoiando-me em um braço, roçando de propósito meu ombro no dele. Pedro retesou-se e me olhou, surpreso. Com a mão na qual eu não estava apoiada, desenhei uma linha imaginária no braço arranhado dele, bem devagarinho (eu sei que a minha vaga lá embaixo está garantida, não se preocupe).

Agora era a parte final: fazê-lo aceitar com apenas cinco palavras.

Olhei para cima, encarando-o bem nos olhos. Pisquei devagar.

– Me ajuda, Pedro… Por favor.

Pedro fechou os olhos com força, e eu senti que ele estava se segurando para não me dar uns tabefes. O italiano suspirou, relaxando os ombros.

– Eu odeio você, megera - gracejou, resignado. Sorri, vitoriosa. - Sério, esse seu poder sobre mim ainda fará eu matar alguém.

Me afastei alguns centímetros dele, limpando o suor da palma da minha mão na calça e estendendo-a para ele.

– Temos um acordo, então?

– Temos né, fazer o quê? - Ele brincou, apertando a minha mão com força.

Sorri, assentindo. Afrouxei o aperto, deslizando minha mão para colocá-la em algum lugar bem longe do corpo dele.

Mas acho que isso não estava nos planos do garoto. Ele agarrou de novo meu palmo, desta vez com força, e tomei um susto quando ele me trouxe para mais perto com um puxão. O meu braço ficou como uma ponte em cima de suas pernas, pousando do outro lado da cama. Meu rosto estava tão próximo ao rosto dele que eu podia sentir sua respiração na minha testa.

Ficamos nos encarando por alguns segundos, completamente silenciosos. Eu estava muito mais que simplesmente embaraçada. Eu sentia meu rosto queimar e tinha certeza de que alguma coisa dentro do meu estômago começou a se revirar.

E, além disso, eu estava me odiando naquele momento. Me odiando porque eu tinha expectativas de que algo acontecesse. Sério, se Pedro demorasse mais alguns segundos para agir, eu mesma iria atacá-lo bem ali.

E, de repente, eu voltei à minha realidade quando o celular do italiano começou a tocar. Uma melodia bem animada começou a pairar em cima de nós dois. Sem querer, acabei fazendo uma expressão (sincera) de decepção, e obviamente Pedro percebeu, pois sorriu de forma matreira.

Nos afastamos, e era como se eu começasse a respirar pela primeira vez desde que estávamos no quarto. Pedro se levantou e enfiou a mão no bolso, atendendo ao celular. Ele ficou alguns segundos só escutando.

– Hm… Derek, isso é sério? O.k., o.k., desculpa, não estou tirando com a sua cara… Só que isso é uma situação muito complicada… Não precisa se desesperar, cara… Tá bom, vou estar aí dentro de alguns minutos. - E, por fim, desligou, não resistindo e rindo.

– O que aconteceu? - Perguntei, curiosa.

Pedro hesitou antes de começar.

– Bom, digamos que o Derek prendeu uma parte do corpo em um objeto peculiar. - Riu-se, provavelmente lembrando da conversa. - Enfim, ele está com problemas e precisa da minha ajuda. - Pedro guardou o celular e pegou a mochila, virando-se para mim. - Bom, megera, nós nos falamos amanhã?

– Sim. - Confirmei. - E não se esqueça de levar seu taco de beisebol.

Ele sorriu, estreitando os olhos.

– Não vou me esquecer. Aliás, Katrina, acho que a sua atitude está sendo muito admirável. Poucas pessoas fariam o que você está fazendo. - Confessou, parecendo realmente sincero.

Apenas dei de ombros, sabendo claramente daquilo. Fiz um “tchau” para ele com a mão, enquanto coçava a cabeça de Hércules, esperando que ele fosse embora. Mas, antes de atravessar a porta, Pedro parou e batucou os dedos no batente, como se medisse seu próximo passo.

Ergui uma sobrancelha quando o vi girar os calcanhares e caminhar de forma rápida até mim. Levei um susto colossal quando o italiano apoiou um de seus braços na cama, inclinando-se para cima de mim tão rapidamente que não consegui processar direito o que estava havendo ali.

Pedro me deu um beijo estalado na boca. Não houve nada mais “profundo”, apenas ele e o beijo. Mas, mesmo assim, aquele simples tocar de lábios fora o suficiente para que todo o funcionamento do meu corpo entrasse em pane - mais especificamente, no modo “Borboletas no Estômago”.

Quando Pedro afastou-se, percebi de forma inconveniente que nós dois sorríamos. Mas não queria que criássemos um clima tenso demais, por isso assoprei o rosto dele, fazendo-o rir e levantar-se, parando de pé na minha frente.

– Hm… - Ele pigarreou, sem graça. Era uma verdade universal que ninguém sabe o que dizer após um beijo. - Megera, acho melhor eu ir…

– Tá bom… - Concordei, um pouquinho seca.

Mas eu sabia claramente que Pedro possuía um poder: ele podia olhar dentro de você e descobrir exatamente o que está sentindo. Por isso, não ficou nem um pouco magoado. Ele apenas sorriu, presunçoso, obviamente convencido por causa do sorriso na minha cara, e arrumou a alça da mochila em cima do ombro.

Deu alguns passos e, novamente, parou na porta. Soltei um suspiro, imaginando o que ele queria daquela vez.

– Katrina? - Chamou-me, um pouco sério.

– Hm? - Resmunguei, abaixando o olhar e acariciando Hércules.

– Eu amo você. - O italiano soltou a pérola, e eu imediatamente ergui o olhar para encará-lo, abobada.

Como ele conseguia dizer isso com tanta facilidade? Para eu conseguir dizer, primeiro de tudo, tinha que estar bêbada. Pedro era um filho da puta porque ele conseguia me fazer perder o fio da meada com a mesma facilidade de respirar.

Só sei que eu fiquei encarando ele como uma idiota, fazendo-o rir a ponto de seus olhos sumirem por um breve instante. Hércules fez um barulho de cachorro em cima da minha cama logo depois de Pedro sumir, esfregando sua cara na minha perna.

E foi aí que eu notei uma coisa: eu estava sorrindo. E não conseguia parar. Bati no meu rosto, deitando na cama.

– Pare de sorrir, Katrina Dias. - Ordenei a mim mesma, notando que felicidade excessiva era um sinal ruim. Peguei meu travesseiro e o esfreguei na minha cara, utilizando métodos ineficazes para me fazer acordar para a vida.

Mas, no fim das contas, eu acabei abraçada ao travesseiro, deitada de lado, encarando Hércules (que no caso estava lambendo suas partes íntimas) e sorrindo por causa de nada.


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Notas finais do capítulo

Olá, olá, olá /o/
Sim, tretas is coming. Preparem os hearts porque eu não pouparei ninguém, muhahaha. A metade do próximo capítulo será puramente Pedrina, e na outra parte irá acontecer uma coisa que, oh, galera, até eu estou ansiosa para que aconteça (sim, isso mesmo que você está pensando) HUAHUAHUAUHAHUHUAA (só tô atiçando vocês, Bia malvada, né?)
Gente, caso vocês virem qualquer errinho, avisem-me, por favor! :333
É isso aí, comentem bastante! /o/