Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 64
Sobre Cupidos e Piratas


Notas iniciais do capítulo

Oláaaaaaaaaaaaaaaaaa /o/ Tudo bem?
Como vão nesta segunda ensolarada? *u* Eu vou bem, porque, principalmente: estou de férias! ~comemora~ na realidade, era para eu estar de férias somente na quarta-feira, mas quem mandou eu ser a nerd, não é mesmo? Fui dispensada rapidinho u.u
Onigiris do meu coração, desculpem a demora, sério mesmo ;u; Eu já havia avisado a vocês que este capítulo iria demorar, e, realmente, demorou. Mas, enfim, ele está aqui! E, muuuuito grande! (sinto cheiro de Peka)
Eu, particularmente, AMEI escrevê-lo. Na realidade, estava esperando por ele há muito tempo. Era para ficar maior, mas, do tamanho que está, decidi dividi-lo em duas partes :3 Não vou prometer nada em relação à segunda parte, mas ACHO que sairá mais cedo que este...
Enfim, espero mesmo que vocês gostem!
Boa Leitura! :3



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Olha, há certas reações do corpo que são terrivelmente explicáveis.

Como, por exemplo, entrar no quarto da Marcela pela primeira vez e sua boca cair. No caso, Jonas, minha mãe e eu fomos os alvos.

O quarto da garota era enorme. Maior do que a área da minha casa, se quer saber. As paredes eram pintadas de rosa claro, lilás e branco; havia quadros, pôsteres autografados, CD’s, máquinas fotográficas (não me pergunte), tapetes, pufes, ursos gigantes de pelúcia e um tanto de outras coisas que não consegui decifrar.

E, ah, é claro: havia muitos empregados. Todos sorridentes, como se dissessem: “amo meu trabalho!” todos os dias. Marina passou por nós e pegou a mão do Jonas, o sorriso ainda estampado no rosto.

– Jonas, venha por aqui, tenho algo para você. Serena, vá com ela - a mulher apontou para trás, para uma das criadas, que levantou a mão e acenou - que ela irá fazer sua maquiagem. Vocês duas - ela apontou para eu e para Marcela - vão provar as roupas.

Marcela sorriu e apertou minha mão.

– Nós duas teremos que usar coisas que apertam, Katrina. Boa sorte.

Abri minha boca, cética. Vaguei meu olhar pela sala enquanto Marcela me puxava; todas as garotas presentes ali me olhavam, parecendo desejar sorte internamente. Não é como se eu agradecesse, já que eu estava sentindo que iria morrer.

O.k., eu sei perfeitamente que minha mãe havia me pedido para que eu fizesse as coisas discretamente, mas, francamente, não dava. Eu estava nervosa porque meus pulmões iriam ser esmagados por uma maldita peça de roupa.

Engoli em seco quando Marcela fechou uma cortina, deixando eu, ela, e uma senhorinha dentro da repartição. O espartilho estava ali no canto, rindo maliciosamente para mim, como se dissesse: “pronta, querida?”.

Voltei à realidade quando a senhorinha estralou os dedos na minha frente.

– Katrina, querida, tire suas roupas.

Opa, hein?

Estreitei os olhos e olhei-a com estranheza.

– O que é isto, senhora?

Marcela começou a rir enquanto a senhorinha me olhava de forma esquisita também.

– Não, Katrina, você tem que tirar as roupas para colocar o espartilho - a oxigenada me explicou, botando uma mão no meu ombro.

Ah, sim, claro.

Eu havia entendido, mas tinha que soltar uma piadinha para o clima não ficar muito tenso.

– Humpf - brinquei, tirando um braço de dentro da jardineira com facilidade - deveriam ter uma desculpa menos esfarrapada para ver minhas curvas sexys.

– Que curvas? - Marcela cutucou, erguendo uma sobrancelha - a do seus olhos?

Eu queria dizer, após aquilo: “aquelas que, no caso, você não tem”, mas fui impedida porque, bem, a sessão de tortura havia começado.

*

Se, caso você e seus amigos forem sequestrados por um psicopata e ele perguntar a você: “Se você quiser que seus amigos não sejam estripados, coloque um espartilho.” Meu amigo, escute este meu conselho: fuja e deixe seus amigos lá.

O.k., eu não vou negar: o maldito era lindo de morrer. Ele era preto, com pequenos bordados em forma de caveirinhas aqui e ali. O trançado por detrás era de couro preto, que apertava minhas costas de um jeito fenomenal. Meus seios fizeram um looping e exclamaram algo como: “viva!” ao serem jogados para cima e ficarem ali, confortáveis - já que o busto era revestido por algodão.

Mas isto tudo não mudava o fato de que eu fiquei roxa e precisei de dez minutos para me acostumar com a dor de ter meus pulmões sendo massacrados. Me ofereceram um copo d’água, chá e até me abanaram.

Aquele pessoal era bom demais. E, bem, já que eu sou do lado negro da força, tive que me aproveitar deles. Após o chá, pedi um pudim, bolo de cenoura, duas fatias de queijo, leite com chocolate e, de bônus, me enviaram uma bandeja com pão de forma e geleia - até veio uma faca para passar a geleia.

Meu Deus, como eu amava aquele lugar.

Me estiquei de mau jeito em uma poltrona, fingindo ainda me recuperar enquanto enchia a barriga. Enquanto eu estava ali, na folga, comendo como um porco aquela comida maravilhosa, Marcela colocou o vestido com o corpete, completamente indiferente; a mesma dificuldade de respirar. Lá estava ela: em cima daquelas banquetinhas, se olhando no espelho enquanto a senhorinha dava ajustes no tecido.

Hm, magrela.

E, céus, ela estava linda. Não importa o quão clichê isto pareça, era a pura verdade: Marcela parecia ter saído de um conto de fadas. O vestido era todo branco, como o de uma noiva; tão delicado que parecia que ao mínimo descuido ele iria rasgar por completo. A pele delgada da garota e seu cabelo claro faziam um ótimo par com a peça.

Provavelmente só ela ficava bem nele. Se eu o colocasse, por exemplo, iria ficar, no mínimo, cômico.

Me levantei com dificuldade da poltrona, gemendo a cada passo dado por conta do meu peito dolorido. Levei comigo um pãozinho de forma passado na geleia, e fiquei parada ao lado da aniversariante, mastigando enquanto ela sorria para mim pelo espelho.

– Laura… - Ela chamou a senhorinha, que apareceu detrás dela com uma agulha na boca - está ótimo assim, muito obrigada. Você poderia pegar o resto das roupas da Katrina? Está ali no armário.

Enquanto a empregada saía para pegar o que eu ainda tinha para vestir, Marcela riu pelo nariz, descendo com dificuldade da banqueta. Ela olhou para o lado à procura de alguma coisa.

– Ah, Katrina, você nem imagina o quanto eu estou feliz - ela riu sozinha de novo, como uma idiota - mas… Onde estão meus sapatos?

Mordi o último pedaço de pão e olhei para o chão, à procura daqueles infelizes também.

– São aqueles? - Apontei vagamente para um par de saltos baixos, também brancos, que estavam atrás da banqueta.

– Ah, são aqueles mesmo. Obrigada.

Enquanto ela os calçava, prática, Laura voltou com mais algumas coisas para que eu pudesse vestir. Seu jeito desengonçado de andar me fez sorrir. Ela estava com um par de botas embaixo do braço esquerdo e segurava de forma segura uma saia na mão direita.

– Ah. - Marcela exclamou, levantando-se; ela havia ficado meio centímetro mais alta que eu quando colocou aqueles saltinhos - foi eu quem escolheu esta bota. O Jonas escolheu a saia. Ele achou que o estilo gótico combinava mais com você.

Deus, eles realmente tinham comprado coisas para mim. Coisas caras, no caso. Mais caras que eu.

E eu não tinha, ao menos, comprado um adesivo para Marcela de aniversário.

Parabéns, Katrina, o estágio “Ficar com remorso e raiva de si mesma” foi, depois de anos abandonado, finalmente conquistado. Deseja ganhar um soco agora?

Suspirei e passei a mão na saia. Ela era de algodão, preta, um pouco curta, mas a altura da bota disfarçava isso. Ela tinha cintura marcada por um vinho fosco e pequenos desenhos de espirais, extremamente delicados, haviam sido desenhados com cor de sangue no tecido.

Dei um suspiro e a vesti, a subindo na altura abaixo do umbigo, mais ou menos. Ela ficou sobre o espartilho, rindo para as pessoas. Laura olhou para mim com deslumbre.

– Parece uma boneca - opinou ela, rindo-se.

– Pareço uma pirata meio gay - falei, me virando para o espelho. - Ainda bem que eu trouxe um tapa-olho e minha bandana.

Marcela riu enquanto eu fechava a cara. Calcei as botas com certa dificuldade, me apoiando no ombro das duas. Encaixou-se como uma luva; ou bota, no caso. O salto era baixo, no máximo ele havia cinco centímetros. Ele era grosso e confortável. Me senti bem com ele.

A bota era alta, com um dobramento perto do meu joelho; preta com fivelas em dourado. Era igualzinha a de um pirata nos filmes, livros, séries e afins.

E eu, obviamente, achei um máximo. Me soltei das duas e abri uma fresta na cortina. Me virei para elas.

– Vou indo acabar de me vestir. - Eu disse, a cara de: “não vão mais precisar de mim, falou.”

Marcela arqueou os cantos da boca.

– Juro que vou ficar linda.

Abri um sorriso minúsculo.

– Não duvido.

Saí daquele cômodo improvisado alisando a barra da minha saia, de cabeça baixa. Ouvi um berro perto de onde eu estava, fazendo-me dar um pulo, terrivelmente assustada. Ergui a cabeça rapidamente, os olhos arregalados. Jonas vinha na minha direção, com os braços abertos.

Cara.

Ele estava terrivelmente…

Abri minha boca quando eu o vi: Jonas vestia uma jardineira jeans, extremamente curta, deixando aquelas pernas branquelas à mostra; uma camiseta verde de manga curta estava sob ela, fazendo contraste com os botões dourados da jardineira. Ele vestia sapatos pretos e um chapéu verde.

– Jonas… - Falei, apática - que porra é essa?

Ele riu, nada inocente. Jonas jogou os braços para cima, depois colocou-os na cintura, fazendo pose.

It’s me…– Ele esticou o dedo indicador, no qual estava desenhado um bigode e o colocou embaixo do nariz - Jonas!

Balancei a cabeça em negativa.

– Não tenho nada a declarar, sério. Essa é, sem dúvidas, a pior fantasia de Luigi que já existiu na história da Terra.

O garoto ignorou completamente o meu comentário com um resmungo. Ele se aproximou de mim e examinou o espartilho.

– Realmente, eu tenho um gosto esplêndido. Você ficou linda, Katrina. Mas, cadê o tapa-olho?

Sorri, satisfeita.

– Eu vou pegá-lo agora. Eu o trouxe comigo, mas está com a minha mãe neste momento.

– Hm. - Ele disse por fim. O garoto deu de ombros - vou ajeitar meu bigode. Licença, megera-agridoce.

Revirei os olhos e me encaminhei até onde minha mãe estava. Ela reclamou comigo, dizendo que eu não estava sendo discreta com as botas que estava usando, mas no fim ela concordou pelo bem da sociedade. Vesti o tapa-olho e minha bandana. E, antes de ir, minha mãe deu-me um brinco seu. Era uma argola com uma pequena bijuteria verde azulada, brilhante. Aceitei-o de bom grado.

Amarrei-a de maneira a aparecer o nó entre o pano, ao lado da minha orelha esquerda. A bandana era vermelha, mas de um tom mais claro do que o meu cabelo, então acabou que ficando uma coisa bonita, e não zoada.

Sim, eu estava me sentindo.

Eu estava cegueta, mas estava me sentindo.

Como a festa só começaria às cinco da tarde (e como de costume o pessoal só iria chegar lá para as seis), decidi dar uma passeada pela casa. Visitei a cozinha - onde roubei umas tortinhas e enchi o saco dos cozinheiros -, fui ao local onde Hércules estava se dando muitíssimo bem com outros cachorros, pulando e cheirando áreas específicas e dei uma voltinha pelo jardim.

Tudo isso com o visual de pirata.

Eu não iria tirar aquilo nem para dormir.

*

O dia começou a escurecer e todas as luzes da casa foram acesas. O salão principal estava praticamente vazio, com apenas eu, Jonas e mais algumas pessoas desconhecidas, sem estarem vestidas de acordo. Havia várias mesas redondas, com toalhas de renda, encostadas na parede. Cinco lugares cada. Cada uma tinha um arranjo de flores diferente.

Pelo o que Marcela me disse, viria, assim, de lambuja, umas cem pessoas. E aquele espaço dava para elas deitarem e rolarem.

– Meu Deus - Jonas exclamou do meu lado, os olhos verdes fixos no celular.

– O que aconteceu? - Perguntei, espiando por cima do ombro dele um garçom que tinha com uma bandeja cheia de frutas. - Opa, opa! - Parei-o, esticando o braço por cima da cabeça do moreno e pegando um cacho de uvas - valeu aí.

Jonas balançou a cabeça.

– Não, só o meu boy magia que está vindo de “Jogador de Basquete”. Ele não tem criatividade… - Ele olhou para mim enquanto eu mastigava três frutas de uma vez. - Katrina, você é um saco sem fundo. Vai comer longe de mim. Por que não vai lá para fora, aproveitar o sereno de fim de tarde e xeretar quem está chegando? Vai ver que você dá de cara com o Pedro.

Estreitei os olhos, as sobrancelhas juntas.

– Chato - Falei com dificuldade, a voz parecida com um bebê gigante.

Ele riu um pouco, logo voltando sua atenção ao celular. Comecei a andar pelo salão, por meio das pessoas e empregados. Minhas botas faziam um som engraçado no piso, meu maxilar se movendo enquanto eu comia as uvas.

Elas estavam docinhas e eu não as largaria por nada.

Saí do salão e dei de cara com o jardim todo iluminado por postes de luz, o chafariz ligado e umas luzes estranhas entre as flores. Fiquei no segundo degrau da escadaria principal, observando uma certa muvuca passando pelos portões. Meus olhos vagaram por aquelas pessoas.

Lá havia joaninhas, abelhas, hambúrgueres gigantes, gatos, Sailor Moon’s, bruxas, vampiros com o cabelo lambuzado de gel, mosqueteiros, bailarinos, lobisomens, tinha até um Jason - que estava gatíssi…

Pera aí.

Tirei o tapa-olho, pasma, quando foquei no mosqueteiro: cabelos castanhos, um pouco baixo, um fio vermelho no pulso esquerdo, bochecha vermelha e um pouco marcada, sorriso de molestador. Porra, era o Derek.

Bom, okay, se aquele ali era o Derek, então a pessoa com quem ele estava falando, íntimo e animado, que no caso estava vestido de Jason, era o…

Arregalei os olhos quando comecei a compreender.

Ca-ram-ba.

Ferrou, cambada. Ferrou.

Meu Deus, como eu sou tapada. Pedro disse claramente para mim aquele dia: “Treze. Seis. Mil novecentos e quarenta e seis. Pronto, é esta a dica.” Eu até raspei na data, dizendo que era um aniversário.

Dei um tapa na minha testa, cética.

Óbvio, dia “13/06/46” é o aniversário do Jason. É, este mesmo, o Voorhees. O meu affair.

Mer-da.

Eu já estava ligando as minhas turbinas e voando para bem longe dali quando eu percebi que Pedro havia me visto. Engoli em seco.

O pior de tudo era que, bem, ele não estava vestido à rigor. E sim do jeito dele. Pedro estava vestido com um macacão jeans e, sob ele, estava uma camiseta regata branca. Ou seja: os braços dele estavam de fora, e o Pedro - definitivamente - não era um fracote, se é que você me entende. Tinha até a marca da mordida de Duque em seu braço. Ele também vestia luvas pretas e a máscara típica, é claro. Jason sem máscara não é Jason.

Mas, meu Deus, Pedro estava lindo demais. Aquela fantasia estava linda demais. Eu precisava tê-la. Eu precisava suborná-lo para que ele desse a mim. Somente a mim.

Pedro tirou a máscara, o rosto suado. Ele piscou algumas vezes, lançando a mão em direção à cabeça, bagunçando o cabelo que estava todo espetado e molhado. O rosto dele se virou para mim na mesma hora em que ele tirou aquele objeto do rosto.

O italiano alinhou os fios de forma correta e sorriu para mim. Deus, ele estava tão bonito suado e vermelho, sorrindo daquele jeito para mim. E, ainda por cima, vestido de Jason Voorhees. Ri de um jeito extremamente boboca, e só foi aí que eu notei que ainda estava mastigando uma uva.

Gelei na hora em que eu percebi o que estava acontecendo. Acabei derrubando o cacho de uvas no chão, fazendo com que elas rolassem lá para baixo, no primeiro degrau da escadaria.

Não demorou para que o pessoal começasse a subir, esmagando as coitadinhas de um jeito cruel. Droga. Elas eram inocentes.

Joaninhas, abelhas, palhaços e um monte de outras coisas bizarras subiam as escadas, me encarando. Encarei todos de volta, e quando eles estavam quase passando por mim, gritei, alto e em bom som:

AWR! like a pirate.

Todos tomaram um susto e pararam de me encarar, como se achassem que eu era louca. Algumas meninas até deram um gritinho ao ver minha cara de “vou comer seus ossos no mingau” enquanto gritava isso. Ri pelo nariz, me afastando daquele local.

Derek finalmente apareceu, mas ele não parecia bravo. O que era um desperdício, já que eu queria encher o saco dele um pouco mais. O garoto tocou na aba do chapéu de mosqueteiro de um jeito cordial.

– Kit-Kat, boa noite. - Ele me avaliou por uns segundos - está bonita.

Levantei uma sobrancelha, estranhando tudo aquilo. Derek dando uma de “sou fofo, me amem”?

– Eu sei - respondi, seca, erguendo o nariz. - Que bicho que te mordeu, rapaz?

Ele apenas me encarou como se eu estivesse falando que gostava de comer besouros nas horas vagas.

– O quê? Não posso encarnar meu personagem?

Ah, era um bom ponto. Resta saber qual dos três ele estava encarando.

– Qual deles? Aramis?

– Exato - o garoto respondeu, assentindo - nos livros, ele é cavalheiresco e elegante.

Comecei a rir da cara dele.

– Tudo o que você não é, no caso.

Ele abaixou a cabeça, abafando um risinho. Derek colocou as mãos atrás das costas e deu uma pequena reverência a mim.

– Com licença, Kat-Kat.

Quase meu chute alcançou-o, mas o filho da mãe correu lá para dentro rápido demais. Quantas vezes tenho que falar que não gosto desse apelido?

Estralei a língua e me virei, rápido, para olhar as outras pessoas. Pedro estava parado um degrau abaixo de onde eu estava. Dei um berro com o susto, indo para trás.

– Pedro, o que eu já disse sobre teletransportes? - Exclamei, os olhos arregalados, a mão no peito.

O garoto riu, não se importando em nada com possíveis ataques cardíacos. Ele me olhou mais uma vez, desta vez avaliando minhas botas.

– Esta é, sem dúvidas, a melhor fantasia de pirata que eu já vi - ele sorriu, levantando o queixo para poder me encarar.

Sorri, extremamente satisfeita ao ter meu ego alimentado - nunca elogie uma pessoa egocêntrica, sério.

– Não é? - Cruzei os braços. Então me lembrei do nosso acordo - Pedro, você comprou o presente da Marcela?

– Ah, sim - ele caçou dentro dos bolsos de sua roupa. O garoto tirou de lá uma caixinha minúscula, cabendo perfeitamente na palma de sua mão. Ela era de cor salmão, com uma fita rosa formando um laço. - Está aqui. Devo confessar que pedi a ajuda da atendente.

Suspirei, extremamente aliviada. Peguei a caixinha de sua mão, observando aquele objeto minúsculo. O que será que havia dentro daquilo?

– Nossa, cara, obrigada– falei no automático, segurando-a entre meus dedos.

Pedro abriu a boca, parecendo extremamente surpreso. Ele ia dizer alguma coisa, mas começou a piscar, a boca entreaberta.

– De… De nada, Katrina - falou ele, olhando fixamente para mim. Eu já ia entrando quando o garoto segurou meu pulso delicadamente - hã, megera… Mas…

Ah, esse “mas” me matava. Estreitei os olhos.

– O que foi desta vez?

O garoto espiou lá dentro e estralou a língua. Ele me olhou e me puxou para descermos as escadas.

– Aqui não é um bom lugar. Vamos para lá - ele parecia meio sério.

O segui, os olhos estreitos. Fomos para o gramado, um pouco distantes da entrada da casa. Pedro ainda segurava meu pulso.

– O que foi? - Perguntei, desconfiada.

Ele suspirou, olhando para os lados; Pedro parecia meio nervoso, extremamente ansioso.

– Katrina, eu meio que… - Ele disse o resto baixo demais.

– Fala mais alto - pedi; àquela altura, já estava imaginando o pior.

O rapaz deu um suspiro e despejou tudo de uma vez:

– Katrina, eu comprei o presente por nós dois.

Não. Ele não fez isso.

Não pode ser. Abri minha boca, cética.

– Você não fez isso - quis que ele negasse, mas o garoto não o fez. - Pedro!

O italiano jogou os braços para cima, tentando se explicar.

– Katrina, eu não sou rico! - Ele disse, afobado - e, pelo amor, qual é o problema de dividir um presente comigo?

Isso não estava acontecendo.

– Pedro, você sabe quem divide presentes? Namorados, entes próximos, casais. Nós – bati o indicador no peito dele e apontei para mim - não!

O garoto revirou os olhos, como se pensasse: “mereço…”

– Katrina, larga de ser neurótica. Não são apenas estes que você citou que dividem presentes. E… - Ele coçou a cabeça, sem jeito - se o que você disse fosse verdade, nós meio que nos encaixamos nestas categorias, já que somos… - Ele parou abruptamente de falar, erguendo o olhar para encarar uma pessoa atrás de mim.

– Um casal? - Completaram, uma voz meiga conhecida.

Me virei rapidamente, ainda com um xingamento mental, mas sem ser liberado, já que a mãe da Marcela estava ali. Fiquei do lado do italiano, sem saber o que dizer.

Marina olhou-nos e sorriu; verruguinhas apareceram em suas bochechas.

– Você deve ser o Pedro, certo?

O garoto assentiu, surpreso.

– Sim, sou eu.

Ela pareceu satisfeita.

– É, a mãe da Katrina me disse coisas boas sobre você. - Ela colocou o dedo no queixo, pensativa - ela também me disse que vocês dois estão namorando há pelo menos cinco meses, é verdade?

Ah, não.

Não!

Era isto que eu iria dizer, mas parei para pensar por alguns segundos. Se eu dissesse a ela que era mentira, Marina iria pensar que minha mãe era uma mentirosa; a linda amizade das duas de apenas algumas horas iria ser afetada. Mas, se eu confirmasse, iria sobrar para mim.

Maldito paradoxo da vida.

Salvar ou não minha pele?

Pedro abriu a boca, extremamente sem jeito. Ele riu e passou a mão pela nuca, tentando bolar alguma resposta coerente.

– Na realidade, nós… - Ele começou, mas eu o interrompi.

Passei meu braço por detrás de suas costas, abraçando-o e fazendo-o chegar mais perto de mim. Sorri de um jeito angelical, piscando meus olhos de maneira mais convincente possível, enquanto Pedro ficava mudo, a cara se contorcendo em um ponto de interrogação.

– … Estamos, sim, namorando - completei, apertando sua cintura e forçando meu cérebro a ser mais convincente. Vamos, Katrina, cadê sua habilidade de atuação? - Não é… - Eu queria me matar, mas aquilo era necessário - … Pepê?

Pelo amor de Deus, minha mãe simplesmente deceparia minha cabeça se soubesse que eu a fiz perder a amizade de uma mulher que ela julgava ser chique.

Marina pareceu se surpreender com minha “honestidade”, enquanto o pobre, inocente e descrente Pedro se engasgava do meu lado, começando a ficar um pouco vermelho. Ah, eu admito: não pude deixar de dar um sorriso de satisfação por minhas duas vitórias; uma delas era fazer o Pedro ficar envergonhado, é claro.

Revenge, bitch.

Marina riu de novo daquele jeito meio Papai-Noel (ho-ho-ho), e não fez esforços para esconder sua cara de: estou tendo pensamentos inapropriados agora.

– Ah, uau, eu não esperava uma resposta tão segura! Vocês dois formam um lindo casal!

– Eu sei - falei de um jeito meio gay.

Ela riu de novo, desta vez pronta para ir embora; pelo jeito ela estava só passando para ver se estava tudo bem com o povo.

– Juízo, hein? Tenham uma boa noite.

Sorri e acenei para ela; quando desapareceu de minhas vistas, desgrudei do italiano, meu rosto coberto de: ah, tá, foi mancada, eu sei. Não que eu vá dizer de novo, e, francamente, sinta-se honrado, mas desculpa.

Pedro passou a mão no rosto, a garganta tremendo com um riso contido. Percebi que, debaixo de seus olhos, seu rosto estava meio corado. Ele me observou entre os dedos, descrente.

Pepê, Katrina? Sério? Minha avó me chama assim. - Ele tentou harmonizar o clima.

Não pude evitar e comecei a rir; contei-lhe o porquê daquela mentirinha inocente, e o garoto pareceu um pouco ofendido, como se dissesse: desde quando virei um objeto para sacanear? Mas, depois, ele apenas despenteou os meus cabelos e desistiu de ficar bravo comigo.

Eu não estava me lembrando do porquê de nossa pequena discussão até Marcela simplesmente brotar na escadaria. E, Santo Cristo, ela estava linda. Marcela parecia uma princesa: delicada, bonita, maquiagem perfeita, cabelo perfeito, salto perfeito… Só faltava o príncipe perfeito, que, cá entre nós, ela não acharia tão fácil. Não com dezesseis…

Espera aí.

Me virei para o Pedro, incrédula.

– A Marcela está fazendo dezessete hoje?

Ele assentiu, me olhando.

– Uhum.

Era inacreditável. Eu era a mais jovem entre todos aqueles bobocas. Eu era mais jovem que a Marcela. Não, não dava.

Fiquei boquiaberta com o pensamento; Marcela chegou perto de nós, a respiração descompassada. É, pelo jeito, saltos definitivamente não foram feitos para correr.

– Vocês estão aqui! Nem acredito… - Ela parou para respirar, fechando e abrindo os olhos pausadamente - vocês poderiam me dizer se viram meu irmão por aí?

– Quem? O Carlos-baba-ovo? - Perguntei, me recordando apenas daquele detalhe.

Marcela cruzou os braços.

– Tadinho, Katrina, ele não fez nada de mal a você. E, sim, é ele mesmo. O viram boiando por aí?

“Ele não fez nada de mal a você”. É, mas foi ele quem disse que minhas pernas eram bonitas na maior cara de pau do universo. E ele era rico, francamente.

– Não, não o vi - Pedro e eu respondemos ao mesmo tempo.

Ela sorriu, agradecida, e fez um sinal com a cabeça, representando que iria entrar. Mas, antes que isto acontecesse, Pedro se manifestou e a chamou. A garota se virou, surpresa.

– Marcela, feliz aniversário, e… - Ele pegou a minha mão que segurava a caixinha rosa e a estendeu a ela. - Este aqui é o nosso presente. Espero que goste e que tenha uma ótima noite.

“Nosso presente”. Porra, ele fala isso com a maior tranquilidade, como se não houvesse nenhum valor sentimental por trás.

– Ah… - Gaguejei, sem jeito com a ação repentina. Falei a primeira coisa que veio a minha cabeça - é... Isso aí… Que ele falou…

Marcela abriu a boca, encantada.

– Ah, eu não acredito! Vocês são umas gracinhas quando juntos, sério! - Ela pegou a caixinha da minha mão, feliz. - Muito obrigada!

Pedro parecia satisfeito, enquanto eu apertava minha mão, nervosa e hesitante. Ah, caramba, faz quanto tempo que eu não dou um presente decente a alguém? E, cara, era a primeira vez que eu dividia um.

Marcela abriu, afobada, a pequena caixa. Já que era a primeira vez que eu via o objeto, estiquei minha cabeça para xeretar. A princípio, eram só papéis para mantê-lo seguro. Só que, de lá, ela tirou uma pequena correntinha cinza - provavelmente mergulhada em prata. Meu, só eu sou a pobre da história? Não vale.

Ela era terrivelmente delicada. Na correntinha, pequenos golfinhos com olhos azuis estavam pendurados. Marcela estava boquiaberta, como se aquele fosse o melhor presente de todos.

– Oh… É linda! - Ela começou a piscar, nos olhando com deslumbre - amo vocês, de verdade!

Então ela nos deu um abraço de urso, nos colando, emocionada. Ah, como era emotiva. Pedro parecia satisfeito, como se sua missão estivesse completada com sucesso. Apenas dei uns tapinhas nas costas de ambos, sinalizando que estava sufocada ali.

Marcela nos desgrudou, rindo como uma boba. Ela esticou seu pulso para nós junto com a pulseira. Pedro fez as honras, amarrando-a em volta de seu pulso fino com sutileza.

– Nossa, Katrina, quando você disse que eu gostaria do meu presente, nem passou pela minha cabeça que você compraria algo assim para mim. - Então ela se tocou. - Quer dizer, que vocês dois comprariam algo para mim! Uau, isto é um milagre! - Ela fez uma careta, convencida - vocês são extremamente fofos juntos, sabiam?

Antes que eu falasse algo como: tá doida, mina? ela começou a rir, sapeca, e começou a andar de costas, acenando para nós.

– Bom, eu sou a aniversariante e não a noiva, se eu demorar mais vão achar estranho! Aproveitem e se divirtam!

Ela saiu correndo, toda desajeitada, segurando o vestido para que ele não raspasse no chão. Gaguejei, cética da ousadia dela. Pedro cruzou os braços e deu um passo à frente.

– Megera, vai ficar plantada aí ou vamos entrar?

Olhei para ele, um sentimento estranho no estômago. Seria este ansiedade?

– O.k. - falei simplesmente, andando. - Por que será que eu estou prevendo que farei merda?

Pedro riu, cínico.

– Deve ser porque você sempre acaba fazendo porcaria. Ah, megera, tenta não beber hoje. Este detalhe é importante, sério. Não vou carregar você para a minha casa de novo e nem te darei minha geladeira.

– Preciso lembrar que aquilo não foi minha culpa? Culpe Jonas e Marcela, não eu. Eu sou a vítima aqui.

Pedro concordou, irônico.

– Com certeza, eu até estou vendo sua auréola. - Ele desenhou um círculo na minha cabeça, despenteando todo o meu cabelo.

Abanei o nada, tentando espantá-lo.

– Para, Pedro!

Nunca pensei que pensaria isto, mas a verdade era que eu estava doida para pular em cima dele. Por causa da fantasia, é claro. Subimos o resto da escada, eu prendendo novamente o cabelo na bandana, Pedro acenando para alguém no meio da multidão.

– Megera - o garoto se virou para mim. - O Derek está me chamando para não sei o quê, então… - Ele deu de ombros - a gente se encontra mais tarde, tá?

– Tá, falou - respondi, seca.

Pedro sorriu, já acostumado com meu comportamento indiferente; ele se inclinou sobre mim e me deu um beijo na bochecha, se afastando com passos largos e preguiçosos. Voltei à realidade, colocando novamente meu tapa-olho.

Havia várias pessoas do colégio ali, fantasiadas… Como é que aqueles caras que curtem desenho japonês falam, mesmo? Tem cosplay - que no caso, eu já fiz algumas vezes para ganhar uma grana extra - e tem o… Poxa vida, eu havia me esquecido.

Aaah, sim!

Cospobre! É, é este o nome. Havia várias pessoas com cospobre ali; as fantasias eram super criativas, mas terrivelmente absurdas de tão feias. As pessoas que me conheciam, me olhavam com desprezo ou até medo. Provavelmente no tempo em que eu estava fora, os rumores sobre minha lindíssima pessoa haviam sido aumentados e manipulados.

Que novidade, hein!

Cara, eu sempre fui vítima de boatos terrivelmente absurdos - como: eu já ter executado garotas virgens; já ter furado os olhos da professora de artes, por isto seu desaparecimento, sendo que ela apenas estava de férias; ter matado um garoto com um garfo (vivo tirando sarro desta aqui); eu ser uma prostituta que pega inocentes - caso do Pedro - para maltratar e fazê-los de escravos sexuais, ou, o mais recente que eu ouvi da boca da Marcela: disseram que eu havia ameaçado Carmen de morte.

Como se eu fosse sujar ainda mais as minhas mãos com aquela lá.

Provavelmente era por isto que o pessoal estava se doendo, me olhando daquele jeito. Ou apenas estavam com inveja da minha bota. Nunca se sabe.

Caminhei sem me importar entre eles, recebendo olhares nojentos de pessoas ainda mais nojentas. Suspirei, à procura de um garçom. Precisava comer alguma coisa. Enquanto fazia esta minha caminhada, vi - de longe - Derek e Pedro conversando afobadamente. O italiano insistia para que o skatista fosse a algum lugar, mas Derek se recusava, hesitante.

Pedro empurrou o ombro dele, insistente. Derek vacilou, quase dando passos demais para frente. Voltou e encarou feiamente o outro, balançando a cabeça em negativa.

Estreitei o olho não tampado, tentando perceber sobre o que eles discutiam.

– Vai lá! - Pedro dizia, tentando fazer com que o amigo perdesse o medo - larga de ser um idiota, Derek, o máximo que você pode receber é um “não”.

Me aproximei devagar dos dois, me escondendo atrás de uma mesa com um mini-chafariz de refrigerante - olha só o poder destes ricos miseráveis.

Enquanto enchia meu copo, percebi que Derek virou-se para ele de forma cínica.

– Ah, sim, eu lhe disse isto uma vez quando você foi falar com a Katrina, e o que você ganhou? - Ele arregalou os olhos de forma teatral. - Um “não, vá conhecer outra pessoa melhor”, além do fato de que você foi abandonado na chuva. Depois desta, meu amigo, me recuso a acreditar que será apenas um “não”.

Pedro somente encarou-o, sem argumentos. Já eu, completamente surpresa com aquela situação, acabei tossindo e me engasgando, ejetando o refrigerante pelo nariz no chão. Que lindo. Parabéns, Katrina, continue assim e obtenha o ódio mortal dos empregados.

Me curvei e limpei o nariz na saia mesmo, voltando a prestar atenção na conversa - bisbilhoteirismo never ends.

Eu pensei que Pedro iria dar um berro com ele, mas nada disto aconteceu. Ele apenas encarou-o, cético.

– O quê? - Derek perguntou, presunçoso - vai me dizer que estou errado?

Pedro revirou os olhos.

– Mesmo que eu te dissesse, você nunca iria entender. - Derek parecia abobalhado. - E, francamente, você é um bosta quando se trata de relacionamentos. - O italiano apontou para um ponto distante - você está perdendo uma oportunidade de ouro. Se você não falar, ela nunca saberá. Eu posso ter levado um maior fora, mas pelo menos eu sei que a megera está ciente dos meus sentimentos. É só arriscando mesmo, Derek.

Wow.

Pois é, Derek, você acabou de levar um kamehameha na cara.

Pedro estralou a língua, prático, e se afastou do garoto. Ele andou em direção às mesas, beliscando alguns doces, deixando um Derek terrivelmente em dúvida para trás.

Hm, então o filho da puta realmente gostava dela.

Ótimo saber disto. Adoro saber de coisas que posso usar como chantagem depois.

Deixei o lugar em que eu estava para dar uma voltinha, talvez encontrar minha mãe - que, até agora, estava desaparecida de minhas vistas - ou ver em quê o Jonas está metido desta vez.

Mas, antes disto, parei, comi dois rocamboles, um pão de queijo e tomei um pouco de refrigerante. Depois fui à busca. Comida em primeiro lugar, sempre.

Descobri que minha mãe estava vestida de colombina. É, sim com a gotinha embaixo do olho, o frufru e tudo mais. De novo: essa mulher tem mais de trinta anos?

Inacreditável.

Ela conversava alegremente com homens sentada à uma mesa redonda, com um copo de chope na mão. Todos eles pareciam à vontade, provavelmente já enfeitiçados pelos “dons” da minha mãe - mas, como todos nós sabemos, ela só se interessava por um homem. Já que percebi que ela estava bem, dei meia-volta e fui procurar um local para me alojar e ficar ali.

Percebi que, enquanto eu andava, aquele local se enchia de gente cada vez mais. Marcela estava conversando com um grupo de adultos, todos desejando-a felicidades, saúde, alegria, blá, blá, blá, Whiskas Sachê.

Jonas e Pedro estavam no mesmo grupo, conversando alegremente com mais umas cinco pessoas. O italiano bebia uma latinha de refrigerante, encostado em uma coluna, parecendo se divertir. Só eu que não estava me enturmando, pelo jeito…

Me puxaram grosseiramente pelo pulso, me levando até atrás de uma das colunas. Como eu estava de saltos, não pude fazer muita coisa. Percebi pelo chapéu abudo e azul que era o Derek - o que um ser deste queria comigo?

– Megera - ele exclamou, afobado, tirando o chapéu. O garoto esfregou a cabeça, tirando alguns fios da cara. Ele me encarou com seriedade - preciso de uma ajuda sua.

Ajuda? Minha? Ele estava querendo dar um fim em alguém?

– Não participo mais de homicídios, foi mal.

– Não! - Ele praticamente gritou, parecendo desesperado. - Não é isto!

Estreitei os olhos, estranhando tudo aquilo.

– Hm, o que é então? - Perguntei, suspeita.

Ele apertou a aba do chapéu, sem graça.

– Eu preciso que… Você dê um jeito, sabe, o seu jeito, de fazer com que a Marcela me ouça. Preciso ficar sozinho com ela. - Ele deu um suspiro - o que me diz?

Cruzei os braços, a resposta na ponta da língua.

– Estou vestida como uma pirata, não como um cupido. Você é tão cego que não consegue perceber isto? - Estreitei os olhos, percebendo meu feito - olha, rimou.

Derek revirou os olhos, sem muita paciência para minhas palhaçadas. Hm, cadê o Aramis interior, bicho ruim? Ele deu um suspiro.

– Katrina, por favor. Você é a pessoa mais espertamente cruel que eu conheço. É a única que pode fazer com que ela fale comigo. Faça por nossa velha amizade, hein? Seis anos nas costas, tá lembrada?

Dei uma risada irônica.

– Se você dependesse da nossa amizade, já estaria morto há muito tempo. Não me importo com você e sabe disso.

Ele começou a balançar a cabeça, as mãos para cima.

– Então faça por Marcela! Ela está angustiada por algo que fiz e preciso explicar o porquê. Mas eu nem consigo chegar perto dela! Já você, pode! Vamos lá, megera, não seja indiferente. Sei que não é mais assim.

Botei a cabeça para funcionar. Eu estava fazendo favores demais por uma década. Mas, se olhar por outro lado, me livrarei de um problema: Marcela e Derek não ficarão chorando perto de mim novamente. Hm, talvez isto seja bom para mim também…

– O.k. - concordei, um pouco amargurada. - Fique por perto, a qualquer momento poderá ser sua deixa. Fica esperto.

Ele deu um sorriso babaca, como se estivesse pulando de alegria interiormente e tivesse vergonha de demonstrar. O garoto ergueu a mão, em um “high five!”. Revirei os olhos e dei um tapinha na mão dele, fazendo-o rir.

– Você é a melhor, Katrina.

Dei de ombros, habituada.

– Eu sei. Fica esperto, hein? - Ele assentiu. Quando eu já ia indo, lembrei-me de uma coisa e virei de repente - e, ah… Só avisando… - Apontei para ele - se você machucar a oxigenada, Derek, eu vou arrancar seus testículos e esfregá-los nessa sua cara.

Ele riu, mas, quando viu que eu falava sério, ficou mudo e estático. E, sim, eu falava sério. Na minha casa tinha um facão de cortar peixe que serviria direitinho para este tipo de trabalho.

– Pode deixar… - Ele tossiu, arrumando o chapéu, sem jeito.

Hm.

*

Bom, para início de conversa, eu já tinha um plano. Já era à noite, então o salão encheu de vez. Uma rodinha fora formada em volta de um grupo de dançarinos, que flutuavam pelo chão ao som de uma valsa. Os adultos que anteriormente falavam com a oxigenada, também se afastaram para ver, deixando Marcela meio sozinha e perdida. Me aproximei devagar, chamando pouca atenção. Cutuquei seu ombro, fazendo-a se virar para me olhar.

– Ah, oi, Katrina. Tudo bem?

– Tudo sim - falei, erguendo o queixo. Vamos, seja discreta– você está com cara de quem comeu e não gostou… Algum problema?

Ela fez um bico, contente.

– Na realidade, não… Mas… Não sei, não estou à vontade. Não estou me divertindo… - Marcela deu uma risadinha nervosa - não é estranho?

– Sim - concordei, olhando em volta - muito estranho. - Pensei por um instante, tentando botar meu plano sobre a mesa - então, qual sua ideia de entretenimento?

Ela deu de ombros, olhando para os lados.

– Não sei. Talvez… Uma dança com alguém? As pessoas lá dentro da roda parecem estar gostando…

Sabe, uma vez eu fiz um teste de “Maquiavelismo” com uma psicóloga há um tempo. Neste teste, o nível de “Maquiavelismo” variava entre quatro e cem pontos. A garota que estava do meu lado atingiu cinquenta e três, e eu…

Eu havia atingido noventa e quatro.

Até a psicóloga havia ficado assustada.

Mas, o ponto em que eu quero chegar aqui é: eu sei - muitíssimo bem - como influenciar uma pessoa. E Marcela havia caído como um patinho na minha “Operação Cupido, awr”.

Dei um sorriso não tão revelador e fiz uma pequena reverência, esticando minha mão de um jeito contrário a de uma capitã pirata. Marcela olhou para a palma da minha mão, confusa.

– Senhorita, você me dá a honra de uma dança?

Marcela abriu a boca, rindo como uma boba. Ela também fez uma pequena reverência, puxando o tecido de seu vestido de forma sutil.

– É claro que sim, capitã.

Segurei o riso e apertei sua mão, puxando-a e caminhando com sofisticação até o montinho de gente. Enquanto nós duas caminhávamos, eu notava o olhar de ceticismo de certas pessoas - algumas faziam uma cara nojenta, de completa e total desaprovação.

Mas quem disse que eu estava ligando? Marcela parecia incomodada. Ela se inclinou e cochichou perto da minha orelha:

– Katrina, estão olhando estranhamente para nós.

Dei de ombros, bem estilo maloqueira.

– Isso aí é inveja, é só ignorar.

Ela juntou as sobrancelhas.

– Inveja? Inveja de quem?

Ri pelo nariz, olhando em volta.

– De você, é claro. Afinal, estes miseráveis nunca dançarão ou sairão comigo, a pessoa mais bonita desta festa.

Marcela soltou um “Aha!” seguido por um desaforado “pff”.

– Ah, Katrina, seu narcisismo me impressiona… Mas, não seria “a garota mais bonita da festa”?

Fiz que não com a cabeça, entrando na rodinha e posicionando a oxigenada para que ficássemos na mesma pose do pessoal que estava dançando.

– Não. Porque, com esta roupa, eu desbanco muito macho por aí. - Apontei com a cabeça para um cara que estava vestido de cupcake - como aquele cara.

Marcela sorriu, colocando sua mão sobre meu ombro.

– Você tem razão. Você sempre tem razão, né, Katrina?

– Sim - ergui o queixo, convencida.

Ela sorriu, então começamos a dançar. Era a primeira vez que eu dançava com uma amiga. Enquanto ela falava sobre o quanto o corpete era desconfortável, somente concordava e olhava em volta, à procura do Derek. Merda, se aquele desgraçado não aparecesse logo, todo o meu perfeito plano iria se transformar em uma valsa com Marcela.

– O que foi, Katrina? - Marcela perguntou, parecendo preocupada. Ela virou a cabeça e tentou olhar para onde eu estava olhando.

Disfarcei, girando-a e fazendo-a soltar um gritinho com a ação repentina e fora dos padrões. Meu Deus, eu realmente era a ativa desta relação.

E esta informação foi terrivelmente desnecessária.

– Só… - Pigarreei, voltando a olhar - estou procurando uma pessoa… Nada a se preocupar. Só dança aí.

– E esta pessoa… Seria o Pedro? - Voltei a olhar para ela, surpresa. Marcela tinha a maior cara de pau do universo.

– O quê? - Perguntei, cética - não! Não é o Pedro! E, também, o que eu iria querer com ele? Não é ele, não se preocupe.

Ela sorriu de canto, fingindo ser enganada.

– Aham, é claro.

Droga. Maldito Pedro. Sempre ferrando com a minha vida.

Bom, graças àquele pequeno comentário, comecei a ficar de mau-humor. Inclinei a cabeça e comecei a procurar mais intensamente aquele desgraçado. Marcela parecia extremamente desconfiada. Belezinha, ela estava duvidando.

E foi aí que aquela cruz apareceu: lá estava Derek, caminhando lentamente entre um grupo de pessoas. Ele me viu, acenou e apontou para Marcela. Dei um passo para frente, obrigando-a a ir para trás; ela parecia desconcertada e confusa, pisando diversas vezes no tecido ao andar para trás.

– Katrina - ela me chamou, as sobrancelhas juntas - o que diabos está fazendo?

Disfarça, Katrina, disfarça.

– Hm… - Murmurei, batendo voluntariamente meus dentes - naquele canto em que estávamos estava frio… Aqui, ou talvez mais para trás, talvez esteja melhor.

Ela arqueou uma sobrancelha.

– Ham-ham, até porque eu nasci ontem. Katrina, há algo errado? Diga-me!

Derek saiu do meio da multidão e ficou parado ali, feito um bocó. Mas, suficientemente perto para que eu conseguisse completar meu plano. Estreitei os olhos e apertei seu pulso. Eu tiraria vantagem, é claro.

– Marcela, vamos fazer um trato. Se você realmente odiar o que eu fazer, pode me bater. Mas… - Ela ergueu uma sobrancelha - se, por algum motivo alheio, tudo der certo, você terá que me comprar umas botas vitorianas aí. - Antes de Marcela perguntar o que raios eu estava dizendo, falei, encerrando o assunto: - tá fechado.

E, com isto, girei-a de modo que suas costas ficassem viradas para mim. Dei nela um empurrão forte, fazendo-a andar quatro passos, dar um gritinho e quase cair. Mas, claro, como era parte do plano, Derek pegou-a por baixo dos braços, erguendo-a e apertando-a contra si, pronto para dançar de novo. A garota ficou paralisada, completamente surpresa com aquilo.

Antes que ela - realmente - se tocasse e quisesse rodar a baiana na minha cara, dei o pé do local. Fui empurrando todo mundo, tentando sair de fininho dali. E foi aí que eu trombei - muito fortemente, se quer saber - em algo fofinho, grande e gordo.

Otávio, é claro.

Dei dois passos para trás e abri um enorme sorriso ao vê-lo. Ele estava vestido de Totoro. Sim, aquele do filme. E estava incrivelmente comestível e fritável. A namorada de Otávio ficou me olhando de esguelha sobre o ombro dele. É claro que ela acreditava nos boatos.

Otávio sorriu para mim.

– Oi, Katrina. - Cumprimentou-me, amigável. Ele me olhou por alguns segundos. - Ótima fantasia.

– Não é? - Concordei. Sua namorada continuou me olhando, talvez com medo. Não resisti. Eu nunca resisto, não é mesmo? - Awr! – Exclamei de repente, fazendo com que ela se assustasse com um gritinho.

Eu sou terrivelmente cabeça dura. As pessoas têm medo de mim por causa dos boatos; no lugar de ser amigável e desmentir, o que eu faço? Assusto as pessoas.

Parabéns, Katrina. Continue assim.

Os dois se afastaram à mando da namorada dele, Otávio sorrindo com complacência para mim; acho que ele entendia. Bom, eu salvei o rabo dele de levar um chute, de qualquer jeito. Já que eu fiz isto, não mereço nada mesmo que gratidão eterna. Aliás, por que ele não estava de joelhos?

Continuei minha caminhada para se livrar de um sermão infinito. Cheguei perto de um balcão onde pessoas distribuíam bebidas - não alcoólicas, é claro. Pedi um refrigerante e olhei para trás, vendo aquela multidão de gente.

Deus, se eu não conhecesse meus dois escravos, agora eu estaria embolada em cobertas, assistindo a minha TV sossegadamente. Não estaria aqui, agora: sufocando em um acessório do diabo, meio mal-humorada, a boca amarga e vítima de mais ou menos uns trezentos boatos ridículos.

Alguém escorregou desajeitadamente do meu lado, sentando-se preguiçosamente e me acordando de devaneios. Olhei para o lado e percebi que era o Pedro. Ele sorriu de lado, um olhar presunçoso no rosto. O garoto havia se sentado mais próximo que o normal de mim. Seu cotovelo estava encostado no meu.

Ergui uma sobrancelha. Ele não estava olhando para mim, mas aquele sorriso de lado denunciava que fazia de propósito. Colocaram na minha frente um pequeno copo com um conteúdo laranja.

Fiquei brincando com o copo depois de tomá-lo, enquanto o italiano murmurava uma música que eu conhecia. Pedro estava fazendo os mesmos sons de “Anna Júlia”. Indireta maior que aquela não existiria tão cedo.

– Já saquei, Capitão Óbvio. - Murmurei, olhando de esguelha para ele.

Pedro sorriu, sacana.

– Sacou o quê? E... - Ele esticou o dedo indicador, passando-o no meu nariz de forma provocativa - por que essa cara?

Dei um tapa na mão dele, afastando-o. Se era para provocar, por mim tudo bem.

– Não estou com cara nenhuma. Por que a pergunta, pepê?

Era óbvio que ele desejava morrer naquele mesmo instante. O garoto coçou a nuca e bateu no balcão, me olhando com indignação.

– Katrina, para. Eu simplesmente quero morrer quando me chamam deste jeito.

Sorri, animada para provocá-lo. Eu estava descobrindo muitos pontos fracos desta pessoinha ultimamente. Mas, guardei para mim mesma. Eu iria usá-la mais tarde, em momentos mais constrangedores que este.

– Está se divertindo? - Perguntei, olhando-o.

O garoto se espreguiçou e apoiou os antebraços no balcão. Ele fez uma careta.

– É, sim. Há várias pessoas do colégio aqui.

Ah. Virei minha cabeça de novo. Batuquei com o copo no balcão, desconfortável.

– Sabe, Pedro... Sobre o que eles estão falando de mim? Porque, você sabe, o pessoal está me encarando e cochichando e não é como se eu não notasse.

O italiano olhou para mim, inexpressivo.

– Nada, pelo menos, nada que eu não conseguisse desmentir. - Ele voltou a se sentar direito, mas os cotovelos continuavam sobre o balcão - você sabe, as mesmas baboseiras de sempre. Continue não ligando...

– Hm. - Falei simplesmente. - Eu irei continuar, não se preocupe.

Ficamos em um silêncio desconfortável por um tempo. Pedro manifestou-se, parecendo sem jeito.

– Katrina, preciso te contar uma coisa...

Ah, lá vem bomba. Olhei para ele, arqueando uma sobrancelha.

– Manda bala - incentivei-o.

– Eu arranjei um emprego - o garoto disse com simplicidade, batucando os dedos no balcão.

Quê?

– Wow - exclamei, totalmente surpresa. - Caraca... Pedro, nossa... Isso foi... Bem, tipo, muito precoce.

Ele fez que não com a cabeça, rindo um pouco.

– Precoce? Nem pensar, megera. Já tenho dezessete, daqui a pouco já tô virando um adulto e coisa e tal... - Ele deu um muxoxo. - Você sabe, não quero… Ficar pendente.

Pedro estava certo. Daqui a alguns meses ele estava virando um adulto, e eu tinha certeza de que a pressão em cima do pobre garoto só aumentava. É sempre assim: depois dos quinze a coisa só desanda. Tá ruim para você? Prepare-se porque só piora.

Bom, na pior das hipóteses, dei um tapinha carinhoso em seu pulso. Pedro sorriu e olhou de forma amistosa para mim.

– É, você tá certo, não posso negar. Mas, enfim… Onde você se meteu?

Ele mordeu as bochechas por dentro.

– Varro pelos de cachorro em um petshop.

Pisquei. Meu Deus, era bem a cara dele mesmo. Imaginar o garoto varrendo pelos de cachorro me fez dar uma gargalhada.

Pedro espremeu os olhos, fingindo estar ofendido.

– Hey! Isso foi preconceituoso. - Pedro parou de falar e olhou, atento, para um ponto atrás de nós. Olhei por instinto e observei o casal mais provável do século: Derek e Marcela, conversando de forma íntima perto de um dos pilares. - Uau - o italiano soltou, erguendo as sobrancelhas. - Os dois se reconciliaram. Será que vai chover?

Dei um sorriso automático. Olha, eu nunca faço coisas pelos outros, mas, quando as faço, elas sempre saem perfeitas.

Será estes os dons de um pirata?

E foi aí que um cotoco de gente cutucou a perna do Pedro. O garoto, de início, levou um susto e olhou para baixo. Depois ele sorriu, amoroso, e pegou Camila por baixo dos braços, colocando-a no colo.

– Oi, princesa - ele a cumprimentou, sorrindo.

Camila estava vestida de princesa. O cabelo castanho estava todo despenteado, colocado para trás por uma tiara dourada. Seu vestido era todo cheio de babados, azul. Seu pulso gordinho estava carregando uma pulseira com formas de ursinhos de pelúcia.

Ela estava terrivelmente mordível.

Camila fez uma cara confusa ao olhar para o italiano. Ela pegou nos botões de seu macacão e estreitou os olhos.

– Você é um jardineiro?

Pedro fez uma cara engraçada, rindo internamente que eu sabia.

– O quê? Um jardineiro? Por que eu seria um jardineiro?

– Porque está vestido como um, oras - ela respondeu, prática. Camila olhou para mim, calma - Katina, você quer participar do meu chá?

– Do seu chá? - eu e Pedro perguntamos ao mesmo tempo, intrigados.

– É, chá. Você quer?

Sentar em uma rodinha cheia de crianças? Hm, passo.

– Não, não quero… Mas o Pedro quer, não é mesmo?

O italiano abriu a boca, cético. Camila ergueu a cabeça e olhou para ele, cheia de esperança.

Ha-ha.

Pedro, obviamente contrariado, aceitou com um sorrisinho.

– É claro, por que não?

Camila sorriu e escorregou do colo dele, com o seu auxílio. Ele me olhou, os olhos estreitos. Provavelmente estava me matando mentalmente. O toco de gente capturou sua mão, fazendo-o andar todo curvado para poder acompanhá-la. Não resisti.

– Bom chá, Pepê! - Gritei para ele, provocando-o.

Agora sim ele queria me matar. Mas, no lugar de voltar com o facão e me esgoelar, Pedro pegou Camila pela cintura como se ela fosse uma boneca de pano - com gentileza, é claro - e a colocou sobre seus ombros. O gnomo começou a dar gritinhos, surpresa pela ação.

Nem preciso citar que todos pararam para olhar. Imagine só! O Jason carregando uma criancinha nos ombros. Isso definitivamente era algo que eu não veria novamente.

Achei que estava sorrindo demais aquele dia. O aniversário de Marcela estava realmente divertido, e era divertido vê-la se divertindo - espera, o quê?

Ignorei meus devaneios sem sentido algum e decidi fazer uma caminhada. Um garçom vinha na minha direção, elegante, oferecendo petiscos que pareciam terrivelmente bons. Quando ele chegou perto de mim e ofereceu-os com sutileza, não resisti.

E, sim, eu dei uma de pobre. Pode me julgar. Enchi a mão e peguei uns cinco de uma vez - com apenas a mão direita - e peguei mais alguns com a outra, limpando a bandeja.

– Valeu aí, hein - agradeci, enfiando dois doces na boca de uma vez. Era um doce com massa de biscoito crocante e chocolate derretido em cima. Tive orgasmos múltiplos ao experimentá-los, sem brincadeira.

O menino ficou me olhando, espantado com a minha pobreza - ou você acha que os ricos têm a cara de pau suficiente para fazer isto? Fiquei encarando-o enquanto mastigava.

– Que é? - Perguntei, bruta e inabalável.

Ele engoliu em seco e sinalizou um: “nada não”, indo embora rapidinho. Hm, bom mesmo. Eu tenho o péssimo costume de fazer gracinhas quando pessoas me olham ao comer - como, por exemplo, mostrar a língua cheia do conteúdo que estava comendo.

Quando mordi o penúltimo docinho, percebi uma coisa estranha na minha língua. Eu conhecia esse gosto como ninguém: licor de morango. Ih, danou-se.

Danou-se porque: eu sou terrivelmente sensível à bebidas alcoólicas, isto com toda a certeza já perceberam. E, pela quantidade ingerida - eu, pelo que contei, comi pelo menos dez bolinhos - dava para, pelo menos, fazer com que meu pouco juízo fosse para o espaço.

Ou seja: as chances de eu pegar o Pedro pelo colarinho e levá-lo a um lugar vazio - se é que me entendem - eram terrivelmente grandes.

– Merda - grunhi, tentando manter a calma - relaxa, Katrina. Pensamentos felizes, pensamentos felizes… - Murmurei para mim mesma, os dedos cruzados. - comida, cama, gordinhos, Jason Vorhees… – Não! Droga, se eu pensasse no Jason, iria pensar no Pedro… Usei os pensamentos felizes de outra pessoa - pôneis, unicórnios, cor-de-rosa, gatos, marias-chiquinhas… – Isso era pior. Muito pior.

Agora eu estava com vontade de socar alguma coisa. E isso, definitivamente, não era bom. Olhei para os lados, observando aquele mundaréu de gente. Okay, talvez eu só precisasse de ar fresco. Caminhei - mas não é como se eu sentisse totalmente minhas pernas - um pouco, desviando de cabeças pensantes.

E foi aí que eu vi uma coisa que, meu Deus, eu nunca veria novamente. Nem em filmes de paródia e nem nas melhores fanfics.

Pedro estava sentado como um índio em cima de um tapete - no meio do salão, totalmente indiferente -, em frente à Camila, que estava com as perninhas esticadas. Entre os dois, bules, xícaras minúsculas de porcelana, pratos e talheres de plástico - tudo rosa - e um fogão de brinquedo minúsculo. Ao lado de Camila, uma boneca de pano estava sentada. E havia um macaco de pelúcia também.

Pedro parecia ter muita dificuldade para conseguir pegar as xícaras. Elas eram tão delicadas e tão minúsculas que nenhum de seus dedos se encaixavam nas asinhas delas.

– Meu Deus - o garoto sussurrou, desesperado. Ele olhou para uma moça que estava observando a cena, rindo como uma idiota - a xícara é pequena demais… - Ele continuou a sussurrar, enquanto Camila experimentava o seu chá imaginário sem nenhuma dificuldade.

Então o italiano bateu os olhos em mim, manobrando a cabeça para tentar me ver entre todas aquelas pessoas que, curiosas, mexiam com Camila e tiravam fotos daquele momento bizarro. Pedro me chamou e, eu, meio bêbada, fui andando até ele.

O garoto pegou levemente meu pulso, fazendo-me inclinar sobre ele. Pedro me olhou, meio sério, e sorriu de canto.

– Me. Ajuda. - Ele sussurrou de maneira que apenas eu ouvisse.

Sorri também, malévola.

– Hm, não, eu gosto de te ver sofrer. - Olhei para Camila, que comia bolo com o dedo mindinho esticado - e a gnomo parece gostar. Ótimo trabalho - dei tapinhas em suas costas com a mão livre.

– Não, não, megera, volte aqui… - Ele grunhiu, meio desesperado, quando me afastei; tentou agarrar meu pulso, mas livrei-me dele com um tchauzinho.

Isso, Katrina, bem feito, pensei, com um suspiro de vitória, você precisou fazer isso. Poupou o garoto de sofrer assédio de uma quase bêbada.

“Quase bêbada” porque, esta é - entre outras várias - a parte ruim de ser eu: quando experimento algo com algum teor alcoólico, além de perder o controle da situação rapidamente, não consigo me contentar. É essa a função da droga, nos fim das contas.

As chances de minha mãe ir para a cadeia eram altas. Mas a polícia no subúrbio só servia para enquadrar “suspeitos” - em geral jovens -, espalhar racismo até altas horas e comer de graça. É isso aí, me prendam se quiser. E minha mãe, além de atraente, possuía uma boa lábia. Ninguém a prenderia.

Droga. Ao mesmo tempo em que eu não queria mais vídeos meus rolando soltos na internet, eu queria muito ir para a mesa de adultos e sentar ao lado da minha mãe, roubando-lhe um pouco de bebida.

Já que eu não tinha nada - ou alguém - para descontar minha raiva e indecisão, tirei meu tapa-olho e comecei e mordê-lo com força, tentando rasgar o tecido. Às vezes eu faço coisas tão idiotas e sem nexo que não sei o motivo de elas terem aparecido, para início de conversa.

Estava distraída, ainda mordendo aquele pedaço de pano quando algo fungou perto da minha nuca. Arrepiei automaticamente, gelando. Fui dois passos para frente, tapando o local e virando-me para fuzilar com os olhos o engraçadinho.

Havia um cavalo ali.

Dei um berro, completamente assustada. Dei alguns passos para trás, afastando-me daquela criatura. Todas as pessoas que estavam ali começaram a rir da minha cara, se divertindo com aquele momento. Para início de conversa, o cavalo era cor-de-rosa. Ele tinha uma cara de: me mate, por favor, estampada em seus olhinhos. Um homem vestido feito um palhaço estava montado nele, sorrindo para mim.

– Você poderia nos dar licença… - Ele me avaliou por alguns segundos - capitã? Se Romeu empacar agora, ele não andará por um longo período.

E eu estava, definitivamente, chocada. Um cavalo havia fungado meu pescoço e lambido meu cabelo. Um cavalo. Dei dois passos para o lado, ainda encarando-os, descrente. O homem vestido de palhaço acenou, agradecido, e fez o cavalo andar.

Acompanhei os passos lentos do cavalo por dois segundos, antes de a mãe da Marcela aparecer entre a multidão, parecendo raivosa.

– O que isso significa, senhor? Não disse que o horário que você deveria entrar seria às oito e meia? - Ela parou do meu lado, as mãos sobre a cintura. Marina bateu os olhos em mim, me percebendo e sorriu - ah, olá, querida. Como vai? - Ela se aproximou de mim, colocando seu braço sobre meus ombros.

Não, socorro.

– Hm, bem… Eu já vou indo… - Tentei escapar.

– Mas, senhora, Romeu não conseguiu ficar no seu jardim! Estava frio demais! - Debateu o palhaço, os olhos arregalados.

– Não quero saber! É o aniversário da minha filha e tudo vai sair perfeito! - Berrou a mãe da Marcela, desta vez com o rosto vermelho, em fúria.

E eu ali no meio.

Lindo.

Pessoas começaram a parar para tirar fotos do cavalo, que parecia bem sossegado. O palhaço desceu do seu assento e começou a discutir com Marina.

E eu ali, com a maior cara de bunda do universo, perguntando-me o motivo de ter acordado hoje. As pessoas estavam, de novo, parando para olhar. Eu era como um imã de “olhem para mim, vejam só como eu estou fazendo merda hoje. OLHEM PARA MIM, DESGRAÇADOS!”.

Olhei em volta, tentando disfarçar, mas as coisas só desandaram. Pedro estava em pé, com Camila nos braços e na mão esquerda, seu celular. Sim, ele estava fotografando aquele momento. A gnomo esticou o dedinho e clicou na tela do telefone, rindo. Pude perceber pela movimentação de seus lábios que ela dizia:

– Olha, é a Katina.

O garoto riu e olhou para mim, atrevido.

– Sim, é ela - confirmou, sem ao menos mover um dedo para me ajudar.

Se os filhos da puta sabiam que eu estava em uma enrascada, presa a uma mulher doida com fotografias minhas parando no telefone das pessoas, não é normal que eles me ajudassem? Hein?

Marina me puxou de maneira que eu colasse meu rosto em seus seios, toda curvada, como se eu fosse um urso de pelúcia fofo, grandão e ruivo. Me controlei para não dar uma rasteira nela.

Ah, por sinal: era tábua igual a filha.

O palhaço encarou-a, extremamente convencido. E os dois começaram a bater boca de novo. E eu ali entre os dois, com a maior cara de paisagem. Caramba, por que eu estava ali? Eu sempre me encrencava, ficando em lugares desnecessários - como, por exemplo, praticamente beijando a mama esquerda de alguém.

E, mesmo vendo minha situação, aqueles dois filhos da mãe - em principal o Pedro - só ficavam lá, rindo. Eu queria decepar a cabeça de ambos. Por que eu sempre estava envolvida?

Ah, é verdade.

É porque eu sou a Katrina.


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Notas finais do capítulo

Oe de novo!
E aí, o que vocês acharam? *u* Lembrem-se: qualquer errinho, por favor, me avisem! Mesmo com a edição e revisão, não consigo achar todos ò-ó
Bom, hahaha, eu simplesmente amei escrever a parte onde o Pedro divide um chá imaginário com a Camila, awn! - é normal?
Espero meeesmo que vocês tenham curtido,
Comentem bastante!