Uma Música De Treva E Sangue escrita por Rivotril


Capítulo 8
Carnaval de vampiros


Notas iniciais do capítulo

- Ponto de vista: Deli; 1ª pessoa.
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– Deli, querido Deli.

Thorn vem me resgatar de meu desconsolo – como não poderia deixar de ser ninguém além do vampiro Thorn, o senhor dos espinhos. Estou muito bem abrigado abaixo da ampla sombra de um pau-brasil, mas meus confortos morrem por aí. Estamos no berço onde muitos dos vulgares nascem, então o nome vulgar da árvore não me admira. “Pau” no Brasil é comumente utilizado como termo pejorativo para “pênis”, embora duvido que tenham pensado nisso ao batizá-la – mas posso estar subestimando a mente pervertida dos colonizadores.

– Bom voyage! - saúdo-o distante com um punho ensanguentado.

– Sacré bleu, em nome da empalada Valáquia, que horrores lhe aconteceram? Não me diga que novamente se engalfinhou na jaula com Dom Pedro durante minha breve ausência? - ampara-me pela gola alta às sacudidelas, recompondo-me com luvas de gala exageradamente brancas dentro das limitações de minha banalidade. - E onde está Nico?

– Nico! Ele está bem aqui, meu amigo – dou-lhe um sorriso vermelho e maléfico, indicando o manto de sangue e a história que conta através de minhas mandíbulas. Suas linhas descem como a deságua de um lago profano pela lividez seminua de meu tronco, ladeada por um ordinário paletó vitoriano que já ostentara dias melhores. - Ou, ao menos, uma porção dele. Quanto a Pedro, gostaria de saber em qual bordel meteu-se dessa vez. Um herdeiro do trono tem suas necessidades, fardos para se aliviar.

Thorn solta uma exclamação de pesar, mas não tenho certeza se por luto ou pelo estado demente de minha febre fria. Palpito que o desencontro de Dom Pedro tenha sua fatia de culpa, mas ambos concordamos que não é prudente apegar-se à sua companhia mundana. Algo nele cheira a perdição, e, apesar do histórico generoso de devassidões, não no sentido bíblico da coisa.

– Matou Nico? Esclareça-me tal sandice.

– Matar? Não, isso não. Apenas indiquei-lhe um caminho sem volta. Fugiu rumo ao pântano para muito além de minha fome, como se chamas o devorassem. O que é uma injustiça, pois seu devoramento foi um presente de grego dado por mim, e agora crocodilos e gremlins irão terminá-lo – alinho-me em meu assento de relva e orvalho, lançando a Thorn um conjunto sanguíneo de olhar e canto de boca crônicos. - Agarrava custosamente os trapos das calças com mãos mutiladas durante a disparada covarde, tão gravemente desamparado que juraria se tratar de uma donzela violada se eu mesmo não tivesse tratado do serviço; agora, eram os trapos das calças ou das nádegas? A bem da verdade, estava entretido demais degustando-o para prestar atenção nos detalhes – lambo as costas das mãos tingidas, num escárnio felino e sádico. O sangue está frio e melancólico, e fito-as com uma careta, como se as interrogasse sobre o porquê de me roubarem seu calor e vigor.

Thorn toca meu peito nu com a base de sua charmosa bengala curva de marfim negro, decifrando-me com o feitiço de olhos de fogo.

– Que tipo de vendetta teria para com Nico que o motivasse a devorá-lo? É o que me intriga, sinceramente. Conceda-me as respostas desse coração que já não bomba bom senso.

Forço uma reverência calorosa, coroando seu sermão com cinismo.

– É apropriado rebaixar aquele que nos falta com respeito à condição de alimento. Saborear a vingança, literalmente – gargalho, embrigado por uma vingança mesquinha que muito me faz sentido. - O calhorda esnobou um de meus versos, troçou de minha criação. Despreze o bardo errado, e terá sorte de não amanhecer com terra na boca. Os dados da fortuna de Nico não o agraciaram com bons números.

– Deli, Deli. Precisa parar de afastar nossos convidados. O que pensarão da companhia que representamos quando o verde draculino Niko voltar para o abraço materno da Iugoslávia com metade do traseiro e dedos o suficiente para contar até dois? É uma má propaganda. Fechamos uma porta no Brasil, e outra também se fecha no Japão. Assim funciona o chamado do caos – orienta-me à sombra colossal da árvore vulgar como o mestre de um mundo sem lógica, e os espinhos da couraça de madeira crescem em resposta ao seu francês polido. - Além de que, ao meu ver, age do modo que uma criança mimada a quem deram poder em demasia o faria.

Usando-se de caninos poderosos, Thorn abre o lacre de uma garrafa púrpura. O estampido me ensurdece por demorados segundos de zumbidos, mas o cheiro acre e doce compensa, preenche meu vazio, e as lembranças das safras de Paris me tragam para a soberba da nostalgia. Aos resmungos de línguas variadas, atropelando idioma sobre idioma, ele lava minha embriaguez com borrifos de vinho, ao mesmo que unta a revolta negra de meus cabelos com azeite italiano. O banho sacarino não consegue levar as tuberculosas olheiras amareladas de minha febre fria, mas ao menos acalenta a barbárie de meu semblante, arrebatando os assombros do sangue. Solto um arquejo hostil, como a fera acuada que foge da luz. É a purificação indesejada, o abandono do berço maldito.

– A noite mima suas crianças, meu amigo. Mas venha, beije-me como uma das suas francesas – provoco-o no delírio, trocando palavras com a gravura imprecisa que se forma quando minhas olheiras cansadas se fecham para vultos e espectros. Rompo numa odiosa crise de tosse.

– Essa maldita fome! Nega-se a seguir meus conselhos, e agora definha merecidamente – surra-me a face com impacientes bofetadas de luvas, acordando-me de um emergente apagão. - Tudo que precisava fazer era tomar dos ratos que fornicavam suas pragas pelos porões do cargueiro por onde viemos de gaiato – suas capas rumorejam aturdidamente. - Aviso-o, continue insistindo em não improvisar no acaso, e rirei alto com as labaredas quando a sina de ser devorado lhe pertencer, tal como atiçarei o fogo com o sopro do dragão.

Praguejo em alto e bom francês. Partimos de Paris rumo ao porto de exportação do Rio de Janeiro na embarcação que para lá voltava, semiocultos em arcas forradas por grãos de café e cacau – o cheiro da moca ainda me impregna, e sinto que só o Mar Vermelho pode me livrar dessa maldição. A farra rude de bebidas e ratinbuns bramida pelos marinheiros entre ordens e instruções daqui e dali, do convés à proa, urgia dentro de meu mausoléu improvisado, e mais de uma vez Thorn obrigou-se a dormir sobre a tampa que me servia de teto, impedindo-me de sair à caça e condenar nossa deriva a um navio-fantasma. Quase não senti a presença de Nico durante a viagem – viagem essa que ainda busco sentido -, como se despusesse-se em processo de hibernação, uma múmia. Por outro lado, as marionetes conspiradoras da peste negra não nos faltavam. Seu coro de guinchos e roeres me perturbava, revirava-me dentro de claustrofobias possessas. Para cessá-los, esmagava-os com seus bigodes e caudas lombriguentas, tão logo que retornava para a tumba, chorando desgostos, temeroso por estender a violência até as velas e usar seus mastros como instrumentos de empalamento. Alimentar-se de animais é um hábito de vampiros veganos, e alimentar-se de vampiros veganos é um hábito canibal meu. Privei-me do sangue, a moeda que nos preenche a lacuna da alma, por miseráveis dias que ainda persistem. Assim, a fome da febre fria me consome – tal como consumi Nico.

– Não há dignidade num banquete de ratos, há de concordar. Criaturinhas pestilentas e repulsivas, como Noé poderia permiti-las dentro da arca com seu circo de pulgas? A bíblia e suas incoerências – ranzinzo um repúdio há muito guardado.

– Claro, Noé e ratos, a linha mais desacreditada de toda a bíblia. Devíamos abrir os olhos dos Illuminati. Ou criar nós mesmos nosso próprio iluminismo.

– Trancafiar padres em seus confessionários e cozinhá-los com água benta soa-me como um ato mais nobre.

– Ora, vamos, para o inferno com os protestantes. Temos um festejo para sangrar.

O verbo me molesta com um frio doente.

– Arrasta-me para esse antro tropical de miscelâneas e maus costumes, e por quê? - agarro a cauda de seu terno, desenterrando paranoias regadas pela loucura da febre. - Espinho, eu devo dizer, quando menos esperarmos, a lua desse lugar hediondo pregará uma peça contra nossa natureza, reduzirá-nos a estátuas de sal! Sua atmosfera arde como o beijo de Apolo, e as mulheres tem lençóis de caninos como os nossos nos lábios inferiores! A santidade vampiresca não é bem vinda aqui! - estou de joelhos, e minhas mãos clamam, escalam urgentes sobre ele. Quando alcanço o nó da gravata-borboleta, afasta-me com as botas, descompondo-se em risos e piruetas da bengala.

– Olhe além, meu amigo. Acha mesmo que o traria para o fim do mundo apenas para agonias e lamentos? Os brasileiros beberam do colorido parisiense até tornarem-se pagãos da comédia erudita de Baco, ainda que jurem estar comemorando uma festividade cristã regida pela lua. Nessa noite, o carnaval brasileiro será nosso anfitrião, e o sangue miscigenado será por sua conta – ele me puxa das trevas arborizadas pelas mangas folgadas, rodeando-me numa ciranda holandesa de presas e graças, transbordando a paixão ardilosa e contagiante dos vampiros bem vividos. Resisto a seus encantos malignos, porém, e conflito-o com meus desprazeres.

– Que brincadeira é essa? - brado, de braços abertos como o redentor na cruz. Ele acha graça, enxerga uma ironia oculta. - Se é para bancarmos arlequins e pierrôs na calada das sombras, por que não o fazemos em Paris? Os decotes das columbinas parisienses não devem saliência para os das brasileiras, suponho, e de nada me serve o violão antiquado dos quadris de parideiras dessas rameiras de Pedro; corto-as com o arco do violino, se preciso reforçar-lhe isso – faço uma pausa insípida, mas a pulsação de minhas têmporas agita venenos. Na guerra ou na paz, Paris ainda é Paris para o vampiro letrado na arte do "vivre la vie". - Estou amargamente convencido de que me odeia.

– Pense nas possibilidades, mon ami - encima meus ombros com um braço pesado e fraterno. A mão nua de garras lupinas estende-se para o horizonte alaranjado e enegrecido por agouros vindouros de um continente vizinho, de onde a folia lasciva cresce e roga seu culto degenerado de pagodes. Meus olhos sobrenaturais varrem picos e muralhas como cães de caça infernais, encontram-se na perdição apontada e me iluminam com o terceiro olho; dos palácios às capelas, das hospedarias aos casebres, tudo no fluminense se cobre com a neve de cinzas coloridas, alimentando demônios corruptos que se escondem sob as saias do hábito que faz o monge. O regente da não-vida enche-me com tentações embebidas no mel de Marte e Vênus, cerca cada saída que possuo com a sedução de uma persuasão lapidada pelos tantos quantos natais e luas-cheias de pactos e contratos.

“... Pense nas possibilidades, mon ami; viscondessas insaciáveis, elas que trocam as joias reais de heranças depressivas por uma noite úmida de luxúria e falsos amores, e seus afeminados aprendizes, essa adorável juventude aristocrata de entediados e enrustidos, tão dispostos em reproduzir o épico das montarias aladas de Pégaso com sedutores afiados que chegam sem ser convidados – esses somos nós, atenha-se. Entrementes, o continente negro não nos faltaria com seu picante e peculiar tempero, as escravas de ébano, sonhadoras desoladas que partem algemas de ferro com dentes de leite e garras de pantera quando ouvem a utopia de promessas paladinas retiradas da cartola; todos juntos no mesmo caldeirão, o gado e o açougueiro. Vestiremos essas máscaras de anjos e demônios que nos roupam tão bem, pois não, e exijo de sua amizade uma bela canção de nossa assolação às terras sulistas de Cabral quando retornarmos; uma que faça minha família chorar dentro da escuridão perpétua de seus túmulos de lanças.”

– Seremos vampiros que fingem ser humanos que fingem ser humanos? Gosto dessa bonança de falsidades, devo admitir – relanço um olhar desconfiado, mas, na esquizofrenia de meu estado, pode ser um convite aberto para pecaminosidades. - Não estou morto ainda?

– Não que tenham me noticiado. Meus sussurros não deixariam tal carregada nota escapar – as presas brilham para mim como cometas de destruição, e, além, concede-me um abraço de capa. Sua voz torna-se onírica. - O Jardim de Luxemburgo, o Louvre, as plácidas águas do Rio Sena, o Notre Dame Café, todos podem nos reservar uma pequena fração das areias do tempo. A não ser que a fúria de um pandemônio recaia sobre eles, ainda estarão lá, aguardando nosso retorno triunfal.

O céu noturno uiva, absorve-nos para sua dimensão gótica, e esgano o satélite dourado com dedos de febre e ilusão, negando o doce dos lábios de um deus sem preces. As asas demoníacas de Thorn sobrevoam os trópicos, cortam a paisagem com seus eclipses passageiros, emergindo calafrios nos vivos e atiçando o dia da loba nas poucas virgens. Sinto o cheiro de sexo crescer como um monstro, um titã fálico e vadio. Algo explode logo abaixo, um grito de guerra entre as formigas, e menciono qualquer bobagem sobre Bonaparte e sua matemática, então, a capa de asas me liberta com um assovio maroto. A queda me abduz para o solo, e desabo sob um felpudo e espesso leito de feno, implodindo forragem. Thorn ressurge das paredes de uma amurada, tombando-me da carroça que me empresta de abrigo – pergunto em devaneios revoltados se estaria me ofertando aos cavalos.

– Touché; aí está, o miserável mascador de ópio – chuta-me as costelas de modo que voo uns bons malditos centímetros. Ralho de bruços no calcário, rogando pragas babantes e, quando ergo o rosto retorcido pela raiva confusa, sou felicitado pela anarquia de saias e corpetes.

Uma olhadela transeunte pelo fuzuê apinhado de líbido, e sou brindado com a magia cigana do adeus à carne, personificada no avatar de uma peculiar matilha de mulatas com conjuntos bagunçados de vestes em desuso - provavelmente de suas senhoras -, as quais dominam as brincadeiras grosseiras dos entrudos, sentadas com majestade voluptuosa sobre tronos de colos masculinos, a diversão principal de uma sociedade prostituta de espetáculos. A peruca branca abolida pela revolução francesa, de status para um símbolo de morte, acima a cabeça de boa parte das libertinas fluminenses, enquanto doses nada moderadas de pó rebocam-lhe a face, tornando-as fantasmas com traços africanos. Assumo que lutaram pelas sobras do guarda-roupa senhorial, pois é rara uma peça que não rasgada por garras cobiçosas, sobretudo nos seios das mais privilegiadas de busto. As coxas grossas e definidas exibissem-se oleadas como um troféu despudorado, alimentando o apetite e a discórdia entre os homens que as desejam com exclusividade, logo suprimidos pelos glutões que não se importam em dividir uma boa carne.

– Oh, monsiuer, és tão pândego! - exclama a voz feminina de sotaques indefinidos de uma delas, soltando um risinho agudo e odiento. “Monsieur, ela disse; não perdeu tempo domesticando-as, espinho”, penso com ironia, acompanhado pela gargalhada cavalar de outra, que revela dentes robustos e tortos, diferente das outras, todas com uma perfeição alinhada de miçangas brancas sobre lábios carnudos e exagerados de batom. Um trejeito repugnado meu faz com que perceba ter exposto o ponto fraco de sua beleza negra. Envergonhada, oculta-o às pressas por trás do leque num farfalhar sonoro, deixando visível apenas o marejo maquiado dos olhos.

– Tire minhas botas, querida – Thorn ordena a uma escrava de sapatinhos orientais e véu de grinalda, sentando-se sob uma cadeira de balanços abandonada, indiferente à idolatria da serva de uma lua, e faço uma chacota qualquer como “vai lavar o pés? igual o messias europeu de olhos azuis de palmas furadas?”. Ela ajoelha-se de prontidão, desfazendo os laços da botina numa ansiedade intrigante de sorrisos e gracinhas. - Permitam-me, senhoras. Este incorrigível confrade desaparece-me de vista quando abusa de vinho e cevada, sempre uma frustração para nossas fanfarras. Por que não se apresenta, vil vagabundo da noite?

– Pensei que vampiros bebessem sangue... – um comentário aleatório e agitado, mas logo calado por uma mordida profunda. Thorn embebedou cada uma delas com sua luxúria de vampiro. Não notam as marcas de furos que espalham-se pelo pescoço, seios e coxas, tão habilmente estancados de qualquer broto de sangramento. Apenas sentem o deleite da penetração, e o eco que prolonga-se como uma cicatriz de orgasmo.

– E tem razão, pequena jovem – anuo apertando suas maçãs faciais num bico, dando-lhe tapinhas parvos. - Somos mosquitos, somos sanguessugas. E sugaremos vosso sangue até secá-las como o deserto, vadias – cumprimento-as com cortês sadismo, enchendo-me à fartura traseira da morena com curvas mais salientes. Receptiva, não demora a rebolar e acomodar-se à minha massagem cheia de dedos aventureiros - Mas o nosferatu com pleno controle da natureza de seus poderes é capaz de ingerir os outros demais frutos do paraíso renegado sem rejeitá-los. O paladar é um precioso regalo que perdemos, o vermelho torna-se o único sabor que nos resta quando renascemos. É de responsabilidade do pintor descobrir como reconquistar as outras cores de sua aquarela – gabo-me da sabedoria vampiresca diante daquelas crianças verdes, conquistando-as como um gigolô das palavras.

Algumas calçadas atrás, um pateta de barbas trançadas e ceroulas listradas é jorrado por uma mistura nojenta de sêmen e urina. As gargalhadas estouram pela avenida e, sem saber o responsável pelo banho execrável, o homem atraca-se contra um garoto de cara lisa e bochechas coradas.

– Eu adoraria ser transformada em uma vampira, monsieur – confessa a que sustento as nádegas, com um olhar distante e apaixonado. - Ensine-me mais dos seus segredos.

– Oh, essa aula foi de graça, menina boêmia, uma demonstração. Se quiser saber mais, terá que pagar-me tributos - apesar das prosas folclóricas com que Thorn fez questão de nos mascarar, essa falsa iludida parece acreditar que, de fato, somos vampiros. Um sonho dentro de um sonho que é real; eureka, eureka. Tonteio com a reflexão. Exploro as camadas de roupas, um mar interminável de tecido e enfeites, procurando afastar qualquer paradoxo, mas a febre de sangue me trai ao reviver o medo abobalhado por vulvas carnívoras. Fito Thorn com olhos arregalados e suplicantes. Ele dança com as escravas, de pés descalços, uma dança ébria e animada de taverna, de raízes camponesas, aquém de qualquer patética tragédia, rodando e girando.

– Que tipo de tributos, monsieur? - a morena ri toda sapeca, mordiscando um indicador e despindo-se da luva. Afasto a mão com urgência de suas saias e, pelo barulho cortante do tecido, rasgo alguma coisa. Ela encolhe-se como um ratinho assustado, e digo algo como “os gatos na sua casa, não, na minha casa; tenho que matá-los”. Corro para a pracinha, negligenciando o colo de seu pescoço com um pesar torturante, ilustrando cascatas sangrentas; as montanhas insanas da fome vampira. Tantos pecados originais, reflito, aflito, e nenhum autocontrole.

Leio o bacanal de pensamentos indesejados entre os corredores de fantasias vivas, preso num mundo giratório de relógios derretidos e seguido pelas sombras de um gato de casimira. Mascarados tentam emprestar de requinte e classe à folgança carnavalesca, mas o baile de máscaras não tem vez na adoração a demônio de pagodes. Atropelo um aglomerado de velhos com saiotes escoceses e acessórios montanheses, e a figura do boneco gigante de pano e madeira que erguem, caricaturizando Galileu sob o peso da paixão da cruz, tomba no inclino da Torre de Pisa. Eles desequilibram-se, caem como uma fileira de dominós em xadrez verde, e seu ídolo desaba sob uma roda de cirandeiras com chapéus de frutas. Os gritos de guerra me atraem, chamam-me para a batalha de Waterloo, e sigo sua corrente cegamente, pisoteando os velhos no escroto. Encontro-os ao final de uma ala fandangos e, para minha desilusão, revelam-se como os prantos de um carcomido sujeito cor de piche e sem marcas de correntes, porém refém das intempéries de uma relação amorosa mal resolvida. Empurro a dança para longe de mim, e lanço um bailarino sem sorte para o outro extremo do folguedo, que estatela-se toscamente nos malabares de saltimbancos e anões. O vergonhoso enamorado clama diante de uma construção antiga e abandonada, seu peito flácido e suado enche-se por uma tal de Loreta, ganhando as avenidas como uma assombração, sobressaltando os foliões desavisados sobre seu sentimento exagerado, selvagem. Dotado de fôlego aparentemente inesgotável, “Loreta!”, ele repete, “Loreta!”, e torna e retorna a se repetir, pelo menos uma irritante dúzia de vezes mais, até que me canso de sua ode à desonra. Encurralo-o contra a parede demolida de tijolos, e cuspo-lhe inverdades cruéis, deformado por um sorriso lunático de dentes pontudos. “Eu matei Loreta, velhote bastardo” e “dei seus restos para os porcos, depois usei o crânio para me consolar das noites solitárias” fazem-no congelar numa paisagem incrédula de terror e tristeza. O alforriado grisalho chora como um bebê, e em seguida berra de maneira escandalosa e desgraçada, que consideraria impossível para um humano - até vê-lo fazer. A pira de minha loucura é avivada, e fujo novamente, dessa vez para as colinas, amedrontado pelo berro, como se sua boca de hipopótamo fosse me fazer em pedaços na frente de um teatro de vampiros. A sombra felina ainda me persegue.

– Eu, que roubei o sorriso de Mona Lisa, o que posso tomar de uma mulher de carvão que cheira a canela e romã? - corteja traiçoeiramente, e a amante compreende com um gemido admirado de prazer o que lhe seria roubado.

A mão de cera de Thorn desaparece entre as saias da mulata e, pelo pulo que dá e os pensamentos obscenos que inundam sua mente, julgo que tenha lhe tocado o útero. A cena estranhamente me causa repulsa, e de repente o gosto que tenho na boca me assombra, fazendo-me vomitar jatos de sangue – sangue como seria sangue, mesmo se tivesse engolido um auroque até os ossos e o casaco de pelos. Thorn abafa o estouro de berros da escrava com mãos apressadas, obrigando-a a provar o sabor do próprio ventre antes de girar-lhe o pescoço em 180 graus. O estalido oco me lembra de meu primeiro pescoço partido enquanto fito a poça grotesca saída de mim, de como foi-me dificultoso e como a vítima sofreu até conseguir romper suas ligações vitais numa dolorosa terceira tentativa.

– Precisamos nos livrar do corpo – seus dedos estão reluzentes, e sorvem da luminescência lunar.

– Aquela árvore mundana – indico o pau-brasil a um semicírculo de distância. Adianto-me a passos largos, carregando a mulher desfalecida nos braços no que se consideraria a marcha da noiva-cadáver em outros bailes. Arremesso o fardo do corpo como uma saca sem valor para entre a rinha de galhos, e seus saiotes inflam em balões de anáguas e volumes durante o breve voo infame, propiciando-nos um instante de humor negro – o que me consola. Prende-se contra a espessura dos ramos numa desgraciosidade molenga e espantalha, porém eficazmente camuflada no negrume de folhas e céu noturno; um fruto de morte humana.

– Acho digno. Viveu a maior parte de seus dias prestando serviços a paus e, no fim, acima-se sobre um também – declaro com uma zomba rouca e fraca, sob os membros, como um cão. Limpo os vestígios vomitados no braço do casaco. Thorn cita as calamidades de alguma peça shakespeariana num ensaio violento.

– Está desviado de nossos umbrais draculeos, meu amigo canceroso. Acorrente o cérbero que o mortifica, arranque todas as três cabeças – levanta-me rudemente e, com um açoite de garras longas, marca-me o rosto. Não sangro, não sinto dor. - As danças e cantos dos filhos de Cabral o adoecem ainda mais? Honestamente – ri de desprezo, enfezando o cenho. - Encha sua taça, colha de um fruto gordo e cheio de suco das árvores que não nos faltam; guiá-lo pelas sendas da loucura não é tão fácil quanto faço parecer. Purifique-se dessa peçonha, precisa de sangue humano, vivo - empurra-me o cálice contra peito, e, como a miragem ingrata de um oásis, some, desvanece-se em névoa. Gritinhos de satisfação feminina num barraco além me entregam as coordenadas de seu esconderijo cleopratino.

– Que venha-me com seus desabafos pós-coitos. Estarei esperando com óleo de baleia e um lampião prontos para pintá-lo de fogo - remoo contragostos, e a voz de Thorn voa de longe, “sangue negro!”, como um lembrete entregue pelo corvo.

Fico ali, plantado e abatido, fitando a platina, buscando significados, respostas em seus símbolos arcanos. Escravas nuas passam correndo como as ninfas de um ídolo vudu expulso do Olimpo, demolindo os degraus da meditação a priori, abortando minha autoterapia. Acometido pela graça das fúrias, golpeio a cabeça da serelepe que serve de cauda para a locomotiva de mamas e pentelhos com uma taçada matadora, e seu rosto se esmaga contra um tronco de ferrões. O sangue borrifa em meu pulso, e estou prestes a devorá-lo, devorar-me, quando um quarteto de mãos de cetim me puxam pelas samambaias.

– Quais os benefícios de uma possessão? - a escrava que de repente me usa de montaria indaga num motejo picante, lambuzando-me com seu chocolate de páscoa. Dança a sodomia sobre meu sexo e adora a uma cantiga faminta, mas, para sua condenação, nosso pão e vinho são simbolizados por fontes da juventude fatalmente distintas.

– Tola mulher, sou um vampiro da velha Valáquia, não um demônio. Os demônios têm medo de minhas presas – encanto um peregrino “mon amour” sussurrado, mas é uma praga; controlo o monstro oco dentro de mim para não arrancar-lhe a orelha às dentadas. Domo-a, mostro-me Adão e deixo-a por baixo, imaginando como ficaria bela se lhe privasse de uma costela.

Algo novo escorre pelo meu pulso; tomado pelos apelos sexuais das rendas inferiores da amiga da montadora, que abre-se, exala seu fedor íntimo de cio, um gambazinho sórdido, constato que suas vestes roubarem-me a mácula do sangue. Meus rubis faíscam. Aperto a putinha de um modo que obrigo-a se afastar engatinhando aos pulinhos. A meia distância, lança-me um esgar borrado de confusão e temor - não há dentes naqueles lábios, apenas um tapete mole e molhado de carne. A negra estirada suplica por meu sêmen, e enforco-a com gentileza. Por onde dedilho, os laços de suas roupas se rompem. Seus corpos serão o bastante para transbordar meu cálice, e deixarei a ladra por último, adormecida por fobias desconhecidas.

“Noite, cálida noite, deixe-me salpicar sua negritude absoluta com os tons de amor branco... de minha pica.“

Balbucio indecências ao pé do ouvido no idioma dos íncubos, prometendo céus e mundos e a cabeça de Napoleão num espigão. O sangue de Nico que ainda me resta ferve entre as pernas, e a estoco com uma ereção rija e latente, fermentando desejos sexuais, dos gritantes aos encerrados, de lá menor a dó maior. As íris pardas reviram-se para dentro, revelando-me apenas o branco das órbitas, que se destacam na pele afro como as pérolas de um demônio; aprecio esse seu instante de beleza. No febril anseio por ser invadida, agarra-se a mim num ataque feral - as unhas afundam-se em minhas costas, e as pernas nuas abraçam-me o quadril, tragando doses de virilidade secular. Enterro uma mão nos caracóis de tranças e viro-a de costas, sem romantismo, trazendo o rosto perdido em fantasias pelas rédeas emaranhadas do cabelo até o fio de minhas presas. Risco o carnudo daqueles lábios boquiabertos, chocando-me com gemidos levados, ao mesmo que ameaço penetrá-la por trás, esfregando-me entre a lua negra das nádegas como o ferreiro que afia a lâmina e, sempre que o faço, exponho o pescoço de ébano, mais, um pouco mais, reluzente de suor, testando meu limite. Quando insisto na brincadeira o bastante para sentir o perigo que represento, torcendo-a com sadismo, tenta desvencilhar-se aos arrancos de uma presa acuada, mas tão logo desloco seu ombro numa explosão óssea, paralisando-a no choque da fratura. Ela não tem tempo de gritar. Calo-a enterrando minhas lanças vampíricas na jugular, e destroço-a com uma mordida maciça. Sugo-a.

“Cada gole brota, expande sua catarse de caóticas borboletas carmins dentro de meu núcleo, o espírito que recusa-se a ser confinado em qualquer prisão que seja. Sou revitalizado, deliciosamente engrandecido pelo elixir de imortalidade que o sangue transforma-se na mera ilustração de minhas veias – a alquimia ilusoriamente perfeita do nosferatu. Assisto em disparates virtuais o que foram os arrastados 25 ciclos de estações vividos pela escrava sacrificada, mas sua desinteressante jornada de “sim senhores, não senhores” força-me a concentrar a paixão ritualística no ardor cobre que me serve de janela para seus segredos. Absorvo além de energia, de poesia, bebo gotas de conhecimentos e memórias, com as quais monto um atlas de quebra-cabeça, derrubando reis a cada limite de casas traçado. A terceira sinfonia de Ludwig Van desperta na suma consciência, Eroica, acompanhada da macabra infantaria francesa de esqueletos dançantes, no que engole samba e pagode com as asas de um morcego gigante, gozando sua orquestra de caveirosos mestres solistas da boca de um inferno florido; a ode ao orgasmo vampiresco então é celebrada, endeusada no sabá monólogo de sopros delirantes que chamo, ardendo ricamente a pintura de céus ultravioletas rasgados pela ira do fantasma do sol egípcio. Um véu vermelho estende-se sob o ato, onde sou o vilão mor, e desfilo e triunfo por trás de uma capa de trevas risonhas, faminta por corações iludidos por velhas histórias. Não há lugar para romances e comédias, tampouco os animais falantes e as morais de suas fábulas bíblicas. Apenas donzelas sacrificadas e cavaleiros empalados pela própria espada campeã. Torno-me maior do que a magia da música, do ritual. Torno-me a mão que manipula abertamente a rainha para estripar o rei e seus filhos enquanto dormem.”

E o espetáculo é interrompido. Cortinas de gritarias me trazem de volta, fechando minha visão além. Mas não inflamo-me por isso. Estou uma vez mais poderoso e cruel em minha lucidez, e já é mais do que em tempo de reviver o velho costume.

São chateações de súplicas atrás de rezas confusas que me tormentam, um alarde desagradável que mais pareceu-me com blasfêmias e urros de abatedouro até quebrar o encanto da consumação de meu transe, o que me lembra tardiamente da jovenzinha que acariciava a si mesma enquanto assistia ao calor da relação entre vulgarizado vampiro e tola amante repentina - só que ela não contou que arderia até o inferno. Fica evidente que a raiz do escândalo trata-se do corpo agora despido de vida – mas não de beleza, não e não - no ninho dos meus braços, tal como uma marionete feita do tecido da noite, e meus colmilhos esmaltados de sangue se abrem diante dessa graça. Respondo-a cuspindo um pedaço de sua irmã de senzala sobre as linhas soltas do espartilho desbotado que afrouxara. O naco de carne perde-se entre o decote aberto, pulsando como um órgão vivo e, quando dá-se conta, estou sobre ela, sorrindo-lhe pesadelos.

– Deus? Não tem que temer a Deus, meretriz – abro os lábios salientes da vaidade vermelha numa bocarra de horrores, multiplicando os caninos como as orações de um culto. - Tema meu beijo de morte.

(…)

O hiato de meu frenesi dantesco segue o número de frutos fêmeos-mortiços do pau-brasil portuário, que multiplica-se como uma pandemia misógina. Dois, quatro, oito, seguindo a conta da raiz quadrada de mau gosto que dispenso teorizar. Um médico renascentista evoca-se com a característica máscara de bico longo quando ganho as alturas com o corpo de uma concubina chinesa entre os dentes, mumificada até pele e osso pela minha sede, e outra que é só gritinhos e chorinhos, sufocada pela causa do abraço raptor em que a encerro – quebrá-la. Meu beijo de gumes cerra-se de volta a volta ao pescoço esmigalhado, como uma coleira mortal, batizando com sangue essa que ainda vive, cuja maquiagem pálida abandona-a. Ela me soca com miúdos punhos encolhidos, mas a luta fraqueja, apaga conforme a vida se esvai pelos tímidos furos com que a selei num dos seios, empapando as camadas de vestido. Abaixo, o solo é infertilizado pela serpente rubra-escura que chove das chagas de ambas.

– Encontrou pérolas entre os porcos, pelo que vejo – o médico levanta a máscara de pássaro. O rosto querubínico maquilado de sangue de Thorn pondera meu furor, acabando por adormecer alguns demônios interiores. Um laranja ardente espalha-se mortalmente pelos prados e edifícios, envenenando a colônia com sua fumaça cinzenta cheia de terrores, assolação que só percebo agora. O corpo escapa dentre meus dentes assassinos, e se estatela como uma trouxa de ossos e cinzas na campina. Desço do altar figurado, tocando o solo indigno, e liberto a chinesa parcialmente viva. Cega pelo pânico, ela corre até os braços de Thorn, murmurando apelos; “por favor, me ajude, senhor” e “ele não é humano, é um monstro, monstro, eu o vi bebê-la, e bebeu meu sangue também” e “a mordida, estou tão fraca, senhor”.

– Shh-shh-shh, beija-flor. Olhe pra mim, muito bem, assim que se faz – toma o rosto mimoso e redondo da concubina entre as mãos, enxugando as lágrimas que caem e beijando-lhe as pálpebras borradas e inchadas. - Tem orquídeas-negras de beleza rara, quantos já o disseram? - conforta-a, apesar de ser um completo estranho. Então, tocando a marca de caninos no decote, engole-a com a capa ao mesmo que traga o pequeno seio maculado, acocorando-se com ela numa escultura vultuosa de sombras. Apenas as sapatilhas de meias longas se fazem visíveis, contorcendo-se no marasmo da morte, de branco-neve para vermelho-sangue; os últimos suspiros da chinesa são tomados friamente.

– Fogo; o que significa esse escarcéu, espinho? - pergunto, abalado pela terra-à-vista de flamas vivas.

– Obra minha. Faltava fogo ao inferno, o diamante bruto precisava de lapidações.

– Incendiou a colonia? - estou verdadeiramente tentando me localizar. - Diabos, avise-me da próxima vez que resolver perturbar o descanso de Nero!

– Sente-se, observemos essa pequena parcela do mundo queimar. As maresias desse recanto prateado nos servirá de barricada, não que isso importe. Morrer queimado deve ser unicamente horrível. Invejo as crianças de Cabral pela experiência.

– Tenho escolha? - dispenso seu masoquismo às extremas. O medo do fogo tende a ser unânime entre os vampiros, mas abomino-o mais do que gostaria de admitir. Ser o medo é o que nos define, e nutri-lo sem disciplina pode ser fatal, acabar servindo de sobremesa para os monstros que alimentamos.

– Sabe que não – dá-me aquele sorriso ladino de trovador niilista, forçando-me a preferir que estivesse mascarado.

Acomodamo-nos à vasta manta de escuridão do sepulcro de pau-brasil, cujos cadáveres balançam em suas forcas improvisadas. Tudo queima, cai, morre. Apreciamos as sinfonias que os gritos e choros copiosos nos trazem de tão bom grado, tal como apuramos os sentidos com o fedor da carne esturricada que retorna ao pó, desde o terceiro olho à legião que se abre a partir dele. Dou-me por comovido, inflado pela expectativa do amanhã desses homens tostados, à fagulha de esperança que se apegarão e, com o tempo, transformarão-na num braseiro tão grande como o gigante que agora engole a costa fluminense com terríveis chicotes de fogo. Empresto-me dos fragmentos emotivos da concubina, pois a pureza crua dos sentimentos vivos me trai uma vez mais. Deito o corpo zerado sob nossos colos, e afago as linhas salgadas de suas lágrimas, lambendo-as entre as pontas dos dedos. Thorn se perde nos cabelos, soltando a concha que os prende, e um tapete de negro lustroso se estende pela relva geada, anunciando-nos a pintura de ouro. O embrião do fabuloso espetáculo humano nos prende, uma ópera no primeiro ato; a construção, a destruição e a reconstrução, do meteoro às guerras napoleônicas.

– Mon ami, mon amour... - cantarolo vaga e melancolicamente. - É um maravilhoso mundo novo que renova-se constantemente. Ser eterno não é o bastante.

– Bravo – passa-me a máscara renascentista, fungando os pés da moça profundamente, agora descalçados. - Prove dessas ervas. Um bastardinho de língua comprida nos arranjou como prova de boa hospitalidade, contanto que queimássemos algo dessa terra imunda, como ele próprio disse. Um ingrato. Chama-se Fidelis.

– Fidelis? Algo não está certo nesse nome – digo, mas já estou com o rosto de pássaro, divagante, respirando algo que não é desse mundo, seja ele novo ou velho.

Explosão; a epifania ousada da lambada de chamas me assalta.

– Thorn... tenho a sensação de estar assistindo à alvorada, ou ao crepúsculo. Não vejo o astro nascer ou se pôr desde... - hesito. É como fazer redivivo meu passado humano. - Eu nem ouso dizer. Isso foi intencional?

– Considere como um presente não premeditado de um antigo amigo. Ou não - o coro de anjos canta no nirvana, tecelando purificações desimportantes no útero de uma mãe prometida, e revivemos diários de jornadas e amantes diante do venturoso artifício como se, de fato, aguardássemos o beijo de fogo e cinzas de Apolo.


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