– Tem alguém ai? - Um dos soldados perguntou, apontando uma lanterna para o telhado, Lily fechou os olhos encolhendo-se ainda mais contra as telhas.

– Não seja imbecil, foi só uma telha que caiu.

– Não sei não, Donovan... Não é melhor a gente olhar?

– Estou te falando, não foi nada demais, vamos.

Lily escutou o barulho de passos e suspirou aliviada. Já tinha até esquecido que não estava sozinha no telhado, quando sentiu a mão dele se afastar de sua boca.

– Obrigada... - ela sussurrou ainda com medo de ser ouvida.

Com um gesto de cabeça ele indicou o topo do telhado e cuidadosamente começou a subir, Lily o seguiu. Do outro lado do telhado podia-se ver todas as construções do acampamento e se olhasse para baixo guardas faziam rondas em todas as ruas, Lily teve dúvidas de como não fora pega.

– O que está fazendo aqui depois do toque de recolher? - Sua cabeça virou diretamente na direção dele, sua voz grossa fez com que Lily arrepia-se.

– Eu poderia te fazer a mesma pergunta.

– Verdade, mas levando em consideração que você não foi expulsa por minha causa...

Lily estreitou os olhos, ele tinha razão e ela não gostava quando os outros tinham razão.

– Eu precisava pegar um ar.

Ele soltou uma gargalhada sacudindo a cabeça levemente, Lily sentiu um arrepiou percorrer a base da sua coluna.

– Você não podia pensar em uma resposta menos clichê do que essa?

– Por que salvar a donzela em perigo é realmente muito original - Ela deu um sorriso sarcástico.

– Calma foi só uma piada - Ele levantou as mãos no ar em sinal de rendição.

Lily revirou os olhos.

– E o que você estava fazendo aqui depois do toque de recolher?

– Pegando um ar - ele deu de ombros, rindo logo em seguida.

– Argh - Lily bufou reprimindo o impulso de dar um tapa nele - Você é irritante.

– Irritante ou não, eu te salvei hoje.

1, 2, 3, 4... vamos Lily você consegue ficar calma.

– Você não vai esquecer isso tão cedo, não é?

– Não mesmo - ele sorriu de lado - James Potter, by the way.

James encarou-a sugestivamente, Lily ignorou.

– O que? Não vai me dizer o seu nome?

– Ah... - ela fez uma falsa expressão pensativa - Não.

James estreitou os olhos.

– Depois eu sou irritante.

– Eu faço o que eu posso - de novo o sorriso sarcástico.

– Ok, mad*.

– Mad? - ela fez uma careta.

– Já que você não quer me falar seu nome é assim que eu vou te chamar.

– Eu não sou esquentadinha! - ela elevou um pouco o tom de voz.

James soltou uma risada.

– Estou vendo...

Lily bufou, talvez ela fosse um pouco esquentada, mas ele conseguiu irrita-la em poucos minutos de conversa.

– Amanha vai ser um longo dia, acho que já vou voltar para o chalé.

– Tem certeza que consegue ir sozinha ou precisa de ajuda para não ser pega?

Estreitando os olhos e respirando fundo para não voar no pescoço dele, Lily conseguiu juntar forças o suficiente para manter-se calma.

– Boa noite James.

E antes mesmo que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, ela já estava correndo de volta para o chalé.

***

O barulho era infernal e parecia estar em todos os lugares. A sensação que Lily tinha era de que alguém havia enfiado uma buzina dentro do seu ouvido. Ela podia sentir o barulho entrando dentro dos seus poros e perturbando a sua paz.

Por que diabos alguém estaria tocando um trombone às 4 horas da manhã? Porque você está no exército e o único objetivo deles é tornar a sua vida um inferno.

Realmente é uma resposta muito motivadora para fazer você levantar a bunda da cama quentinha e enfrentar o frio lá fora mais todas as torturas que eles vão te submeter.

– LILY! ANDA LOGO! - Marlene arrancou a coberta dela com força.

Com o maior esforço do mundo, Lily levantou da cama e colocou sua farda, arrumou os cabelos em um rabo de cavalo bem preso e jogou uma água no rosto. Junto com Marlene, disparou para fora do chalé até o campo de treinamento.

Ao chegar lá enfiarem-se em alguma fila e esperaram que a Coach Hayle aparecesse, Lily estava com tanto sono que achava que ia desmaiar ali mesmo.

– Eu vejo umas carinhas bem sonolentas aqui - como sempre, tudo ficou em silencio mais que absoluto quando a treinadora apareceu - Mas eu garanto a vocês que sono será a última coisa que vocês vão se lembrar nas próximas horas... Dor? Fome? Com isso vocês talvez devam se preocupar.

Lily e Lene se entreolharam.

– Nós vamos começar com o aquecimento e depois passaremos para o circuito, vocês só vão tomar café da manhã quando seus pés estiverem sangrando! Já chega de moleza, eu quero 50 abdominais. Andem, pro chão AGORA!

Os primeiros 25 abdominais, com certeza, espantaram todo o sono. Algumas gotas de suor já escorriam pelo seu pescoço, coisa que ela odiava.

Mas você quer ser a melhor, Lily, não se esqueça disso. Então não reclame, se esforce, se esforce mais, você sabe que você consegue.

– 100 polichinelos! MINHA VÓ PULA MAIS ALTO QUE VOCÊS! MAIS ALTO!

Você não vai deixar que ele vença, você vai ser a melhor, você vai ganhar medalhas, você vai provar que ser mulher não te impede de fazer nada.

– 30 flexões!

Não importa que seu corpo esteja todo dolorido, no final tudo vai dar certo. Você é uma lutadora, você não é fraca.

– CHEGA!

Imediatamente, todos deixaram seus corpos irem de encontro ao chão. A respiração de Lily estava ofegante, ela precisava de um banho e de comida, urgentemente.

– Vocês são péssimos... - a cara da treinadora era de desaprovação - Não sei como foram aprovados, resistência física? Zero! Disciplina? Nunca ouviram falar dessa palavra. Dedicação? Longe disso!

Lily tinha que admitir aquela mulher sabia acabar com a autoestima de qualquer um.

– Esse circuito que vocês vã0 fazer agora é bem simples. Vocês vão pular pelos pneus, rastejar pela lama, escalar a rede, passar pelas argolas e tocar o sino. Quem conseguir terminar o percurso está liberado para comer e tomar banho, quem não conseguir vai passar a manha toda repetindo até conseguir!

Era... Desafiador. Lily analisou parte por parte do circuito e sabia que teria mais dificuldade nas argolas, seus braços teriam que sustentar todo o seu corpo e eram pelo menos três metros até o outro lado. Mas ela estava determinada a tomar seu banho e comer.

– FILA INDIANA!

Tinham 5 pessoas na sua frente, de forma que Lily ainda teria certo tempo para avaliar os erros dos outros.

A treinadora soou o apito e o primeiro da fila disparou em direção ao pneus. Ele estava indo muito bem até chegar na rede, seu pé ficou preso e ele acabou caindo.

– O OBJETIVO DA ESCALADA É CHEGAR NO TOPO, NÃO NO PONTO DE PARTIDA! PRÓXIMO!

O segundo era péssimo, demorou séculos para conseguir pular todos os pneus e quando chegou na lama entalou.

– BRYANT EU NÃO SEI COMO VOCÊ ANDA COM ESSAS SUAS PERNAS! PRÓXIMO!

A terceira era ágil e conseguiu passar rapidamente pelos pneus e pela lama, teve um pouco de dificuldade na rede, mas conseguiu. Quando finalmente chegou nas argolas, não conseguiu sustentar nem até a terceira.

– STEVENS ONDE FORAM PARAR O SEUS BÍCEPS? PRÓXIMO!

Só tinha mais uma pessoa na sua frente e Lily começava a ficar nervosa, ela tinha noção de que todos estariam observando-a e tinha certeza que a Coach Hayle humilharia-a se algo desse errado. Quase que inconscientemente seus dedos buscaram o delicado colar em seu peito.

– WEASLEY SE ISSO ACONTECER NO MEIO DA GUERRA VOCÊ ESTÁ MORTO! PRÓXIMO!

Ela não parecia pensar em quanto corria em direção ao pneus, seu corpo entrou no piloto automático, com um equilíbrio perfeito pulou todos, deslizou pela lama com a maior facilidade, suas mãos e pés encostavam tão brevemente na rede que Lily tinha dúvida se estava realmente tocando em alguma coisa. Quando chegou lá em cima, pareceu travar por um momento, mas retomou o pique em questão de segundos.

Quando segurou na primeira argola, sentiu todo seu peso balançando e se ela não tivesse sido rápida o suficiente para colocar a mão na segunda argola teria caído. Sabendo exatamente o que estava fazendo suas mãos começaram a deslocar-se com rapidez e seu corpo ia equilibrando os movimentos. Lily já tinha chegado na metade das argolas quando sentiu suas mãos começando a ficarem escorregadias.

Calma, você consegue! Falta pouco... Falta pouco.

De repente parecia que seu corpo tinha ficado três vezes mais pesado, ela avançou mais três argolas com dificuldade, conseguia sentir o suor escorrendo pelo corpo e faltando apenas duas argolas, Lily sentiu como um baque seu corpo caindo no chão.

Merda!

Ela fechou os olhos ao ouvir o grito da treinadora.

– EVANS PRO FINAL DA FILA! PRÓXIMO!

Poderia ter sido pior, ela poderia ter me insultado.

Mesmo tentando se convencer que tinha ido bem, Lily ainda estava com muita raiva do seu maldito suor.

Lily estava indo na direção do final da fila quando sentiu uma mão puxar o seu braço.

– Lily você arrasou lá!

– Se eu tivesse arrasado eu não estaria aqui agora, Lene!

A morena revirou os olhos.

– Não seja tão dura consigo mesma.

– Whatever. Boa sorte!

– Obrigada.

Ia demorar para que fosse vez de Lily de novo, a fila devia ter pelo menos 30 pessoas.

***

Depois de ter tomado um banho e estar sentada confortavelmente no refeitório devorando seu café da manha, foi que Lily percebeu o quanto estava cansada. Podia estar cansada mas estava feliz, ela não tinha se saído tão mal no treino de hoje, foi a quinta a terminar o percurso.

– Você já pegou o seu horário?

– Não, eu ia pegar assim que terminasse o café. Você pegou o seu?

Lene assentiu.

– Tenho estratégia e leitura de mapas, prática de lutas e teoria das bombas.

– Uau - os olhos de Lily brilharam - Você deu sorte.

Lene deu de ombros e puxou um assunto qualquer, a mente de Lily desligou quando viu quem estava entrando no refeitório. O tal cara misterioso que tinha sentado perto dela no jantar da noite passada estava conversando com alguém, ele parecia rir de alguma coisa que o outro tinha falado e Lily estranhou seu comportamento, pois ele não parecia do tipo que ria ou fazia amizades.

Ela ficou ainda mais surpresa quando deixou de encarar o tal cara e deu uma boa olhada no “amigo” dele.

Ai meu deus.

Levando em consideração que ontem a noite estava escuro, Lily não conseguia enxergar muita coisa, só o suficiente para ela reconhecer que aquele cara falando com o misterioso era James. Ela reconheceria aqueles olhos avelãs em qualquer lugar.

Ele era alto e forte, seus ombros eram largos e os bíceps definidos. O cabelo bagunçado combinava perfeitamente com o rosto anguloso, sua boca era bem desenhada e seu sorriso era de tirar o fôlego. O jeito que ele andava era estiloso e ele ficava incrivelmente maravilhoso com farda.

Foi então que Lily lembrou de sua voz, tão rouca que provocou arrepios e de sua gargalhada, tão sexy que lhe deixava com frio na barriga.

Graças a deus, estava bem escuro ontem a noite...

* Mad em inglês também pode significar bravo, irritada, esquentadinha...