Depois da Escuridão escrita por Lucas Alves Serjento


Capítulo 25
Capítulo 25 - Luz e Trevas




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N/A: Estou repostando a história para corrigir a gramática e fazer leves alterações para tornar a história mais agradável de ler. Espero que gostem.

Capítulo 25 – Luz e Trevas.

 

Yuhi Kurenai

À minha frente estão dispostos muitos esquadrões shinobis. Alguém mencionou que mais de cento e cinquenta ninjas estão aqui, esperando ordens e alguém que nos guie.

E eu estou à frente deles. Apesar de todos os meus anos como kunoichi, nunca estive tão profundamente envolvida com algo dessa magnitude. E, apesar de tudo, não sou eu quem vai abrir a boca e nos guiar. Não. É a criança de dez anos colocada ao meu lado quem abre a boca.

—Eu não poderia estar mais satisfeita ao ver tantos shinobis nessa demonstração de confiança. - Ela sorria.

Eu não compreendia direito o motivo de sua insistência em manter a aparência infantil. Parecia que ela apenas queria passar por alguém que não ela mesma. Com sua mão pequena e braço curto ela fez um gesto abrangendo a mim e aqueles ao meu lado.

—O motivo de todos estarem aqui é simples. Vocês precisam saber que têm de obedecer às ordens desses shinobis como se fossem minhas. Espero sua colaboração e sei que uma estratégia foi desenvolvida. Sigam-na passo a passo. Caso contrário, não teremos chance de vitória.

—Hai!

—Essa é uma batalha para que tudo volte a ser como antes. Para que recuperemos o que é nosso e libertar a vila que nos foi tomada. Estou contando com vocês.

Ele respirou fundo, como se pesasse cada palavra que utilizaria em seguida.

—Para que a minha posição nessa batalha seja clara, vocês não podem se enganar: Naruto não é nosso inimigo. E, caso o vejam, devem protegê-lo. Afinal, ele pode ser a nossa maior esperança.

Ela endireitou sua posição. Os ninjas a imitaram e bateram continência, produzindo um som de bumbo que ressoou como uma explosão.

—Eu desejo a todos uma boa batalha. - A voz dela era serena. - Vão até lá e acabem com eles.

—Hai!

Ela se virou para os que estavam ao seu lado.

—Você e você. Venham comigo. - Ela apontara para mim e Iruka. Nós nos separamos de todos os outros que estiveram na reunião mais cedo. Eles deviam ir para a batalha imediatamente.

Os únicos que ainda não estavam presentes eram Neji e Chouji, porque o último estava terminando seu treinamento com o auxílio do primeiro. Ele estava próximo, por isso a melhor estratégia pareceu ser aguardá-lo para que pudesse usar todo o seu poderio.

Saímos do salão e eu me aproximei novamente de Tsunade.

—Porque deixamos Shizune na batalha de campo? - Perguntei. Aquele deveria ser o meu posto.

Tsunade pareceu constrangida.

—Eu acho que ela tem que esperar alguém lá.

O tom me indicou que eu não deveria perguntar mais, o que era bom, já que eu não tenho o hábito de fazer muitas perguntas.

—Vamos para o seu escritório?

—É o que espero. Se aparecer alguém no caminho que nos impeça de fugir da batalha, um de vocês deverá ficar para trás para que eu prossiga.

—Isso é arriscado. - A aparência infantil dela não me permitiria deixá-la sozinha.

—Não pense que não sei o que está acontecendo. - Ela se voltou para mim com um tom ofendido. - Mas não é o caso agora. Preciso que me deem cobertura. Não posso deixar Naruto enfrentar aquele monstro. Se isso acontecer, ele pode se destruir. Ele não faz ideia do que aquele homem é capaz.

Uzumaki Naruto

Hinata estava despertando. Demorou. Nós perdemos tempo por isso.

—Pare com isso, Naruto. Já é a quarta vez que você faz isso.

Eu estivera mexendo com os pergaminhos de Sai com o único propósito de provocar ele. Era uma forma de passar o tempo e me ajudava a não pensar em Konoha.

—Naruto… Kun? - Hinata firmou os olhos em meu rosto.

—Sou eu. - Confirmei, aproximando-me de seu corpo.

Ela aceitou a mão que estendi, oferecendo apoio. Ela se unia ao restante dos membros do grupo, todos acordados e eu constatava que agora formávamos um grupo bastante forte.

—Naruto. - Shikamaru parecia preocupado.

—O que foi?

—Onde está Tsunade?

—Eu não sei. - Respondi. Ela disse que viria me encontrar. - Deve ter encontrado alguém no caminho.

—Duvido. - Kakashi interrompeu. - Você teria sentido uma nova presença, não teria?

—Eu teria. Ainda assim, se ela tivesse encontrado alguém próximo da vila, eu não saberia por causa da massa enorme de chackra que está localizada ali.

—Ela foi para a vila? - Yamato pareceu incrédulo. Eu me sentia enganado.

—Acho que sim. - Respondi. - Eu achei que ela me esperaria, mas acho que foi sem mim.

Kakashi balançou a cabeça, pensativa.

—Não consigo pensar em nada. - Afirmou. - Ainda assim, deve ser melhor irmos. Estou errado?

Ele olhava para Shikamaru. Ele acenou positivamente com a cabeça.

—Precisamos ir atrás dela. - Ele se ajeitou, endireitando a coluna. - Só porque eu queria descansar um pouco mais.

Temari deu um soco em seu ombro.

—Não é hora de descansar.

—Ai! Dá um tempo. Eu estou cansado.

—E vai ficar mais cansado em breve. - Ela piscou para ele e todos os presentes ficaram vermelhos, inclusive Shikamaru.

—Vamos logo. - Ela se adiantou aos outros. - Não quero correr.

Nós obedecemos e minha mente se voltava para o fato de que estávamos retornando a Konoha. Apurei novamente meus sentidos, numa tentativa de achar algum rastro de Ino.

E, apesar de saber que era uma tentativa boba, não pude deixar de me entristecer um pouco ao não encontrar nada. Eu podia sentir, na estrada, algum resto daquele cheiro natural que ela emitia, mas o mesmo aroma se distribuía por toda a extensão da estrada, junto de um amontoado de outros cheiros, uns sobre os outros, desconhecidos para mim.

À exceção de um. Junto da linha do cheiro de Ino, outro passava paralelo, mais forte que o cheiro dela. Uma linha intensa. Não. Duas linhas intensas, das quais uma eu reconhecia. Talvez por ser demoníaca o bastante para que fosse gravada no meu subconsciente.

Não notei até então que estivera com os olhos fechados. Abri-os e percebi os outros parados, esperando minha reação. Ao ver o rosto de Kakashi, ficou claro que ele percebera o mesmo cheiro que eu, talvez até com mais facilidade, considerando que ele é o rastreador aqui. E eu acabava de entender quem eu reconhecera naquela estrada. A linha paralela junto à de Ino.

Era a garota com o corpo de Sakura. A garota que tinha feito com que ela morresse. Eu passei por Temari, olhando-a nos olhos para que entendesse que eu estava falando sério.

—Ninguém nunca quer correr. Mas hoje é necessário. O tempo está acabando.

—Por que a pressa? - Sai não estava me desafiando, apenas curioso. - Você não estava com pressa até agora.

—Eles estão com Ino.

Não olhei para ele quando respondi e não olhei para ele quando pulei para a árvore mais próxima. Se não me seguissem, eu continuaria sozinho. Mais uma vez eu precisava lembrar que não era hora para brincadeiras.

Por algum motivo, a imagem dela sorrindo apareceu na minha cabeça. Eu me lembrava do tempo em que treinamos juntos. Da maneira como nos envolvemos. Ninguém poderia prever o que aconteceria, mas aconteceu.

Eu a amo.

Eles não deviam ter mexido com ela. Agora vão aprender que cometeram um erro terrível.

 

Hyuuga Neji

É a primeira vez na vida que sinto tamanha impaciência. Não que minha personalidade tenha se alterado ou algum grande acontecimento emocional tenha feito com que minha pessoa se transformasse. Mas saber que tenho de ficar de vigia para o treinamento de Chouji quando todo mundo está se arriscando em batalhas é, no mínimo, desapontador.

 

Sem conseguir conter a vontade de fazer alguma coisa, levanto e ando por todo o perímetro da sala. Vou até a varanda onde estão as flores de Kurenai. Volto. Dou outra volta em redor da sala. Olho para o único ser humano comigo. Minha visão de Hyuuga me permite perceber que não há ninguém mais comigo no prédio. Aparentemente, é o único lugar na vila onde não vou ter um inimigo em quem bater. Como se o universo conspirasse contra mim.

Volto meus olhos novamente para Chouji. Vejo que os pontos de chackra do ex-gorducho estão perfeitos. Não há falha ou irregularidade de equilíbrio ou mesmo aquela instabilidade natural. Chega a parecer superficial, tamanha a fluidez do sistema e falta de imperfeições que são inerentes a qualquer outro ninja.

Penso um pouco e lembro que ele nunca foi muito forte. O seu treinamento foi inteiramente focado em reforçar tudo o que já havia aprendido. Básico e avançado, sem inventar nada no início. Hoje ele não pode ser considerado fraco. Não mesmo.

Algo me chama a atenção, como um sinal em um radar. Concentro-me um pouco e noto que alguém se aproxima da entrada do prédio. Parece que finalmente tiveram tempo para reorganizar as forças depois do caos organizado pelo clone de Tsunade.

—Finalmente. - Chouji abriu os olhos.

—Estava entediado?

—Eu fiquei muito tempo em concentração. Acho que é tempo de treinar a parte prática um pouco.

Era a primeira vez que ele levantava em três dias. As alterações eram ainda mais evidentes quando ele o fazia. Seu corpo estava magro e seus músculos se desenvolveram. Toda a massa muscular escondida debaixo da camada de gordura que ele tinha de acumular antes agora se fazia aparecer. A fase de crescimento pela qual ele passaria em alguns anos se adiantou por causa do treinamento corporal e ele estava alguns centímetros mais alto que eu. Seu cabelo não era apenas um emaranhado na cabeça, mas um bem organizado rabo de cavalo, amarrado para não atrapalhar a visão. Ao se mover, eu via que o chackra em seu corpo desestabilizava e estabilizava em seguida. Como água presa em um pote, pronta para tomar a forma necessária.

Ele se dirigiu ao corredor e eu tentei emparelhar com ele, mas seu braço ergueu, me impedindo.

—Deixe-me fazer isso sozinho, por favor.

Eu ia negar, mas senti que ele acumulava poder, então dei um passo para trás. Eu sabia que o risco de ser pego no turbilhão dos jutsus dele era grande.

—Estarei esperando lá fora. Tente não fazer muita bagunça.

Dirigi-me para a janela, sabendo que boa parte dos inimigos notara Chouji e não me seguiria. Eram todos insignificantes se comparados conosco. Pulei para o lado de fora, percebendo sete dos vinte invasores querendo me seguir. Eu não queria ser pego agora. Acelerei e os despistei com facilidade. Eles se voltaram para o prédio e eu escondi minha presença.

E esperei. Vinte segundos depois eu me perguntava se não deveria ir até lá para ajudar. Talvez vinte ninjas fossem demais e ele acabara de interromper seu treinamento-

Então ela veio. Uma explosão forte o bastante para me fazer arregalar os olhos. Por sorte, nós tiramos o filho de Kurenai do prédio logo depois de ele cochilar. Iruka se oferecera para deixar a criança junto com as demais e nós esvaziamos a casa para termos alguma liberdade. Ainda assim, tenho certeza de que Kurenai não vai ficar satisfeita ao saber que seu prédio foi posto abaixo.

Não muito depois da explosão, Chouji apareceu dentro da nuvem de fumaça e poeira que se erguera. Ele carregava um pedaço do teto em uma mão e um manto na outra.

—Desculpe. - Ele sorria, mas não parecia sincero. - Eu precisava pegar isso.

Ele se referia ao fato de eu usar a capa do meu clã – um manto branco com a inscrição dos Hyuuga nas costas.

—Eu entendo. - Virei-me e comecei a andar.

O manto que ele usava era preto.

“Duas sombras”. Cores opostas. Até mesmo eu não conseguia deixar de pensar que era algo legal.

—Para onde vamos? - Ele perguntou.

—Acho… - Hesitei. - Que podemos ir ao prédio Hokage. Os outros devem ir para lá também.

—Podemos comer algo antes?

—Não.

 

Senju Tsunade

Iruka, Kurenai e eu estávamos em frente ao prédio. Naquele momento, ainda não sabíamos o que estava acontecendo ali. Claro, enfrentamos vários inimigos até então. Trinta, aproximadamente, mas nada de especial. Ninguém que nos obrigasse a separar. Se todos fossem desse nível, Shizune estaria se saindo muito bem na linha de frente.

—Vamos mesmo entrar por aqui? - Kurenai insistia em segurar a minha mão, sem compreender que eu não sou uma criança de verdade. Eu a repreenderia, mas sei o motivo pelo qual está fazendo isso, o que torna a sua conduta compreensível.

—Konoha é nossa, não deles. - Eu usava toda a dignidade que a voz infantil me permitia. - Vamos entrar pela porta da frente.

Antes que ela discutisse, eu a puxei pela mão e nós entramos. Iruka sorria.

—O que é tão engraçado? - Kurenai estava evidentemente contrariada.

—Eu acho que estamos sendo tão insensatos quanto é possível. Primeiro, caminhamos até aqui sem qualquer precaução e depois entramos pela porta da frente sem usar nem mesmo um disfarce. É um milagre que não tenha acontecido nada de errado.

—Nada de errado aconteceu? - Uma voz irritante chegou aos meus ouvidos.

Os outros dois esperaram para que eu respondesse primeiro. Voltamo-nos todos para a recém-chegada.

—Você não é a mais forte, não é? Caso contrário, não seria a primeira na linha de defesa desse lugar.

Era Nail quem nos encarava. A garota que tomara o corpo de Sakura. Enfim eu podia encará-la. Agora eu tinha a chance de ensinar alguma disciplina a ela.

Eu estava estalando os dedos da mão direita quando Kurenai se colocou à minha frente.

—Você não pode lutar contra ela, Tsunade-sama.

—Kurenai!

—Não podemos ficar aqui. - Iruka me pegou pelo braço. - Nosso objetivo é Tenzo, lembra? O combinado foi não perder tempo com os inimigos fortes.

Ordens minhas. Fechei os olhos por um segundo. Não queria abandonar Kurenai e queria enfrentar aquela pirralha, mas eu sou uma Hokage. Estamos numa guerra. Eu não posso voltar atrás na minha própria palavra.

Grunhi, insatisfeita. Minha expressão fechou e o sorriso pretensioso da oponente me irritava ainda mais.

—Me desculpe Kurenai.

—Vá. - Ela deu um passo à frente e Nail compreendeu.

—Ainda bem que vou lutar com você. Odeio matar crianças. Elas parecem sofrer menos.

Fechei os olhos. Por causa de fatos assim que eu sempre odiei guerras. Deixar os amigos para trás, não poder lutar as batalhas que quer. Seguir em frente. Era o que sempre precisava fazer. Era o que eu sempre fazia, apesar de meu corpo implorar pelo contrário.

—DROGA! - Gritei, subindo as escadas para o primeiro andar.

 

Uzumaki Naruto

O que restou de nossa corrida até o portão principal da vila foi uma viagem tranquila. Não havia nenhuma segurança na estrada. Shikamaru teorizava as possíveis causas daquilo, mas não tínhamos certeza até então.

Uma das hipóteses dele fora a de que explodira uma revolução dentro do território de Konoha. Se Tsunade fora à nossa frente, era uma chance real. Agora, mesmo à distância, essa hipótese se confirmava. O que não era visto podia ser sentido. Destruição, lutas e morte. Shinobis se atacando, defendendo e não pensando. Um matando o outro, todos com movimentos precisos, sem hesitação. Todos determinados e certos de que estavam fazendo o correto.

Nós entramos na vila com a esperança de escapar do turbilhão. Alguns poucos nos viam e tentavam atacar, mas por não fazer ideia de quem éramos eles nos subestimavam e acabavam derrubados com facilidade. Ainda assim, forçavam-nos a perder tempo.

—Eu vou na frente. - Era a quarta vez que eu dizia aquilo.

—Não pode. - Era a quarta vez que Kakashi respondia. - Se for sozinho vai ter que gastar mais energia com inimigos no caminho até lá.

—Eu não posso ficar aqui, esperando que vocês se decidam o que fazer! Não tenho esse tempo!

—Ninguém tem esse tempo. - Shikamaru rebateu. - Mas não podemos correr também. E se os dois lados não gostam de você? E se você não sabe quem é amigo ou não? Não temos as forças para suportar o ataque de dois exércitos simultâneos! Mesmo com sua velocidade, tudo o que pode fazer é correr até o chackra acabar. Aí vai perder tempo também.

—Paciência, Naruto. - Era humilhante ouvir aquilo de Kiba.

—Por mais que você odeie isso, tem que entender que é necessário ir devagar. Descobrir o que está acontecendo antes de avançar.

—Kakashi! - Uma voz histérica no chamou de dentro do turbilhão.

Todos nós viramos e vimos um vulto pulando na nossa direção. Preparamos a guarda para um novo ataque.

—Finalmente! - Era uma voz feminina. Falou isso e parou há alguma distância, sobre uma das poucas casas que ainda estava em pé, com o corpo contra a luz.

Ela pulou sobre Kakashi em seguida. Não era um ataque.

—Ah… - O sensei estava envergonhado. - Oi Shizune.

Ela estava quase irreconhecível. Boa parte de sua roupa de batalha estava destruída e as partes de seu corpo que não estavam cobertas de poeira estavam cobertas de sangue. O seu cabelo estava uma bagunça; pedaços de cimento e madeira estavam presos em diversas partes de seu corpo. Seus braços estavam cortados em várias partes e um arranhão em seu rosto deixara sua bochecha vermelha. Um de seus olhos estava mais fechado que o outro. Eu pensei que ela tinha passado por maus bocados, mas então percebi que alguns de nós também não estavam em condições melhores.

—Pensei que estavam mortos! - Ela parecia à beira das lágrimas. Olhou para nós e sorriu. - Quando aquele homem apareceu para atacar Naruto, pensei que ele tinha derrotado vocês antes!

—Não seríamos mortos com facilidade. - Shikamaru sorria para ela.

—O que aconteceu?

—Precisamos conversar. - Kakashi respondeu. - Vamos procurar algum lugar para reunir informações.

—Não… - Comecei, mas ele me interrompeu.

—Precisamos das informações, Naruto. Depois disso eu prometo que vamos até onde Ino está sem fazer paradas. Mas não podemos ir sem ideia do que está acontecendo. Seria o mesmo que pedir para morrer.

Fechei os punhos. Aquele sentimento familiar. Impaciência. Quero agir, não pensar. Mordo meu lábio inferior e viro o rosto. Não quero encarar Kakashi agora.

—Tudo bem.

 

Mamori

Oi?

Olá?

Tem alguém me ouvindo? Alguma coisa? Qualquer coisa?

O que é isso? Essa… Conversa que eu posso ter comigo mesma? Não é a primeira vez, mas sempre parece diferente. Sempre parece… Novo.

Oi? Tem alguém me ouvindo? Alguém que entenda o que eu sou? Que me diga que imagem é aquela no vidro? Reflexo, não é? A minha imagem? Ou melhor: A imagem daquela shinobi que eu matei há tanto tempo. Isso não foi no momento da minha criação?

Olá? Alguém! O que é esse monólogo? Porque eu faço isso? Porque me pergunto o que eu sou ou a real razão da minha existência? Eu sou a primogênita. A maior guarda do meu criador. O meu nascimento foi realizado em razão de Tenzo, mas não foi um nascimento comum. Não foi o momento de realização e de criação. Foi um momento de destruição e morte que me deu vida. É graças à tristeza e à dor que eu existo. Eu não estaria aqui se não fosse a morte de alguém. Se não fosse a dor de alguém. Se não fosse Tenzo.

Ei! Alguém me diga! O que sou eu? O que somos nós? Eu e meus irmãos certamente não somos humanos. Um humano não sobreviveria ao soterramento ao qual fui submetida há pouco tempo. Nenhum humano poderia se erguer com facilidade de debaixo das pedras – como eu fiz. Também não poderia se recuperar como eu me recuperei, ou marchar para a vila escondida da maneira como eu marchei. Mas eu sei que também não sou um animal comum. Não posso falar pelos outros, mas eu tenho consciência de que sou algo e, ainda assim, não posso definir “o quê” é esse algo. Não sei também até onde vai a minha liberdade de fazer o que eu quero. Ou mesmo qual é a minha vontade. É tudo tão complicado. Será que eu tenho vontade? Esse monólogo é o que chamam de consciência? Ou é apenas um resultado colateral do tempo em que fico sozinha?

Eu sou alguma coisa, não sou? Não apenas um jutsu. Um jutsu não tem consciência. Não tem uma vontade. Eu tenho vontade. Quero ser alguma coisa. Um jutsu não tem propósito. Eu quero ter um propósito. Eu quero ser como os ninjas que lutam lá fora. Que escolheram ser o que são. Que têm esse brilho nos olhos e se convencem de que estão fazendo a coisa certa.

Será que eu estou fazendo a coisa certa? Olá? Tem alguém ouvindo isso? Tem que ter alguém ouvindo isso, não é? Qual o sentido dessa voz na minha cabeça se ninguém pode me ouvir? Oi! Me responda! Eu quero fazer o bem! Esse é um propósito que eu posso seguir! Mas o que é o bem? Como posso ter aquele brilho de determinação que vejo nos olhos dos outros ninjas?

Eu não quero ser uma coisa. Não quero ser um animal. Não quero ser um jutsu. Eu quero ser mais que isso. Eu posso ser mais que isso. Quero ser humana.

—Mamori?

Meu senhor. Tenzo. Esqueci-me do papel de guarda-costas por um instante. Quero pensar, mas não consigo. Tenho que obedecê-lo e depois voltarei a pensar.

—Sim, senhor?

—Porque está usando essa máscara?

—Meu rosto ainda tem marcas da luta, senhor.

—Espero que fique bem, querida.

Ele se afasta. Eu menti. Ele mentiu também. Eu não quero mostrar meus olhos para ele. Ele não se importa com o meu bem-estar. Para ele, eu sou apenas um jutsu. Eu e meus irmãos somos apenas o poder bélico que representamos. Sempre foi assim. Desde o primeiro dia. Aquele dia de agonia e dor sem fim para todos, menos para nós, que regozijamos ao ver a dor e o sangue dos outros. Dor e morte para todos. Espalhamos sofrimento e tristeza sempre, para que nosso pai tenha orgulho e nos dê outro de seus elogios dissimulados.

Você está me escutando? Percebe que eu sei o que ele sabe? Eu não sou como Gen, que se deixou levar pelos elogios, pensando ser verdadeiros.

Gen. Fecho meus olhos, contendo as lágrimas. Tenzo não podia me ver chorar, porque é estritamente proibido ter sentimentos em sua presença.

Gen e Mamori. Nós dois matamos pelo bem de Tenzo. Cometemos atrocidades para agradá-lo. Eu cometi os maiores sacrifícios da minha vida e sofri por isso até o fim. Para o bem de Tenzo.

Depois daquela luta contra o garoto da Kyuubi eu consegui escapar com vida. A pedra que me jogara contra o chão realmente feriu muito o meu rosto. Tenzo viu as consequências disso. Ele próprio me pedira para colocar a máscara, para que não pensasse no meu rosto ferido no futuro. Afinal, ele me chama de filha, mas me trata como mulher também. Ele não quer se lembrar da feiura do meu rosto ferido. Certamente lamentaria a minha perda se eu morresse porque sua cama esfriaria à noite.

Ele não lamentou a morte de Gen quando eu contei. Quando narrei a maneira como ele ficou destruído durante o desmoronamento da caverna na qual estávamos, ele não ficou como eu. Não teve que segurar a mão contra o peito, como eu faço. Não teve que segurar o choro, como eu faço. Eu. O ser criado artificialmente, tenho que conter as emoções para não expressar tristeza e ele não consterna ao saber da morte do filho.

Apenas um aceno de cabeça. O gesto demonstrando entendimento e permissão que ele sempre me dá.

Um aceno de cabeça que me mostra quem Tenzo realmente é. Que me faz permanecer com a máscara no rosto para que ele não perceba o meu ódio. O seu filho está morto! E você acena com a cabeça?

Eu não produzo ruídos, mas permito que as lágrimas rolem por meu rosto. Uso meu chackra para impedir que elas corram sobre meu pescoço. Não quero que ele as veja, então as obrigo a ser absorvidas pela pele antes de aparecer. O sal delas entra por minha boca e toca meus lábios, minha língua.

Será que alguém pode me ouvir? Eu não queria essa vida. Não queria viver com Tenzo esse tempo todo. Queria ser uma criança normal, do corpo frágil. Queria crescer ralando o joelho, sendo repreendida por fazer coisas erradas. Queria ter meus pais me ensinando que eu posso ser melhor e me dizendo o que é certo ou errado. Queria ter tido amigos e crescido em uma vila como essa em que estamos. Queria não ter responsabilidades e ter a oportunidade de amar um rapaz. Queria olhar o céu e adivinhar o formato das nuvens. Eu queria ser inocente e pura. Poder escolher entre viver uma vida normal ou não. Eu queria não ser cercada pela morte. E porque eu não pude? Em que mundo isso é justo? Porque eu tenho que ser uma massa de chackra sem livre arbítrio? Onde isso é justo? Será que alguém pode me responder?

—Eu vou patrulhar os corredores. - Eu preciso sair daqui antes que minha voz fique alterada.

Um aceno de cabeça de Tenzo me faz saber que tenho autorização para sair.

Você me julga, não é? Pensa que eu fiz coisas que fazem de mim uma pessoa… uma coisa ruim. Pois saiba que eu me arrependo de tudo o que fiz. Não é o bastante? Eu sei, mas não posso voltar atrás também. Não posso desfazer as catástrofes. Não posso reconstruir as casas. Devolver os pais ou os filhos. Os maridos e as esposas. Os netos ou os avós. Não sou capaz de reconstruir a família destruída ou o vilarejo devastado. Não posso restaurar o amor perdido ou a esperança esmagada. Os sonhos destruídos. As lágrimas jogadas fora. As promessas feitas. Os futuros que não existem mais.

Eu sei o que eu fiz. E me arrependo.

Eu me tranco em uma sala e começo a chorar. Eu quero morrer. Não vale a pena existir. Mas sei que não posso nem mesmo me matar. Não tenho o poder para isso e é necessário que outra pessoa, alguém com um poder muito grande, enfrente meu poder total. Você seria capaz de fazer isso por mim? Você me mataria?

Eu me encolho. Só quero morrer. Mas não basta querer. Uma coisa como eu não poderia ter um destino tão simples. O universo não é bondoso com aquilo que causa o mal.

Gen era único irmão com o qual eu gostava de conversar. Se ele estivesse aqui…

Meu peito aperta. Tento encolher o corpo um pouco mais.

Ele foi o único que me fez sentir diferente. Especial. Era o único com a capacidade de me fazer mudar. O único que fez mudar algo em mim.

O que é isso? Esse sentimento de perda? Como se Gen fosse a coisa mais importante que eu poderia ter perdido?

É isso que chamam de amor?

Ei! Você está me ouvindo? É amor? Parece tão… Óbvio.

Então eu o amei?

Eu sei que ele não é meu irmão de verdade. Não como as pessoas usam essa palavra, pelo menos. Ainda assim. É… Estranho. Mas é a verdade. Tenzo não é nosso pai de verdade. Nós não importamos para ele e, nesse sentido, ele não nos importa também.

É amor? Porque, se for, eu não me importo. Tenzo fez comigo coisas que envergonham mesmo que eu não seja uma humana. Ele me disse para fazer coisas com outras pessoas que envergonham mesmo essa coisa que eu sou. Eu e Gen. Nós sofremos também.

Então eu o amo. Sim, essa é a verdade. Desde sempre. Eu só tive uma coisa que importou desde o nascimento na dor e sofrimento.

Então eu preciso chegar até Gen. Me unir à única coisa que faz sentido.

É isso então? Isso que é um propósito? É um sentimento quente. Acolhedor. Diminui as lágrimas e a dor.

Eu preciso ir onde Gen está. E só existe um modo de fazer isso.

Fecho os olhos.

Você sabia que tem alguém no prédio? A Hokage e mais algumas pessoas. Ela está diferente da vez em que eu a vi, mas não importa. Não é ela quem eu quero.

Continuo procurando. Aumento a área de alcance. Ele pode estar fora da cidade. Não entraria com a mesma facilidade que eu entrei.

Ele está aqui. Você sabe disso também? Ele está em Konoha e está acompanhado.

Melhor assim.

Abro os olhos. Qual o nome dele? Você sabe? Tenzo mencionou seu nome antes. Para mim e para outros.

Ah, é verdade.

Naruto.

Só ele é capaz de me ajudar agora.

Venha Naruto. Eu conto com a sua chegada.

Você pode esperar comigo? Eu não quero ficar sozinha enquanto espero.

Eu sei que ele vai chegar em breve.

E, quando chegar, eu espero que consiga me matar.

Fim do Capítulo 25

*


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