This Strange Love escrita por Finholdt


Capítulo 14
Memórias ruins e um gato


Notas iniciais do capítulo

Oi =3 como vai você?
Eu escrevi uma one-shot chamada Nosso Segredo, da Hit-Girl com o Robin =3 quem se interessar...
Anyway, espero que gostem



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— Sophie! Não! Para!

Aster e eu estávamos indo para escola – a pé, maldito General – quando ouvimos a voz de um guri de uns dez ou onze anos correndo atrás de uma garotinha loira de seis anos. Aster imediatamente se virou quando ouviu o nome “Sophie”. Sei disso porque ele murmurou pra si mesmo o nome dela, como numa pergunta.

Então, ignorando completamente minha presença, ele se disparou a correr, atrás do menino e da menina. E eu – ofendido –, idiota que só, corri atrás dele.

A vantagem de Aster ser um grande jogador de futebol americano, é que ele corre muito. E nem suou. O cara só ganhou o apelido de “Coelhão” porque algum idiota disse que esse era o nome dele para as gangues. Logo depois disso, ele me aparece com milhões – milhões – de coelhinhos de pelúcia. Ele ficou bem irritado, mas acabou guardando, na desculpa de “colecionar”. Aham. Tá.

Aster estava prestes a agarrar a garotinha que corria enquanto ria animadamente quando eu cheguei perto do garoto, que parou de correr, já que viu Aster indo atrás da guria.

— E aí, guri?

O menino levantou os olhos e me encarou. Um dos dentes faltava, aquele que fica do lado da presa.

— Oi. Quem é você?

— Jack Frost. Aquele que está correndo atrás da garota – que se chama Sophie, pelo que notei – é o Aster.

— Sou Jamie. Aquela é a minha irmã caçula.

Senti algo parecido como um dos socos – no estômago – de Merida.

Ele suspirou, cansado.

— Será que essa onda de calor vai acabar nunca? Eu quero neve! — Seus olhos infantis brilhavam de entusiasmo. Que bonitinho.

— A previsão diz que vai durar mais umas duas semanas. Se tivermos sorte, menos, se tivermos azar, mais.

Suspiramos ao mesmo tempo, o que fez o garoto rir. Avistei Aster vindo em nossa direção com a pequena Sophie em cima de seus ombros. Ele a deixou do lado do irmão e disse numa voz doce que nunca tinha ouvido antes:

— Estamos entendidos, tudo bem? Você vai segurar a mão do seu irmão e não vai sair correndo.

A garotinha acenou com a cabeça animadamente. Apenas um de seus olhos estava a mostra, e ele brilhava em divertimento. — Muito bem. Boa menina. Sabe o que ganham as boas meninas?

— O quê? — Ela perguntou, animada.

— Ovos de páscoa.

Aqueles ovos de páscoa? — Os dois assumiram um ar conspiratório. Pelo olhar interrogativo de Jamie, descobri que o irmão mais velho não estava incluído. Nem eu.

Aqueles ovos de páscoa.

Aster sorriu mais uma vez e bagunçou os cabelos dos dois pirralhos, que saíram de mãos dadas, enquanto dávamos a volta, em direção a escola. Eu só não chamo lá de hospício, porque o meu pai é o diretor.

[...]

— Sabe? — Questionou Merida num tom perdido depois de praticamente meia hora em silencio desde que entramos na biblioteca e silenciosamente fomos arrumar as estantes.

— Humm? — Resmunguei sem dar a devida atenção.

— Você não é tão detestável como imaginei.

Parei o que estava fazendo e a encarei. Seu cabelo tampava todo o seu rosto.

— Cuidado, DunBroch – Zombei – Vindo de você, parece um elogio.

Ela riu um pouco, se virando pra mim. Humm... A risada dela ressalta as sardas. Não que eu repare.

— Estou falando sério, Frost. Você, hum, se lembra... Quando nossa rixa começou?

— Ah, puxa! Por volta da 5ª série, por quê? Você não se lembra quando nosso eterno ódio começou? — Debochei, mesmo sabendo que eu também não me lembrava.

— Não lembro. — Confessou, brincando com os livros distraidamente. — Mas não pense que isso influencia em alguma coisa. — Me encarou, os olhos azuis faiscando em desafio. — Você continua o egocêntrico, metido, e idiota!

— Quantos elogios! — Observei, sorrindo torto, irritado. — Você sabe que não é flor que se cheire, não sabe, encrenqueira? Você vai pra diretoria pelo menos uma vez por dia por causa dessa sua língua afiada. E você olha pra todo mundo com esse irritante olhar de superioridade. Aí! — Apontei na cara dela, triunfante. — Esse mesmo! Você olha pra todo mundo como se só o fato de dividir o oxigênio conosco – oh, plebeus – te enojasse!

Ela arregalou os olhos, escancarando a boca.

— Como é que é?! Eu não faço isso! — Ela enrolou tanto a língua que acho que peguei num ponto sensível. Resolvi não me intimidar e joguei tudo na cara dela.

Rapunzel tentava desesperadamente me fazer calar a boca, sem sucesso, claro. Eu tinha muita coisa entalada na garganta.

— Faz sim! Você é uma metida que anda pra cima e pra baixo com o nariz pra cima, princesa. E só piorou desde que aquele cara chegou. Você menosprezava ainda mais as pessoas! — Foi bem aí que eu perdi o controle da minha boca. — Você começou a dormir durante os intervalos e usava esses detestáveis moletons — Apontei acusatoriamente para suas roupas. — Logo depois fez a maior cena na aula de literatura, saindo chorando daquele jeito! E não pense que só porque nos tornamos “amigos” — Fiz aspas com os dedos, para enfatizar — eu deixei de te odiar. Porque eu não deixei. Eu ainda te odeio. — Acrescentei. — Muito.

— Ah é?! — Muitas emoções passaram pelo seu rosto. Ultraje, vergonha, choque, raiva; sentimentos de mais para eu acompanhar. Seu rosto estava tão vermelho quanto seus cabelos. — É isso que você pensa de mim? É isso que todos pensam de mim?!

Me levantei – estava agachado arrumando as estantes que foram a muito tempo esquecidas. Merida estava com as mãos na cintura, me encarando ferozmente, mas não me deixei intimidar Ainda mais pelo fato de eu ser quase um palmo maior que ela. A encarei com a mesma intensidade.

Ela esperava uma resposta.

— Não sei. Talvez. Motivos você não deixa faltar para as pessoas te odiarem. Você é detestável!

— Eu retiro o que disse agora a pouco. Você não é tão detestável como eu pensava. É pior! — Seu tom, não sei, me parecia magoado. O que me pegou desprevenido, me fazendo recuar um passo. — Você olha pra mim como se eu fosse uma barata com assas! Você é frio com as pessoas, humilha elas na primeira oportunidade! Quando estávamos na 5ª série, tudo bem, minha mãe disse que os garotos eram imaturos assim mesmo. Mas o tempo passou e só piorou! Tan Hall sabe como eu vou criar meus irmãos para serem tudo aquilo que você não é! Você, Frosty, é um debochado! Um arrogante, egocêntrico, que só pensa no próprio umbigo! Aposto que você nunca teve que encarar uma responsabilidade que fosse!

Antes eu só estava recuando enquanto Merida apontava o dedo no meu peito e me cutucava diversas vezes. Mas agora ela tocou num ponto sensível.

— E você encara alguma coisa?! Não é você a princesa que saiu correndo da Escócia porque não queria enfrentar responsabilidades?! Não é você a princesa que está sendo obrigada a se casar com aquele babaca por causa de um descuido seu, seu pai morreu!?


Merida arregalou tanto os olhos, tão chocada, tão ofendida, tão magoada, que me arrependi imediatamente do que disse.

Pude notar seus olhos azuis marejados, o que me fez me sentir pior ainda. Abri a boca para me desculpar, mas ela não deixou. Pegou quase todos os livros da estante e atirou em mim com tanta força que cai no chão. Quando olhei para cima, vi que ela estava esfregando os olhos compulsivamente, como se prestes a arrancá-los. A olhei assustado.

— De tudo que você poderia ter dito, Frost, isso foi o mais baixo. — Sua voz mal passou de um sussurro.

Ela se virou e saiu correndo, ignorando completamente enquanto eu gritava “DunBroch” desesperadamente.

— Inferno! — Berrei, chutando uma cadeira.

[…]

Voltei para casa cabisbaixo. Arrumei toda a bagunça que Merida deixou para trás, a culpa me remoendo. O General ainda não tinha chegado – o que foi ótimo, seja lá onde ele estivesse – pois fui direto para o meu quarto e me afundei na cama, gritando no travesseiro de frustração.

Frustração por causa de minha briga com Merida, frustrado por causa de Macintosh e esse maldito namoro arranjado, frustrado porque Flynn se mandou e não posso ligar para ele para irmos para Deus sabe onde. Flynn sempre sabe o que fazer quando estou alterado. Cogitei atravessar a rua e falar com Aster mas tirei isso da cabeça quase que instantaneamente. Tenho quase certeza de que vi Ana tocando a campainha dele.

Suspirei, os olhos ardendo. Já estava quase adormecendo quando ouvi meu celular tocando. Grunhi, e resmungando, me levantei indo em direção a sala, onde o telefone estava.

Era Rapunzel. E pela primeira vez, senti fúria em seu tom de voz.

— Jackson Overland Frost. Você tem noção de que você passou completamente dos limites?! Como ousa ter jogado o seu Fergus no meio da briga? Jogando aquelas coisas absurdas na cara da minha amiga! Você tem noção de que eu tive que dar um acalmante para a Merida conseguir dormir?! — Ela rugiu, enfurecida. Me encolhi automaticamente, me sentindo pior do que já estava. — Ela apareceu aqui em casa aos prantos! Chorando compulsivamente, me fazendo um monte de perguntas estúpidas. Que porra você disse pra ela, Jack? Que merda! Ela já não está sofrendo o bastante?! — Não sei o que estava me assustando mais. Rapunzel ter falado um palavrão, ou eu ter feito Merida chorar. — DIGA ALGUMA COISA! — Rugiu como uma leoa protegendo os filhotes.

— Eu, hã... — Minha voz tinha sumido completamente.

— EU TIVE QUE DAR A DROGA DE UM ACALMANTE PARA A MERIDA! Um acalmante! Tive que ligar para a senhora Elinor e pedir para a Merida dormir na minha casa. Enquanto ela está apagada, estou lhe dando a oportunidade de se explicar, porque, por mais que Merida não tenha dito seu nome, só pelas perguntas ridículas dela, dava para ter uma noção que você tinha um dedo nisso.

Engoli em seco.

— Eu, hã, eu... Ah! Sinto muito, Rapunzel, meu pai chegou, depois a gente se falava. — Menti descaradamente.

— Jackson, se você se atrever a desligar esse telefone-- — Não escutei o resto da ameaça já que desliguei.

Meu coração batia como louco e eu me sentia horrível. O que era estranho, já que normalmente eu me sinto triunfante quando digo um monte para Merida. Mas dessa vez foi pessoal. Cobri o rosto com as mãos e abracei meus joelhos pensando que não era muito pior que Macintosh.

Deitei no sofá, encarando o teto enquanto uma mão ficava tampando meus olhos.
Ela pediu por isso! Ela disse que eu não assumo minhas responsabilidades – e por mais que Rapunzel murmurasse bem baixinho que era verdade – isso pegou bem o fundo da ferida.

Respirei fundo e soltei lentamente, tentando colocar meus pensamentos em ordem, evitando a todo custo pensar muito. Pensar é sinônimo de lembrar, e isso é a ultima coisa que eu queria fazer agora.

A campainha tocou e eu rosnei com a cara enfiada na almofada. Me arrastei até a porta, parando em frente ao espelho que ficava na parede ao lado, me encarando.

Meu cabelo castanho estava completamente desalinhado – mas ele estava sempre arrepiado, só que dessa vez estava pior. - meus olhos – também castanhos – pareciam vermelhos. Suspirei, ignorando tudo isso e abri a porta. Para a minha surpresa, era Soluço quem estava do outro lado, trocando o peso de um pé para o outro, parecendo irritado. Carregava alguma coisa peluda nos braços, que não parava de se remexer.

— Ei. — Eu disse, ainda surpreso.

— Ei. — Resmungou. — Posso entrar? Vim trazer o Banguela. Ér, tenha um pouco de paciência com ele... Ele é meio... Mimado.

— Hã... Pode. É essa coisa minúscula? — Balbuciei abrindo a porta completamente para ele passar.

Soluço entrou, ainda estranho. Me entregou o gatinho negro como a noite. Ele tinha grandes olhos verdes e nenhum dente. Era o menor gato que já vi na minha vida.

— Posso me sentar?

— Claro, cara, fica a vontade.

O gato se recusava a ficar no meu colo e mordia compulsivamente o meu dedo. Ele ainda não tinha dentes, mas, ai, a gengiva dele é muito dura! Fiquei acariciando o gato até ele se acostumar comigo e só lamber meus dedos em vez de quase arrancá-los.

Soluço se sentou e ele me encarou por um momento, para logo depois fechar os olhos e respirar fundo. Já o conhecia bem o suficiente para saber que ia sair um sermão daqueles.

— Jack, você sabe que eu te adoro, cara. Você foi meu primeiro amigo desde que cheguei em Michigan. Mas Merida tem algumas conversas educadas na diretoria por causa do intercâmbio de vantagem com você.

— Onde quer chegar com isso? — Perguntei desconfiado.

— Rapunzel me ligou. — Ih, ferrou. — Pela sua cara, acho que ela também te ligou. Ela não me deu muitas informações, mas pelo que entendi, você passou dos limites.

— Já sei disso. — Resmunguei. — Não preciso que me lembrem a cada cinco minutos.

Ele fechou os olhos mais uma vez e tomou fôlego. Banguela estava ronronando sonoramente no meu colo.

— Você já conheceu o meu pai, Jack? — Perguntou, do nada.

— Hã? Seu... pai? Não, creio que não.

— O nome dele é Stoico, carinhosamente apelidado de O Imenso lá em Berk. Ele é dono de uma escola de luta – a melhor da cidade, aliás – chamada Hooligans.

Era a primeira vez que Soluço estava se abrindo comigo, por isso não fiz nenhuma pergunta.

— Veja bem, em Berk, luta é uma coisa levada muito a sério.

— Não consigo ver você lutando. — Soltei, imediatamente me amaldiçoando por ter falado algo.

Soluço levantou um canto dos lábios num meio sorriso.

— Heh, eu não luto. Meu pai me proibiu. De onde você acha que surgiu o apelido? Eu vivia chorando porque não era forte o suficiente se comparado com os outros garotos. Isso era humilhante, principalmente pelo meu pai ser o campeão. Ele não falava nada, mas eu sabia. Dava para ver a decepção nos olhos deles. — Conheço bem o sentimento, tive vontade de dizer mas não falei nada. — Eu era o garotinho mirrado, incapaz de jogar queimada sem sair completamente roxo. E advinha quem era a/o campeão de lutas infanto-juvenil? — Perguntou debochadamente.

— Astrid... — Sussurrei, um leve brilho de admiração passando pelos meus olhos. Espero que Soluço não me interprete errado. Mas ele mal me notou, tinha o mesmo brilho – muito mais intenso – nos olhos.

— Ela mesma. Pode adivinhar que comecei a gostar dela a partir dali. O que era horrível, por que, por mais que fossemos amigos, eramos de mundos completamente diferentes. Eu e Perna-de-Peixe--

Perna-de-Peixe? — Interrompi, franzindo o cenho. Que tipo de nome/apelido era esse?!

Soluço riu. Banguela se remexeu um pouco e começou a adormecer.

— Longa história envolvendo uma loja de pescaria e futebol, um dia eu conto. De qualquer forma, eu e o Justin éramos os únicos da cidade que estudava, e não lutava. Ele não quis vir para o intercâmbio. Meu pai aproveitou isso como desculpa para me manter definitivamente longe das lutas, mesmo que fosse pra assistir. Eu sentia como se ele sentisse vergonha de me ter como filho. Eu só o desapontava... E quando conheci Merida, reconheci aquele mesmo olhar que a mãe dela dirigia a ela, lá na diretoria. Eu imediatamente me simpatizei com ela, mesmo que a amizade definitiva viesse só depois de algumas semanas. Ela me contou que a mãe dela esperava que ela fosse alguém que ela não era – o mesmo que meu queria de mim. E nos apegamos a isso. Confesso que já tive uma quedinha pela Merida, mas foi na mesma época que Astrid terminou contigo. Não rolou. Eu amo a Astrid, mas também amo a Merida – como irmã. E você a magoou muito hoje, Jack, e fazer isso com ela não é fácil.

Fiquei um tempo calado, só pensando. Então esse era o grande segredo que os unia. Já que Soluço se abriu comigo, achei justo fazer o mesmo com ele. Pela cara dele, isso foi extremamente difícil de ter saído. O mínimo que eu poderia fazer com o cara era devolver na mesma moeda.

— Era inverno. — Minha voz vacilou um momento, sentia como se eu voltasse a ter 11 anos. Um garotinho tolo e assustado. — Estava nevando muito. E eu adoro neve, você sabe. Meu pai tinha saído para trabalhar e minha mãe ficou em casa, fazendo aquelas chatices todas. — Minha voz saia mecânica, meus olhos estavam desfocados. Estava revivendo tudo de novo. Conseguia até sentir o cheiro de bolo de chocolate que saia do forno. O bolo que eu nunca pude comer. — Chamei minha irmã mais nova, Emma, para patinarmos no lago que tem aqui perto. Ela tinha seis anos. Estávamos nos divertindo muito enquanto eu a ensinava a patinar. Ela caia quase toda vez. Então o gelo... O gelo começou a ruir. Ela me olhou, aqueles grandes olhos castanhos apavorados, implorando ajuda. E antes mesmo de eu conseguir me aproximar dela, o gelo quebrou e eu nunca mais vi minha irmã caçula. — Não conseguia encarar Soluço. Olhava para o abajur que ficava do lado do sofá branco e aveludado que ele estava. — Meus pais nunca mais me olharam do mesmo jeito. Ela estava sob minha responsabilidade, eu fiquei encarregado dela. Eles fizeram as malas no mesmo dia, nem me olhavam. E foram embora. Eu não... Eu nem sei onde eles estão agora. Eu não saia de casa por nada. Então um guri extremamente irritante de treze anos de idade invadiu a minha casa, com dois marinheiros a reboque. Um australiano, o outro russo. O russo – e o maior – me adotou e cuida de mim até hoje. — Meus olhos ardiam mais do que nunca e havia um nó extremamente grande na minha garganta. Respirei fundo algumas vezes e olhei para Soluço. Ele não me olhava.

— Eu sinto muito.

— Eu também.

[…]

Quando o General finalmente apareceu, Banguela estava na caixa de areia improvisada da sala.

— O que diabos é isso?! JACK!

Eu estava deitado no sofá com o travesseiro na cara, acordado o suficiente só para dar atenção ao Banguela que parecia ter criado uma rixa com as almofadas. O resultado? Cortinas, almofadas rasgadas, móveis arranhados e muitos, muitos arranhões.

Me levantei e olhei pro meu pai, que olhava horrorizado para o pequeno gato. Na confusão toda, acabei esquecendo de falar com ele sobre o gato do Soluço.

— Oi, pai. Esse aí é o Banguela, ele vai ficar com a gente por um tempo, só até o Soluço conseguir fazer a Astrid deixar o gato ficar com eles. Tá tudo bem, né?

— Bem, não há muito que eu possa fazer agora, né? O gato já está aqui! — Me olhou irritado. — Aliás, tem certeza de que é um gato? Desse tamanho, parece mais um rato.

Ao ouvir a palavra “rato”, Banguela começou a chiar alto, tentando parecer ameaçador. A cauda estava completamente eriçada e ele pulava tão alto que parecia em transe. Não consegui evitar a gargalhada que se seguiu.

Ele me olhou desconfiado por um momento, a cauda voltando ao normal. Me mordeu no tornozelo – e doeu, acredite – e deu as costas. Provavelmente para destruir o que restou das cortinas.

— Você está estranho. — Observou meu pai. — Aconteceu alguma coisa?

Ah, nada. Eu só tive a pior briga possível, Rapunzel está irada comigo, revivi o pior dia da minha vida. Está tudo ótimo, não consegue ver meu sorriso?

Óbvio que eu não disse nada disso. O cara tem duas espadas pregadas em cima da lareira.

— Nada, pai. Eu só estou com sono.

Ele me olhou desconfiado por um momento e deixou pra lá.

— Leve aquele gato com você, se eu acordar e tiver alguma coisa do meu quarto rasgada... — Deixou a frase no ar. Engoli em seco, sorrindo nervoso.

— Hehehe... Pode deixar.

Por garantia, eu tranquei a porta e as janelas.

[...]

Eu não sabia se Merida ia aparecer na biblioteca hoje. Ela me evitou a todo custo, e nem olhou para mim durante as aulas. Eu me sentia horrível.

De qualquer forma, me peguei indo para a biblioteca mesmo assim. Se ela não aparecesse, ia jogar na cara dela que ela realmente foge de suas responsabilidades. Que diabos!, berrou Rapunzel na minha mente, você já está pensando em alfinetar ainda mais a garota?! Você deveria era pedir desculpas!

Odeio quando ela tem razão. E ela sempre tem. Merda.

Estava dando as costas já quando senti uma mão no meu ombro. Pulsei, sobressaltado. Era Sandy.

Ele estava com seu habitual caderno de desenhos e o sorriso natural no rosto.
Sorri de volta, mas acho que só pareceu um rasgo na minha boca, pela careta que ele fez. Sandy me olhou inquisitorialmente e eu dei de ombros. Ele habilmente desenhou um rosto sem grandes detalhes.

— Humm... Pode se dizer que sim. Tem essa garota e--

Sandy nem me deixou terminar de falar e já estava rabiscando novamente. Agora o rosto era feminino e possuía selvagens cabelos cacheados, que serpenteavam para todos os lados. Só havia uma garota que tinha esse cabelo. Corei, constrangido.

— Ér... Como sabe?

Sandy apenas sorriu, enigmático, me oferecendo o polegar como num desejo de boa sorte. Sorri para ele – dessa vez de verdade. E ele foi embora. Suspirei uma, duas, três vezes. Ela não ia aparecer, isso foi uma grande besteira.

Me levantei da cadeira de onde estava sentado e andei um pouco pelos inúmeros corredores daquela biblioteca infinita, só para matar o tempo.

Imagine minha surpresa ao encontrar gigantescos cabelos ruivos no meio de um dos corredores, daqueles bem distantes, que ninguém nunca vai. Merida ouviu meus passos e levantou a cabeça, me encarando. Ela parecia que não tinha dormido muito bem.
Nos encaramos no mais profundo silêncio, e isso me incomodou.

— Oi.

— Oi.

— Estava te esperando.

— Hum.

Engoli todas as ofensas que estavam na ponta da minha língua e me sentei ao lado dela.

— Por que estava aqui?

— Bom esconderijo. — Respondeu mecanicamente.

— Estava se escondendo de alguém? — Perguntei pela mais profunda curiosidade, não me entendam mal.

— Ãhãm.

— Quem?

— Ninguém, Frost, que merda.

Novamente, tive que morder minha língua para não xingá-la de tudo que eu queria.

— Você... Pensou em alguma coisa para se livrar do Macintosh?

— Além de atirá-lo no metrô? Não.

— Podemos fazer parecer um acidente. — Sugeri, sorrindo torto.

Consegui fazer com que o canto esquerdo de seus lábios tremessem contra um sorriso.

— Ou jogar a culpa em alguém. Tipo o Pitch. Ele odeia todo mundo, não surpreenderia muita gente se ele acidentalmente – não sou tão malvado – empurrasse o escocês idiota no metrô.

Ahá! Um sorriso! Mas rapidamente foi embora. Uma pena. O sorriso dela é bonito.

— Frost. — Me chamou, a voz surpreendentemente baixa, como num sussurro rouco.

— Por que você começou a me odiar? E eu já sei que você me odeia e todos os seus motivos, você deixou isso bem claro, ontem. — Cuspiu. Resolvi não falar nada, com medo de piorar minha situação. — Eu quis dizer... Como nossa rixa começou? Quando você começou a me odiar? O que eu tinha feito? O que você tinha feito?

Eu não sabia, nem lembrava. Minha memória é muito vaga na 5ª série, foi a mesma época do acidente de Emma. Aquele ano foi praticamente um borrão para mim.

Merida me olhou nos olhos, eles pareciam tão quentes, tão indefesos. Senti vontade de abraçá-la, só para tirar esse olhar do rosto de Merida. Não combinava com ela.

Inconscientemente, meu olhar recaiu para os seus lábios. Eles eram tão rosados, tão delicados. Nem parecia que por trás desses lábios inocentes havia a língua mais ferina que eu conhecia. Humm... Que gosto será que tem? Epa! Por que diabos estou pensando nisso? Ela tem namorado! Pior, ela é a DunBroch, não rola.

Lembrei de seu olhar de desafio. Bem sexy. QUE DIABOS?!

Cogitei que era Rapunzel que estava me fazendo pensar todas essas coisas absurdas, era a única explicação lógica. Era isso, é claro que era isso.

Eu só não estava preparado para o que Merida disse logo depois do meu silêncio - plus confusão mental.

— Eu te odeio, isso é um fato. E você me odeia, isso é outro fato. Então, por que estou pensando em como seria te beijar? — Foi tão baixo, que nem ela se deu conta do que disse. Provavelmente só pensou alto.

Mas não importava. Quando dei por mim, já estava a empurrando contra a parede, pressionando meus lábios que pareciam congelados sem o contato dos dela.


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Notas finais do capítulo

Frosty = Glacê/Chantili/Torta de sorvete =3
Até o próximo /o/