The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 27
Capítulo 26 — Sentindo




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Sentindo

 FECHEI MEUS OLHOS. Mal conseguia mantê-los fechados. A sensação era inquietante, estúpida. Eu precisava ver o que acontecia em minha volta. Pensei em aperta-los com força, força-los a ficarem fechados. Mas pouco importaria. Senti as mãos que seguravam meu rosto se fecharem nos meus cabelos, mantendo meu rosto preso e erguido para o alto. Meu corpo estava preso entre a parede e o de Jamie. Ele apertava o rosto contra o meu também. Sua respiração batia nos meus olhos fechados, nas pálpebras, e era ainda mais difícil de mantê-las fechadas. Minha primeira reação foi fugir. Desvencilhar-me, correr para longe. Devia ser por isso que minhas mãos agarravam os pulsos de Jamie com intenção de afasta-lo. Mas não o fiz. Mantive os olhos fechados sem força, procurando conforto no gesto. A respiração quente. As mãos gentis. O carinho que eu estava recebendo daquele humano tão sensível a ponto de parecer uma Alma. Prometi que manteria os olhos fechados até sentir alguma coisa. Eu precisava sentir pelo menos alguma coisa dentro de mim, que não fosse raiva ou dor. Não podia estar tudo perdido. Bruma não estava mais aqui. Eu estava por eu mesma agora. Ninguém me diria o que fazer e me daria algo para sentir. Não sei quanto tempo ficamos assim, em silêncio. Não havia um único ruído na caverna. Meus punhos fechados em torno dos braços de Jamie afrouxaram e deslizaram até a dobra dos seus braços. Pararam ali. O toque ficou mais gentil conforme minhas mãos escorregaram. Sentia o toque macio de sua pele sobre meus dedos relaxados. Sua mão também escorregou – do meu pescoço para a base das minhas costas –, e me apertou contra ele. Então houve o estralo, o clique. Fora acionado.

Como se meu coração tivesse estalado. Meus olhos se relaxaram, fechados. Eu não sentia mais a necessidade de abri-los. A respiração que batia e acariciava meu rosto ficou desconcertante, desejada pela minha pele. Outro clique. Meus dedos se fecharam delicadamente em seus braços. Minha cabeça se ergueu, o rosto colado ao dele de modo que nossos lábios se roçavam. Mais um clique. Minhas pernas ficaram bambas e trêmulas, foi difícil me manter de pé. Fiquei grata por ele estar me segurando. Então, nada. Nenhum movimento. Esperei outro estralo. O final. Era como se tivessem jogado a gasolina e eu esperava pelo fogo. Nada. Quase um minuto se passou e nenhum resquício do incêndio. Eu teria que riscar meu próprio fósforo. Inclinei meu rosto para frente, apenas um centímetro. E explodiu.

Exatamente como eu imaginei. Uma explosão. Um estrondo. Os toques delicados de antes se tornaram desesperados. Minhas mãos agarraram o pescoço de Jamie enquanto ele me beijava com uma urgência que eu não conhecia. Era desconcertante, diferente demais para que eu pudesse prestar atenção em outra coisa que não fosse ele. Jamie já tinha me beijado uma vez, mas fora rápido e zangado. Eu mal tinha sentido. Eu estava entorpecida e raivosa, o que deve ter transformado o beijo em algo quase ruim. Mas agora eu estava presente. Inteiramente neutra, esperando algo. Agora eu o queria.

As mãos de Jamie apertaram minha cintura, meus pés quase se ergueram do chão. Segurei seu rosto com uma das mãos enquanto a outra escorregava para a base do seu pescoço, ficando parada e encolhida ali. Seus lábios ficavam diferentes a cada segundo. Gentis, fortes, urgentes, carinhosos, vorazes e com paixão. Meu corpo sacudiu violentamente com um arrepio que separou nossos lábios. Fiquei com medo de abrir os olhos, agora que realmente sentia sua respiração no meu rosto. Abri os olhos só um pouquinho, fitando seu peito, que respirava profundamente. Sentia os olhos dele cravados no meu, mas não tive coragem suficiente para encara-lo de volta. Percebi que uma de suas mãos tinha largado minha cintura em algum momento ­– que não posso afirmar qual foi – e agora estava na parede ao lado do meu rosto. Eu sentia o calor irradiando de sua pele. Aquela mão segurou meu rosto, primeiro o acariciando com o polegar, depois erguendo meu queixo de modo que me deparei com seus profundos olhos de chocolate. Foi chocante a sensação de cair dentro daqueles olhos depois daquele beijo. Era o chocolate, escuro, delineado com um tom negro como a noite, com traços de caramelo saindo da pupila. Os olhos de Jamie esquadrinharam meu rosto, me observando. Ele soltou meu rosto, mas não desviei meus olhos do dele. Ele respirou fundo, soltando o ar pela boca e balançando os fios da minha franja.

—Ash, eu...

Ele fechou a boca. Esperei que ele voltasse a falar, mas ele baixou os olhos.

—Você...?

Ele não disse nada. A mão na minha cintura se soltou, descansando sobre o osso do meu quadril. Jamie afastou o corpo, desencostando do meu. Seu cabelo negro caiu sobre seus olhos, os escondendo. Segurei seu rosto impedindo que se afastasse.

—O quê? O quê ia dizer? Por favor...

Ele me interrompeu, erguendo a cabeça rapidamente e colado seu rosto no meu novamente. Aquilo me desconcentrou, e esqueci-me do que estava falando.

—Eu amo você.

Foi agudo e lancinante. Furou a minha pele e atingiu o coração. Um choque. Meus braços ficaram bambos e trêmulos também, e foi difícil mantê-los onde estavam – no rosto de Jamie. Precisei respirar fundo pela boca, o ar entrou entrecortado, pois de repente todo o oxigênio parecia ter sumido dos meus pulmões. Ergui meus olhos procurando os dele, mas estavam fechados. Fechei meus olhos com um suspiro. A mão de Jamie apertou minha camiseta. Ele estava esperando alguma coisa, desejando alguma coisa. Respirei fundo mais uma vez e respondi sussurrando.

—Eu não sei se isso é possível para mim, mas eu acho que também amo você.

 —Você acha? —Ele sussurrou. Sua voz estava angustiada. Amargurada.

 —Eu não sei nem se consigo amar alguma coisa de verdade, Jamie. —Engoli em seco. —Só não quero machucar ninguém... Novamente.

 Ele não disse nada. Temi que ele tivesse se magoado.

 —Me desculpe. —Sussurrei. —Eu queria ter certeza. Queria amar você também, ter certeza disso. Mas é tudo tão estranho, mais do que é para qualquer Alma. Eu também troquei de mundo quando vim para cá. Esse lugar tem sentimentos que eu não conheço. —Suspirei fundo, o ar entrou entrecortado pela minha garganta. Estava difícil falar. —E eu não quero magoar você. De modo algum, por favor, me...

 Mas fui interrompida. Jamie pressionou os lábios nos meus, devagar. Não me beijou. Apenas me silenciou. Ele então se afastou, ainda mais devagar, me dando sete segundos para me arrepender. De tudo. Pensei que talvez tivesse sido melhor nunca ter cedido ao beijo dele. Deveria ter me afastado, corrido para longe. Assim como eu queria fazer, inicialmente. Mas o arrependimento se dissolveu como fumaça, sendo substituído por um calor interno, quando Jamie segurou meu pulso delicadamente, escorregando sua mão até encontrar a minha e aperta-la levemente. Meus olhos encontraram os dele e ele sorriu. Sorri também, e foi um sorriso tão fácil que não pude controla-lo. Jamie inclinou o rosto para beijar minha testa.

 —Eu amo quando você sorri assim.

 Ergui meu rosto e fiquei na ponta dos pés, encontrado os lábios dele com os meus. A mão que segurava a minha se enrolou entre meus dedos, e ele me puxou para o mais perto possível, o seu outro braço ao redor da minha cintura. Minha mão o procurou instantaneamente, a ponta dos dedos acariciando seu pescoço até se enrolar entre os cabelos. O calor da explosão ainda estava ali, incendiando cada centímetro de pele que Jamie tocava. Separei nossas bocas para poder respirar, e seus lábios incendiaram meu pescoço. O ar úmido da caverna não me ofereceria o oxigênio necessário, e eu estava ofegante. Procurei seus lábios novamente, sentindo o incêndio percorrer todo o meu interior, pondo fogo em todos os membros, aquecendo o coração que batia com uma força descontrolada. Algo concreto se formava dentro de mim, mas não era pesado como a tristeza ou abrasador como a raiva. Era frágil, mas concreto, que mantinha todo o calor da explosão dentro do meu corpo, impedindo que ele escapasse. Algo realmente concreto. Agarrei o pescoço de Jamie quando ele tentou dizer algo, e senti o sorriso contra o meu.

 Mas Jamie se afastou um pouco, os olhos dentro dos meus, e não consegui decifrar o que se passava em seu rosto.

 —O que houve? —Perguntei, minha voz saiu tão macia e suave que nem parecia minha.

 —Só estou tentando... Entender os últimos cinco minutos. —Ele respondeu, e deu um sorriso confuso, baixando os olhos. —O que fez você vir até aqui e me beijar, enfim?

 —Não diga isso como se fosse um crime. Eu já lhe disse que...

 Ele ergueu os olhos e me calei.

 —Você sabe que mente mal.

 Dei um passo para mais perto, erguendo-me levemente para perto do rosto dele, parando a poucos centímetros antes de tocá-lo.

 —Acha que isso é mentira?

 Ele me encarou por alguns segundos, estudando meu rosto.

 —Não é verdade.

 —Eu não faria isso. —Sussurrei.

 —Ficar comigo para esquecer Ian?

 Senti o sangue sumir do meu rosto, mas tentei manter a respiração controlada.

 —Não há motivo para fazer isso. Eu não preciso esquecer ninguém. —Não era mentira. Não soou falsamente. Era de verdade.

 Jamie inclinou levemente a cabeça, pensando, porém não disse nada.

 —Usar você para esquecer Ian. Isso é... Nojento. Se você me conhece, sabe que eu não faria isso. Seria mais fácil eu bater em alguém do que abusar de seus sentimentos. —Minha voz foi ficando mais e mais baixa, até quase desaparecer. —Não sou uma desoladora.

 —Eu sei. —Ele respondeu, sussurrando.

 —Então por que toda essa dúvida estampada no seu rosto?

 —Eu não sei. —Ele respirou fundo e olhou por cima da minha cabeça. —Só... Não parece real.

 Tentei encontrar os olhos dele, mas não consegui. Fiquei na ponta dos pés e puxei seu pescoço para baixo, até conseguir alcançar seus lábios.

 —Isso é real. —Sussurrei, um segundo antes de tocar sua boca.

 Mas não houve outra explosão. Jamie segurou meus ombros e me afastou. Pisquei duas vezes, confusa, tentando entender o que se passava na cabeça dele. Mas pela expressão em seu rosto, nem ele entendia.

 —Acho que preciso de tempo. —Ele sussurrou. Mesmo confuso, sua voz soava gentil. —Algumas horas, apenas.

 —Claro. —Minha voz soou baixa e desapontada. —O tempo que precisar.

 Jamie deu uma risada rápida e assoprada, apertando os olhos.

 —O que há de engraçado? —Perguntei.

 —Desde quando você se tornou tão compreensiva e paciente?

Boa pergunta.

 —O tempo muda as pessoas. —Respondi.

 Jamie deu um passo para mais perto e roçou os dedos no meu rosto.

 —Não Ash. O amor muda as pessoas.

 Ele esquadrinhou meu rosto com os olhos, e dei um suspiro. Segurei a mão dele e a tirei do meu rosto, e me afastei em dois passos antes de solta-la. Jamie franziu as sobrancelhas.

 —O que está fazendo?

 —Você disse que queria tempo. —Respondi.

 Jamie cobriu rapidamente a distância entre nós, segurando meus cotovelos e me puxando de encontro a ele, me prendendo.

 —Quando se trata de você, não há o que pensar.

 O rosto dele estava tão perto do meu, seus olhos escuros tão profundos e brilhantes, que por um momento perdi todas as palavras.

 —Mas...

 —Só de olhar mais de dois segundos pro seu rosto... —Ele estava mais próximo a cada segundo. —Que percebo que não quero... Não posso perder um único segundo pensando.

 Ele me beijou novamente, e não houve a explosão. Apenas uma faísca, acendendo todos os nervos do meu corpo. Aquele beijo não foi cheio de urgência e arrebatante. Foi doce e suave, me fazendo sorrir. No fundo da minha mente, desejei que nunca terminasse. Eu não queria mais ter que ficar longe dos braços dele, muito menos dos seus beijos. Os braços dele me abraçaram apertado e minhas mãos ficaram entre nós, sem saber o que fazer. Eu não tinha certeza de nada do que estava fazendo, contudo, parecia extremamente certo. Concreto.

 Tentei não sorrir demais quando Jamie e eu fomos para a cozinha. Os campos de cenouras estavam prontos para a colheita e eu havia ficado muito tempo sem colaborar com nossa pequena comunidade, e não podia deixar de ajudar. Quando a luz da cozinha começou a despontar pelo túnel, senti Jamie me encarando. Ergui meus olhos para ele e não pude controlar um leve sorriso que surgiu no meu rosto. Ele sorriu também, e ergueu a mão. Não hesitei em pegar sua mão e me aproximar mais dele. Não havia mais hesitação entre nós.

 A luz do cômodo atingiu nossos rostos, e olhei rapidamente para Jamie e ele estava sorrindo. Parecia muito diferente aos meus olhos. Sua pele com um bronzeado dourado saudável era macia e quente, assim como seus lábios. Os olhos eram uma curiosa mistura de chocolate, caramelo e sombras nas extremidades. Ele era alto, muito mais do que eu, minha cabeça encaixava sob seu queixo. A mão que segurava a minha era forte, e ele tinha os músculos de um sobrevivente que vivia com dura obsessão e fuga por todo o corpo. Os cabelos negros como a noite eram cheios e lhe cobriam as sobrancelhas retas sobre os olhos. Ele tinha malares acentuados iguais aos de Melanie, mas tinha um rosto duro e queixo quadrado. Ele tinha uma aparência dura e pesada para sua juventude, mas eu sabia que ele era extremamente gentil, intercalando a brandura e a severidade como só um humano poderia fazer.

 Havia poucos aleatórios na cozinha. Trudy, Violetta, Darcy, Joe em uma mesa, e pareciam alegres. Mel e Jared sozinhos em uma mesa afastada, em uma espécie de transe romântico que sempre ocorria quando os dois estavam a sós. Passei direto pela cozinha e caminhei até o hospital improvisado de Doc. Ele estava lá, junto com Candy, Peg e Ian, todos ao redor do catre em que Alice estava. Eu não gostei da aflição em seus rostos. Corri até lá, afastei Candy e me debrucei sobre os cachos vermelhos e ferrugem.

 —Doc, o que aconteceu?

 —Nada. —Ele respondeu desanimado. —Esse é o problema.

 —Ela não está acordando, Ashley. —Sussurrou Candy.

 —Não... —Minha voz sumiu e voltou num grito. —Alice! Alice, acorde. Anda, Al... Acorde. Por favor...

 Mãos grandes cobriram meus ombros, e eu teria reconhecido seu familiar calor se não estivesse tão angustiada.

 —Ela vai acordar. Em breve. —Sussurrou Jamie.

 —Alice está respondendo bem. —Disse Doc. —Ontem seus dedos se moveram levemente, segundo Candy.

 Aquilo me animou.

 —Isso é ótimo. Então ela deve estar voltando.

 —Em breve. —Repetiu Jamie.

 —Vamos mantê-la bem hidratada até lá. —Concluiu Doc.

 —Obrigada. —Sussurrei. Mas continuei aflita.

 Fazia muito tempo desde que tiramos Chuvisco... E Alice não acordava. Temi que ela fosse jovem demais para vencer. Acariciei seus cachos por alguns minutos antes de erguer os olhos e encontrar os de Ian. Estavam cobaltos, me encarando estreitos. Peg estava distraída com as caixas de criotanques.

Jared acabara de voltar de uma incursão, na qual levara Bruma – eu não tive coragem de ir junto. O criotanque brilhando vermelho era uma constante lembrança de que tudo que amo é tirado de mim, pouco a pouco. Enrolei o dedo em um cacho de Alice e me perguntei se ela também seria tirada de mim. Minha garganta ficou estranhamente inchada por dentro. A mão livre procurou por Jamie atrás de mim. Ele a pegou e segurou entre suas mãos; o gesto foi confortador. Funguei para espantar as lágrimas que ameaçavam. Com o canto dos olhos, vi Peg pegar a mão de Ian e ambos saírem do consultório aos sussurros. Doc se refugiou em sua escrivaninha, atrás de pilhas de papel.

Jamie soltou minha mão para passar os braços pela minha cintura e apoiar o rosto sobre minha cabeça depois de beijar meus cabelos.

—Ela vai acordar. —Sussurrou.

—Estou com medo. —Admiti tão baixo que mal ouvi minha voz. —Não quero perde-la também.

 —Alice é forte. — Ele murmurou. —Assim como você, Ash.

 Dei um suspiro triste e me virei de frente para Jamie dentro dos seus braços, segurei minhas mãos por trás de suas costas e apoiei a testa em seu queixo.

 —Estou tão cansada de perder as pessoas que amo.

 —Você não vai me perder. —Sussurrou Jamie enquanto abaixava o rosto para apertar contra o meu.

 Eu sorri, mas depois de dois segundos, o rosto dele ficou mais quente. Jamie gaguejou quando falou.

 —Eu... Eu não quis... Eu não estava supondo...

 —Você está certo. —Interrompi-o. —Eu não vou perder você.


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