The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 26
Capítulo 25 — Continuando




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Continuando

 ABRI MEUS OLHOS DEVAGAR. Os feixes de luz entrando pelas gretas no teto me cegaram momentaneamente, se tornando insuportáveis para meus olhos enfraquecidos pelo sono. Esfreguei-os para acalmar a ardência e me apoiei sobre os cotovelos. Lola debruçou a cabeça no meu abdômen, me encarando com os olhos âmbar. Ela também percebera alguma mudança, pois sempre me olhava com olhos questionadores, mesmo para um cão. Afaguei a cabeça dela. Um resmungo do outro lado do quarto chamou minha atenção e a de Lola, que ergueu as orelhas. Mas era só Jamie, murmurando enquanto dormia.

 Essa era a primeira vez, nos últimos vinte dias desde que Bruma se fora, que Jamie conseguiu dormir a noite inteira em seu próprio colchão. Nas últimas vinte noites, eu acordava gritando, aterrorizada, com pesadelos que deveriam ter me atormentado, mas não fizeram por causa de Bruma. Ela havia me protegido deles, eu tinha certeza. Os primeiros pesadelos eram com meus pais, ou com seus corpos, em que eles me obrigavam a beber café com veneno diluído. E, nas derradeiras vezes, eu sonhava com a Glock presa entre os dedos de Cam, mas apontada diretamente para mim, e o tiro ecoava...

 Jamie me acordava e se deitava ao meu lado, me abraçava e ficava comigo o resto da noite, abafando meus soluços contra seu peito. Mas, de todos esses terrores, o que mais me maltratava era a saudade horrível que eu sentia de Bruma. Nunca imaginei que algo tão pequeno ­– seus humildes oito centímetros – pudessem fazer tanta falta na minha vida.

Eu fugia de Ian o tempo inteiro, só a imagem dele fazia meu coração sangrar. O único lugar onde a dor não me encontrava era no estado entre o sono e a consciência, quando eu provavelmente estaria com Jamie.

 Mas, naquele dia, eu não precisei ser acolhida ou acalentada. Eu tivera minha primeira noite sem pesadelos desde que Bruma se fora, e eu me sentia quase vitoriosa.

 Levantei; peguei uma calça jeans escura, a única que restara completamente inteira, sem nenhum rasgo, uma regata amarelada e meu moletom azul escuro com asas estampadas atrás; saí pelo corredor no máximo de silêncio possível e fui me abrigar na câmara escura de banho. Permiti-me ficar muito tempo na água morna, até a pele da ponta dos meus dedos se enrugarem, e me sequei com as toalhas ainda cheirosas. Vesti minha roupa e calcei o par de botas pretas de cano curto que me havia sido entregue no dia da minha incursão. Aparentemente, meu pé era maior que das mulheres e menor que dos homens. Sacudi meus cabelos molhados para enxotar as gotículas de água e eles pairaram quase sobre minha cintura. Minha franja escondia meus olhos de tão comprida, e tinha que jogá-la para trás. Lola estava me esperando deitada na entrada da câmara, e também tinha tomado banho recentemente. Agachei-me a acariciei, brinquei com ela e saímos juntas até a ala hospitalar. Debrucei-me sobre Alice e acariciei seus cabelos vermelhos. Ela continuava dormindo, mas estava linda, pois Doc e Candy a hidratavam com água e soro. Por seu corpo ser jovem, as chances de atrofia nos músculos e cérebro eram menores, aumentando a chance de ela voltar. Mas Alice não voltava... Hesitei algumas vezes antes de deixa-la e seguir até a cozinha. A maioria das pessoas estava lá, e incluía Jared, Kyle e Ian em uma das mesas, conversando. Ian sorriu quando me viu e se aproximou. Ele me tomou nos braços e me apertou.

 —Feliz Aniversário, Ashley.                                                

 Aqueceu-me por dentro quando percebi que ele havia se lembrado de mim. Mas o calor foi logo seguido por uma fria e sólida tristeza.

 —Tenho certas dúvidas quanto ao “feliz”.

 Jared surgiu por trás das costas de Ian.

 —É seu aniversário?

 Dei de ombros.

 —Pois é.

 Então recebi um abraço no estilo Jared, que se constituía em um braço em volta dos meus ombros e uma leve pressão contra seu corpo. O máximo de contato físico que já o vi realizar com outras pessoas que não fossem Melanie. Ele parecia tão devoto a ela que me causava calafrios.

 —Feliz aniversário. —Murmurou Jared.

 —Obrigada. —Respondi.

 Ganhei mais alguns cumprimentos ao longo da manhã, nada exorbitante; o necessário para que eu me sentisse lembrada e... Querida. Ou extremamente carente. Jamie não tardou em me encontrar, já descoberta a novidade. Ele me abraçou apertado, pressionando os lábios contra minha testa.

 —Posso desejar feliz aniversário? —Ele perguntou murmurando.

 —Não gosto de mentiras.

 Ele acariciou meu cabelo.

 —Você não vai ficar triste para sempre, Ash.

 —Quer apostar?

 Jamie ficou em silêncio. Suspirei, um pouco constrangida, e finalmente me afastei dele. Ele sorriu levemente. Baixei o olhar para o chão e vi com o canto de olho a mão de Jamie se aproximar e erguer meu rosto.

 —Ver você assim me deixa doente. —Ele disse, e realmente parecia mal.

 Tentei dizer que estava bem, mas não encontrei minha voz. O nó na garganta era grande demais. Segurei a mão de Jamie, tirando-a do meu rosto. No fundo, eu sabia exatamente o que precisava ser feito, e reuni toda a minha coragem para fazê-lo.

 —Eu vou ficar bem. —Afirmei. —Só preciso de um minuto sozinha.

 Jamie ergueu o canto da boca.

 —Claro.

 Soltei a mão dele e comecei a andar rumo à cozinha, sentindo minha coragem diminuir a cada passo, mas não hesitei. Eu precisava encarar o que iria acontecer.

 Cheguei à cozinha com o coração na boca. Meus olhos vasculharam o lugar, e, no fundo, rezava para não encontrar.

 Porém, empurrei meus pés travados para frente, indo em direção à Peg.

 E olhei por cima do ombro dela.

 —Ian. —Falei, com a voz mais firme que conseguia. —Precisamos conversar.

 Após respirar fundo, complementei.

 —Em particular.

 Ele me seguiu em silêncio, mas sorrindo como sempre. Tentei caminhar até o túnel calmamente, contudo minhas mãos tremiam tanto que as enfiei nos bolsos.

 Parei no túnel vazio e me virei de frente para Ian. Ele me observava com expectativa. Não podia desistir agora, então despejei toda a verdade.

 —Eu preciso lhe contar uma coisa... Que esta me sufocando. Desde que Bruma foi embora. E eu não consigo viver com isso, está me consumindo...

 —O que foi Ashley? Pode me dizer qualquer coisa.

 Respirei fundo duas vezes antes de falar.

 —Quando pedi para beijar Bruma, bem... Ela beijou você. Mas eu também. E... Sinto muito.

 —Tudo bem. Na verdade, eu já sabia.

Franzi as sobrancelhas.

 —Sabia?

 Ian sorriu desajeitadamente.

 —Eu deduzi que... Bom, houve uma súbita mudança, e Bruma nunca me beijaria daquele jeito.

 —Ah...

 —Eu só não quero que fique estranho, ou, não sei; não quero que tenha alguma tensão... Você entende.

 Baixei levemente os olhos.

 —Claro.

 —Afinal, foi sem querer, não é? Bruma deve ter jogado você pra fora e foi meio repentino... A culpa é um pouco minha também. Você não fez por querer. Por instinto, talvez.

 Não adiantaria mentir, eu não saberia fazer direito.

 —Não. Não foi sem querer. Eu queria mesmo beijar você, Ian.

 Ele ficou sem reação por alguns segundos – estava esperando por qualquer coisa, menos isso.

 —Mas, Ashley, eu... Eu amo Peg.

 Meu coração parou.

 —Eu sei Ian. Sei que você ama Peg. —Fiz uma pausa para respirar profundamente, tentando levar oxigênio novamente aos meus pulmões. —Sei que sempre amará Peg.

 Ele baixou os olhos e não conseguiu conter um meio sorriso. Senti minhas sobrancelhas juntarem e meu queixo tremer quando admiti.

 —Mas eu amo você.

 Ele ergueu os olhos para dentro dos meus. Estavam escuros, apenas azul marinho e profundo. Desviei os olhos para o chão, incapaz de encará-lo.

 —Ashley... —Ele sussurrou.

 —Não. —Interrompi-o, dando dois passos para trás dele, de costas para seu rosto.

—Eu já sei. Você ama Peg. Estava apenas fazendo um favor para Bruma. Nunca teve nenhuma intenção comigo. Eu sei. —Dei um suspiro cansado. —E eu não quero que você deixe de ficar com Peg, eu não posso querer algo assim. Que tipo de monstro eu seria se fizesse algo assim?

 Encarei friamente a parede na minha frente, como se ela fosse culpada. Mas a única culpada era eu mesma.

 —Eu nunca deixaria Peg, Ashley. Eu sinto muito, mas...

 —Sei disso. —Interrompi-o novamente. —E fico feliz em saber que você a ama. Eu só não... Aguentava mais guardar isso dentro de mim. Estava me sufocando.

 Ian me pegou pelos ombros e me girou, obrigando-me a encará-lo, tornando a situação ainda mais difícil.

 —Está te sufocando por que é errado, Ashley. Esse sentimento não existe, não é seu. Era de Bruma, lembra? Ela que sentia algo por Chama; e eu o lembrava. Nada mais do que isso.

 Eu apertei os olhos, sem ter coragem de desmentir. Não era assim. Ele não entendia. Eu havia me apaixonado por ele, independente do que Bruma sentia.

 —Isso não é real. —Sussurrou Ian, tentando acalentar minha dor.

 Tentei acreditar fielmente nas palavras dele, lutando contra a agitação dentro de mim. Não era real, não era concreto. Era apenas um sentimento platônico e idiota, que confunde mentes fracas.

 —Não se preocupe com isso. —Sussurrei. —Aposto que, junto com meus pesadelos, isso também vai acabar.

 —A última coisa que eu queria era te ver triste, Ash...

 Pela primeira vez, fui eu quem passei meus braços ao redor do pescoço dele e acendi o abraço. Ian pousou as mãos com cuidado na minha cintura e pressionou a bochecha contra minha testa. Tentei fazer igual à Bruma, e deixar todos os meus sentimentos naquele abraço, e ter apenas as lembranças. Mas parece que falhei.

 —Eu vou esquecer. —Sussurrei. —Só não sei como.

 —Só precisa ocupar seu coração com outra pessoa. Alguém pelo qual sinta algo concreto. —Sussurrou Ian de volta.

 Eu me afastei dele e sorri. Ele sorriu de volta. E com aquela troca de sorriso, fora acabado.

 Saí da caverna com as palavras de Ian ecoando na minha mente. Ele estava terrivelmente certo, e isso machucava um pouco. Não era real. E eu precisava de algo concreto. Andei em total silêncio até meu quarto, esperando que Jamie não estivesse lá. Mas ele estava, claro.

 —Ash! —Ele exclamou, assim que afastei a cortina de veludo.

Algo concreto.

 Engoli em seco. Meu coração bateu com força. Dei dois passos compridos até ficar frente a frente com ele. Jamie percebeu minha mudança e não falou, nem se mexeu. Isso dificultava um pouco.

 Mordi o lábio inferior. Baixei os olhos. As mãos de Jamie pairavam ao lado do seu corpo. Estiquei minhas mãos e peguei as dele, tentando parar de tremer.

 —Eu... —Tentei dizer alguma coisa, mas não encontrei palavras.

 Houve então o movimento abrupto, em que de repente minhas costas estavam apertadas contra a parede e minhas mãos esmagadas entre meu corpo e o dele. Jamie segurou meu rosto com ambas às mãos, seus olhos escuros extremamente brilhantes quando os encontrei. Sem ter a menor ideia do que fazer, apenas fechei os olhos.


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