The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 21
Capítulo 20 — Observando




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Observando

O MUNDO PELOS OLHOS DE BRUMA ERA DIFERENTE. Tudo parecia mais colorido, mais feliz. A sensação era parecida com o Corta Dor.

Bruma foi até a câmara de banhos e tranquei a respiração. A câmara ainda me torturava. As cenas, as palavras, os cheiros...

Shh. Sussurrou Bruma, tentando me acalmar. Shh, tudo bem.

—Eu estou bem. —Disse eu, mas minha voz soou fraca.

Tem certeza?

—Vá tomar banho! —Exclamei, mas soou como uma ordem. Bruma desceu devagar pela borda da banheira gigante, adentrando a água escura e morna.

Assim que se vestiu e saiu, já tinha fila na porta da câmara. A primeira da fila era Peg, que sorriu abertamente quando viu Bruma. Bruma também sorriu, indo até ela para cumprimenta-la. Mas freou. Atrás de Bruma, com uma mão enroscada em sua cintura, estava Ian. Ele sorriu para Bruma. Depois fechou o sorriso. Peg soltou a mão dele da cintura dela. Senti um clima extremamente tenso. Todos se olharam ansiosos. Então Ian quebrou o silêncio.

—Dormiu bem, Bruma?

Bruma teve dificuldade em falar. Ela não só estava apaixonada por Ian, ela também sofria com isso.

—Sim. E Ashley... Voltou.

A reação foi imediata. Peg arregalou os olhos e se inclinou para trás; Ian arregalou os olhos e se inclinou para frente. Dois impulsos distintos.

—Sério? Isso é muito bom. Como ela está?

—Bem. —Foi a única palavra de Bruma, mas soou como uma mentira.

Uma meia-mentira. Eu estava bem, mas ela não. Procurei o motivo, mas novamente bati contra o paredão escuro.

Não! Exclamou Bruma. Fique longe disso, Ashley.

A voz dela foi cortante e direta, parecida com o tom de voz que eu usava. Parei de lutar contra o paredão.

Voltei a me concentrar em Ian e Peg. Ian. Ele parecia tão brilhante sob o olhar de Bruma. O modo como ele sorria quando a encontrava, ou como seus olhos brilhavam, Bruma o achava bonito. Algo extremamente bonito.

E ele é mesmo bonito, não é?

—Você está perguntando isso justamente para mim? —Falei.

Bruma riu.

Tem razão. Que grande bobagem. Você não o acha bonito.

Senti o coração bater algumas vezes antes de responder.

—Eu não disse isso.

Tudo bem. Sei como é. Ele não nos pertence.

Dei um suspiro.

—Nunca pertencerá.

Bruma ficou em silêncio, e uma brisa gelada e cortante atingiu meu “rosto”, deixando o frio da minha mente ainda mais insuportável. Tristeza.

—Mas ninguém precisa se preocupar com isso. —Sussurrei.

Tem razão.

Bruma se afundou na sua tristeza, e uma lembrança forte começou a surgir diante meus olhos, ela estava lembrando...


—Tem certeza de que quer fazer isso? —Perguntou Ian.

Bruma encarou pela décima vez a faca afiada a sua frente. Ela achou feia, perigosa. Mas mesmo assim a pegou, com cuidado, mantendo os dedos longe da serra.

—Sem problema. —Bruma engoliu em seco. —Como eu... Faço isso exatamente?

Ian riu, sua risada baixa fez Bruma se arrepiar. Ele se aproximou dela pelas costas, pegando sua mão que segurava a faca. Bruma tentou respirar com calma.

—Muito simples. Veja.

Num movimento fácil, Ian raspou todo o milho de uma espiga, e os grãos caíram pesadamente em uma bacia. Bruma observou tudo com cuidado, tentando aprender, mas Ian agia com rapidez e precisão.

—Viu?

—Isso não parece simples. —Admitiu Bruma, ruborizada.

Ian riu e abandonou a faca com uma das mãos, deixando-a cair sobre os ombros de Bruma. Ele a puxou para perto dele e Bruma engasgou com o ar que respirava.

—Tudo bem, eu sei que você não lida muito bem com facas.

Bruma franziu as sobrancelhas.

—Eu não lido bem com nada.

—Isso não é verdade de modo algum.

A voz de Ian estava assustadoramente perto de seu rosto e Bruma corou veemente. Ele continuou a falar.

—Você lida bem com as pessoas.

—Acho que... —Bruma engoliu em seco. O que dizer? Ela estava confusa. —Acho que Ashley lida melhor com tudo do que eu.

—Apenas certas coisas. —Respondeu Ian, sua voz mais longe.

—Você sente falta dela? —Bruma perguntou, porém mordeu a língua em seguida, arrependida.

—Sim. Mas também vou sentir sua falta quando se for...

—Eu ficarei aqui, de qualquer modo.

O rosto de Ian agora estava perto do seu, e ele sorriu ao encontrar seus olhos.

—Sim, eu sei. Isso é ótimo.


O modo como ele dissera... Ardia no peito. Mas não era minha dor, era de Bruma. Voltei para o presente, para longe de suas memórias, esperando encontrar Ian e Peg novamente. Porém Bruma os havia deixado, andando rápido pelo túnel escuro que levava até o pátio, e posteriormente até o campo oeste. Jamie estava lá. Os olhos o procuraram imediatamente ao se depararem com a luz.

—Oi Bruma. —Ele sorriu abertamente. —E Ashley.

Bruma sorriu com a brincadeira tola, mas não estava feliz. Parecia extremamente dividida, não sabendo ao certo como se sentir. Ou, talvez, não sabendo qual sentimento ela deveria permitir que eu sentisse. Bruma estava estranha, muito estranha ­– ela parecia mentir o tempo todo. Almas não mentem, elas não conseguem. E quando tentam, soam tão falsamente quanto o sarcasmo. E Bruma estava assim. E extremamente amedrontada. Busquei as lembranças dela, mas só encontrei mais lembranças alegres...


—Você gosta de chá gelado tanto quanto Ashley? —perguntou Jamie.

A lembrança do chá gelado deu água na boca de Bruma.

—Eu não sei... Mas esse corpo gosta. Então eu acho que sim.

Jamie riu e lhe entregou uma garrafinha de chá gelado. Bruma tomou com cuidado, se deliciando com o liquido assim como eu fazia quando tomava. Ela enxugou a boca com a manga da blusa bege. Ela não usava meu moletom azul. Não se achava no direito de usá-lo.

—Você acha que Ashley vai voltar quando? —Sussurrou Jamie.

—Não sei. Ela já está sumida há três semanas. Eu tenho medo...

—De quê?

—Dê que ela não volte. —Sussurrou Bruma, com medo de ouvir a verdade na própria voz.

Jamie estremeceu ao lado dela.

—Ela vai voltar. —Ele disse por fim. —Ou iremos trazê-la de volta, de qualquer modo.

Bruma inclinou a cabeça para olhar para ele. Jamie olhava para frente, as sobrancelhas franzidas.

—De que jeito?

As sobrancelhas de Jamie se ergueram levemente.

—Mel também havia sumido... Antes, quando Peg estava no corpo dela. Tiveram que trazê-la de volta.

—E como o fizeram?

Jamie olhou para Bruma e deu algumas risadas silenciosas.

—Digamos que ela foi... Sobrepujada. Jared teve que... Beija-la para trazer Mel de volta.

Bruma enrubesceu violentamente. Ela sempre ficava assim quando se tratava do sistema “elaborado” de reprodução da nossa espécie. Começava com um beijo, e terminava...

—É uma pena que Ashley não tenha motivos para ficar... Sobrepujada. —Disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Bruma.

—De modo algum. —Bruma deixou escapar. Jamie olhou para ela interessado e Bruma cerrou os dentes.

—Existe algo que sobrepujaria Ash?

Uma brincadeira. Qualquer coisa. Uma mentirinha tola. Pensou Bruma. Ela não queria falar sobre Ian. Não queria que ninguém soubesse. Não queria atrapalhar minha vida de modo algum. Bruma sorriu.

—Talvez se ameaçassem Lola. Ashley com certeza voltaria e atacaria.

Jamie sorriu.

—Sim. Com certeza. —Pelo seu tom de voz, ele sorriu tristemente.

Mas o que o entristecera? O fato de não haver algo que me trouxesse de volta?

—Mas ela está aqui ainda. —Disse Bruma, confiante. —Eu posso sentir. Ela não desapareceu. Ashley não é o tipo de pessoa que desistiria com tamanha facilidade.

—Eu sei. E fico muito feliz por isso. Eu não sei o que seria de mim... De nós sem ela.

Bruma assentiu.

—Você também, Bruma. Não sei o que seria de nós sem você.

Ele está mentindo, pensou Bruma. Só não quer me magoar.

Jamie continuou falando.

—E eu não queria que você...


O paredão negro caiu com força sobre a memória, me expulsando.

—Não queria que você o quê, Bruma? —Gritei, dentro da cabeça dela. —Por que não me deixa saber? Essa é minha cabeça, do meu corpo. Eu tenho o direito de saber o que se passa aqui dentro.

Seu corpo? Pensou Bruma. Ela estava extremamente zangada, com raiva que deveria pertencer a mim. O sentimento me atingiu como facas. Então pegue-o de volta.


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