Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 7
O Moinho




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Levou pouco mais de uma hora para que a Guarda Volturi estivesse devidamente protegida do amanhecer, escondidos num moinho abandonado. A grama ao redor do edifício era tão alta, que nenhum ser humano normal cogitaria passar por aquelas bandas e, por isso, os vampiros sentiam-se relativamente seguros.

O interior do moinho era amplo, com uma escada velha que levava ao andar de cima, carroças quebradas e restos de móveis de madeira espalhados por todo o lugar. Maximilian havia sido o primeiro a entrar, correndo para o andar de cima e se atirando nos amontoados de feno que ainda estavam por ali, fazendo daquele espaço o seu território.

Alec veio logo atrás, com os olhos novamente interessados em cada movimento do camaleão, parando num canto do recinto e esperando os outros se acomodarem. Ele não sabia explicar o que se passava, mas sua cabeça simplesmente borbulhava com algo que ele não sabia o que era... "Sentir" era quase proibido para qualquer um dos Volturis e, apesar de o vampiro jurar que Jane sentia prazer em matar – o que, tecnicamente, significava que ela estava sentindo –, sua mente juvenil não foi capaz de identificar o óbvio: que ele estava sentindo curiosidade.

― Alec, saia de perto da janela – pede Jane, ao vê-lo apoiado próximo demais da luz solar –, estamos longe dos humanos, mas ainda devemos ser cautelosos.

O gêmeo dá um passo largo para o lado, afastando-se da janela e, consequentemente, aproximando-se ainda mais de Maximilian. Seus olhos vermelhos cruzaram com os do camaleão, que lhe deu um sorriso travesso e se encolheu num canto de sua cama de feno, abrindo espaço suficiente para que outra pessoa deitasse confortavelmente ali.

― Pode deitar se quiser, eu não cobro nada! – brinca Maximilian, observando o rosto inexpressivo de Alec e captando perfeitamente o momento que ele desviou o olhar para Jane, como se buscasse nela a autorização para aceitar o convite. – Você precisa do consentimento da sua irmã para deitar num amontoado de mato seco? Francamente, pequeno Alec, você já foi mais independente.

O vampiro mais novo bufa em protesto, sentindo um lapso de rebeldia lhe fechar o semblante e atirar o seu corpo sobre o feno instantaneamente, mesmo sob a proibição de Jane. Demetri e Felix suprimem uma interjeição de espanto, pois ninguém ousava desobedecer a vampira sem pagar um preço de dor, e nem mesmo Alec escapava à regra.

Nenhuma conversa é iniciada pelas mentes ali presentes e horas se passaram sem que os vampiros se movessem ou pronunciassem uma única palavra. O camaleão direcionava sua mente a coisas triviais de vez em quando, mas, na maior parte do tempo, estava pensando em qual seria seu próximo passo, em como faria a vampira notá-lo e se lembrar dele.

Jane permanecia sentada sobre uma cadeira velha, imóvel como uma pedra de gelo e com os olhos voltados para a janela. Em contrapartida, Alec parecia distante, pois, com uma cama de feno tão aconchegante, ele se perguntava constantemente se alguma vez em sua "vida" já havia deitado em algo como aquilo.

― É uma sensação tão diferente, que seria um desperdício não fazê-lo quando se é humano – pensa com seus botões.

Nada lhe vinha à mente, nem mesmo as imagens nebulosas, como acontecera no castelo, mas, apesar disso, Alec agradecia mentalmente por, pelo menos, os seus pensamentos ainda lhe serem privados, afinal, Aro enlouqueceria se soubesse que alguém de sua Guarda estava finalmente pensando no passado.

É claro que deitar-se no feno fora apenas a primeira interrogação na cabeça do gêmeo Volturi, porque, nas horas que se seguiram, muitas outras perguntas lhe invadiram a mente, conforme se lembrava de coisas que os humanos costumavam fazer: será que já havia tomado sorvete? Nadado em um rio? Abraçado ou beijado alguém? Rido ou, ao menos, amado?

― Como eu era? – solta Alec de repente, quebrando o silêncio e atraindo a atenção de todos, devido ao tempo verbal de sua frase.

Ninguém ousou dizer nada, afinal, não sabiam com quem exatamente ele estava falando, contudo, quando sua cabeça pendeu para o lado e seu olhar curioso focou o rosto de Maximilian, Jane sentiu seus instintos gritarem em alerta.

― Como eu era quando humano?

― Uma peste. – Ri, esboçando seu melhor sorriso antes de continuar. – Um amante de atividades perigosas e bem mais corajoso do que eu para tais coisas, mesmo sendo 2 anos mais novo... Isso é tudo o que me lembro, desculpe.

― Que esquisito...

― O que é esquisito? Você ter sido uma criança arteira?

― É esquisito pensar que já fui uma pessoa diferente do que sou hoje – confessa, diminuindo ainda mais o tom de voz, como se tivesse medo de Jane repreendê-lo pelo que estava dizendo.

― Todos nós já fomos diferentes, inclusive eu, Demetri, Felix... Jane – comenta casualmente, ignorando o fato de que os outros vampiros podiam ouvi-lo.

― Não me lembro de minha vida antes dos Volturi – comenta Demetri, entediado com a falta de atividade e simplesmente se intrometendo na conversa alheia –, acho que nem sequer tive uma – conclui, fazendo Felix rir com o argumento.

― Também não me lembro de nada, mas sei que já fui o grande amor de alguém – confessa Felix. – Havia uma carta escondida dentro de meu sapato quanto fui transformado, levei semanas para encontrar o pedaço rasgado de papel e o joguei fora mais rápido que o tempo que levei para lê-lo. – Agora foi a vez de Demetri rir da confissão carregada de frieza.

No fim das contas, todos os Volturis eram iguais: não lembravam muito de suas vidas humanas e as achavam inúteis o bastante para nunca mais pensarem nelas. O descaso e o sarcasmo nas vozes de Felix e Demetri não passaram despercebidos por Alec, que refreou suas perguntas sobre sorvetes, abraços e beijos, antes que algum deles suspeitasse e dissesse que estava amolecendo.

Ele não podia amolecer, afinal, era Alec Volturi, o segundo vampiro mais temido da Guarda por causa de seus poderes. E, pensando melhor naquele assunto, o garoto se deu conta de que talvez não fosse mais tão ameaçador ou imbatível, agora que estava sem o seu precioso dom.

Um breve silêncio se instalou entre eles, apenas para ser rompido novamente por Alec e sua nova pergunta:

― Maximilian – chama ele, sentindo-se esquisito ao pronunciar aquele nome –, se eu prometesse não atacá-lo, você devolveria meu poder?

O vampiro arregala os olhos, demonstrando uma leve surpresa com a pergunta. Um pequeno movimento de cabeça denunciou o interesse de Jane pela conversa e, depois de ponderar a proposta por alguns segundos, a resposta do camaleão foi firme e verdadeira.

― Sim! – responde, encarando o rosto do garoto mais novo e percebendo claramente o momento em que Alec desistira de ser durão, que decidira se humilhar para ter o seu dom de volta.

― Eu prometo não usá-lo em você, prometo não te ferir, por isso, desbloqueie meu poder... Por favor! – pede, fazendo Demetri e Felix se remexerem em seus lugares com evidente surpresa, porque nunca haviam visto nenhum dos gêmeos se rebaixar daquela forma, a ponto de pedir algo educadamente.

― Não posso... Me desculpe, Alec, mas eu não posso...

― Por quê? – questiona, com a decepção e a ansiedade se misturando em seu rosto.

― Não posso escolher o que bloqueio. Ou bloqueio tudo, ou não bloqueio nada. Se liberá-lo de minha influência, também devolverei os poderes de Jane e ela certamente irá me machucar! Isso faz parte de meu instinto de sobrevivência e, bem, eu não me sinto seguro para abaixar a guarda...

― Jane! – chama Alec no mesmo instante, com olhos suplicantes para que a irmã prometesse não machucá-lo também. – Vamos Jane, você sabe que me sinto vulnerável assim...

― Ninguém precisa saber que está sem o seu dom – rebate a loira como uma negativa. Ela nunca havia se rebaixado a ninguém e não seria aquela a primeira vez, ainda mais para um novato do clã.

Naquela breve discussão, Maximilian pôde constatar algo muito interessante: os gêmeos prezavam por seus status, valorizavam demais os seus dons e o pedestal em que foram colocados por causa deles. Enquanto Jane estivesse em seu pedestal de preferência no clã, seria difícil convencê-la de qualquer coisa, entretanto, se ela caísse de lá, poderia finalmente enxergá-lo e o ego ferido poderia lhe dar a brecha necessária para alcançar seu coração.

Ele já possuía controle sobre o seu dom, faltava apenas roubar o seu lugar dentro do clã.

― Não se preocupe, Alec, ela vai prometer – insinua Maximilian com um sorriso debochado –, mas, até lá, eu posso lhe ensinar a se defender sozinho... Conheço alguns golpes que você certamente irá gostar! – Sorri, tentando não perder a pouca aproximação que tivera com o vampiro naquela curta conversa, afinal, estar mais perto de Alec também era estar mais perto de Jane.

Um turbilhão furioso de protestos invadiu a mente de Jane, no entanto, nenhuma palavra ousou irromper por seus lábios. Seus olhos escarlates emanavam um desejo nítido de matá-lo e o novato não pôde deixar de rir com o fato, ainda não enxergando nela alguém a quem devesse temer.

O tédio e o silêncio voltam a pairar sobre o moinho abandonado e, por um instante, a vampira pensou ter se livrado daquela conversa infernal. Entretanto, o gêmeo ainda parecia inquieto, dedilhando os dedos freneticamente sobre a barriga como se estivesse se contendo em perguntar algo mais.

O Sol já estava quase se pondo quando Maximilian levantou-se subitamente, colocando-se de pé com um salto e respirando profundamente. Seus olhos estavam tão escuros pela sede e a queimação em sua garganta era tão intensa, que ele não poderia estar enganado, era cheiro de uma humana o que sentia.

― Alguém vem vindo! – alerta Demetri, espiando pela janela. – Mulher, com um cesto.

― Deve estar aqui para pegar ervas, se ficarmos quietos ela nem saberá que estamos aqui – emenda Felix um pouco tarde demais, pois Maximilian já havia saído.

Jane salta de sua cadeira furiosamente, perseguindo-o escada abaixo, mas não conseguindo impedi-lo de sair do moinho. De onde estava, a vampira assistiu ao ataque feroz do camaleão, que, sedento, interceptou a humana e mordeu-lhe o pescoço com extrema rapidez.

O corpo feminino tentou gritar, porém, fora silenciada pelas mãos ágeis de seu agressor. Não levou muito tempo para que suas pernas cedessem à perda de sangue, obrigando o vampiro a amparar o seu corpo até que estivesse inteiramente saciado. E quando terminou, Maximilian ergueu o rosto ao céu, fechando os olhos e sentindo um alívio imediato em sua garganta e em sua sede.

― Como pensa em limpar essa sujeira agora? – esbraveja Jane da entrada do moinho, sentindo imensa raiva, mas não conseguindo deixar de acompanhar, com o olhar, a gota solitária de sangue que escorria pelo pescoço do camaleão.

O vampiro abre os olhos e a observa por alguns segundos. Seus caninos se salientam novamente e, com um golpe rápido, Maximilian rasga a pele de sua vítima do pescoço ao seio, duas vezes, dando-lhe o aspecto de ter sido atacada por algum animal com garras. O resultado não estava perfeito, mas seria o suficiente para ludibriar os cidadãos com menos imaginação e espalhar a notícia de que algum animal perigoso estava a solta.

― Não conseguiria fazer a viagem de volta, eu realmente precisava desse lanche – explica ele cordialmente, ao passar por Jane e adentrar o moinho novamente.

Com o rosto ainda sujo de sangue, o camaleão recolhe a gota em seu pescoço com o polegar e a leva até a boca, fazendo a vampira bufar e retornar para perto dos outros. A noite estava próxima e logo eles retornariam para Volterra, onde seriam recepcionados por outro banquete e onde Jane finalmente se afastaria dele.

Contudo, ali, naquele momento de espera, Maximilian já se preparava para os dias que se seguiriam, sabendo perfeitamente que aquela fora somente a sua primeira missão e que Aro o usaria até não lhe restar mais nada a oferecer.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoal. Desculpem a demora (de novo) :/
Como é proibido fazer "capítulos de aviso" no Nyah! peço que deem uma visitinha em minha página no face de vez em quando, pois as explicações dos meus atrasos tem sido postadas lá...
Estou no último semestre da faculdade e não tenho palavras para descrever o quanto ando estressada e sem tempo. Tenho vários trabalhos para fazer, além de 2 estágio, um projeto de iniciação científica e o TCC, por isso levei uma eternidade para finalizar este capítulo e ainda não tenho certeza se ele ficou como eu queria.
Depois voltarei para revisá-lo e se for necessário consertá-lo, excluirei este capítulo para postá-lo de novo, assim você saberão que eu o reformei.

Enfim, quero que saibam que apesar da demora, eu não desisti da fanfic.
Agradeço aos leitores que ainda permanecem aqui, espero tenham gostado do capítulo, pois a partir do próximo capítulo, as coisas irão esquentar no clã Volturi :)

Próximo capítulo: Roubando o Lugar de Confiança



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