Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 24
A Viagem




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Na noite seguinte, Jane e Maximilian deixaram o castelo às oito horas em ponto. Jane se aprontou para enfrentar sua primeira missão individual e encontrou-se com o camaleão e o restante do clã na sala dos três tronos, onde, diferente das outras vezes, Aro não preparou um grande banquete, pois os Volturis não confraternizavam com traidores.

Ela ignorou o olhar petulante de Demetri, percebendo que somente Alec e os mestres se despediram dela, e que ninguém se despediu dele.

— Eu cuidarei de tudo! – sussurra Jane ao irmão, como uma forma de despedida e de confirmar o que havia lhe prometido na noite anterior. Ela fica tentada a abraçá-lo, mas se contém, temendo que o gesto pouco habitual chamasse demais a atenção do clã.

— Vou sentir a sua falta – cochicha Alec de volta, detestando a ideia de se separar de sua gêmea novamente.

— Eu também – responde com sinceridade, assumindo um semblante sério ao acrescentar, de forma muda, um “fique de olho em tudo” no final de sua frase, fazendo Alec assentir positivamente com a cabeça.

E enquanto os gêmeos efetuavam sua discreta despedida, Aro se aproxima do camaleão sorrateiramente, segurando-o de forma pouco amigável pelos ombros e se aproximando de seu ouvido com a intenção de não ser escutado por mais ninguém além dele:

— Eu sei de tudo – sussurra Aro num tom quase inaudível, confirmando o que ele já desconfiava e fazendo-o trincar os dentes. – Você achou que poderia retirar Jane de nós? Pequeno tolo, eu soube desde o primeiro dia! Eu vou destruí-lo, e farei isso lentamente, com Jane por perto – ameaça, com os olhos vermelhos cintilando em irritação –, para que seu último pensamento seja o lamento de que ela nunca o amou, de que nunca teve chance, de que sua tola ideia de enfrentar os Volturis não deu em nada!

O camaleão ouve a tudo calado, sentindo os músculos tensos diante da explícita ameaça, mas não tendo nada para responder ao mestre. Em silêncio ele ficou diante de Aro e em silêncio se retirou do castelo, esperando que ambos – ele e Jane – saíssem de Volterra e fossem engolidos pela escuridão da noite, para quebrar o silêncio e falar com a vampira pela primeira vez naquele dia:

— Você e Alec continuam tão unidos quanto eu me lembro… Ele não se negou a quebrar as regras para ajudá-la na Notte Rossa e você também não mede esforços para protegê-lo. – Pausa, esperando que ela dissesse algo, mas se frustrando. – Quantas coisas você já fez para protegê-lo?

— Algumas. – responde prontamente, surpreendendo Maximilian por soar amigável, em vez de irritadiça. – Somos gêmeos, mas Alec não é como eu. Ele é mais “acessível” e isso o deixa vulnerável a cometer falhas.

— Por isso você o mantém sempre por perto... – completa, vendo a vampira confirmar com a cabeça. – Protegê-lo dessa forma parece irônico, vindo de alguém que cobra que os demais dancem conforme a música – provoca, frustrando-se novamente quando a vampira apenas deu de ombros. – Eu a fiz quebrar sua primeira regra, não foi? – questiona, tentando sorrir, não querendo que a conversa morresse tão depressa.

— Sim – concorda, torcendo a boca.

— Bem-vinda ao mundo dos foras da lei!

— Para onde vamos? – pergunta Jane na sequência, querendo mudar de assunto e dar logo um rumo à viagem.

— Vamos para a Inglaterra… A nossa casa!

— A Itália é a minha casa – rebate rapidamente, com a voz soando um pouco mais firme, não querendo ter mais nenhuma ligação com as terras inglesas.

Jane já estivera lá outras vezes. Já passara, inclusive, pelo local onde nasceu e cresceu, encontrando-a inteiramente diferente do que se lembrava em sua lembrança “daquele dia”. Entretanto, ela se recusava a chamar aquelas terras de “casa” ou de “lar” novamente. Aquele povo a feriu e a vampira não queria mais fazer parte dele.

Maximilian olha para a frente, calando-se momentaneamente e permitindo que o diálogo finalmente morresse, deixando o silêncio os acompanhar por um longo caminho. Em sua mente, a Inglaterra ainda era a sua terra natal, mesmo que ele já não fosse mais humano. Devido ao trabalho que seu pai tinha, ele havia morado em três condados diferentes no decorrer de sua vida humana, encontrando Jane em um deles e vivendo sua primeira paixão.

— Você está fazendo aquela cara de novo! – esbraveja a vampira, despertando-o de seus pensamentos e obrigando-o a olhá-la. – Aquele semblante de “eu me tornei um vampiro morto desde que pisei neste castelo pela primeira vez”. Isso está me irritando!

— Desculpe. – Tenta sorrir, temendo que aquele assunto voltasse a consumi-lo e o fizesse sucumbir na frente dela. – Essa sensação é mais forte do que eu...

— Se for para morrer, que assim seja! Não seja covarde, enfrente isso como um vampiro de verdade! Pensar que eu perdi a liderança da Guarda para um covarde me deixa possessa, então não ouse fraquejar agora!

O camaleão respira profundamente e sorri com mais facilidade, sentindo que Jane tentava lhe passar força, apesar de não poder mudar a sua sina. Com aquele desabafo irritado, Maximilian percebeu que a vampira o respeitava por suas habilidades, afinal, somente um vampiro realmente forte poderia superar alguém como Jane Volturi.

— Você recebeu ordens para me matar, não é? – pergunta ele ainda sorrindo, fazendo a vampira estreitar os olhos. – Eu sei que sim, Aro fez questão de me dizer que me mataria e que você estaria por perto, então, por que não fazê-lo através de suas mãos? Isso com certeza me destruiria por dentro bem antes que minha cabeça fosse arrancada de meu corpo... Se for através de você, não se preocupe, eu não vou dificultar nada. Não vou fugir ou me acovardar – decide.

A vampira engole em seco. Não era para ele saber daquilo, pois ainda não tinha decidido o melhor plano a seguir. Por que o seu mestre havia revelado tal coisa a ele, afinal? Desconfortável com o rumo daquela conversa, Jane retorna para o assunto anterior, mesmo que também não quisesse falar muito sobre a Inglaterra:

— Por que acha que Andrômeda se esconde na Inglaterra?

— Porque eu tenho uma casa lá. Foi o que me restou de minha família e tenho tentado mantê-la desde então… Ela sabe disso e, se estiver me procurando como acho que está, certamente estará vigiando as redondezas.

— Então vamos de avião. O voo da madrugada será o meio mais rápido de chegarmos sem sermos notados – planeja Jane, reajustando o curso para o aeroporto de Florença/Itália, a fim de pegar um voo particular direto para Londres/Inglaterra.

Maximilian a acompanha silenciosamente, aproveitando de sua companhia enquanto ainda podia e apreciando, principalmente, o fato dela não o repelir como antes. Ele tentava não pensar no que viria a seguir, não pensar no contato que teria de estabelecer com Andrômeda, concentrando-se apenas naquela viagem e naquela companhia.

O voo tinha duração aproximada de 4 horas, no total. Ambos os vampiros tomaram os seus assentos e fecharam os olhos assim que adentraram o avião particular, fingindo dormir para que não precisassem fazer contato visual com nenhum dos poucos humanos daquele voo.

Em dado momento da viagem, Jane abriu levemente os seus olhos e encarou o rosto sereno do camaleão, que estava ocupando o assento ao seu lado e poderia convencer qualquer um de que estava realmente dormindo. Ela podia sentir o medo dele, o medo da morte, apesar de frequentemente tentar parecer estar bem. Já havia causado aquele medo em tantas pessoas que poderia reconhecê-lo em qualquer lugar.

Jane sabia que a única coisa capaz de amedrontar um vampiro, independente de quem fosse, era a morte final. Ela própria temia a morte, apesar de não admiti-lo a ninguém, e era por isso que eliminava a todos os seus inimigos primeiro e protegia Alec com todas as suas forças, para que a morte não pudesse alcançá-los.

A vampira fecha os olhos novamente ao sentir a aeromoça do voo particular se aproximar, aproveitando para repassar as duas únicas memórias boas que tinha de seu passado. Ela não sabia porque fazia aquilo, mas reconhecia que o hábito surgira repentinamente, logo após o seu primeiro flash. Talvez, inconscientemente, ela esperasse que reviver aquelas lembranças a ajudasse a alcançar novas recordações, entretanto nunca saberia ao certo se o motivo era esse…

Ao final da viagem, quando o avião finalmente pousou em Londres, no meio da madrugada, os vampiros se misturaram à escuridão da noite e desapareceram do aeroporto, percorrendo a cidade pelas sombras em direção a residência de Maximilian, fazendo-o estremecer com a possibilidade de reencontrar Andrômeda a qualquer momento.

— Eu te amo – confessa ele durante o trajeto final da viagem, quebrando o silêncio e obrigando Jane a encará-lo. – Estive pensando durante o voo que, se a morte final for mesmo o meu destino, quero partir deste mundo deixando-a ciente de que a amo. Eu te amo, Jane! – repete, fazendo a vampira apertar os lábios e virar o rosto em direção a estrada, não sabendo como responder àquilo.

Tempos depois, ambos os vampiros chegaram ao seu destino. A casa do camaleão ficava no condado de Surrey/Inglaterra, na aldeia de Box Hill. A construção era consideravelmente afastada das outras e possuía um terreno imenso, nos limites da aldeia e mais próximo à natureza que qualquer outra casa. Era uma construção aconchegante e mobiliada que só não caíra aos pedaços porque o vampiro vinha a restaurando de tempos em tempos.

Havia muita vegetação em Box Hill e muitas atividades esportivas aconteciam em meio às árvores, o que proporcionava aos vampiros a oportunidade de caçar sem deixar muitos vestígios. O desafio apresentava-se sempre no pós-refeição, visto que não havia muitos lugares para esconder os corpos humanos sem vida.

Maximilian remexe em algumas caixas de seu armário empoeirado, apanhando uma adaga antiga que pertencera a sua família, uma relíquia que lhe renderia uma fortuna considerável se ele quisesse realmente vendê-la. Ele se aproxima de Jane e lhe entrega a arma, explicando-lhe que deveria usá-lo para forjar um assassinato quando precisasse caçar, visto que a região não possuía animais de grande porte capazes de fazer um corpo humano desaparecer rapidamente.

Jane analisa a peça atentamente, retirando-a da bainha de couro, analisando o corte afiado da lâmina e o cabo feito de bronze.

— 35 cm? – questiona a vampira, equilibrando a adaga sobre o dedo para verificar seu equilíbrio, mas sem saber de onde havia tirado aquele conhecimento.

— 30 cm, na verdade. Você continua sendo boa com adagas – diz ele, a observando.

— Não sabia que era boa com isso – revela rapidamente, guardando a arma na bainha e verificando o interior da casa com cuidado. Tudo estava empoeirado e não havia sinal de que qualquer pessoa, humana ou vampira, tivesse passado por ali nos últimos meses, o que significava que Andrômeda não estava por perto. – Como pretende encontrá-la?

— Assim que raiar o dia sairei para deixar minha trilha – explica ele, não se surpreendendo com o fato de sua criadora não ter passado por sua casa. – Ela não entraria aqui a menos que tivesse certeza de que eu estaria dentro… Andrômeda deve estar pelas redondezas esperando meu retorno.

— Fará uma trilha para ela? Usando sua camuflagem? – pergunta retoricamente, achando àquele um bom plano, afinal, era muito mais fácil deixá-la vir até eles do que correrem cegamente para procurá-la. – Faça uma trilha por dia, em diferentes direções e indo para as cidades vizinhas se necessário… Deixemos o demônio vir até nós! – ordena Jane, fazendo Maximilian rir levemente.

— Você também sempre foi meio mandona! – comenta casualmente, sentando-se na cadeira mais próxima e fechando os olhos, concentrando-se em sua camuflagem e permitindo que o seu cheiro se alastrasse por sua casa.

Jane sabia que ele não estava fazendo aquilo para tentá-la ou provocá-la, era apenas para mostrar sua localização a Andrômeda, como um enorme “X” vermelho em um mapa. Entretanto, a vampira não deixou de sentir a queimação em sua garganta e a vontade avassaladora de experimentar de seu sangue.

— Merda de la tua cantante. Precisarei caçar em breve – frisa em pensamento, trocando de cômodo rapidamente e acidentalmente indo parar em um quarto, rapidamente percebendo pertencer ao seu companheiro de viagem.

Ela avança alguns passos e olha ao redor, atentando-se à bagunça que era aquela decoração, metade antiga e metade moderna, metade infantil e metade madura, como se ali habitassem dois tipos de Maximilian, o antigo e o novo, a criança e o adulto, o humano e o vampiro.

Uma súbita vontade de mexer em todas aquelas coisas se apoderou de Jane de repente, fazendo-a se sentar na cama e agarrar a colcha empoeirada fortemente, numa tentativa de conter aquele estranho impulso. Curiosidade não era algo a que ela estava acostumada, contudo, agora que sabia que seus passados estavam realmente ligados, a vampira perguntava-se se havia algo familiar para ela dentro daquele cômodo, algo que viesse a ativar alguma recordação nova...

Faltava pouco para o amanhecer e o camaleão logo se retiraria para traçar a rota de sua localização, o que lhe daria privacidade suficiente para explorar a casa e revirar todas aquelas coisas, a fim de encontrar algo referente a “pequena Jane”. Ela só precisava ser paciente.


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Notas finais do capítulo

Dois capítulos hoje, só pra vocês me acharem uma pessoa legal.
(人・㉨・)♡

Bem-vindos ao novo arco da história!
Onde teremos muita coisa bombástica para acontecer...



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