Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 23
Redemoinho




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Maximilian avança pelos corredores do castelo sentindo os olhos cravados em suas costas. Ele podia sentir a hostilidade de todos os outros vampiros, tanto da Guarda ofensiva quanto da defensiva do clã, e sabia que eles o estavam odiando muito naquele momento, por quebrar sua lealdade aos Volturis. Todos eles eram tão leais ao clã e aos mestres, que a sua atitude os afetou como uma ofensa pessoal e irreparável.

Talvez houvessem exceções, é claro, mas para a maioria deles o pensamento era o mesmo: agora ele era um traidor e não era mais bem-vindo ali.

O camaleão adentra o próprio quarto rapidamente, procurando o ferrolho para trancá-la, mas percebendo, pela primeira vez, que as portas do castelo não possuíam trancas. Com um movimento rápido e preciso, o vampiro lança todos os objetos de sua escrivaninha para o chão e arrasta o móvel em direção à porta, como um alerta desesperado de que queria ficar só e que ninguém poderia entrar.

Em seguida, Maximilian se coloca a caminhar de um lado a outro, passando as mãos repetitivamente pelos cabelos e ativando sua camuflagem momentaneamente, permitindo-se colocar em lágrimas todo o rebuliço que o consumia. Aro não ordenou sua morte naquele instante porque somente ele poderia encontrar sua criadora, e receber aquela missão tinha sido muito mais impactante do que receber uma sentença de morte. E o mestre Volturi também colocou todo o clã contra ele, e aquilo era o suficiente para que soubesse que caçar Andrômeda seria a sua última missão, pois os Volturis não permitiriam que ele ficasse vivo depois de tal afronta.

Maximilian sucumbi sobre os joelhos e esconde o rosto nas mãos, tentando conter os soluços e chorar silenciosamente para que ninguém pudesse ouvi-lo do lado de fora do quarto. Existia vampiro vivendo de forma mais miserável do que ele? Em vez de benção, a eternidade estava sendo como um redemoinho em sua vida, bagunçando tudo, mandando para longe tudo o que ele amava e lhe tragando para um fim dolorosamente cruel.

Tudo em seu interior estava uma bagunça e ele sequer podia definir o que sentia.

E apesar de tentar manter-se silencioso, Alec ouve o seu lamento do lado de fora do quarto e sente a tristeza também invadi-lo, sabendo o fim que o clã lhe daria depois de tudo e sentindo-se o pior dos amigos por deixá-lo enfrentar a ira dos Volturis sozinho, quando ele também era culpado. O vampiro caminha em direção ao quarto de Jane, entrando mesmo sem ser convidado e a esperando do lado de dentro, porque sentia que não conseguiria mais ficar em paz se não tentasse fazer algo por ele.

Alec começa a andar em círculos enquanto esperava, surpreendendo-se consigo mesmo por se preocupar tanto com alguém que não fosse a sua irmã. Ele nunca se importou com ninguém, nunca foi amigo de ninguém e por isso nunca se afeiçoou a ninguém. Entretanto, sentiu as coisas mudarem quando Maximilian chegou ao castelo e ativou algumas recordações de seu passado.

Apesar de não ver nenhuma recordação com clareza e de elas serem sempre curtas e pouco aprofundadas, como pequeninos trechos de um gigantesco filme, Alec sabia que o camaleão aparecia em algumas delas. Ele acreditava no que sua intuição lhe dizia e acreditava nas palavras de Maximilian: eles foram amigos no passado e se tornaram amigos no presente. Contudo, o vampiro era novo naquele lance de “amigo” e não sabia o que fazer para ajudá-lo.

Jane entra no quarto depois de algum tempo, encontrando o irmão perdido em pensamentos enquanto ainda caminhava em círculos pelo meio do cômodo, deixando de lado as suas próprias divagações:

— Alec – chama suavemente, sentindo o corpo estremecer ao estabelecer o contato visual e reconhecer a tristeza em seu semblante. Os acontecimentos do dia estavam mexendo muito mais com ele do que com ela.

— Não quero que ele morra, Jane! – sussurra à irmã, como se ela pudesse milagrosamente mudar as regras do jogo e salvar Maximilian.

— Eu lhe disse que cedo ou tarde o mestre descobriria. O camaleão estava fadado ao fracasso desde que decidiu tornar isso um segredo – explica, numa tentativa frustrada de acalmá-lo, porque suas palavras só o estavam deixando pior.

— Ainda assim eu não quero que ele morra – repete, sentando-se na beirada da cama de Jane e a atraindo para perto como um ímã. – Você alguma vez se lembrou dele, Jane?

— Não – responde calmamente, mentindo, sentando-se ao lado dele e segurando em sua mão esquerda como se isso pudesse fazê-lo se sentir melhor. Jane não queria mentir para o irmão, mas sabia que, se contasse a verdade, Alec perguntaria ainda mais coisas e ela não poderia responder perguntas sobre algo que nem ela compreendia.

— Eu queria me lembrar mais… Vejo tão pouca coisa em minhas lembranças, pequenos flashes do passado que me trazem pequenas sensações. Nada é claro ou nítido…

— Você não se lembra por causa do seu poder. O seu dom é não sentir nada, enquanto o meu é sentir tudo. – Pausa, trazendo à memória a lembrança dos eventos que antecederam sua transformação e optando por usar isso para esclarecer sua explicação. – O que você se lembra da fogueira?

— Me lembro de tudo.

— Se lembra da dor? – questiona, fazendo Alec pensar naquele quesito pela primeira vez.

— Não – responde com surpresa, franzindo a testa.

— Mestre Aro nos escolheu porque sabia que éramos talentosos, ele via o potencial de nossos dons quando ainda éramos humanos... – explica, encarando-o antes de continuar: – Você não se lembra da dor porque o seu dom retirou suas sensações. E não se lembra de quase nada do passado pelo mesmo motivo... O seu poder sempre esteve com você, Alec, e isso influenciou a forma com que sua mente registra os acontecimentos.

Jane se cala, não querendo explicar o seu lado da equação. O seu poder era fazer o inimigo "sentir" e isso também influenciava a forma com que sua memória registrava suas lembranças. Por isso que, ao contrário do irmão, suas lembranças eram bastante fáceis de se compreender e ela podia "sentir" a mesma coisa que a pequena Jane sentiu no passado.

— Você se lembra da dor, não é? – pergunta Alec, adivinhando. – Você disse a Demetri, pouco antes de atacá-lo, que ele queimaria na sua fogueira... Você se lembra de todos os detalhes daquele dia, não é?

— Sim. Cada segundo de dor, cada soco que levei, cada sensação da pele sendo devorada pelo fogo. Lembro da dor física e lembro da dor emocional. E é por isso que meu poder é tão forte... Eu senti tudo naquele dia e uso isso como parâmetro de dor nos outros! – explica, sentindo a voz sair rude por se lembrar de tais coisas, fazendo o irmão compreender muitas coisas a respeito dela e desejar saber ainda mais.

— Não deveria esconder esse tipo de coisa de mim – comenta, com uma pontada de ressentimento por saber que existiam coisas sobre Jane que ele não sabia, mas também sentindo-se culpado por esconder algumas informações dela.

— Quando isso acabar, eu lhe contarei tudo o que ainda não sabe – propõe ela, lembrando-se da forma com que a pequena Jane lidava com o irmão, cedendo coisas pelo simples fato de amá-lo, algo bem parecido com o que ela fazia naquele momento.

— E como isso tudo vai acabar, Jane? – questiona Alec, retornando ao assunto de Maximilian. – O mestre a incumbiu de matá-lo?

— Não – menti, não sabendo ainda o que faria e não querendo passar nenhuma informação precipitada ao irmão.

— Então ele morrerá quando voltarem...

— Provavelmente...

— Sinto-me péssimo por isso. Eu participei do segredo e deveria ser punido também.

— Eu nunca permitiria tal coisa!

— E por que ele deve pagar por isso?

— Porque os Volturis não possuem compaixão por ninguém – explica ela, medindo suas próprias palavras e percebendo que, talvez, já não concordasse tanto com àquele ponto de vista.

— Acho que não concordo mais com essa filosofia...

— Não diga isso! Lembre-se do que o clã fez por nós e do juramento que fizemos. Nossa lealdade pertence ao mestre.— repreende, temendo que alguém o escutasse.

— Mas...

— Alec, você é leal a mim? – questiona o interrompendo, antes que falasse mais alguma besteira que irrevogavelmente o caracterizaria como um rebelde.

— Sim.

— Então confie em mim, farei o que for necessário – encerra, levantando-se da cama e puxando o irmão para cima, num claro sinal de que era hora dele partir.

Alec se retira resignado, triste por saber que "o necessário", na linguagem de Jane, significava "o que é melhor para os Volturis". Eles nunca se rebelavam contra o clã, nunca desobedeciam aos mestres ou questionavam suas ordens, mas o gêmeo já começava a duvidar que estavam fazendo a coisa certa.

E quando Jane viu-se finalmente sozinha, sentou-se em sua escrivaninha para pensar. Ela passa a mão pelos cabelos desalinhados, escorregando-a pelo rabo de cavalo e automaticamente se lembrando do último flash que tivera de seu passado. Haviam coisas demais acontecendo simultaneamente e a vampira não estava conseguindo processar tudo, o que a deixava com a enorme sensação de que estava perdendo o controle da situação.

Começando por sua lembrança mais recente, a vampira tentou digerir todas as sensações que seu dom a obrigava a sentir com detalhes. Em seu último fragmento de memória, a pequena Jane pareceu apreciar a companhia de Maximilian, assim como os seus elogios, e, depois disso, a vampira incomodou-se com o fato do camaleão enfrentar tudo aquele sozinho.

— Isso não faz sentido – sussurra para si mesma, massageando as têmporas e odiando a forma com que aquelas imagens turvas pareceriam reprogramar a sua mente para fazer coisas que não estava acostumada a fazer.

Noutros tempos, ela não hesitaria em incriminar outro vampiro para proteger Alec. Seu irmão e o clã eram tudo o que tinha, e, contanto que não quebrasse as regras, Jane não se importava em sacrificar pessoas, quaisquer que fossem, pelo bem deles. Maximilian tinha se prontificado a assumir a culpa de tudo sozinho, tinha tomado a iniciativa de manter Alec fora do jogo e, consequentemente, ela própria.

Jane havia aceitado sua perspectiva rapidamente, escolhendo “sacrificá-lo” em prol do irmão. Não era para ela ter se metido, mas deixado os dados rolarem. Entretanto, a nova lembrança ficou lá a atormentando, cutucando a parte mais profunda de sua mente como se tentasse obrigá-la a não deixá-lo só… E deu certo!

Resultado do interrogatório: ela se intrometeu na missão do camaleão e agora teria que viajar com ele, sozinha, para encontrar e executar Andrômeda.

— Eu não a queria morta – rosna para si mesma, irritada por ter de matar a única pessoa que poderia arrancar Maximilian do clã, evitando assim que ela precisasse matá-lo.

Não, ela não queria matá-lo.

No início, ela não “podia” matá-lo, por fazer parte dos Volturis e as regras serem claras ao dizerem que eles poderiam se desentender, mas não poderiam matar um ao outro. Se matasse, a morte seria o seu pagamento. E quando Jane soube de sua criadora e do poder que ela exercia sobre o camaleão, a ideia perfeita lhe ocorreu: deixaria Andrômeda tirá-lo de seu caminho.

Todavia, o jogo todo mudou por culpa de Demetri, e agora que tinha autorização para matar Maximilian com suas próprias mãos, ela não “queria” matá-lo. Não havia motivo aparente para isso, ela apenas não queria…

Ainda havia o dilema de Alec não querê-lo morto, mas o clã sim. Suas duas coisas mais importantes estavam se contrapondo por causa de Maximilian e a vampira não sabia como agradar a ambos. Como ela poderia fazer Alec feliz, sem quebrar as regras dos Volturis? Havia muita lealdade envolvida ali, Alec era o seu companheiro desde o nascimento e os Volturis a salvaram da morte humana, e a fizeram ser a vampira incrível que ela era agora.

Era mais fácil ser leal a ambos quando eles andavam pelo mesmo caminho. Porém, agora eles estavam em lados opostos da balança e Jane não conseguia ficar em ambos. Ela precisava decidir em que lado iria jogar: irmão ou clã? Matar ou deixá-lo viver? Alec e Maximilian, ou Aro e os Volturis?

A única certeza que a vampira tinha, era a de que um dos lados não iria gostar de sua decisão final.

Jane afunda as mãos no rosto, sabendo que aquele irritante semblante de confusão estava novamente em seu rosto. Tudo estava um caos e o controle que tinha sobre sua segunda vida estava desaparecendo a cada dia, no maldito redemoinho que Maximilian estava criando desde que pisou naquele castelo. Ela ainda não sabia o que fazer, mas precisava pensar em algo o quanto antes, pois havia prometido a Alec que daria um jeito em toda aquela bagunça, e, quando falou em “dar um jeito”, a vampira não estava se referindo a matá-lo…


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo ficou bem leve, porque é apenas uma ponte para iniciarmos uma nova fase da história. Mas espero que tenham gostado mesmo assim, rsrs. Nos vemos no próximo capítulo :)



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