Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 20
Desentendimento




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Jane abre a porta do seu quarto lentamente, averiguando o corredor por 10 segundos contados, saindo em seguida com a pretensão de trocar o seu livro na biblioteca, mas sem ser seguida por Maximilian.

Ela havia meditado por horas sobre o inusitado flash que tivera de seu passado, tentando se convencer de que não era real. Durante muitos anos, tudo o que ela conseguiu lembrar de sua vida humana foi o quanto lhe fizeram mal, o quanto machucaram Alec, e que os Volturis os salvaram. Entretanto, não tinha como negar o óbvio: aquela lembrança era nova e bastante real, ela citava o camaleão e isso tornava parte da história dele verdadeira.

Fazendo um voto de silêncio consigo mesma, Jane decidiu que ninguém poderia saber do acontecido e Maximilian jamais poderia saber que tinha se lembrado dele, ou nunca mais iria embora. A vampira ainda não havia se lembrado de promessa alguma, no fim das contas, mas ser obrigada a confiar nas palavras de Maximilian já era motivo suficiente para irritá-la.

Com passos silenciosos e contantes ela rumou para a biblioteca, encontrando Renata sentada numa poltrona acolchoada, lendo um de seus romances melosos, e Demetri e Felix novamente se enfrentando em um demorado jogo de xadrez. Ela nunca entendeu porque eles passavam tanto tempo jogando aquilo, dia após dia, se o rastreador sempre ganhava de Felix, que tinha mais força do que paciência para jogar algo tão estratégico

Jane entra na biblioteca devagar, pensando em não atrapalhá-los, permitindo que os vampiros percebessem sua aproximação.

— Jane, que coincidência você aparecer por aqui! – diz Demetri, contorcendo-se em sua cadeira para olhá-la, enquanto seu oponente fazia a sua jogada. – Estava falando justamente de você para Felix...

A vampira o observa sem esboçar reação, mas opta por ignorá-lo. Ela sentia que Demetri estava procurando algo além de uma conversa casual e não pretendia cair em sua lábia até saber exatamente o que ele estava querendo. Jane caminha em direção a sua repartição favorita, pretendendo devolver o seu exemplar de "O Bebê de Rosemary", que acabou lendo duas vezes consecutivas para apreciar melhor aquela interessante história.

— Me diga, Jane, você entregaria o seu próprio irmão, se ele fosse um traidor do clã? – pergunta Demetri de repente, fazendo a vampira paralisar antes de entrar no corredor de livros de terror. – Felix entregaria... Se ele tivesse um irmão, é claro. – Ri, como se estivesse apenas dizendo asneiras sem sentido. – Eu também entregaria, afinal, a lealdade ao clã e aos mestres deve estar acima de tudo. Mas e você, querida Jane, entregaria Alec se ele lhe pedisse para guardar uma informação importante de seus mestres?

Felix o encara seriamente, sabendo que Demetri estava aprontando alguma coisa. Eles não estavam conversando quando Jane adentrou o cômodo e ele pouco sabia sobre qualquer dado que pudesse estar sendo escondido por Alec, contudo, conhecia o pequeno vampiro rastreador por tempo suficiente para saber que ele era rancoroso e que escrachadamente não gostava de Jane Volturi.

No fundo, era fácil odiá-la. Jane era a favorita dos mestres e ninguém evoluía dentro do clã a não ser que ela permitisse, e, obviamente, a única pessoa que ela havia permitido crescer era o seu gêmeo, Alec. A vampira mantinha a liderança da Guarda na base da força, fazendo qualquer um que a desagradasse pagar o preço da dor, tornando qualquer conversa inviável e obtendo obediência através do medo, nunca do respeito.

— Está insinuando alguma coisa? – pergunta Jane, contendo um rosnado e se aproximando lentamente, como um predador preparando o seu bote, não gostando de ter o seu irmão ameaçado daquela forma.

— Sim, estou! – responde Demetri, percebendo o comportamento da vampira e também se ajeitando em sua cadeira, prevendo o ataque. – Uma vez você me puniu por esconder uma informação, uma pequena informação da existência de uma recém-criada, que não apresentava importância alguma para a nossa missão... Você me puniu com o seu dom e disse que nada deveria ser escondido do clã!

Jane fica em silêncio, deixando o livro na cadeira mais próxima com um movimento sutil. Demetri sabia de algo importante, algo que não deveria saber e que o deixava valente o bastante para enfrentá-la, a vampira só não sabia o que era...

— Você não acha, Felix, que seria uma atitude hipócrita de nossa querida Jane, se ela me punisse por esconder uma informação tola, e não fizesse o mesmo com Alec?

— Alec não esconde nada! – rebate Jane prontamente, percebendo que Felix preferia não tomar partido nenhum naquela conversa e que o rastreador era o seu único inimigo no momento.

— Esconde sim... E esconde um segredo do seu novo melhor amigo – revela, rindo, a provocando cada vez mais. – Eu só não decidi ainda se denunciarei Maximilian junto a ele... Imagine só... Se membros de baixo escalão sofrem penas rigorosas, como será que os mestres reagirão ao desacato de seus favoritos? Acobertar também é considerado uma espécie de traição, sabia, Jane? Porque nenhum laço, seja de amor, amizade ou irmandade, pode ser maior que a lealdade ao clã!

— Somos inteiramente leais ao clã!

— Não são não, pequena bruxa! – rebate rapidamente, usando um apelido pejorativo que Jane não ouvia há muito tempo. Demetri se levanta de sua cadeira lentamente, apanhando uma de suas peças de xadrez e estendendo na altura de seu rosto, para que Jane pudesse vê-la.

Felix suspira pesadamente por ter a sua rainha sequestrada por Demetri, recostando-se contra o encosto de sua cadeira e cruzando as pernas de forma relaxada, para apreciar o teatro que ali se desenrolava. Independente do que fosse acontecer, ele estava disposto apenas a impedir uma morte, afinal, era comum que alguns vampiros do clã se desentendessem de vez em quando, mas ninguém poderia matar ninguém a não ser que os mestres ordenassem.

Do outro lado do salão, Renata estava aflita com a tensão que só fazia aumentar. Ela não era uma vampira da Guarda ofensiva, ela pertencia a Guarda defensiva, cuidando exclusivamente da proteção de Aro e não sabia o que fazer diante de uma briga. Seus olhos se cruzam com os de Felix por um momento, recebendo uma negativa de cabeça como resposta, indicando que ela não deveria fazer nada, que precisava deixar o conflito seguir o seu curso.

Jane observa a peça da rainha nas mãos de Demetri, um belíssimo objeto feito de ouro cravejada de pequenos diamantes, pertencente a um conjunto extremamente raro de xadrez, um verdadeiro item de luxo e de colecionador.

— Sabe por que eu gosto tanto de xadrez, Jane? Porque neste jogo a rainha pode cair e o peão pode ter a sua ascensão à coroa, tudo numa mesma partida… E quando eu entregar os pequenos traidores aos mestres, eu terei a minha ascensão!

— Pode tentar – desafia Jane, deixando os caninos expostos em sinal de ameaça. – Mas no final da partida, o peão retornará para a caixa sendo o que é, apenas um peão!

— Eu não esqueci do desafio da última vez – rosna Demetri, colocando a peça de ouro em qualquer lugar no tabuleiro para manter as mãos livres.

— Tampouco eu o esqueci! Farei você pagar por tal afronta e por ameaçar prejudicar o meu irmão!

O avanço de Demetri foi rápido e sem rodeios, como uma explosão que, de uma hora para a outra, destrói tudo ao seu redor. A mesa com as peças de xadrez vão ao chão com o movimento súbito, obrigando Felix a se afastar antes que fosse atingido por acidente. O rastreador leva ambas as mãos ao pescoço de Jane, frustrando-se ao agarrar apenas o seu manto, que se ondulara com o vento quando ela subitamente se abaixou para desviar de sua pegada.

Jane desprende o manto de seu pescoço com rapidez, rodopiando ao redor do corpo de seu oponente e fugindo para as suas costas. Havia pouca diferença corporal entre Demetri e Alec, e a vampira usou isso para regrar a altura de seus golpes, acertando um chute com seus pequenos saltos na parte de trás de seus joelhos e fazendo-o cair ao chão.

O que importava que ela era mais baixa e de pouca estrutura muscular? A vampira tinha ódio o suficiente para aguentar qualquer coisa e sabia lutar do seu próprio jeito, nunca recuaria diante de ninguém e tampouco pediria clemência. Se era briga o que Demetri queria, era justamente isso que ela lhe daria, com ou sem o seu poder.

— Rápida! – pensou Demetri, pouco antes de receber um soco de Jane bem no meio da face, um golpe preciso que entortou o seu nariz e o deixou em uma posição bizarra. Para uma vampira que não estava habituada ao combate corpo a corpo, o vampiro tinha que admitir que ela levava jeito...

Renata se sobressalta com a cena, correndo porta afora para buscar ajuda independente das opiniões de Felix. Não presenciando o momento em que Demetri riu de sua oponente, colocando o nariz quebrado de volta no lugar e se levantando para uma segunda rodada.

— É tudo o que tem? Você não merece ser a líder da Guarda, nunca mereceu. Alec briga melhor do que você! – rosna, avançando contra Jane novamente e acertando um chute certeiro no estômago, lançando seu pequeno corpo contra as poltronas de leitura e as desorganizando completamente.

Felix cruza os braços ainda se recusando a interromper o combate, permitindo que Demetri avançasse sobre ela novamente, acreditando que o rancor do rastreador só cessaria quando o conflito finalmente acontecesse, sendo ele o vencedor ou não. Com este pensamento em mente, o vampiro não moveu um músculo para ajudar Jane quando os caninos de Demetri acertaram o seu belo e rasgaram sua pele da bochecha até a boca, com um corte duplo e paralelo.

Jane urrou quando as presas de seu oponente lhe acertaram e o precioso sangue que tomara verteu de seus cortes. Não haveria nenhum sinal daquele ferimento dali a algumas horas, já que vampiros tinham a capacidade de se regenerar, contudo, o sangue vertido poderia ser crucial para o resultado da batalha e a vampira lamentava que o estivesse perdendo devido àqueles cortes tão amplos.

Em contrapartida ao golpe de Demetri, ela revida com uma mordida forte e profunda em seu ombro, fazendo suas presas perfurarem o tecido de suas roupas e romperem a pele com a ferocidade e violência de um predador. Seu objetivo principal era a jugular do vampiro, para que o estrago fosse maior e ele perdesse bastante sangue, ficando incapacitado de lutar. Porém, devido à diferença de altura, a vampira usou o que tinha a seu alcance e o atacou no ombro, puxando as presas para baixo a fim de rasgar ainda mais a pele para fazê-lo sangrar de verdade.

— Bruxa maldita! – grita Demetri com a mordida, agarrando Jane pelo pescoço e a obrigando a soltá-lo, pressionando-a contra a parede mais próxima e a elevando do chão. – Eu vou queimá-la em uma fogueira!

Com o rosto marcado com sangue e o coque perfeito já desfeito em um rabo de cavalo, Jane estava longe de se sentir derrotada. Ela golpeia o rastreador com os joelhos, na altura das costelas, demorando para se dar conta de que talvez a sua estrutura física não fosse suficiente para causar um dano real em seus ossos.

E quando Felix estava prestes a encerrar o duelo, declarando Demetri como o vencedor, Renata invade a biblioteca novamente, com Alec e Maximilian ao seu lado, todos os três parecendo perplexos com a bagunça e a briga que se desenrolava.

— Tire as mãos dela! – rosnaram Alec e Maximilian ao mesmo tempo, chamando a atenção de todos os presentes e fazendo Felix sorrir levemente, curioso para ver o novo desfecho daquele combate agora que Demetri não estava mais com a vantagem.


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Notas finais do capítulo

Esse é o lado da Jane sobre os acontecimentos que a levaram a briga com Demetri. O próximo capítulo está bem massa e dará continuidade a esse desentendimento, o que acham que vai acontecer? Alguma teoria?



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