Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 18
O Primeiro Flash




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Nos dias que se seguiram, Alec não pronunciou palavra alguma a Jane.

Como orientado pela vampira, todos os três retornaram da cidade com os queixos erguidos e os andares determinados de sempre, agindo como se nada tivesse mudado. Heidi e seu parceiro já haviam contado como encontraram o forasteiro, como ele tentou fugir e como Santiago usou de sua extensa força para destruí-lo, e Aro sequer desconfiou que havia um segredo flutuando entre três de seus servos.

Sem desconfiança não houve interesse algum em interrogá-los ou tocá-los para verificar os acontecimentos da noite, e, depois que foram dispensados, Jane finalmente sentiu o aperto na boca de seu estômago desaparecer. Ela nunca precisou enganar o seu mestre antes, mas não sentia remorso ou culpa ao fazê-lo, visto que daquilo dependia a sua segurança e a de seu irmão.

Porém, apesar de tudo ter corrido bem, a vampira não esperava que a briga com Alec resultasse em dias sem ouvir a sua voz. Apesar de frequentemente estarem juntos, o gêmeo se limitava a responder suas perguntas com simples acenos de cabeça e movimentos de ombros, como se demonstrasse seu descontentamento evitando pronunciar qualquer coisa em voz alta.

Não demorou muito para que os outros membros da Guarda percebessem o desentendimento entre os irmãos Volturi, um acontecimento inédito e que aguçou a curiosidade de todos para o "porquê" daquela desavença. Contudo, ninguém obteve coragem o suficiente para interrogá-los.

— Alec, você ainda é leal a mim? – pergunta Jane certa tarde, cerca de uma semana e meia após a festa de Notte Rossa, entrando no quarto do irmão sem ser convidada e o interrompendo em sua leitura de um livro sobre Muay Thai.

O vampiro baixa o livro e a observa rapidamente, desviando o olhar logo em seguida enquanto respondia a pergunta com um aceno positivo de cabeça. Ele não concordava com o comportamento da irmã, odiava vê-la se desentendendo com seu amigo, mas jamais deixaria de ser leal a ela.

— Então fale comigo! – pede subitamente, sentindo a voz sair mais ansiosa do que o planejado.

Jane sentia um estranho incômodo diante de todo aquele silêncio, percebendo que, de certa forma, ela sentia falta de ouvir a voz dele. E quando Alec, mais uma vez, se recusou a pronunciar qualquer palavra, dando de ombros e voltando a ler o seu livro idiota, a vampira sentiu uma dor aguda invadir o seu peito.

— Me desculpe! – pede num sussurro, vendo, no minuto seguinte, a imagem de Alec sentado em frente a escrivaninha desaparecer de diante de seus olhos.

Tudo em sua frente foi coberto por uma névoa tão branca quanto a neve. A vampira não sabia mais onde estava, esquecendo-se completamente de que estava tentando conversar com o irmão minutos antes. No entanto, começou a ouvir uma voz, um som delicado e infantil que, por algum motivo desconhecido, ela se deu conta de que era dela.

Alec! – chama a pequena Jane repetidas vezes, nitidamente procurando por ele.

Um vulto preto surge em meio a névoa branca, parecendo ser uma pequena criança agachada em frente a um lago, apesar de a imagem não ser nítida. Contudo, quando a pequena Jane se agachou ao seu lado, praguejando baixinho por aquele chão enlameado sujar seu vestido amarelo limpo e perfeitamente engomado, a vampira percebeu que aquele vulto era a versão miúda e mortal de seu próprio irmão.

Vamos, Alec, fale comigo! Você sempre faz greve de silêncio quando brigamos, mas eu não gosto quando você faz isso. Diga alguma coisa! – pede, evidentemente chateada com o silêncio do gêmeo.

A imagem turva de Alec se move, dando à vampira a impressão de que ele estava se recusando a obedecer, o que prontamente fez a pequena Jane bufar.

Está bem, me desculpe! Eu te levo pra casa daquele idiota! O que você vê naquele garoto metido, afinal?

Maximilian não é metido, ele é meu amigo, Jane – responde finalmente, aceitando as desculpas da irmã, com a voz soando de forma fofa por ainda estar chateado. – Por que você não gosta dele? Eu não gosto quando vocês brigam...

A gente não briga, só discute! E isso não aconteceria se ele não fosse tão metido só porque tem mais dinheiro e um cavalo.

O dinheiro não é dele, é do pai, assim como o cavalo, mas Maximilian disse que a gente pode ir lá cavalgar nele... Por isso eu quero ir na casa dele, Jane. Eu quero andar a cavalo.

Está bem, eu vou levá-lo até lá… E vou tentar não achar ele tão idiota!

— Jane? Jane? – chama uma voz grave e forte, uma voz que a vampira sabia ser a do seu irmão, mas que não condizia com a doçura do Alec infantil.

Jane é puxada de volta para o quarto de Alec, a névoa se dissipa e seus olhos piscam algumas vezes antes de entrarem em foco, dando de cara com o semblante preocupado de seu gêmeo, que segurava os seus cotovelos e estava bem longe da escrivaninha e do livro de luta.

— O quê? – questiona ela, confusa. O que tinha acabado de lhe acontecer, afinal?

— Você está bem? Aconteceu alguma coisa?

— Eu não gosto quando você fica sem falar comigo... – comenta, tentando desviar o assunto, mas percebendo o quando aquela descoberta era verdadeira. – Me desculpe! – pede novamente, chocando o irmão.

— Está tudo bem – sussurra perplexo. – Maximilian me disse que é normal irmãos brigarem de vez em quando.

— Ele disse que eu viria também? – questiona com certa irritação, por que tudo tinha que terminar no camaleão?

— Não, mas garantiu que logo nos acertaríamos, porque isso sempre aconteceu conosco. Eu só não esperava que você se desculpasse... – sussurra a última parte, como se o fato da irmã ter feito tal coisa não pudesse ser espalhado.

— Pra você eu sempre vou pedir desculpas. Está falando comigo agora?

— Sim.

— Então diga: Maximilian é um idiota.

— É, ele é um idiota, às vezes – comenta Alec, tentando reprimir um de seus sorrisos debochados.

Jane sorri com satisfação, sentindo a dor de outrora ser substituída pelo sentimento caloroso e fraternal que só conseguia sentir com o seu gêmeo. Seus olhos vermelhos percorrem o quarto de Alec sorrateiramente, como se conferisse se tudo estava em seu devido lugar, tentando esconder dele o turbilhão em seus pensamentos e as pernas trêmulas.

Ela era a vampira mais forte da Guarda, a principal defensora de que pensar no passado era tolice. Seja lá o que tivesse acontecido ali no quarto de Alec, ninguém poderia saber.

Alec a observava com um resquício de preocupação em seus olhos, pois a irmã estava mudada, agindo de uma forma diferente do habitual. A Jane de antes era o ápice da frieza e do desinteresse por qualquer coisa proveniente da vida humana, todos os seus movimentos eram calculados e ela frequentemente o repreendia por não agir como ela.

Ele admirava a antiga Jane e ambicionava ser como ela, porém, Alec não sabia mais onde ela estava, porque àquela a sua frente era uma Jane "diferente". Será que os outros vampiros haviam notado isso? Será que tinham reparado nas expressões novas que ela esboçava ou na forma inédita com que falava com ele?

— O que está aprendendo agora? – pergunta ela, desviando novamente a atenção do irmão de seu estranho comportamento, para algo que sabia que o envolveria instantaneamente.

— Oficialmente, alguns movimentos de Judô. Extraoficialmente estou aprendendo Muay Thai – explica rapidamente, apanhando o livro na escrivaninha e mostrando a capa para a gêmea. – Maximilian é um lutador bom, mas eu quero superá-lo.

— Você vai. Somos os vampiros mais poderosos desse castelo, ninguém consegue nos vencer – comenta com um sorriso confiante nos lábios, caminhando em direção à porta e agradecendo mentalmente por suas pernas ficarem firmes. – Alec! – chama ela, pouco antes de tocar a maçaneta da porta. – Se contar isso para alguém, eu te mato! – ameaça sem tanta seriedade, referindo-se ao seu inóspito pedido de desculpas.

— Você pode tentar! – rebate ele com um sorriso sarcástico, balançando o livro em frente ao rosto para mostrar que agora ele seria um oponente bem difícil de se derrotar.

Jane lhe lança um sorriso de canto, abrindo a porta e se retirando do quarto do gêmeo no segundo seguinte, esperando que entrasse na privacidade de seu quarto para deixar as pernas trêmulas desabarem sobre o chão frio, permitindo que finalmente o tsunami que estava reprimindo escapasse de dentro de seu corpo.

A vampira esfrega o rosto com força, beliscando as bochechas para ter certeza de que estava mesmo no mundo real e com a mente lúcida. O que tinha acontecido a pouco? O que foram todas aquelas imagens? Ela havia se reconhecido naquela névoa, não tinha como negar, e tinha sentido que cada uma daquelas informações eram verdadeiras. O que tudo aquilo significava, afinal? Será que era uma lembrança de seu passado?

— Impossível! – sussurra para si mesma, como se isso pudesse fazer tudo o que viu desaparecer ou se tornar uma simples alucinação mentirosa, pois, se aquelas imagens enevoadas eram mesmo recordações e se realmente fizeram parte de sua vida mortal, então o camaleão falava a verdade: eles já se conheceram e tiveram um passado em comum.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^-^
As coisas já estavam ficando diferentes para a Jane, mas, agora, algo ainda mais importante surgiu: um fragmento de seu passado... Como isso irá influenciá-la daqui em diante?



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