Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 38
Testes de freios e sanduíches.


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada Lua pela lindoca recomendação!
Amei esse trato feito para conquistar novos leitores hahaha Vou aderir :)
Esse capítulo (demorado e grandinho) é dedicado a você, espero que goste.
E então... Demorei mas CHEGUEEEEI!



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Você já assistiu algum filme de ação com perseguições?

Eu já. Muitos dele porque Brian exigia, era o seu tipo favorito (eu dormia em alguns, confesso). E nem todos os filmes explosivos foram o suficiente para que minha bunda adquirisse uma certa experiência em cravar nos bancos de couro do carro de Marco. Eu tentei. Muito.

Se você já esteve em um momento que o carro teve que frear bruscamente e estava sem cinto... Você sabe do que eu estou falando.

Eu me sentia uma marionete no meio do SUV prata. Nem mesmo uma SW4 conseguiu me impedir de bater minha cabeça com força no vidro e quase ter um traumatismo craniano.

–Tia Al? — Uma voz baixinha e sonolenta me despertou de uma síncope. — O que está acontecendo?

–Hm, o tio Marco está testando esses novos freios ABS, querido.

Estava cada vez melhor em criar desculpas. Eu sei.

–Será que você consegue colocar o cin…?

Mais uma virada brusca, uma freada de pneu e uma quase colisão com um poste. Ouvi o carro atrás da gente, um corajoso Corola preto com vidros negros se recuperar rapidamente da nossa tentativa de despistagem.

–Filho da... — Marco silvou.

Engoli em seco, apertando com ainda mais força Sam em meus braços e cravando as pernas no chão do carro.

–Porque você está olhando para trás, tia Al?

–Hã… Pensei que seu tio tinha atropelado um passarinho.

Sua cabeleira morena fez menção de virar, mas eu a evitei.

–Vamos colocar o cinto, Sam. É para a segurança.

–Porque estamos correndo assim? — Suas mãos agarraram minha camisa com força como se fosse um bote salva-vidas.

–É um teste.

–Esse teste não é seguro. — Sua voz trepidou.

–Vamos falar com seu tio logo que ele terminar.

Senti os olhos de Marco nos observando pelo retrovisor rapidamente e em seguida avisar:

–Vou dar um tempo para você colocar o cinto dele, estamos em uma reta. Seja rápida.

Atrapalhei-me com as mãos. Prendi Samuel ao banco do carro e procurei nervosamente o cinto.

–Rápido, Alma! — Gritou Marco.

–Estou indo mais rápido que consigo!

–Não grite com a tia Al!

Marco berrou algo de volta e Sam falou, baixinho, só para mim:

–Porque não paramos o teste?

–Porque… Não podemos parar. Vai contra a regra de testes.

Click.

–Coloquei!

Voltei para o meu lado e puxei o meu cinto, lutando contra as minhas mãos trêmulas. Mais uma volta brusca, mais uma rua virada. Mais uma vez eu escorreguei no acento de trás. Antes que eu me estabilizasse a mão pequena do garoto estava firme no meu cotovelo. Seu semblante aterrorizado.

–Porra. Porra. Porra.

–Marco! — Repreendi. — O linguajar, por favor!

Samuel estava com dois pires no lugar dos olhos.

–O caralho do linguajar. O outro carro sumiu.

Olhei para trás me agarrando no encosto de cabeça. Nada. Nadinha mesmo. Estava deserto na rua.

–E ago… — Estava girando a cabeça para frente quando o Corola preto surgiu na nossa frente.

Então nós freamos e eu fui arremessada para frente com toda a força. Passei o banco do motorista e fui bater a cabeça no painel, quando o air-bag tinha acabado de ser acionado. Não deu tempo de tentar proteger mais nada. Só estava pendurada no meio do carro.

–Sam? — Conferiu Marco.

–Tia Al?

–Tô bem! — Gritei, rouca.

–Você está ok, Sam? — Insistiu o loiro.

–Eu odeio testes! Eu odeio testes! Eu odeio testes! Eu odeio testes! — Choramingava o garotinho.

Tentando sair da proteção do maldito air-bag, queria dizer algo reconfortante para Pequeno Newton, mas meu corpo estava dolorido e não cooperava com a situação. O garoto ainda repetia a frase quando Marco tentou me acudir.

Mas ele chegou depois. Antes que o loiro ou eu tentássemos me retirar da posição constrangedora e dolorosa, a porta do passageiro abriu e meu corpo foi retirado com força.

Eu sei que você vai me entender, Leitor. Veja bem: na minha cabeça quem me perseguia tinha sido as mesmas pessoas que entraram no meu apartamento, que tinham matado Bento, que estavam com Jeff, que aterrorizavam Pequeno Newton, que mereciam que eu fizesse churrasco com as suas tripas. Logo, quando eu fui retirada com rapidez de dentro do carro eu e minha adrenalina não pensamos duas vezes ao atacar.

E atacamos com louvor, obrigada.

Com olhos bem fechados eu me esforçava ao máximo para distribuir chutes, socos, cabeçadas, joelhadas, cotoveladas e bumdadas. Parecia um gato arisco erguido no ar. Meu agressor estava gritando algo, tentando se defender do meu ataque mortal, mas estava empenhada em matar alguém naquele dia. Manter o máximo de gente perigosa longe de Sam e Marco.

–Não chegue perto deles! — Gritei. — Não ouse chegar perto deles! Se não eu te mato. Eu juro que te mato.

–ALMA!

–Você não vai…Nem que isso seja a última coisa que eu faça nessa vida.

–Vida, porra, você quer parar com isso?

Eu parei. Bem no meio de mais um ataque.

Vida. Vida. Vida.Vida.

Repetiu-se como um gravador na minha cabeça. Tudo parou. Meu pulso ainda corria como um louco quando eu abri os olhos devagar.

Eu me bati com aqueles olhos e tive certeza que todo o ar fugiu do meu corpo. Meus pés tocaram novamente o chão, mas por pouco tempo, com um grito estrangulado eu pulei no pescoço dele.

–Jeff — Chorei na curvatura do seu ombro. Seu corpo tenso não me abraçou de volta.

Bem, não era bem o que eu estava esperando. Imaginava algo bem mais molhado e emocionante nos meus pensamentos, mas nem mesmo meu abraço Jeff retribuiu. Não foi surpresa quando seus braços me afastaram dele. Caiu em mim como se a decepção tivesse pego uma carona com um meteoro.

–Você está bem? — Perguntei, minhas mãos não obedeciam ao meu cérebro e percorriam seu corpo, conferindo-o. Ele estava vestindo roupas sujas e surradas, seu lábio parecia cortado e com um sangue seco. Seu olho estava com uma mancha roxa que parecia dolorosa. Fora essas e outras coisas visualmente ruins, ele estava ok. Melhor: estava vivo e bem ali, nos meus braços.

Apertei-o mais um pouco, lembrando-me de acalmar meu coração aflito. Jeff estava ali, estava bem. As coisas iriam melhorar agora.

–Onde você esteve todo esse tempo? — Seus olhos estavam vazios, os lábios em uma linha fina, no mínimo me causou um arrepio. Minha ideia era sacudi-lo até que ele esboçasse algum sentimento, tirasse aquela máscara assustadora do rosto, assim que eu me atrevi a dar a primeira balançada em seus ombros, suas mãos me afastaram.

–Fique longe. — Seco como o maldito Saara.

–Eu...

–Só se afaste, Alma.

–Eu e-estava preocupada com vo-você. — Sabia que estava fazendo papel de boba ao declarar aquilo, mas era inevitável. Como se meu corpo tomasse controle de tudo. Ele nem sequer me olhou nos olhos. — Jeff? Você está me ouvindo?

–Como está aquele seu cachorro vira-lata, Alma? As últimas notícias que eu tive não foram boas.

Bem, aquilo doía. Logo já estava facilitando seu trabalho e recuando alguns passos. Nunca fui muito boa em disfarçar sentimentos, então foi vergonhoso escancarar minha dor assim, a céu aberto. Estava de boca aberta, esperando alguma resposta sair dela. Seus olhos estavam quase totalmente verdes agora e eles suavizaram com minha hesitação, quase como... Gentis.

Mas tinha sido muito tarde para uma manifestação dele.

–Eu odeio testes. Eu odeio testes. — Sam ainda estava gritando do banco de trás.

–Jeremy... — Fitei a mão de Marco tocar seu ombro por trás, para chamar sua atenção.

Balancei minha cabeça. Não acredito em como pude ser tão idiota assim.

Não tive sequer a curiosidade em ouvir a conversa entre os primos, fui tentar consolar um Pequeno Newton perturbado. Ele se balançava para frente e para trás no banco do carro, não se importando quando o cinto travava seu movimento. Soltei-o.

Sam estava em um estado que eu nunca tinha o visto antes. Num torpor sem espaço para ouvir nada que me deixou tão alarmada quanto. Retirei os longos fios de cabelos cacheados dos seus olhos, dizendo-o, baixinho, que estava tudo bem agora, que todos estavam a salvos. Acomodei-o em um abraço desajeitado, continuei acariciando seus cabelos e repetindo para cada “eu odeio testes” um “está tudo bem agora”.

Nem mesmo um não-bruxo é capaz de ser tão trouxa quanto eu sou nesse momento. Desesperar-me por um homem que não foi capaz nem de te corresponder a um abraço? E ainda havia essa alegria cega que insistia em aparecer só em saber que ele estava vivo. Jesus, Alma, olhe onde você foi amarrar seu burrinho.

Espremi meu orgulho ferido em um canto para abrigar Sam da melhor maneira possível. Ele estava se acalmando aos poucos. Não conseguindo conter meus olhares furtivos para fora do carro, para os primos que tinham uma conversa um tanto quanto conturbada.

–Porque porra você estava correndo assim com uma mulher e uma criança no carro, seu imbecil?

Ai Deus.

–O quê?! Você passou um tempo sumido para fumar sem ser percebido? Você deve está louco, Jeremy. Para começo de conversa, você estava seguindo a gente.

–Eu tinha que falar com você. — Sibilou entre os dentes.

–Bem, então você poderia ter me ligado.

–Eles escutariam... Eu não posso... Eles... — Passou as mãos pelos cabelos nervosamente, desorientado. — Eu não tenho tempo para isso, Marco. — Respondeu com sua expressão mais frustrada de todas.

Rapidamente seus olhos voaram para dentro do carro e os verdes acastanhados estavam me observando. Ardeu. O loiro respondeu algo, mais baixo dessa vez e então a conversa seguiu um nível mais baixo, me impossibilitando de ouvir.

Rangi os dentes.

Repeti para mim que quando tudo isso acabasse eu me mudaria para o Alasca. Eu poderia viver no frio, tinha altas possibilidades de fazer boas amizades com os pinguins. Ou voar para a Austrália, eu queria conhecer a Oceania e... Se eu fosse esperta poderia ir de modo ilegal mesmo, para dar uma economizada.

Foi durante meu surto que Jeremy se aproximou do carro, abriu a porta de modo abrupto e estendeu os braços para o filho. Como se Pequeno Newton fosse ir assim, tão fácil... Me poupe.

Pisquei e o garoto já não estava mais no meu colo. Ele estava em pé ao lado carro e o pai agachado na sua altura.

–Eu odeio testes, pai. — Choramingou. O mais velho se contentou com o silêncio e apertou o filho contra seu peito largo.

Contemplei a cena como quem acabou de descobrir um laboratório no quarto do irmão. Céus... Eu precisava de férias da vida.

Tão rápido quanto começou o abraço se foi.

–Tio Marco levará você para uma viagem, filho, vai ser...

–Mas eu não quero ir. Eu tenho escola amanhã.

–Sam, escuta. — Jeremy segurou firme nos ombros da criança, fitando-o com seriedade. Aquele olhar que todo pai tinha. — Você tem que ir com ele. Seu tio vai explicar umas coisas para você no caminho, vai ficar tudo bem. Nós vamos nos ver novamente em breve. Muito em breve.

Balancei a cabeça em afirmativa, mesmo nem sendo comigo.

–Eu não quero ir! — Chorou Sam.

Deus, o coitadinho só tinha 5 anos, beirando os 6, não deveria ter sido surpresa quando lágrimas saltaram de seu rosto, mas eu fiquei desesperada com aquilo, como se doesse em mim cada gota. Até eu mesma fiquei surpresa quando corri para seu outro lado, ficando de joelhos bem na sua frente e segurando firme suas mãozinhas inquietas.

–Oh Pequeno Newton, escuta. — Não fitei seus olhos molhados, ao invés disso observei nossas mãos unidas. — Às vezes a gente faz coisas que não quer, porque é preciso que elas sejam feitas, sabe?

–Não.

–Tá. — Hora de mudar a estratégia — Já pensou que pode haver uma recompensa para tudo isso?

Interrompeu um soluço para erguer as sobrancelhas. Jeremy engoliu em seco e eu um sorriso.

–É?

–Sim sim.

–E o que é?

–Depende.

–Do quê? — Perguntou, curioso.

Lancei um olhar cúmplice para Jeff que nos examinava com interesse e um quê de choque.

–Depende da forma que você lidar com isso. — Completou ele.

Sam ficou calado por um minuto então dois, processando esse novo conhecimento. Reuniu toda sua coragem infatil e então acenou com a cabeça.

Foi o sorriso mais triste que eu vi no rosto de Jeremy. Como se ele quisesse se agarrar a qualquer tentativa desesperada para fazer seus lábios se repuxarem.

–Já acertei tudo. Voamos hoje a noite. — Comunicou Marco deslizando o celular para o bolso da calça.

–Ótimo. — Não soou verdadeiro quando o moreno falou isso, mas manti-me quieta.

–Alma, vamos dirigir até o seu apartamento para pegar algumas roupas.

–O quê?

–Podemos comprar outras se você preferir. — Sugeriu o loiro, solicito. — É compreensível pelo modo como o seu apartamento ficou depois de...

–Para que eu precisaria de roupas?

Olhei dele para Jeff que estava franzindo o cenho para mim.

–Você irá com eles, Alma.

Fiz uma careta para ele.

–E posso saber porque eu iria para algum-lugar-desconhecido?

–Alma... — Isso era impaciência na sua voz?

Puxou-me pelo cotovelo para manter distância do carro, deixando para trás Marco e Sam.

–Pera aí, Jeremy. — Puxei meu braço de suas mãos. — Você deve estar surtado se pensa que vou entrar em um avião só porque você quer.

–Alma, estou mantendo vocês seguros.

–Isso é loucura, camarada! Você precisa se tratar se pensa que vou deixar minha vida para trás só porque você estalou os dedos e decidiu que quer isso.

–Não é essa a questão. — Exasperou, avançando um passo para mim, mas eu recuei e então parou. — Eu não estava em uma colônia de férias, ok? Se estou fazendo isso é porque eu quero mantê-los seguros.

–Eu não acho que eu importo tanto assim para você se preocupar comigo.

Dane-se se eu soava uma garota de 15 anos ressentida com a mãe porque ela disse que não poderia ir ao cinema até que arrumasse o quarto. Pretendia escancarar o fato que ele tinha me machucado e então eu poderia vê-lo se afogar em culpa.

–Você... — Passou as mãos pelos cabelos. — Porra, é claro que você importa. Se você não importasse você acha que eu estaria tendo essa conversa? Insistindo para mantê-la segura mesmo que você esteja sendo um pé no saco?

Bem, ele tinha um ponto. Dane-se, eu tinha o jogo inteiro voltado para mim. Vejam só, mesmo que você roube algumas jogadas, o melhor jogador ganha no final.

–O que você fala, não condiz com como você age.

Balançou a cabeça, negando.

–Eu preciso que você esteja segura. E se eu precisar ser um idiota para que você vá onde for necessário, eu ganharei um prêmio como o maior imbecil.

Pisquei confusa em sua direção. Esse era o plano estúpido dele? Tratar-me mal, cutucar e então torcer minha ferida para que eu coresse dele? Coitado, não me conhecia bem.

–E você? — Perguntei baixinho, mas ele ouviu.

Piscou, confuso.

–Eu o quê?

–E quem mantém você seguro?

Segurei minha respiração quando seus olhos bateram nos meus. Vermelhos e úmidos, eles doeram. Não sei quem encurtou a distância de nossos corpos, mas nos chocamos em seguida. Suas mãos calejadas grudaram em meus cabelos embaraçados e as minhas trêmulas afundaram nos seus sujos. Nenhum de nós se importou com o estado lamentável do outro.

–Deus, eu não acredito que vou te beijar agora.

E ele o fez.

Sim, sim, toda garota deveria passar por aquele momento mocinha de novela na vida. Só faltou a chuva torrencial e o sumiço de outras duas pessoas, mas foi o mais perfeito que Alma Manfredini pode conseguir.

Seu corpo firme contra o meu, suas mãos derivando pelo meu corpo e eu em chamas.

Como sempre. Pólvora e fogo.

Deus, eu tinha tido saudades daquilo.

–Como você pode pensar que eu não me importo, Vida? — Sussurrou no meu ouvido. — Eu sinto muito que eu tenha levado um tornado para sua vida.

O sol estava preguiçosamente no céu, o trânsito já começava a aparecer naquela altura, ainda fazia um friozinho bom. Eu me agarrei a Jeff como se ele fosse uma boia salva-vidas.

–Eu sou meio neurótica quando amo alguém.

Mais uma vez seu corpo ficou rígido como uma tábua de passar ferro.

–O que foi? Dei uma conferida ao nosso redor, mas até mesmo Marco distraía Sam, ninguém nos observava e não havia sinal de perigo. Ao menos não aparente. Deus, será que a máfia estava por aqui? Jeff ainda não tinha dado sinal de descongelamento. — Jeff, tem alguém aqui?

–Você.

Contive o desejo de bater a mão na testa.

–Você está bem mesmo? É claro que estou aqui.

Suas mãos fixaram-se nos meus ombros. Apertaram-me ali quase inconscientemente.

–Você, Vida. Porque será que você não apareceu antes de tudo isso cuspir na minha cara? Antes das coisas ruins?

Havia altas probabilidades dele estar delirando naquele momento, então eu apenas meneei levemente com a cabeça e deixei passar em silêncio.

–Você vai com Sam e Marco?

Não hesitei em responder.

–Não.

–Alma... — Em dois tempos seu semblante descontraído tinha se tornado severo.

–Jeff...

–Você vai.

–Não, pai. Eu não vou. — Afastei-me um pouco dele, só para poder pensar corretamente. — Eu tenho que arrumar meu apartamento e me despedir... Uma última vez do Bento. — Seu rosto caiu na máscara neutra por um momento, pude ver a vulnerabilidade de uma criança ali, foi bonito e tremendamente triste. — Não posso e não vou deixar minha vida durante dias, Jeff.

–Eu falo com o seu chefe, se for o problema.

–Obrigada, mas eu acho que estou no olho da rua, de qualquer jeito.

Seu olhar verde cravou no meu castanho. Ele queria que eu assentisse e fizesse o que ele desejava, mas ele me amava por não ser assim. Lá no fundo.

–Por favor.

–É adorável vê-lo implorar, mas minha resposta continua sendo não.

Murmurou algo entre dentes e revirou os olhos. Estou tão tristonha por tê-lo deixado contrariado. Um bocado.

–Tudo bem. Desisto, vamos embora. — De maxilar cerrado, Jeff me puxou de volta ao carro.

Dei a ele algum tempo. Sim, até eu tinha uma certa noção de quando alguém precisava de espaço antes que explodisse. Marco já estava sentado e com as mãos firmes no volante, ergueu o queixo quando nós nos aproximamos. O que, pelo meu dicionário de linguagem masculino, quer dizer uma saudação (e várias outras coisas).

–Alma vem comigo.

O loiro ergueu as sobrancelhas.

–Sim, eu sei. Essa mulher é uma mula.

Tive a reação mais sensata para o momento e cotovelei-o nas costelas, sem perder o sorrisinho amarelo dos lábios. Marco reprimiu uma risada.

–Apenas verdades, Vida. — Seu braço serpenteou por minha cintura e seu corpo rígido firmou-me ao lado do seu.

Era estúpido, mas eu senti-me feliz com aquele gesto. Estava com saudades, afinal de contas e mesmo a maior parte do meu cérebro dizer que eu estava fazendo papel de trouxa novamente, aquele pedacinho inconsequente estava mais do que contente em protagonizar uma peça como uma trouxa feliz.

–Jeremy, eu não sei se essa é a melhor opção.

–É a minha decisão, não dele, Marco.

–Espero que você saiba o que esteja fazendo, querida.

–Eu também.

Batidinhas no vidro me fez dar um pulo de surpresa. Focalizei os olhos castanhos assustados dentro do carro. Sam.

–Nós temos que ir. — Marco comunicou com um toque de pressa.

–Deixa eu só...

–Seja breve. — Ordenou como se estivesse adestrando um cão.

Revirei os olhos, mas ele abaixou o vidro traseiro e eu me empertiguei para mais perto do garoto.

–Você promete para mim que ficará bem, Sam?

Ele meneou com a cabeça, levemente.

–De dedinho? — Ergui meu mindinho em sua direção e timidamente ele fez o mesmo. — Será paciente com o chato do seu tio, certo?

–Você não quer ir com a gente?

–Quero, mas não posso ir nesse momento. — Aproveitei nossas mãos quase unidas e acariciei as costas da sua com o meu polegar. — Preciso resolver algumas coisas aqui.

–Meu tio disse que a escola deixa a gente faltar uma semana no ano.

–Bem... Eu acho que fiz isso algumas vezes na sua idade.

–Você também pode faltar o trabalho por um tempo, então.

–Ah, mas quando você cresce não pode mais. Se não eles cortam meus bolinhos de graça lá no café. Você sabe que eu não vivo sem meus bolinhos.

A sombra de um sorriso apareceu no seu rosto.

–Tire algumas fotos para eu colocar no meu corredor, tá?

Então seu olhar ficou triste novamente.

–Eu não quero viajar. Não se tem uma rotina em uma viagem. Eu não gosto disso.

–Tenho certeza que o tio Marco pode criar o mais próximo de uma rotina que der, né tio?

O loiro grunhiu do banco da frente.

–Nós temos que ir, Alma. Será que já acabou o papo aí?

–Boa sorte com ele. — Sussurrei só para o garoto.

Deus, eu adorava o olhar cumplice que nós lançávamos um para o outro. Afastei-me e Jeff se aproximou, seus braços adentraram o carro, ele segurou a cabeça do filho e estalou um beijo no topo da cabeça.

–Eu te amo, garoto. Não se esqueça isso. Entrarei em contato o mais rápido que puder e então, quando tudo estiver bem, nós iremos levar a tia Al até ao Mc Donald's, que tal?

Ele sorriu e concordou veemente.

Nós nos afastamos e o vidro foi erguido.

–Obrigado, Marco... Por tudo.

Meus joelhos fizeram menção de dobrarem diante daquela situação.

–Você sabe que eu faço isso por ela, não é?

Opa... O que foi isso? Eu? Desde quando sou tão importante assim?

–Ela não merece qualquer esforço, mas eu agradeço mesmo assim. — Jeff rebateu, sua voz seca.

Tudo bem, assim pegou pesado. Minha mãe dizia que eu era uma pedra preciosa, sem ser lapidada, porém.

–Irei ligar em breve. — Bateu a palma da mão no carro como quem se despede.

Nós ficamos para trás enquanto o carro tomava seu rumo, numa velocidade amena.

–Certo, o que iremos fazer agora? — Bati as mãos nas coxas.

Jeff ainda tinha aquele olhar sério no rosto que aos pouquinhos se dissolveu em algo mais leve ao me encarar nos olhos.

–Sua casa. Pegaremos algumas roupas.

Nós caminhamos até o Corola e durante a viagem eu fui insistindo em detalhes. O tipo misteriosa que aceita tudo fácil, não condiz comigo. Vocês sabem.

–E então... — Esforcei-me horrores para soar descontraída. — Onde você estava?

–No inferno.

Essa resposta me causou até um abalo do banco do passageiro.

–Quanto menos você souber, melhor para você, Vida. Vai por mim.

–Melhor para quem, Jeremy? — Minhas mãos se fecharam em punhos. — Porque eu já estou nessa. Eles podem considerar a morte do meu cachorro só um aviso, mas isso doeu. Para cacete.

Silêncio.

–Eu quero saber. Mereço isso.

–Não vamos conversar sobre coisas sérias antes das 8 da manhã, Vida. Existe uma lei sobre isso.

–Eu não a conheço.

–Bem, porque eu a acabei de criar. Estou exausto e acho que mereço umas horas de sono até ter uma conversa séria com você. — Desviou o olhar da pista para mim. Ergueu as sobrancelhas, arregalando aqueles malditos olhos e não me deixou escolha nenhuma sem ser concordar.

***

–Será que podemos ter a tal conversa agora? — Parei ao seu lado no balcão da minha cozinha.

Ele estava enfileirando vários sanduíches de presunto ali. Aparentemente o homem estava com uma fome descontrolada. Enquanto eu me sentia desconfortável na minha própria casa. Cada trechinho me lembrava Bento. Seus potes de água e comida, uma bolinha perdida no sofá ou a ausência do barulhinho que as suas unhas faziam no chão. O apartamento estava impecável, antes que vocês se questionem. O chão e as paredes estavam limpas, com cheirinho de produto de limpeza e até mesmo minha geladeira estava abastecida.

–Você pode me ajudar aqui? — Jeff me voltou a realidade e amoleceu meu coração ao pedir. — Por favor.

Porque não?

Peguei o último par de fatia de pão do saquinho.

–Eu gostaria de conversar, Jeff. — Passei a faca na manteiga e levei ao pão. — Perguntar algumas coisas, como por exemplo quando você pretendia me contar que estava me contratando seguranças particulares.

Seu olhar encontrou o meu no meio da construção dos sanduíches. Parecia nervoso, pronto para fugir porta a fora.

–Eu não queria te deixar sozinha. Você não estava me querendo por perto.

Voltei ao sanduíche. Cortei metade do presunto, preenchi uma das fatias e então fechei com o outro lado. Jeff estendeu a mão para mim e eu estendi o sanduíche para ele, então mudei o percurso e o abocanhei.

–Obrigada. — Falei de boca cheia.

Ele fez uma careta e eu sorri. Mostrando todos os dentes, ou quase isso.

–Pelo sanduíche? — Sorriu também, enchendo sua boca em seguida.

Tão prendados, eu sei.

–Por tudo. E também para... Quem quer que limpou meu apartamento.

Limpou as mãos na calça desbotada, estendeu-as e segurou meu rosto, como se fosse feito de vidro. Vejam só: se um homem deixou sua comida de lado para te dar atenção... Agarre ele e não solte mais.

–Você vai me contar tudo?

–Futuramente.

Observei as linhas de expressão do lado dos seus olhos e sua barba bem mais do que um ou dois dias sem fazer. Passei as palmas das mãos, lançando um olhar deslumbrado que teria assustado qualquer um, menos Jeff. Ele ainda cheirava ao banho recém tomado, usava uma das blusas que eu tinha comprado na promoção por ser XG e estava incrível assim.

–Estava com saudades.

Seu rosto estava sério. Cenho franzido e lábios crispados.

–Para onde o Sam e Marco vão, Jeff?

–Longe, por enquanto.

–Pensei que precisasse de autorização dos pais para fazerem viagens de avião.

–Não se você está indo com um dos seus pais. — Um olhar com sobrancelhas arqueadas e eu já tinha somado tudo.

–Deus, algum dia eu vou saber como você faz essas coisas? Pensava que documentos falsos só existiam em filmes.

–Bem, talvez eu seja algum protagonista. Veja bem: olhos verdes, costas largas, um homem com cara de perigoso... Porra, sou incrível para o papel, Vida.

Soltei uma gargalhada estrondosa e apertei meus braços em torno de sua cintura.

–Vai sonhando, querido. Para você ser um dos mocinhos você tem que melhorar sua boca suja e acertar um pouco mais.

Uma careta raivosa falsa e então estávamos mais juntos ainda.

–Estou me esforçando aqui.

–Estou vendo. Quem sabe se até o final você não me convence a uma casa de revista com cercas brancas, hein?

Seu rosto descontraído ficou sério. Aprendi a odiar quando isso acontecia. Julgue-me quanto quiser, mas eu adorava uma conversa boba e sem compromisso no meio da cozinha. Só para variar.

–Quando isso chegar ao fim, Vida... Você vai ter o que quiser.

–E se eu quiser ir pra outro lugar? — Minha intenção era quebrar o gelo com uma piadinha, mas ele levou isso mortalmente a sério.

–Eu deixarei você ir. De vez. — Afastou-se um pouco de mim e voltou sua atenção aos três sanduíches restantes. — Se for o que você quer, eu vou te deixar em paz.

Estalei a língua e então subi no balcão ao seu lado.

–Estava apenas sugerindo uma viagem em família, caro Jeremy. — Roubei mais um pedaço da sua comida. — Eu e Sam escolhemos Chipre. O que você acha?

Ainda mastigando observei seus olhos verdes presos em mim com tamanho carinho que eu nunca tinha presenciado antes.

–O lugar que vocês escolherem está ótimo para mim. — Limpou o canto dos meus lábios cheio de migalhas. — Vou para qualquer lugar.

–Hm, já que você disse isso... Eu morro de vontade de conhecer Paris também. Sem falar da Grécia, Índia, Tailândia e... Austrália! Pelo amor de Deus, vamos para a Oceania também!

Sua risada foi algo delicioso de ouvir.

–Será que o seguro desemprego aguenta tudo isso?

Ele se estabeleceu entre meus joelhos e me puxou para ele. Escorreguei no balcão até prender minhas pernas em suas costas.

–Vamos aproveitar o apartamento antes que tenhamos que hipotecar cada coisa.

Jeff me levou em seguida (sim, ele conseguiu me carregar, pelo visto minha maneira prendada de comer sanduíches não o assustou). Nesse atual momento eu iria com ele para qualquer lugar, mas ele escolheu meu quarto.


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Notas finais do capítulo

Estou tão feliz porque vocês não irão querer me matar ao fim desse capítulo!
Apesar de demorar bastante, tentei compensar um pouquinho vocês... Alonguei o capítulo um pouco mais e cara... Jalma/Jelma/Jeffalma finalmente está aí para todas que "e quando é que o Jeff vai voltar?/E cadê o Jeff?/ Sdds do Jeff".
Espero que tenham gostado, meus amorecos!
p.s.: eu estava com saudades de vocêêêês e vocês só com saudades de Jalma. Rum ¬¬
p.s.²: Respondi grande parte dos comentários do capítulo anterior, mas se ainda não respondi o seu, não fique chatead@. Farei-o o mais rápido que meus dedos deixarem!



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