Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 30
Barragem de água.


Notas iniciais do capítulo

Meusss amoressss!! Que saudadesss eu estava de vocêss!
Aqui estava eu, apenas me remoendo mais um pouco por ser uma autora ruim (e péssima, uma CATÁSTROFE, em química) quando de repente fiquei completamente apaixonada. Pronto. Ferrou.
Fiquei completamente Apaixonada por Palavras escritas por user de mesmo nome. Muito obrigada pela recomendação e pelo seu modo mega fofo, flor :)
Esse capítulo gigante é dedicado a você.
p.s.: vomitei meu coração nesse capítulo. Se acharem minha artéria aorta, avisem.



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Já era fim de tarde quando minha porta voltou a receber leves batidas.

Ellie havia sido rápida dessa vez. A loira havia voltado um pouco antes do almoço e graças ao seu gênio elétrico, aquele pequeno quarto cor pastel estava a enlouquecendo e, consequente, deixando-me tão nervosa quanto (talvez até um pouco mais). Ela tinha ido atrás de recarga para o celular e prometera-me, com mais vigor dessa vez, estar de volta logo.

–Pode entrar, Ellie. – Eu estava terminando de enfiar a muda de roupas que estava comigo desde a minha entrada em uma mochila que a loira havia trazido hoje mais cedo, depois da visita rápida a casa de minha “sogra” (sem aspas essa palavra não convém).

As dobradiças da porta chiaram, preenchendo o quarto minúsculo. Abriu e então fechou.

–Você foi realmente rápida dessa vez Ells. Orgulhosa que minha garota esteja crescendo – Girei nos calcanhares mais lentamente que o desejado, mas o que meu corpo permitia no momento – E parando de flertar com...

O ar sumiu de meus pulmões por um momento.

O ponteiro de segundos teve que percorrer mais alguns trechos até que eu processasse aquela imagem. Pisquei.

–Vida...

–Não. – Recuei quando ele avançou um passo. Minhas mãos procurando cegamente algo para me firmar no chão.

Levei mais um tempo para notar as bolsas debaixo de seus olhos. Suas roupas surradas, seus ombros caídos. Olhos verdes acastanhados cansados, derrotados, perdidos. Mas não mais que os meus. Jamais como os meus.

–Eu só preciso de um minuto.

–Você não vale esse minuto, Jeremy. – Cortei-o com menos raiva que o devido.

–Eu sei que não, Vida. – Engoliu em seco. Parecendo confuso pela primeira vez que o conheci. – Não mereço isso. – Seu olhar vagou por mim, aparentemente conferindo-me. Demoraram um pouco mais no meu rosto. Eu sabia que minha mandíbula estava em um tom roxo-verdeado que não era bonito de se ver. – Você não merece isso.

Uma rocha. Ser tão forte quanto. Eu conseguia fazer isso. Eu sabia fazer isso.

Para quem já tinha visitado o inferno e cumprimentando o carinha com chifres, isso deveria ser moleza.

–Isso tudo é uma droga. – Saiu tão baixo que eu quase não ouvi.

Espertamente ele não avançou um passo, suas mãos irrequietas enfiaram-se no bolso da calça jeans. Sua atenção concentrada em seus tênis sujos.

Mil respostas sujas imploraram para escapar pela minha boca. Nada saiu, entretanto, o quarto encheu-se de silêncio até ele voltar a falar.

–Só um minuto. – Implorou baixinho. – Eu sei que não o mereço. Você deve estar pensando nesse momento em me deixar infértil com um merecido chute nos meus preciosos, mas eu tenho que falar isso. Por favor.

De seus tênis, ele mirou meus pés descalços no chão frio, percorreu meu tronco, meus braços, meus ombros, meu pescoço, demorou-se em minha mandíbula, mas estagnou em meus olhos.

–Vá embora, Jeremy. – Sussurrei.

–Não.

–Vá embora. – Repeti.

–Vida...

–VÁ. EMBORA!

Jesus. Esse homem me deixava sem base alguma.

–Nós vamos conversar antes. – Ordenou.

Não me esforcei tanto para não revirar os olhos e soltar um suspiro lamentoso.

–Você irá. Por bem ou por mal. – Ameacei com os dentes trincados.

Jeremy nunca pareceu tão grande antes e eu tão impotente.

Aqui estava eu, com meus olhos vermelhos, gritando com um homem que me tinha na palma da mão esse tempo todo. Ele me tinha tão fácil que era deplorável. Mas na minha cabeça eu estava disposta a não me render a suas vontades.

–Por favor, Vida. – Eu estaria abaixando a guarda logo e isso me fez odiá-lo um pouco mais.

–Eu vou chamar a segurança.

Por um breve segundo os cantos de seus lábios deram sinal de vida.

–É uma cidade pequena com um único hospital. Eles me conhecem e sabem que você é minha mulher.

Sua mulher. Pelo amor de Deus!

Ele e aquela cidade maldita acreditavam que eu era dele?

Sangue borbulhou em minhas veias.

–Eu não fui, sou ou serei sua, Jeremy. Nunca. Ou será que você esqueceu que era tudo falso?

O indício de sorriso havia partido de seus lábios.

–Eu sei disso. – Desviou o olhar. – Só é uma maneira de dizer que eles não vão entrar no quarto se eu estiver aqui.

Trinquei os dentes.

–Você sabia o tempo todo, Jeremy. – Murmurei – Você sabia da minha história esburacada.

Seus ombros curvaram.

–Você sabia disso quando me acordou no meio da noite porque eu tinha tido um pesadelo! – Lágrimas de raiva estavam prontas para saltar de meus olhos, mas eu bravamente as engoli.

–Você tem o direito de saber. Eu vou explicar tudo, Vida.

–Não me chame disso. – Grunhi.

–Desculpe. – Abaixou os olhos. – Quando eu acabar de contar tudo, você poderá me jogar fora da sua vida. Eu prometo. Você poderá me processar se quiser. Só deixe-me falar.

Vocês, Leitores, sabem um lado dessa história. O meu lado. Vocês sabem aquilo que eu quero que vocês saibam. Vocês leem aquilo que eu quero que vocês leiam. Deixem-me dizer, contudo, que há várias formas de se olhar uma mesma cena, quanto mais uma história inteira. Não foi pensando nele, entretanto, que eu o deixei explicar. Foi em mim e quantos lados da história eu gostaria de saber.

Quando eu não falei nada, ele tomou isso como um consentimento. Ousou dar mais um passo. Eu não recuei. Ele estava muito perto de mim agora. Eu poderia ver suas linhas de expressão ao lado dos olhos, a barba de mais um dia por fazer, poderia ver os pontos castanhos em seus olhos verdes e eu vi a dor ali.

–Eu não planejei isso. Eu nunca tive a intenção de te machucar, de qualquer forma possível, depois que eu te conheci.

Desviei do seu olhar.

–Eu não queria seguir o futuro que meus pais tinham planejado pra mim. Era o futuro que eles queriam, não o meu. Foi por isso que eu me mudei para a capital. Eu tinha sonhos no papel. Arranjar um emprego, começar uma família e tudo isso... Bem, eu estava fodido em tempo recorde e sem nenhum dinheiro. – Respirou fundo. – E quando você está afundado nesse tipo de merda, sempre há alguém com você, disposto a fazer coisas que não devem ser feitas. Foi assim que eu conheci Marcela e Raul, eles são primos ou algo assim, estão mergulhados nesse poço sem fundo há mais tempo que o devido.

Raul deveria ser o cara que teve a honra de nos fazer uma visita, presumi. Marcela era sua amante ou seja-lá-o-que-for. Eu não me importo se ele a tiver em sua cama. Não mais. Ele poderia tê-la em sua vida, poderia ter um anel em seu dedo e eles poderiam brincar de casinha. Eu não ligava.

Eu acho.

Não, talvez eu ligue um pouco.

–Aquele cara... – Quase pude jurar ver compadecimento por mim quando falei. Balançou a cabeça, incentivando-me a falar. – Ele disse que você e essa Marcela eram bem... Próximos.

–Depende do ponto de vista, Vida. – Abri a boca para mandá-lo para a casa do Coimbra quando me interrompeu. – Se você me perguntar se eu já a fodi, eu direi que sim. Se você me perguntar se eu tive algum envolvimento com ela eu responderei não. Não do modo como eu tive com você.

–Odeio a forma como você diz que já fez sexo com as pessoas.

–Prefere que eu diga algo mais suave?

–Apenas não diga. – Eu queria saltar seu corpo e correr do quarto agora mesmo. – Ele me disse que vocês tinham a mesma tatuagem. Você sabe... A do carpe diem.

–Todos têm. – Franziu o cenho.

–Todos quem?

–Eu estou chegando nessa parte da história, Vida.

–Não me chame assim!

–Tudo isso foi na mesma época que as coisas ficaram difíceis para meu pai também. - Ignorou meu comentário. – Soube pela minha irmã que o velho estava prestes a perder a casa.

–As terras não são da sua família?

–Foram anos de pagamentos não feitos. É como uma bola de neve. – Respondeu-me. – Marcela e Raul me mostraram a chave para um mundo incrível, que solucionaria qualquer problema. Tudo isso há poucos passos de distância. Era uma espécie de clube. Bem, isso que eu pensava inicialmente. Nós tínhamos que fazer tatuagens para entrar neles, era como um carimbo no passaporte.

–Então todos que fazem parte desse... Clube tem a mesma tatuagem?

–Exato.

–E o que você fazia?

–Eu era a espécie de um segurança, inicialmente. Meu papel era estar lá, parecendo ameaçador, mas jamais abrir a boca. Eu tinha que seguir isso. Jamais. Abrir. A. Porra. Da. Boca. – Tomou uma pausa para si. Como se estivesse colocando os pensamentos em ordem. – Vi coisas que deixaria o Diabo desconfortável e não fiz nada para impedi-las. Era meu trabalho e eu tinha que ter o dinheiro para mandá-lo para casa e comer as 3 refeições por dia.

–Isso não te torna nobre, Jeremy. – Ironizei.

–Eu, definitivamente, não me orgulho de nada do que fiz ou do que deixei de fazer. Mas isso me trouxe algumas coisas boas que sou obrigado a reconhecer.

Quando ele deu mais um passo, meu corpo entrou em pânico. Jeff notou isso e não avançou mais.

–Você consegue entender isso, Vida? – Seu tom macio acalentou-me. – Quando coisas ruins te trazem coisas boas?

Eu não o respondi e ele não esperou pela minha resposta.

–Eu ganhei o melhor presente da minha vida no meio disso tudo. Com o tempo, meu trabalho se tornou mais... Dinâmico, digamos assim. Eu estava tendo um romance barato com uma mulher bem sucedida. Meu papel era ser o prostituto enquanto Marcela e Raul obtinham o que queriam dela. Eu sempre fiz meu trabalho. Mesmo se ele fosse ir para a cama com uma mulher tão desprezível quanto eu.

Meu âmago deveria ter caído em compaixão por aquela mulher, por ser igualmente enganada por Jeff, mas não aconteceu.

–Depois de algum tempo de sexo casual, ela mandou-me uma porra de mensagem de texto avisando-me que estava grávida e em seguida outra que estava retirando naquele mesmo dia.

Compartilhei um pouquinho do seu sentimento raivoso naquele momento.

–Ele queria tirar meu filho de mim, Vida. – Lambeu os lábios, levou as mãos para os cabelos, bagunçando-os então. São Longuinho me mantenha em pé até o fim dessa conversa. – Apesar da confusão que eu sou hoje, ,meus pais me ensinaram a assumir minhas consequências. Eu queria essa criança. Eu poderia salvá-la da droga de mãe que ela teria, mas também estaria me salvando.

Observou seus punhos fechados e então fitou meus olhos como se estivesse vendo-me através de um aparelho de raio-x.

–Ela vendeu a si mesma e seu próprio filho, como se fosse uma mercadoria negociável.

Abri a boca e a fechei algumas vezes. Pacientemente Jeff aguardou meu processamento lento.

–Você fez um empréstimo com esse tal clube?

–Acho que fazer um pacto com o Diabo é a maneira mais correta. - Riu um riso sem humor. - Eles consideram uma criança como um erro de percurso, então eu estava devendo a eles com juros compostos grotescos. Bem, ainda estou.

Passou as mãos pelos cabelos bagunçados. Suspirei. Esses cabelos tão Jeff Buckley que me fizeram caída de amores desde o primeiro momento.

–Foi quando Marcela e Raul me mostraram planos como se fosse algum tipo de mochila salva-vidas. E quando você está em plena queda livre, você agarra qualquer possibilidade de salvamento. – Desviou os olhos dos meus. – Nos últimos 5 anos eu subi no conceito do clube. Essa gente gosta de alguns jogos doentios e eu sou um bom jogador.

–Você é tipo um prostituto? – Perguntei morrendo de medo da resposta. Ok, bem, eu sei que eu não deveria estar preocupada em ter beijado um prostituto, mas eu estava.

Um fantasma de sorriso apareceu em seus lábios.

–Eu sou um multiuso, Vida. Posso entreter. Bastante. Em vários sentidos. Mas sou imbatível atrás de um volante.

–Algo como oficinas?

–Algo como rachas.

Ok, era só mais um ponto que ele havia mentido para mim. Não era grande coisa. Não tanto quanto eu estava sentindo. Eu sabia disso. Só não conseguia parar.

–As coisas estavam indo bem na medida do possível. Eu consegui equilibrar minhas tarefas para cuidar de uma criança. Minha mãe não questionava meu trabalho quando ela vinha passar algum tempo comigo, não perguntava como eu conseguia pagar o aluguel da casa, ter um carro esporte, manter comida na geladeira ou pagar uma boa creche para o Sam.

–Talvez porque ela não queria saber a resposta... – Interrompi e ele assentiu.

–Talvez sim. O importante é que as coisas estavam bem. Muito bem.

Seus olhos se transformaram em apenas um piscar. O verde e castanho em puro ódio.

–E então aquele filho da puta aconteceu. O namorado de Maia. Eu nem sequer desconfiei dele quando o vi pela primeira vez, estava feliz porque minha irmãzinha não conseguia largar aquele maldito sorriso da boca, achei que estava tudo bem. Não liguei quando meu pai deixava escapar entre um telefonema e outro que Maia andava diferente. Não me importei com isso durante meses. Era coisa de garota, eu pensava. Então imagine minha surpresa quando recebo um telefone desesperado da minha irmã pedindo para ir pra casa?

Prendi a respiração.

–Eu não estava lá quando minha família precisou. Quando meu pai entrou em casa e ouviu os gritos de Maia, pedindo para que aquele bastardo parasse, ele não pensou que estava muito velho para brigar com alguém. Ele foi socorrer sua filha e fez isso. Meu pai salvou minha irmã, mas não salvou a si mesmo. Maia ficou rouca por dias depois disso. Ela berrou pela cidade inteira pedindo ajuda e quando voltou o filho da puta lunático e possessivo tinha uma faca em mãos e uma poça de sangue abaixo dele.

Seus olhos nublados piscaram na minha direção.

–Eu queria justiça, Vida. Mas isso só se tem se você tem dinheiro. Eu queria a porra do melhor advogado nesse caso. Eu queria que esse desgraçado nunca mais saísse de trás das grades. – E então seu olhar desviou para meus pés descalços. – Aceitei participar de outro plano de Marcela e Raul, mesmo sabendo desde o começo que era furada.

Fácil assim. Um plano.

–Eu sabia quem você era quando adentrou na enfermaria atrás da Mel com os cabelos bagunçados, olhos vermelhos e lábios trémulos. Talvez você nem lembre disso. Eu sabia que você não era a mulher que nós tínhamos esperado, eu só sabia que era a irmã dela. Nada mais.

Ele tinha que parar com isso. Algo dentro do meu peito estava inflamado e todas às vezes que ele cutucava doía como um inferno.

–Mas eu decidi manter o plano com você, afinal eu precisava de uma pessoa fácil para lidar.

–Eu sou fácil? – Grunhi com o bolo na minha garganta.

–Não! – Respondeu prontamente. – Não nesse sentido. Você é alguém fácil de conviver. Não manipule minhas frases, Vida. Pelo amor de Deus.

Enfiou as mãos em punhos nos bolsos da calça jeans, trincou os dentes.

–Sei que você pesquisou sobre mim, mas nada foi comparado ao raio-x que fiz com sua vida.

–Jesus. – Deixei escapar. Minhas mãos trêmulas passaram pelos meus cabelos.

–Eu passei a ser um especialista sobre você. – Continuou. – Eu sabia da sua rotina, da sua história e dos personagens dela. Eu sei que você costuma visitar seu pai pelo menos uma vez ao mês na melhor clínica de tratamento para Alzheimer. Sei que passeia com seu cachorro aos domingos até o parque central. Sei que leva sua sobrinha todas as sextas-feiras em sorveterias diferentes. Sei que deixou para trás um filhinho de papai o qual sabe, talvez tarde demais, que deixou passar uma mulher incrível.

As paredes pasteis estavam me sufocando, não conseguia respirar normalmente. Não havia ar suficiente nos meus pulmões. Escapar. Eu precisava escapar daqui.

–A partir de um momento eu já não fazia disso meu trabalho. Saber sobre você virou uma curiosidade insaciável. E eu fiquei com tanta raiva desse cara que você chama de pai... Odiei a forma como foi seu próprio sangue que a fez passar por isso. Ainda por cima quando descobri que você desistiu da sua vida por ele. – Tomou fôlego ao mesmo tempo que eu. – Jesus Cristo. Você consegue ver realmente o que você fez? Você entregou seu futuro alguém que destruiu seu passado.

–Ele não fez tudo aquilo porque queria, Jeremy. Meu pai realmente é desiquilibrado.

Soltou um silvo baixo, como quem pede paciência ao Cara Lá de Cima.

–Todos os meses, quando você vai lá, o que ele fala para você, Vida?

–Não lhe interessa. – Adverti prontamente.

–O que ele diz?

–Não sei como você sabe sobre isso, Jeremy, mas não é tão simples saber dos fatos por cima.

–Apenas me responda, Vida. – Sua voz mudou para um tom mais suave, mais paciente. – O que ele diz para você quando você vai visitá-lo?

Meus olhos ardem novamente. Eu odiava me sentir tão vulnerável.

–Ele pede para eu ir embora. – Funguei. – Isso te faz se sentir melhor? Saber que ele chama pela minha irmã, pela sua filha favorita, todas às vezes que eu me aproximo? Deixe-me responder, Jeremy, isso me destrói por dentro, me deixa tão pequena que eu mal consigo alcançar os pedais do meu carro velho quando eu volto para casa, tão pequena a ponto de me encolher no meu sofá empoeirado com meu cachorro e perguntar o que eu fiz para merecer isso. Mas eu não preciso pisar em cima dos outros para que essa sensação melhore, como você fez!

–Eu não pisei em cima de você.

Uma risada sem humor, beirando a histeria, escapou de meus lábios.

–Ah você fez. Você pisou em cima de mim de um modo que nem pequena eu me dignei a sentir!

Ele ficou sem palavras por um curto momento.

–Continue sua maldita historinha para que possa me deixar em paz. – Rosnei.

Limpou a garganta.

–O fato, Vida, é que notei, tarde demais, que havia me metido em uma furada. Quando quis sair já era tarde demais. O clube não te dá segundas opções. Aquele dia que te pedi para buscar o Sam na escola e cheguei tarde em sua casa aos pedaços foi um pequeno aviso do que aconteceria se eu abandonasse o barco. Então tive a ideia de prolongar aquilo por mais tempo, até saber o que fazer.

Franziu os lábios.

–Eu continuei com isso, mas não porque queria. A partir do momento que conheci você, eu não quis te ferir ou ferir sua irmã ou, de jeito nenhum, Mel.

–Mas você sabia que havia a possibilidade desses loucos continuarem o plano sem você. – Acusei.

–Sim, mas não achava que eles iriam fazê-lo. Quer dizer, eu não tenho uma boa fama pelos becos da cidade, todos sabem que você compra briga com o diabo se você se mete em assuntos meus.

–Eu não sou um assunto seu.

–Ah você é. – Seu maxilar travado causou redemoinhos em meu estômago. – Além do fato de terem assustado o meu filho, aquele filho da puta bateu na minha mulher. Ele vai pagar por isso, Vida, ao ponto que ele irá desejar estar no inferno, abraçando o diabo.

Eu não consegui encontrar minha voz depois disso. Meu sangue bombeando tão rápido, que meu corpo inteiro sentia a pressão.

–Sabe... Seu arrependimento não muda muito as coisas, Jeremy.

–Não estou arrependido.

–Desculpe-me?

–Eu não estou arrependido.

–Por ter feito tudo isso comigo?

–Não estou.

Pisquei duas vezes.

Não estou arrependido. Não estou arrependido. Não. Estou. Arrependido.

Ele não estava por Mel, pela minha irmã, por mim... Pelo meu coração pisoteado, minha mandíbula machucada e meu orgulho ferido. Ele nem sequer estava arrependido por tudo que causou a mim.

Pisquei mais duas vezes antes de avançar até seu corpo imóvel.

Minhas mãos fracas bateram em seu peito rígido. Foi mais como um empurrão que não surtiu efeito. Eu estava irada. No cume do meu limite. Nem mesmo meus músculos doloridos me fizeram parar. Lancei meus punhos fechados em sua direção ao mesmo tempo que ele os segurava com tal delicadeza que deveria ser impossível para um sujeito como ele.

–Vida...

–Como você se atreve, seu imbecil? Depois de tudo isso... – Solucei. Eu não poderia chorar na sua frente. Droga. – Tudo que você...

–Eu queria que você entendesse que o Sam fez minha vida valer a pena. – Falou num fôlego só. – Cada. Maldito. Dia. É por causa dele e pelo nome do meu pai que eu não tenho orgulho do que fiz, mas não me arrependo. Eu faria tudo de novo para tê-lo comigo e ter o desgraçado que arruinou minha família atrás das grades. Eu teria comprado a mãe do meu filho, teria me endividado até minha próxima vida, eu teria feito a pior coisa de todas com a melhor mulher que eu conheci. Eu teria feito, Vida.

Era como uma barragem de água.

Em algum momento minha visão ficou turva e então meus olhos já não conseguiam suportar o volume de lágrimas.

Eu tinha me empenhado em ser forte minha vida inteira. Eu soube, em uma determinada época, que nada poderia me quebrar mais, mas eu nunca havia imaginado aquilo.

Eu era uma perfeita barragem de água que já não exercia mais sua função por desgaste.

Seus braços me soltaram aos poucos quando notou que eu já não esboçava reação. Deveria ter recuado quando ele se aproximou, mas não recuei. Ansiando pelo seu toque em mim, aquele formigamento gostoso que acontecia todas as vezes que ele o fazia.

–Shhh, vai ficar tudo bem. – Sussurrou no pé do meu ouvido. A ponta de seus dedos roçando na minha bochecha, retirando as lágrimas de seu percurso. – Eu estou com você, sei que tudo isso não justifica mas... Eu estou disposto a lhe dar o tempo que for preciso para que você absorva tudo.

Do que ele estava falando?

–Talvez, quando passar um tempo e você estiver mais calma, você possa me dar só mais uma chance... Eu prometo que vou tentar ser melhor. Se você quiser tempo, eu te dou tempo o suficiente, Vida.

Tomei longas respirações, ajustando tudo na minha mente. Eu não precisava de um longo tempo. O certo deveria ser feito. Logo.

–Não posso mais com isso. – Seus olhos romperam em entendimento. A faca, aparentemente, foi amolada o suficiente para atingir a nós dois. – Você tem uma boa história em mãos, mas não é o suficiente.

Era a hora de ser fria como o maldito iceberg do Titanic.

–Você só me quebrou uma vez, Jeremy.

Engoli em seco.

–E fez isso tão bem... Quero dizer. Eu realmente não deixo as pessoas entrarem tão fácil assim na minha vida. Mas você chegou com esse seu jeito quase irrecusável, um jeito de bad boy mesclado aos Ursinhos Carinhosos que faz qualquer uma vibrar. Jurava que você prestava atenção nas minhas tagarelices porque você gostava delas. E me deixou completamente caída por aparentemente gostar de mim quando eu sei que esse meu jeito não agrada um bocado de gente.

Eu poderia rasgar diante do seu olhar.

–Gostaria de dizer que sinto muito, mas na verdade não sinto. Você meteu pessoas inocentes em seu jogo sujo, colocou em perigo minha família por puro dinheiro. Papel e algumas moedas de cobre ou sei-lá-do-que-sejam por gente de carne e osso.

Antes que ele pudesse me cortar, eu ergui o dedo indicador em sua direção.

–Eu não acabei. – Grunhi. – Espero que tenha a certeza que seus amiguinhos não voltem a se comunicarem comigo ou qualquer um que eu conheço, sei exatamente o que fazer com pessoas do seu tipo, só não quero sujar minhas mãos.

–Eles não irão. – Sussurrou entre dentes.

Respire e inspire, Alma.

–Você tem uma família incrível Jeremy, talvez note isso logo, talvez nunca note. Seu pai não teve o fim que ele merecia, mas ele teve uma boa história. E eu aprendi a não julgar um bom livro pelo seu fim. Sua família precisou de você no passado, mas ela precisa de você muito mais agora.

–Vida... - Seus longos dedos esticaram-se na minha direção. Eu recuei até que minhas costas batessem na cama e eu estivesse encurralada. Novamente.

–Eu desejo sua felicidade, Jeremy, não duvide disso. – Desviei de seu olhar penetrante. – Porque eu ainda não aprendi a deixar de gostar de alguém do dia para noite. Mas hoje gosto de você pouco menos do que ontem e logo eu estarei bem.

O malfeito estava feito. Eu quase pude ver o exato momento que a bomba nuclear caiu sobre seu mundo.

Devastou-o tanto quanto o esperado.

Mas porque parecia tão surpreso?

–Eu não contarei a verdade a sua família. Estou cumprindo com meu trato e espero que você cumpra com o seu.

Um balançar mudo de cabeça.

–Eu só... Quero ainda manter um contato com o Sam. Sei que não tenho o direito de pedir...

–Tudo o que você quiser.

Porque ele estava tornando as coisas mais difíceis?

Permanecemos em silêncio por um momento e então outro. Cada um absorvendo o que convinha.

–Um chute na bunda dói mais do que aparenta. – Seu meio sorriso não alcançou seus olhos. – Um dia desses eu vi uma mulher bonita ensinando a uma garotinha a deixar ir... – Duas esferas verdes brilhantes. – Ela disse que se você realmente gosta de algo, você tem que deixá-lo ir.

Isso foi uma declaração?

Insista mais um pouco, Jeff.

Eu vou ceder se você insistir.

Não! Não posso mais dar um pé para trás em relação a isso. Ele não me amava de verdade. Talvez ele nem saiba o que é amar uma mulher verdadeiramente.

–Eu sabia que gostava de você Vida, mas talvez eu te ame por que deixá-la ir está matando metade de mim. Por algum motivo eu sei que isso não vai melhorar, nem mesmo um pouco, amanhã ou depois. Só espero que um dia você possa me perdoar por tudo que causei.

Pisquei tempo o suficiente para que mais lágrimas rolassem pelas minhas bochechas, mirei meus pés descalços e brinquei com os dedos.

Quando olhei novamente para cima, ele já não estava mais lá.

Problemas em barragens de água deveriam demorar dias por aqui.


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Notas finais do capítulo

Acharam minha artéria por aí?
Gente, nem sei dizer o quanto vocês são fofas (se houver algum leitor masculino, desculpe-me. A língua é machista). E eu sou uma desnaturada.
Mas agora ferrou tudo mesmo.
Tô entrando em época de revisão para o vestiba e só Deus na causa.
Muuuito provavelmente o próximo capítulo só virá depois do Enem (cruza os dedos, faz figa, faz dança da chuva), mas não desanimem!
Vou poder me dedicar à história muito mais quando tudo isso passar.
Responder todo mundo etc.
Por enquanto, vocês podem me achar no twitter (meu karaokê) e tumblr (diário de desabafo com foto de animais).
@AllAboutLolly
http://coisitas.tumblr.com/



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