Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 23
A história de alguém.


Notas iniciais do capítulo

"Você acreditou que todas as pessoas eram boas
E que nunca iriam confundir com a sua mente
(...)
Você não é ninguém até que alguém te decepciona"
John pai-dos-meus-filhos Mayer



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Nós podemos viajar nessas férias.

–Algum lugar em especial?

–Estava pensando em Paris.

Parei de tentar organizar sua pilha de relatórios na escrivaninha e o encarei.

–Paris?

–Paris. – Eu amava seu sorriso e amava ainda mais quando ele sorria daquela forma, sabendo que me surpreendia. – Só nós dois.

–Eu não tenho como pagar isso, Brian. – Alguém tinha que manter os pés firmes no chão naquela conversa.

–Por minha conta, amor. – Comecei a negar com a cabeça quando seus braços me suspenderam do chão em um abraço desajeitado. – Eu tenho o suficiente por nós dois, sempre deixei claro isso. – Seus lábios deslizaram da ponta do meu nariz até minha boca. – Eu faria qualquer coisa por você, Alma. Qualquer coisa.

Nós adiamos esse plano até um momento que estava claro que nunca ocorreria. Brian sempre foi um perfeito meio a meio. 8 ou 80. E naquele momento, como no dia que me fez prometer pensar sobre Paris, ele estava sendo a metade que fazia dele extraordinário.

Não se preocupe sobre a conta do veterinário, ok? – Sua voz era controlada e reconfortante. – Eu sei que a possibilidade de uma guarda compartilhada nunca foi pensada, mas eu estava com saudades do Bento.

–Brian, eu...

Ellie me contou que você viajou com o seu novo... Namorado. – Era malditamente injusto que sua voz soasse machucada.

–Obrigada por ficar com o Bento. – Falei por fim, desejando cortar a conversar. – Quando eu voltar, passo no seu apartamento para buscá-lo.

Qualquer coisa por você. – Pronto. A bomba foi jogada. Agora éramos Hiroshima, Nagasaki e Eu.

Voltei a respirar novamente quando finalizei a ligação.

–Algum problema? – Não tive que abrir os olhos para saber que Jeff estava ao meu lado.

–Nenhum. – Respondi com a boca seca, escorregando para longe dele.

–Está tudo bem mesmo, Vida? – Segurou-me pelo punho. Engoli um grito histérico para que ele me soltasse, ao invés disso, sacudi levemente o braço até que pude me afastar mais.

–Tudo ok. – Mas não estava e ele saberia disso se insistisse. Talvez até já soubesse.

–Você estava falando com o seu ex-namorado? – Poderia ser apenas um tom curioso, mas adorei o fato de haver algo mais ali subtendido.

–Brian está cuidando do meu cachorro.

–O que aconteceu com a sua amiga? Ela não iria ficar com ele?

–Digamos que ela não se mostrou muito... Cuidadosa.

–O cachorro não precisa ficar com ele, se você quiser u tenho alguém que pode...

–Não finja que você se importa, Jeff. – Interrompi-o, longe dele o suficiente para que eu pudesse pensar normalmente. – Eu sei que você não importa o que acontece ou deixa de acontecer comigo, pouparemos os detalhes.

Era exatamente esse o momento que ele diria “mas eu me importo”. Bagunçou os cabelos, num gesto muito seu de nervosismo, abriu e fechou a boca pelo menos 3 vezes antes de finalmente falar:

–Pouparemos os detalhes.

Desisto, é demais para apenas uma manhã.

–Vou dar uma caminhada. Eu preciso respirar um pouco antes de voltar à cozinha e dizer a sua mãe que eu quero pelo menos 4 filhos.

–Esteja de volta antes das 10. Nós ainda temos algumas coisas para resolver. – E então ele me deixou sozinha, sem antes me lançar um olhar totalmente injusto de mágoa.

Deus, como eu odiava esse olhar.

***

Eu não fazia a mínima ideia para onde ir naquele momento. Eu só não queria me sentir tão pequena quanto estava me sentindo agora. Não nego que sempre fugi do que parecia incerto, fugi quando as coisas começaram a ficar ruins. É o que eu sei fazer de melhor: sou uma perfeita fugitiva.

Contudo, não consegui ir muito longe sem antes me bater com alguém no meio do caminho. Alguém que parecia tão solitário quanto eu.

Encontrei Maia equilibrada em um pneu que estava pendurado num tronco alto de uma árvore por uma corda. Ela parecia ainda mais nova assim, tirando o olhar perdido em seu rosto.

Sair caminhando ou forçar um papo?

Que tal começar com ‘oi Maia, obrigada por ter interrompido meu momento com Jeff ontem. Eu tive que cantar a Oração do São Francisco pelo menos 8 vezes até conseguir dormir depois da frustração’.

Eu daria alguns passos para longe e então ela nem notaria que eu estive ali.

–Ah, é você Alma. – Evacuar missão, evacuar missão.

–Hey Maia... – Sorri para ela timidamente.

–Ter um relógio biológico tão bom é uma droga. – Resmungou ela.

–O meu veio em falta, sinto muito.

Ela sorriu para mim. Seus olhos eram mais verdes que os de Jeff, ou talvez ele só estivessem mais verdes. Pareciam um tanto quanto brilhante demais, como se ela tivesse chorado...

–Está tudo bem? – Era uma pergunta quase automática, mas saiu como uma nota preocupada.

–Eu não sei. – Deu de ombros, como se isso não significasse algo extraordinário. – Mas eu gosto de culpar meu relógio biológico e os pesadelos por isso. Talvez uma noite de sono completa seria de uma ajuda em tanto.

–Oito horas de sono é como o paraíso de onde eu vim. – Ela riu do que disse.

Bem, eu deveria passar a parar de falar coisas estúpidas agora.

–De onde você veio?

–De um lugar que eu não gostaria voltar. – Dei de ombros, cruzando os braços contra o tronco. – É diferente daqui. Grotescamente diferente.

–Jeff me disse que você tem uma sobrinha que é amiga do Sam. – Sua tentativa de me afastar da sua figura não foi despistada. Eu não iria pressionar se ela não quisesse falar, e bem... Falar da minha sobrinha é um verdadeiro ponto fraco.

–Sim, minha pequena garota da máfia.

–Porque ela não veio com você? - Seus olhos verdes piscaram para mim, mas eles já não pareciam estar ali. Balançou o magro corpo no balanço improvisado e esperou até que eu a respondesse.

–O marido da minha irmã não é lá um sujeito muito simpático.

–Você já disse isso?

–O quê? – Deus, eu tinha perdido um pedaço da conversa?

–Já disse isso a sua irmã? – Sua voz soava meio morta. Isso me dava calafrios.

Vovó disse que é porque pessoas boas às vezes cruzam com pessoas ruins.

O quão ruim tinha sido a pessoa que cruzou o caminho dessa garota?

–Sim, uma centena de vezes. Agatha tem uma personalidade forte também, não posso culpá-la.

–Você devia falar com ela novamente. – E então seus olhos vagaram de mórbidos a uma urgência enlouquecedora. – Você me ouviu? Fale com a sua irmã.

–Bem, eles já estão há alguns anos casados e... Ele não é tão ruim assim.

–Fale com ela. Pelos céus, diga a ela o que você acha dele. – Eu sabia que em algum momento Maia tinha deixado a normalidade, ela agora estava a minha frente, chacoalhando-me pelos ombros. Eu pude ver isso em seus olhos transbordantes. – Ela merece saber!

–May, o que está acontecendo? – Meu Santo, agora que as coisas pioraram de vez. Jazia a minha frente a prima pirada do Jeff. Suas mãos apertaram os ombros da garota mais nova, quase como um reconforto. Bem, certamente ele não foi para mim, já que seus olhos fuzilaram-me como se eu tivesse deixado-a assim.

–Alma tem uma irmã que está com alguém...

–Ele não é tão ruim assim – Tratei de esclarecer, antes que eu saísse daquela casa transportada pelo IML. – Ele ama minha irmã e minha sobrinha, eu sei disso.

–Você ouviu isso, May? Está tudo bem.

–Ele também me amava! – Pronto. Foi aberta a torneira lacrimal. Maia estava com o rosto coberto de lágrimas antes que eu desse um passo em sua direção.

Foi a primeira vez que Bárbara me lançou um olhar diferente de acusação, era quase como se estivesse a procura de um apoio.

–É um dia ruim. – a prima pirada, talvez não tão pirada assim, do Jeff justificou.

Nós levamos Maia de volta para a casa, escoltada por Bárbara e eu, que mais cambaleava que andava. Quando batemos a porta da frente, minha sogra apareceu ao nosso encontro, ainda segurando a garotinha em seus braços.

–Oh Deus... – Então Bárbara pegou Joana de seu colo, parecendo prestes a derrubar a garota, para que Marta fosse acudir sua filha.

Eu não sei como Jeff brotou das profundezas do inferno, mas no minuto seguinte ele estava lá, aconchegando Maia em seus braços, como tinha feito comigo na noite anterior. Ele não bateu a cabeça dela no para peito da porta, eu quase podia sentir o quão machucado ele parecia por ela estar machucada. Procurei na mente alguma vez que algo parecido tinha acontecido comigo, que alguém tivesse me olhado daquele jeito como se quisesse tirar toda a dor de mim e não consegui recordar nenhum momento.

Quando Jeff a depositou no sofá da sala, de frente a ele, eu reduzi mais alguns anos na idade de Maia, ela poderia muito bem ser confundida com uma menina de 15 anos assim, tão frágil.

–Você tem que avisar a Alma que a irmã dela pode se machucar, Jerry. – Um soluço. – Avise a ela!

–Está tudo bem, pequena. – Seus longos dedos cobriram praticamente todo o rosto da irmã, livrando qualquer vestígio de choro de lá. – Eu estou aqui, não estou? Tudo isso vai acabar logo.

Porque eu não conseguia tirar os olhos daquela cena? Meu queixo quase tocou o chão com aquilo tudo. Quando Marta se aproximou de ambos os filhos, ela parecia a mais sólida dos três. Exatamente como a minha mãe, pensei, ambas poderiam muito bem serem confundidas com um bloco de concreto.

Eu queria saber o que deixava Maia tão apavorada. O inferno como eu queria. Eu não tinha lá um leque de opções, mas um me pareceu mais acessível no momento. Marco, o loiro estava em pé num canto da sala, observando tudo a distância, ainda bebericando do que deveria ser sua segunda xícara de café. Seus olhos encontraram os meus, eles não pareciam divertidos.

Então ele caminhou para fora da casa novamente e eu jurei ter visto uma piscadela. Que eu não esteja imaginando coisas Papai Noel, por favor. Sabia que ninguém sentiria minha falta, mas mesmo assim segui-o nas pontas dos pés.

Chegamos à varanda novamente, perto das rosas que eu tinha acabado de pisar, Marco as observava absorto.

–Imagino que o Jeff tenha te contado toda a história.

–Não muito, na verdade. – Eu nunca iria dizer que ele não tinha me contado nem seu nome do meio, ok? Marco deveria pensar que Jeff confiava em mim ao menos um pouco, ao menos para ser merecedora da verdade.

–Está chegando próximo ao dia.

Montei um calendário imaginário. Bem, estávamos no meio do ano... Sempre tem dia de Santo no meio do ano, não é? E também daqui a pouco era o Natal, ah o Natal...

–É por isso que ela está tão nervosa?

Ele virou em minha direção abruptamente, eu quase escorreguei quando seus olhos azuis me estudaram.

–Você não ficaria? Ficar cara a cara novamente com o filho da puta que quase te estuprou?

Algo semelhante a um choro ficou preso em minha garganta. Maia tinha sido uma quase vítima de estupro. A pequena, inocente e frágil Maia. Irmã de... Jeff. Jeff!

–Você não sabia.

–Não é uma pergunta.

–Você não contradisse. – Dei de ombros. Marco soltou um suspiro cansado, bebericando de seu café mais uma vez, antes de sentar e estirar-se em um dos bancos do gramado. – Sente-se, Alma, você parece prestes a desabar no chão a qualquer momento.

Sentei-me ao seu lado, feliz por ele ter se solidarizado.

–Eu nunca soube da história toda, Babi me contou aos pedaços como uma colcha de retalhos. Tudo começou de repente, Maia parecia a mesma garota até que esse cara apareceu. Bem, não é o melhor dos termos, mas Babi definiu-o para mim como ‘sanguessuga de garotinhas inocentes’, adotaram tal mudança como normal da fase. Ninguém achou necessário contar a Jeremy e tudo ficou assim por alguns meses.

–Até que...? – Eu estava ansiosa, roendo a unha do meu dedão quando Marco bebeu mais um longo gole do seu café, seus olhos azuis presos na paisagem da varanda.

–Bárbara estava na cidade, ela tem alguns casos por lá, tia Marta estava com tia Lucy em um desses encontros de igreja, meu pai estava em um bar, como sempre e Maia estava em casa sozinha. Ela e o namorado tiveram um desentendimento no dia anterior, ele estava convicto que ela tinha outra pessoa, que estava o traindo. Ele era realmente doente. Esperou que todos estivessem fora para se aproximar.

Ele parou. Marco parou no maldito meio da história. Parecia submerso em seus pensamentos que eu tive que lhe acotovelar para lembrar que eu ainda estava ali, esperando o final.

–O que aconteceu? Como ela conseguiu...

–O pai dela chegou antes que ele conseguisse.

–O quê? O pai de Jeff?

–Sim, ele mesmo.

–Mas...

–Ele nunca foi citado antes? – Marco ergueu uma das sobrancelhas, era engraçado de ver, eu teria rido se fosse outras circunstâncias. – Ele trabalhava no campo boa parte do tempo, raramente estava em casa. Era um bom homem, o tio.

–E o que aconteceu?

–Você não fica satisfeito somente com a justiça quando um desses caras aparece na vida da sua filha e tenta violentá-la. Acho que ninguém sabe a real reação que terá até que aconteça. Eu nunca vi ódio nos olhos do meu tio, mas eu posso jurar que ele estava lá quando tudo aconteceu. Meu tio nunca teria tentado matar alguém, é importante deixar isso claro, ele sempre foi um dos melhores homens que eu já conheci.

A partir de algum momento eu pude sentir as lágrimas turvando minha visão.

–Ele teria matado Maia também se ela não tivesse fugido para procurar ajuda.

Imaginei se algo parecido tivesse ocorrido a minha irmã mais nova, algo que ocasionasse ainda na morte de um ente querido. Eu poderia ver o ódio, a culpa e a verdadeira abertura da caixa de Pandora que deveria ser aqueles olhos verdes acastanhados quando ele soube do ocorrido.

–E meu pai decidiu bater as botas no melhor momento: próximo ao julgamento.

–Quando tudo isso aconteceu?

–Há 1 ano e meio.

–E só vai ser julgado agora? – Minha voz aumentou uma oitava.

–Não pense que esse assassino não tem bons advogados. Ele tem. Uma família um tanto quanto rica também. – Marco virou o rosto na minha direção, seus olhos passando-me um reconforto mínimo. – Não consigo pensar porque o próprio Jeremy não te contou isso.

Eu sabia a resposta, mas apenas acenei em sua direção, tonta demais pelas notícias recentes.

Eu conhecia o significado de ser quebrada por dentro, por alguém que você achava que poderia confiar. Chegar ao fundo do poço e esquecer que lá é o melhor lugar para tomar impulso. Pedindo licença para Marco, deixando-o sozinho com seus próprios pensamentos e xícara de café, passei pela sala sem ser notada, estava no meio das escadas quando notei duas perninhas balançando do topo.

Sam estava sentado no primeiro degrau da escada. Cheguei ao seu lado e seus olhos vagaram até mim.

–Eu gostaria que coisas ruins não acontecem com pessoas boas, tia Al.

Sentei-me ao seu lado em silêncio, sabendo que daqui poderia ter um vago deslumbre do sofá onde Maia cochilava no colo materno.

–Eu também, Sam.

Pequena, tão pequena quanto Sam ou talvez menor ainda. Era assim que eu me sentia.

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O NYAH NÃO ME DEIXA FALAR TUDO NAS NOTAS FINAIS, ENTÃO VAI AQUI MESMO.

Começar minhas notas finais com 'sinto muito' já está se tornando clichê, não é?
E dizer que eu vou responder todos os comentários do capítulo anterior também?
Eu consegui responder a maioria *dança*
O que vocês acham da Maia agora? Alguém se arrependeu de ter rogado praga nela no penúltimo capítulo?
E o Brian? A metade que o torna legal é um tanto quanto ♥, não é?

Obrigada pela paciência, obrigada pelo carinho e por não desistirem de Obrigado e Volte Sempre. Desculpem pela demora, eu sei que é chato.

P.s.: para quem pediu uma imagem de como eu imaginava a Maia. Eu a imagino como a Nina Dobrev só que com olhos verdes.

(http://2.bp.blogspot.com/-dHNqq3ZOvSg/Ud3pCfQQoXI/AAAAAAAAAMo/eK7wDjgG4Ac/s1600/Nina-Dobrev.jpg)


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Notas finais do capítulo

Beijo e queijo.
Câmbio desligo.