Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 2
Como fazer café na máquina de café.




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–Eu me chamo Jeremy. – Lancei-lhe um olhar seco. Eu não me importava com esse detalhe nem um pouquinho. – Eu posso te chamar de Tia Al?

As crianças brincavam de um jogo de cartas do outro lado da mesa. Soltei um muxoxo descontente.

–Alma. Meu nome é Alma.

Ele levou mais uma colherada da banana split até a boca antes de me responder.

–Eu ganhei! – Minha sobrinha bateu as cartas na mesa. Eu pulei de susto. – Ganhei. Ganhei. E ganhei.

–Não ganhou nada. – Sam bateu as mãozinhas também na mesa.

–Lógico que ganhei. – Ela juntou as mãos e o olhou desafiadoramente,

Eu reprimi um riso, parecia a cara do Brendon, o pai dela.

–Tá, você ganhou... Mas não foi honesto. – Repreendeu. – E eu não quero mais jogar se não for honesto.

Eu enchi mais uma colherada antes de saboreá-la. Apontei com a colher para o garoto.

–Você terá grandes concorrentes para ser sua nora.

Ele sorriu, todo orgulhoso. Olha só, um calcanhar de Aquiles no Grandão.

–Sua sobrinha está entre as minhas favoritas. Tome cuidado com ela.

Eu sorri também. Concordando com a cabeça.

–Um dia ruim? – Ele me mirou meio hesitante.

–Um dia muito ruim.

–Ah, qual é... – Jeremy me olhou todo brincalhão. – O que teve de tão ruim? O pneu do carro furou?

–Não, a Mary é a única que não me deixa na mão.

–Mary? – Franziu o cenho.

–A Ferrari que eu tenho como carro. – Dei de ombros.

Ele riu.

–Para acabar com a felicidade de uma mulher tão rápido só pode ser homem. – Palpitou.

Porque ele tinha que estar infinitamente certo?

–Nada que sorvete não melhore. – E lá se foi mais uma colherada.

–Vocês, mulheres, são difíceis de entender. Se estão tristes, comem sorvete, se engordam por causa do sorvete e ficam tristes, comem mais sorvete. Isso não faz sentido.

–Claro que não faz sentido para você. Homens não entendem.

–Eles não entendem. – Interferiu-se Mel. – E é por isso que vocês compram sorvete.

Jeremy ergueu as mãos, em sinal de rendimento.

–E o Brian é um chato, já tava na hora de tia Al saber disso. – Resmungou a garota.

Eu fiquei muda, sem saber o que dizer. Mel, no final das contas, sempre esteve certa sobre meu namorado. Ex. Meu ex-namorado.

–Um brinde ao meu novo status no facebook. – Eu ergui meu potinho de sorvete na direção das crianças.

–E ao sorvete! – Acrescentou Mel.

***

–Não é tão difícil, está vendo? – Sua voz estava controlada e esse tom de voz é mais perigoso que se estivesse apenas berrando. – É só apertar, esperar e depois retirar a xícara. Qualquer um pode fazer isso.

Ele falava comigo como se tratasse de uma criancinha e não uma pessoa que trabalhava naquele café a quase 3 anos. Sr. Lewis simplesmente surtou quando viu algumas gotas na máquina de café. Meu chefe odiava desperdícios.

–Eu posso fazer isso. – Repeti para nós dois.

–Claro que pode. Ou não estaria aqui. – Ele deu uma risadinha com humor negro.

Eu soltei uma risada forçada, na minha cabeça se passava a cena da sua cabeça decapitada.

Eu trabalhava no Café do Lewis desde que tinha trancado a faculdade de enfermagem, não era o melhor trabalho do mundo, mas eu gostava de algumas coisas.

Gostava do fato que a cada rangida de porta entrava uma pessoa diferente com uma história totalmente diferente para contar. Tinha aqueles clientes fiéis, lógico. Gibson e Mef, o casal de idosos mais simpáticos que eu conhecia. Lorraine, uma garota de cabelos roxos, que todas as tardes entrava no café com seu cachorrinho piquinês na bolsinha canina e pedia sempre o café descafeinado.

E tinha a Ellie, minha única amiga nessa cidade tirando minha irmã. A loira de quadris largos e avental curto que atendia as mesas com um rebolado engraçado.

–Eu acho que isso é mal de corno. – A própria estava debruçada no balcão, conversando comigo numa manhã de terça-feira.

–Eu tenho certeza. – Resmunguei. – O chefinho deve ter sido corno na noite de núpcias por uma lésbica.

Ela gargalhou estrondosamente. Por sorte, Sr. Lewis havia saído para resolver um problema com os fornecedores.

–Shhh Ellie! – Eu levei o dedo indicador aos lábios. – Se controla, mulher.

–A culpa é sua. – Murmurou mais baixo. – Desde que terminou com aquele nerd do seu namorado, anda assim.

–Assim como? – ergui os olhos em sua direção.

–Assim... Escondendo a tristeza nesses comentários irônicos. – Deu de ombros. – Acho que finalmente chegou a hora de você aceitar meu convite.

–Para uma de suas festas? Nem pensar, não quero entrar em um coma alcoólico.

Ela balançou a cabeça, ofendida. Ia falar alguma coisa, mas aquele barulhinho irreconhecível soou pelo cômodo.

Nós duas olhamos para a entrada. Eu quase caí da cadeira e Ellie abriu seu sorriso ‘alvo principal na mira’.

–Vou atender o deus grego e já volto. – E lá se foi minha amiga com seu rebolado.

Eu até pensaria em passar despercebida, mas os olhos verdes acastanhados me fitaram tão intensamente que eu vacilei nas estribeiras. Ele sorriu abertamente em minha direção.

Isso foi antes de Ellie sorrir para ele e fazer a pergunta rotineira, “mesa para um?”.

Respirei fundo e voltei aos meus afazeres.

Enquanto eu limpava a máquina de café pela terceira vez seguida, pude notar no reflexo o meu rosto meio distorcido.

Minha noite mal dormida havia arrecadado olheiras que eram quase escondidas pelos óculos de grau. Eu estava péssima, até meu cachorro notava isso. Duas latas de leite condensado já haviam sido usadas e duas temporadas de FRIENDS assistidas.

–Ele disse que quer ser atendido por você. – Ouvi a loira bufar do outro lado do balcão.

–O quê? – perguntei, alarmada.

–Eu disse que você só ficava atrás do balcão, mas ele insistiu. Acabei de ser dispensada pela primeira vez. Velhinhos não contam, eles sempre preferem você porque têm medo que eu cause infarto em algum deles.

Revirou os olhos.

–Toma. – Me entregou o bloco de pedidos. – Acho que é sorte de recém-solteira, se é que isso existe.

–Não chame isso de sorte, Ellie. – Revirei os olhos e fui em direção ao homem que estava concentrado rabiscando um caderno velho. Olhando assim nem parecia que ele era o cão. – Já sabe o que vai querer?

Seu olhar se ergueu até mim. Ele estava distraído, a princípio, mas isso foi logo substituído pelo brincalhão de sempre.

–Vejam só que coincidência. – Estreitei o olhar em sua direção, algo me dizia que aquilo não tinha sido obra do acaso.

–Desculpe, mas estou em horário de trabalho. – Falei seca. – Já sabe o que vai pedir?

–Gostaria que você se sentasse. – E pareceu bastante sincero ao pedir isso.

Soltei um riso debochado.

–Não temos isso no cardápio, senhor.

–Adoro que me chamem de senhor, mas você não. Não soa apropriado.

–Quem sabe um capuccino... – Puxei o lápis de trás da orelha. – Um muffin para acompanhar?

Ele ergueu uma sobrancelha.

–E um pastel de forno. – Comecei a escrever no papel. – Três cookies para levar para o Sam. Já experimentou nosso chocolate quente? – Coloquei a mecha de cabelo que escapava atrás da orelha. – Vale a pena. – Sorri amigavelmente para ele. – E uma trufa de cereja para acabar. Mais alguma coisa, senhor?

–Você pode se sentar agora?

–Vai pagar por tudo? – Certifiquei-me.

Ele bufou.

–Maldita capitalistazinha. – Cruzou os braços e recostou as costas na cadeira. – Se eu disse quer sim, você vai sentar?

–Logo depois de servir o pedido. – Confirmei.

Ele suspirou.

–Uma conversa nunca me custou tão caro.

Girei nos calcanhares já um pouco distante.

–E eu quero uma boa gorjeta.


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Notas finais do capítulo

Hey!Vocês gostam que indiquem músicas para os capítulos?Como eu escrevo bastante ouvindo música, acho que as músicas acabam soando bem no desenvolver da história.Só pra saber.Beijo e queijo.