Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 16
O pane.


Notas iniciais do capítulo

Odeio quando vou escrever aqui, e o Nyah não me deixa escrever tudo. Então vou ter que escrever no pobre do capítulo.



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Vocês não irão crer no que me aconteceu.
Eu estava de pé pra cima no sofá da minha casa quando algo súbito me atingiu, logo após de uma leve conferida na fic, eu comecei a ter um caso seríssimo de vomitar arco-íris ♥.♥ tem culpa sim, é da Lady Ami, por fazer uma recomendação assim. Meu pobre coração deu uns pulos de alegria aqui :D
Obrigada Ami, esse capítulo (meio diferente) é dedicado a você.

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Cinquenta e dois, cinquenta e três, cinquenta e quatro...

–Hey... Você.

Cinquenta e cinco, cinquenta e seis...

–Seu serzinho estranho. – Seus longos cílios postiços bateram-se um contra o outro. Falso. Falso.

Cinquenta e sente, cinquenta e oito...

–Você sabe falar, garoto? Hein? FA-LAR. Você pode FA-LAR?

A acéfala amiga do papai me chacoalhava pelos ombros, obrigando-me a olhar através de seus cílios falsos. Falso. Falso. Seu IMC deveria ter uma média menor que 18,5, o que a tornaria uma provável candidata a anorexia. Seu cabelo vermelho vivo espalhando-se por todo lado. Falso. Falso.

Cinquenta e noive. Sessenta...

Papai, ele disse que chegaria em 1 minuto. Ele disse. Ele prometeu. Sessenta segundos já tinham se passado, nada dele retornar.

Eu poderia xingá-la e ela nem mesmo saberia que língua eu estaria falando. Eu não queria manter um diálogo com ela, a amiga acéfala do papai, ela sempre tinha me ignorado também. Estávamos num relacionamento saudável e medido por uma linha tênue de abstinência de palavras, até que decidiu abrir sua bocarra estúpida.

–Você é meio doente, não é, garoto? Eu sempre achei que...

–Que porra você está fazendo com meu filho, Marcela? – E então lá estava ele.

Papai estava colérico com a mulher de cabelo em chamas. Três passos e ele já estava entre nós dois, papai me apanhou de suas garras afiadas e me analisou, procurando algum vestígio fora do padrão em mim.

Ele não gostava dela também, seu cenho franzido deixava isso claro. Mas ela era sua amiga, não fazia sentido já que ele não gostava dela. Nada disso fazia sentido. Por isso eu gostava de números e era por isso que eu não gostava de muitos seres-humanos. Eles são confusos de compreender.

Suas mãos apertaram meus braços enquanto ele fuzilava a sua amiga acéfala.

–Eu já disse para você não tocar nele, nem sequer falar com ele. Sam não tem nada a ver com isso. Apenas deixe-o de fora.

Papai estava na minha frente, barrando a visão dos olhos de Medusa da sua amiga.

Sacudiu sua cabeleira ruiva e soltou um guinchado de descontentamento, semelhante a que um animal deveria fazer em seu leito de morte.

–Nós só estávamos tendo uma conversa amigável, não é, queridinho? – Sua voz me provocava uma ondulação desconfortável no tímpano.

–Não. – Respondi. – Não me apetece ter que manter um diálogo com a sua pessoa.

A vovó me disse que isso era um modo inadequado: dizer o que sente nem sempre é bom, principalmente quando não se gosta de alguém. Mas vovó também não iria gostar dessa mulher, então imaginei que ela aprovaria minha escolha de palavras.

–Não vim aqui para ouvir desaforo de um pirralho, Rischio. – Chamou-o com um sotaque acentuado do que parecia ser italiano, mas meu dicionário mental não traduziu a palavra a tempo antes que ela fosse esquecida.

–Nós estamos na nossa casa, Marcela. Acho que quem deve engolir sua maldita língua é você e não ele.

Gritos e mais gritos. Porque todo mundo gostava de gritar assim?

Eu não gostava de gritos. Eu não queria que papai gritasse com a amiga dele, mesmo que ela merecesse.

–Você pode ir para seu quarto, Sam?

Ele não precisou pedir duas vezes até que eu desse os exatos 23 passos até meu quarto e fechasse a porta com um baque. Não demorou mais que 10 segundos para que eles começassem a sinfonia de berros do lado de fora.

–Você está perdendo o foco. – Ela guinchava. – Estou vendo você se divertir, mas nenhum progresso.

–O que você quer que eu faça? Não dá para simplesmente confrontá-la, ela vai desconfiar, Marcela. Não estamos falando de uma garota burra.

–Ela já está totalmente caída por você, pelo amor de Deus! Nós não temos muito tempo, Rischio.

–Ela não é como você pensa, ok? Eu preciso de tempo, só me dê um maldito tempo e eu vou conseguir tudo que precisamos.

Eu queria que tia Al estivesse aqui, tinha certeza que ela conseguiria calar os gritos. O papai nunca erguia o tom de voz quando estava com ela. Deveria ser o tal ‘respeito na frente das mulheres’ que aflorava nele que vovó dizia que existia em algum lugar lá dentro de seu primogênito.

Mas tia Al não estava aqui, ela deveria estar no seu apartamento sozinha com seu cachorro vira-lata, ela estaria cozinhando panquecas ou uma das suas receitas suspeitas pela ANVISA.

Sentado, encolhido com os trilhos da minha miniatura de trem, que vovó tinha me dado no natal passado, ao meu redor, eu repassei todas as linhas de ônibus que passavam entre minha casa e a escola. Seus horários exatos e o tempo que eles demoravam parados em um ponto só.

Carmem, minha psicóloga, de IMC entre 30 e 35, explicaria ao papai aos sussurros que esse era um dos meus momentos de pane no sistema, o que classificaria como um termo impróprio, já que não sou um tipo de máquina. Ao menos eu acho.

Eu perdi as contas dos segundos, dos minutos e das horas. Raramente isso acontecia, mas dessa vez eu os perdi e só fui retomar consciência quando papai me chacoalhava em seus braços.

–Sam! Sam! – Ele tinha barrado o curso do trem em miniatura, seus olhos estavam cruelmente a procura dos meus. – Você está bem?

–Foi só uma pane. – Informei-o meu diagnóstico para que não se preocupasse mais.

Arrastou-se até o centro do círculo de trilhos de diâmetro quase 1 metro, até mim, e ficou ali, em silêncio enquanto o trem dava voltas e chiava falhamente sua música de natal.

–Ele já se foi? O pane? – Averiguou.

–Aparentemente sim.

–Desculpe por não estar aqui.

Balancei a cabeça e mais uma vez ficamos em silêncio.

– Eu sei que você não gosta dela, Marcela. Ela já se foi.

–Você também não gosta.

Sorriu, enquanto me observava pelo canto do olho, ele sempre fazia isso quando pensava que eu não estava prestando atenção.

–Não é uma das minhas pessoas favoritas. – Fiz uma lista mental de quem seriam minhas pessoas favoritas. Achei errado decidir um lugar, uma ordem de importância, entre vovó e papai, então os coloquei em primeiro lugar e tia Al em segundo, sozinha.

–Eu sou?

–Minha favorita de todo o universo, com buracos negros ou não. – Os cantos dos meus lábios curvaram-se para cima levemente.

–Hm, a tia Al é também?

–Pode-se dizer que sim.

–Ela gosta de você também.

–É mesmo? – Então essa coisa surgia nele toda vez que falava da tia Al, era uma emoção humana engraçada, que eu desconhecia, mas que pelos sintomas deveria ser o que a vovó chama de aquela-doença-que-ataca-o-sistema-nervoso.

Acho que os seres humanos normais chamavam isso de amor.

–Ela tem um corredor com fotografias colocadas nas paredes de quem ela gosta. Talvez ela também te coloque lá.

–Talvez eu não mereça muito um lugar em seu corredor.

–Por quê?

–Você lembra que quando você mudou de escola no início do ano, eu disse que seria só temporário? – Não gostava quando alguém respondia uma pergunta com outra pergunta.

–Sim, não gosto de mudanças.

–Eu sei, mas prometo que a próxima mudança será definitiva. Vamos para uma casa maior, você vai para uma escola melhor... Vai ser bom.

–A gente não vai ver mais a tia Al?

–Não. Muito provavelmente não.

–Então não sei se quero mudar mais.

–Vai ser bom, Sam.

–Nunca mais veremos a tia Al. Isso não me parece muito bom.

–Eu também sentirei falta dela, mas acho que ela vai ficar muito chateada comigo para me ver novamente.

–Qual dano você fará a tia Al, pai? – Procurei seu olhar. – Você não pode fazer nada de inescrupuloso com ela.

Esse era um dos maiores problemas dos humanos: eles tinham quase a necessidade de ferir uns aos outros. E quanto mais eles se gostassem, mais essa necessidade estranha surgia.

Seus olhos fixaram-se nos meus antes de dar uma olhadela em seu relógio de pulso.

–Já passou das 18. Estamos atrasados para o jantar.

Já era mais de 18 e nós ainda nem começamos a fazer o jantar.

Não fazia ideia que dia e que hora exata nossa quebra de rotina tinha começado, parecia errado, tão errado quanto uma linha de ônibus não seguir seu percurso.


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Notas finais do capítulo

Confuso? Curtinho? Ficaram com uma pulga na orelha?
Cuidem muito bem dessa pulga, ela ainda vai crescer e evoluir.
Nos vemos antes do Ano Novo então, ainda vou fazer meu discurso no próximo capítulo :)
Beijos e queijos!