Um Conto de Cheshire escrita por Karyuu


Capítulo 1
Um Conto de um Gato




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Olá viajante! Há quanto tempo não aparecia um humano por esses cantos do mundo... Qual seu nome? Chamam-me Gato de Cheshire, embora você provavelmente já tenha ouvido falar de mim como “Mestre Gato”. Você deve estar lembrado de um gato gordo e velho de um conto que se tornou famoso há alguns anos, certo? De fato, aquilo é uma ofensa a minha imagem, pois como podes ver, eu pareço-me mais com um humano a um gato velho. De gato mesmo, só tenho este par de orelhas e a cauda, embora minhas cores sejam as mesmas daquele Cheshire. Desculpe minha falta de cortesia ao perguntar seu nome antes de dizer o meu, mas já há tanto tempo que não recebemos visitantes aqui em Wonderland que acho que perdi meus bons modos, sabe? A última pessoa que veio aqui era uma garotinha inglesa, Alice, se não me engano, e na verdade, nem se demorou muito por estas bandas. E antes dela, já há muitíssimos anos atrás, outra menina da Inglaterra que veio parar por aqui e por sinal, deu-se muito bem em Wonderland.

 

            Curioso? Sabia que ficaria! Sabe, isso aconteceu deve fazer uns, bem, quarenta ou cinqüenta anos... Sinceramente, sou bem mais velho do que aparento. Naquela época, eu vivia saindo de Wonderland, e numa dessas vezes, uma garota flagrou-me entrando naquela toca escura que leva a este país. Ela não chegou a me ver por completo, apenas a cauda, e achando que eu fosse um gatinho perdido, ela veio atrás de mim.

 

            Como acontece com todos que nunca vieram a Wonderland, ela acabou, literalmente, caindo. Quando aquela menina chegou ao chão, notei que havia alguém me seguindo, mas pensei ser apenas uma das brincadeiras sem graça de March Hare, ao qual você deve conhecer como Lebre Maluca ou algo assim. “Eu deveria ensinar essa Lebre a parar de me incomodar”- Pensei, seguindo para a pequena porta falante do Quarto Bizarro, e logo que passei por ela, ouvi a porta anterior se abrir. Escondi-me rapidamente na floresta, mas perto o bastante da porta de saída do Quarto para poder assustar aquela Lebre maldita quando ela saísse. Minutos se passaram e a porta finalmente se abriu. Não esperei por mais, pulei em direção aquela abertura antes que meu perseguidor engraçadinho saísse por completo, e eis minha surpresa: não era March Hare coisa nenhuma, mas uma garota de cabelos negros e um vestido carmim e preto, com uma estampa de coração no peito.

 

            Era impossível dizer qual de nós estava mais surpreso. Eu nunca havia visto uma humana entrar em Wonderland, era a primeira vez que eu estava cara a cara com uma pessoa de outro país sem ser este, e ela, pelo visto, nunca havia visto ninguém da família dos Cheshire ou algum outro de Wonderland.

 

- O que você é? – Ela perguntou-me, com um sotaque que eu reconheci bem.

 

- Você é britânica? Da Inglaterra? Digo... – Parei por um momento, tentando reorganizar meus pensamentos antes que atropelasse ainda mais minhas perguntas – Sou o Gato de Cheshire, e desculpe pelo mau jeito, pensei que era outra pessoa.

 

- Tudo bem, não me importo. – Respondeu, sorrindo de maneira deveras simpática – Sou sim, como sabe?

 

- Visito o país de cima com freqüência, gosto de lá. Aqui é um pouco cansativo e...

 

- Cheshire! – Um grito conhecido irrompeu da planície ali perto, e o velho Dodô apareceu acenando – Meu velho, por onde andaste? Já há dias que não te vejo por essas bandas! E sua família, como está?

 

            Ah, sim. Esse era o velho Dodô, sempre perguntando sobre tudo ao mesmo tempo. Aquele pássaro velho, no mundo humano, era uma espécie extinta, mas neste país, ele era um dos habitantes mais velhos.

 

- Bom dia Dodô. Não tenho estado muito por aqui, mas se tivesse perguntado a meus familiares onde ando, teria me encontrado facilmente.

 

- Correto, mas os Cheshire andam difíceis de se encontrar ultimamente. – Comentou, acendendo o cachimbo ao qual carregava – E esta moça, é parenta sua Ches?

 

- Não, ela é inglesa, veio pra cá há pouco.

 

- É um prazer conhecê-lo, Dodô. – A menina o cumprimentou.

 

- Oh, mas o prazer é meu, moça! Que vieste fazer por este país?

 

- Na verdade, pensei ter visto um gato perdido entrar por aqui e acabei caindo num buraco. Como faço para voltar?

 

- Hum... Gato é? – O velho Dodô olhou-me de canto, antes de continuar – Querida, só nossa velha rainha sabe como voltar, mas ela anda doente e não sabemos até quando vai durar. Pobre velha... – Suspirou, logo dando uma tragada no cachimbo – Mas bem, quem sabe tens sorte? Cheshire sabe o caminho até lá. Pode levá-la não é Ches?

 

- O que?! Mas eu... – Comecei, mas fui interrompido.

 

- Então está combinado! – Gritou, empurrando tanto a mim quanto à garota em direção à floresta – Vão, vão! Não percam tempo! Mande um abraço à família quando chegar lá, Cheshire! Até mais!

 

            E lá se foi o Dodô, sem nem ao menos dar tempo para uma última palavra que não fosse a dele. Agora, eu tinha que levar aquela garota até a rainha, daí você pensa: “espera aí, mas o gato não podia se tele portar ou algo assim?”, fato, eu PODIA, mas já fazia duas semanas que eu estava de castigo e meus pais não deixavam.

 

            Entenda que, caminhar até lá não é um problema por causa da distância, mas por causa dos malucos que se pode encontrar no caminho, e como em Wonderland todos são loucos, é difícil encontrar alguém com o mínimo de sanidade. E sabe, se você não os encontra, eles te encontram mais cedo ou mais tarde, infelizmente para nós, eles nos encontraram mais cedo do que eu esperava. Lá estavam Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, os dois gêmeos malucos que gostavam de cantar histórias. Cantar mesmo, não é um trocadilho.

 

- Gato! Gato! – Eles gritaram em uníssono, acenando alegremente enquanto andavam em nossa direção, eu discretamente virei, mas fui chamado de novo – Que feio, Cheshire, pelo menos cumprimente! Você se lembra das regras de etiqueta, ou não? Vamos relembrá-lo antes que...

 

- Não, não! Eu lembro sim! – Interrompi, antes que eles começassem aquele sermão chato e demorado sobre bons modos – Bom dia, Tweedles! Como vão as coisas? Sabe, estou ocupado, por isso, não posso me demorar. Até mais.

 

- Ora, mas não podes ir sem ouvires uma história – Responderam, barrando o caminho – O pai Guilhermino!

 

- Já conheço, ainda está bem fresca na minha mente desde a sétima vez que me contaram.

 

- Oh... Mas a moça não conhece, não é?

 

            Aquilo sim era golpe baixo. “Pelo amor de minha mãe, diga que conhece!” – Eu pensava, desejando que, pelo menos por aquele momento, ela aprendesse a ler mentes e viesse ler a minha.

 

- Não conheço. Como é? – A garota respondeu, era o fim.

 

            Lá foram os Tweedles, recitando, cantando e coreografando seu conto. Para quem os via pela primeira vez e nunca havia estado em Wonderland, aquilo era fantástico, mas para alguém que já tivesse ouvido aquilo tudo bilhões de vezes, era chato até dizer chega. Imagine você, sentado em um lugar desconfortável como uma pedra ou o tronco de uma árvore, ouvindo a mesma baboseira durante mais ou menos vinte minutos, algo que você já ouviu tantas e tantas vezes que poderia recitar sozinho sem esquecer uma única e simples palavra. Já imaginou como é?

 

            Foram uns quinze minutos de história, e no que eles terminaram, eu puxei a garota pela mão antes que eles viessem com outro conto que ela se interessasse. Saímos de lá com eles recitando outra história à qual eu não lembro o nome, mas sinceramente, não importa também!

 

- Foi fantástico, não achou? – Ela perguntou, caminhando a passos rápidos para acompanhar-me.

 

- Demais! Principalmente quando eles terminaram! – Respondi mal-humorado.

 

- Nossa! O que eu fiz pra você ser tão grosso comigo?

 

- Escuta, eu só quero que...

 

- NOSSA! É TARDE! – Uma voz surgiu da esquerda, e lá estava ele, o garoto de cabelos esbranquiçados e orelhas de coelho, sempre atrasado – Cheshire! Por favor! Ajude!

 

- Eu devo ter um imã pra problemas em algum lugar, só pode! O que é Coelho?

 

- Pode me levar até a Rainha? Eu estou atrasado pra...

 

- Se quer uma carona no tele transporte, pode esquecer, fui proibido de fazer isso... – Interrompi, sabendo que ele demoraria a chegar ao ponto.

 

- Oh... É uma pena... De todo modo, obrigado! – Disse, e logo saiu correndo.

 

- ESPERA! Coelho, essa garota também... E ele já foi... – Suspirei, quase rindo da minha própria falta de sorte – Onde estávamos?

 

- Reclamando da sua falta de cortesia – A garota respondeu, cruzando os braços.

 

- Ah, sim. Olha, desculpa, eu ando meio estourado e acabei descontado em você. – Falei sem jeito, pondo as mãos nos bolsos da calça – Desculpa mesmo, viu?

 

- Tudo bem, está desculpado. – Ela sorriu, satisfeita.

 

            Depois de sorrir de volta pra ela, nós retomamos a caminhada. O caminho era longo, e se viéssemos a encontrar mais loucos por aquelas terras, demoraria ainda mais para chegarmos ao Castelo da Rainha. Lá se foi uma hora de caminhada, e o olhar daquela garota se mantinha atento a mim, por algum motivo. Já bastante intrigado com aquele olhar observador, resolvi perguntar o que estava havendo para ela me olhar daquele jeito, e a resposta foi, no mínimo, inesperada:

 

- Por que só você usa essas roupas esquisitas aqui? – Indagou ela, olhando-me de cima a baixo como se fosse uma estilista querendo saber de quem era aquele trabalho.

 

- Como? – A olhei incrédulo. Verdade, eu era o único em Wonderland, fora alguns de meus familiares que não usava roupas clássicas como as dos britânicos. Geralmente, como era o caso naquele dia, eu usava uma camiseta manga longa listrada rosa e roxa, uma bermuda jeans surrada também com algumas listras e um par de tênis das cores já citadas antes – Eu gosto oras! Qual o problema?

 

- Nenhum, só acho que deveria usar roupas mais apropriadas a um cavalheiro.

 

- Ache o que quiser, eu gosto de me vestir assim.

 

- Pois bem, senhor! – Ela respondeu, com um ar de superioridade visível – Tenho mais uma questão.

 

- Pois então diga. – Falei já irritado com aquele papinho sem fundamento.

 

- Essas orelhas e essa sua cauda, são de verdade mesmo? – A curiosidade dela era impossível de não ser notada quando perguntou, e isso me fez rir alto.

 

- Claro que são! – Sorri, vendo a surpresa e curiosidade aparecerem no olhar dela.

 

- Incrível! Digo... Nunca vi nada igual! Então o último rapaz que apareceu antes, as orelhas de coelho também eram de verdade?

 

- O Coelho Branco? Sim, eram. E na minha família, todos tem orelhas e cauda de gato também. Eles iam gostar de te conhecer. Sabe, quem sabe não passamos por lá depois?

 

- Oh! Seria incrível! Está falando sério?!

 

- Claro que sim! – Afirmei, vendo o sorriso dela se alargar – Você deve estar com fome não é?

 

- Um pouco. Tem algum lugar onde podemos parar pra comer algo?

 

- Por perto tem... Deixe-me ver... – Olhei para os lados, tentando me situar, e para meu crescente infortúnio, o único lugar ali perto era onde eu menos queria ir – A casa do Mad Hatter e de March Hare...

 

- Pois vamos lá, então! – Ela sorriu, puxando-me pela mão – Quero conhecer seus amigos. Se eles forem simpáticos como os dois gêmeos, aposto como vou adorá-los!

 

- Amigos... – Suspirei, andando até a casa do Mad Hatter onde era provável que viesse a ter um chá de “desaniversário”.

 

            Você deve lembrar-se de Mad Hatter como Chapeleiro Louco. Sabe, ele era uma das maiores e mais loucas figuras de Wonderland. Para ele, sempre são seis horas da tarde, a hora de tomar chá. Quanto ao assunto do desaniversário, diz ele que ter um aniversário por ano é pouco, portanto, todos os outros dias do ano, com exceção do dia de seu aniversário, é quando se comemora o desaniversário.

 

            Logo a alguns metros da casa do velho Chapeleiro, podia-se ouvir a voz dele e de March Hare cantando a canção de desaniversário. Suspirei sonoramente, passando pelo pequeno portão que dava entrada ao Jardim da Festa do Chá, mais conhecido como Tea Party Garden. A grande mesa do chá se encontrava abarrotada de chaleiras fumegando, bules cheios de chá, xícaras e açucareiros, além de pães, biscoitos e coisas do gênero. Em volta da mesa, cadeiras de todos os tamanhos e formatos se encontravam vazias, todas com exceção daquelas onde Mad Hatter e March Hare se encontravam cantarolando.

 

- Com licença. Mad Hatter! March! – Chamei, e eles se viraram de imediato.

 

- Cheshire! Nunca mais apareceu por esses cantos, velho! – O Chapeleiro riu, cumprimentando-nos com um aceno enquanto se aproximava – E esta moça? A que devo esta visita?

 

- Apenas queremos um pouco de chá, Hatter. Podemos nos sentar?

 

- Oh, mas claro! Que modos os meus, vamos, vamos, sentem! – Disse, empurrando tanto a mim quanto a moça britânica para sentar – March! Venha, venha! Sirva-os de chá!

 

- Gosta de chá moça? – March Hare perguntou à garota, já com o bule em mãos. Assim como eu e o Coelho Branco, a Lebre também era um rapaz com orelhas de animal, neste caso, de uma lebre.

 

- Oh! Mas claro! Adoro chá! – Sorriu, pegando uma xícara que a Lebre lhe alcançou.

 

- Veja Hatter, uma britânica! – March gritou, chamando o amigo.

 

- Mas veja, não é todo dia que recebemos uma inglesa em nosso chá de desaniversário!

 

- Chá de desaniversário, senhor? – Ela questionou, intrigada.

 

- Mas claro! – Responderam os dois loucos, e lá iam eles explicar o que, de fato, era seu “chá de desaniversário”.

 

- Então hoje é meu desaniversário também! – A jovem inglesa sorriu, sendo cumprimentada pela dupla de anfitriões que lhe parabenizavam e começavam a cantar e fazer uma bagunça daquelas.

 

             Depois de toda a algazarra, música e comemoração que se seguiu, a palavra “gato” fez com que Dormidongo, o pequeno camundongo que dormia dentro de um bule de chá acordasse e entrasse em desespero, e assim a bagunça se formou por completo. No fim das contas, perdi-me da garota britânica e passei a vagar pela floresta na tentativa de encontrá-la. Depois de andar muito, notei uma confusão enorme na casa do coelho, e no que cheguei lá, me parece que a garota inglesa havia comido um biscoito que fazia diminuir ou algo assim, e na tentativa de ajudá-la, o Coelho acabou perdendo-a de vista perto do jardim das flores. Já sabendo meu caminho, por precaução, levei um dos biscoitos comigo e fui até o lugar indicado o mais rápido possível.

 

            Não encontrando nenhum sinal da menina olhando tudo de cima, comi o biscoito, e meu tamanho diminuiu, fazendo com que eu não ficasse com mais de dez centímetros. “Agora vem a parte difícil do trabalho” – Pensei, respirando fundo e me embrenhando naquelas folhagens que, dali de baixo, mais pareciam uma floresta. Foi uma longa caminhada, mas logo encontrei a garota cantando com as flores e resolvi parar para observar, porém fui empurrado para o meio da roda e passei a cantar junto à todos aquela música alegre. Aquele era um dos únicos lugares de Wonderland que eu ainda conseguia apreciar. Para quem soubesse lidar com elas, as flores eram deveras simpáticas e acolhedoras, era só usar as palavras certas ao conversar com elas.

 

            Cantamos todos até cansar, e então eu e a britânica saímos dali, rindo, cantarolando e despedindo-nos daquelas flores cantoras. Estávamos tendo uma conversa animada até que nos demos conta que continuávamos pequeninos, e que chegar até o castelo com aquele tamanho seria mais complicado ainda. Para nossa salvação, uma voz rouca que recitava as vogais como se fosse algum tipo de música surgiu de uma região um pouco mais à frente. Corremos até lá e encontramos a Lagarta, sentado em seu cogumelo, como sempre.

 

- Oi, Lagarta, poderia nos ajudar?

 

- Quem és tu? – Perguntou, assoprando em nossa direção a fumaça da droga que tragava.

 

- Cheshire, você conhece minha família. Eu queria uma ajuda.

 

- Recita... – Disse, sem ligar muito para o que eu estava falando.

 

- Não venha com isso de novo! Preste atenção no que estou dizendo! – Gritei.

 

- Tu? Quem és tu? – Tornou a perguntar, defumando-nos com aquela fumaça.

 

- O Gato de Cheshire, lembra? – Respondi com uma irritação evidente - Como fazemos para crescer?

 

- Crescer? Por quê?

 

- Pois este não é nosso tamanho normal, oras!

 

- Basta comer um pedaço do cogumelo. Um lado te fará crescer e o outro, diminuir. – Respondeu a Lagarta, indo embora lentamente.

 

            Na base do chute, escolhemos um dos lados do cogumelo e provamos um pedaço mínimo, voltando ao tamanho normal em poucos centésimos. Continuamos nosso caminho finalmente, mas acabamos por nos perder.

 

- Você não disse que sabia chegar ao castelo? – A garota perguntou-me, olhando para os lados.

 

- Eu não contava com aquele desvio de caminho, valeu? Não vem descontar em mim!

 

            Naquela área da floresta era muito escuro e acabava sendo fácil de se perder. Eu sabia, no entanto, que era possível chegar ao castelo por ali, pois uma das árvores se abria e lá havia uma passagem secreta para o castelo. Coisa de louco sabe?

 

            Caminhávamos com cuidado, e para não nos perdermos, estávamos de mãos dadas. E depois de um tempo, quando fui olhar para o lado e perguntar a garota se estava tudo bem, desatei a rir. O motivo disso não era nada mais nada menos que o fato de uma criaturinha bizarra de Wonderland, cujo formato simulava um par de óculos e um nariz pontudo estava na frente do rosto dela, e aquilo a deixava deveras engraçada.

 

- O que foi?! – Ela perguntou-me emburrada, notando que eu estava rindo dela.

 

- Isso. – Falei entre os intervalos da risada, esticando um dos dedos em frente ao rosto dela, e a pequena criatura andou até ele – Por isso eu estava rindo.

 

- Oh! O que é isso? – Indagou, cutucando suavemente aquela coisinha esquisita.

 

- Um dos “animais” mais comuns daqui. Divertido não?

 

- Ele é engraçado - Riu baixinho, vendo a criatura correr e se esconder numa árvore – Que outros bichos vivem neste lugar?

 

- Ah, vários! Os mais estranhos que você pode imaginar! Provavelmente vamos encontrar outros deles enquanto estivermos por aqui.

 

- Fantástico! – Ela exclamou, com uma felicidade que chegava a ser contagiante

 

            Foi só falar que as criaturas de Wonderland começaram a aparecer aos montes, um mais estranho que o outro. Era uma variedade realmente imensa, que ia de pássaros cuja cara era um espelho a leões cuja cabeça e ponta da cauda funcionavam como uma vassoura. A garota inglesa estava maravilhada com tudo aquilo, e por causa disso, eu tinha de cuidar para não perdê-la de novo, mas no fim das contas, acabei por diminuir o ritmo e deixá-la curtir o lugar, afinal, sabe-se lá quando ela poderia voltar a Wonderland.

 

- Primo Ches! Primo Ches! – Duas vozes infantis soaram do topo de uma árvore, e lá estavam dois dos integrantes da família dos Cheshire. Estes usavam uma roupa azul e roxa, iguais as cores de suas orelhas e cauda.

 

- O que fazem aqui, seus pestes? – Perguntei, mas não estava irritado com eles, e sim achando graça daquela duplinha hiperativa.

 

- Procurando você, a gente soube que você estava andando com uma moça por aí. É verdade primo Ches? – Os dois pequenos desceram da árvore. A curiosidade era uma das maiores características de minha família.

 

- Ah! Que gracinhas! – A garota inglesa gritou, aproximando-se de um dos dois pequenos e acariciando-lhe as orelhas – Que lindos! São seus parentes, Cheshire?

 

- São meus primos mais novos, Jul e Aira. – Respondi, indicando qual era qual.

 

- Boa tarde, senhorita! – Os dois gatinhos pronunciaram ao mesmo tempo, sorrindo – Soubemos que estão procurando o castelo da rainha, verdade?

 

- Sim, podem nos dizer onde fica? – A garota os perguntou.

 

- Aqui! – Gritaram, subindo novamente na árvore e logo empurraram um dos galhos, fazendo com que uma abertura aparecesse no tronco como se fosse uma porta, e dali, era possível ver a entrada para os jardins do castelo.

 

- Obrigado! – Ela respondeu, puxando-me para correr junto a ela pelo extenso labirinto no jardim enquanto acenava para os dois gatos.

 

- Até mais, moça! Até mais primo Ches! – Responderam juntos, e logo fecharam a “porta” na árvore.

 

            Foi uma longa caminhada por entre os arbustos altos que formavam a parede do labirinto natural, e após nos perdermos no mínimo umas oito vezes, chegamos à saída daquele lugar. A rainha estava sentada embaixo de uma árvore que ficava bem em frente ao castelo, observando-nos com curiosidade. Aquela senhora já era bem velha, mas nunca deixava de andar elegante, sempre trajando um de seus vestidos cheios de detalhes que representavam os naipes das cartas.

 

- A que devo a visita da família Cheshire hoje, meu jovem? – Perguntou com seu ar de soberania, embora nos olhasse com carinho.

 

- Esta moça quer retornar à Inglaterra, Rainha de Copas. Poderia ajudar-nos? – Perguntei após fazer uma reverência rápida.

 

- Oh, Cheshire... Receio ser tarde. Os portões de retorno estão fechados, me desculpe. – Ela respondeu com certo pesar na voz, e então dirigiu-se à garota – Menina, venha cá.

 

            Durante longos minutos, a Rainha ficou examinando a inglesa ali à sua frente, até sentar-se novamente embaixo da árvore.

 

- Responda-me menina – A soberana de Wonderland disse – Gostaria de ser a rainha deste lugar?

 

            Um longo momento de silêncio reinou naquele local. Era uma pergunta que mesmo eu achei que nunca ouviria a rainha dizer, era difícil imaginar a situação em que aquela garota inglesa que veio parar por aqui por um acaso se encontrava.

 

- Entenda, minha jovem... – A voz da rainha soou novamente, retirando-nos de nossos devaneios – Eu já não vou durar mais que alguns minutos, e de todos que já vieram até aqui nos últimos tempos, você é a única que pode ficar em meu lugar.

 

- Oh, majestade! Sinto-me lisonjeada! – Disse a britânica, fazendo uma reverência – Mas não sei nada sobre como ser uma rainha.

 

- Não há problema, apenas aja naturalmente e se dará bem neste país. – A rainha sorriu, olhando para o céu em seguida – Cheshire, mande lembranças à sua família e aos outros de Wonderland – Pediu, levantando-se de sua cadeira e andou a passos curtos até a entrada do labirinto – Chegou minha hora...

 

            A cena que se seguiu era única. Antes que eu ou a jovem garota disséssemos qualquer coisa, a rainha foi envolvida em uma luz belíssima, e desapareceu, como se nunca tivesse estado ali, deixando para trás simples partículas brilhantes. Não haviam palavras para descrever aquele momento, a rainha havia deixado Wonderland para não mais retornar.

 

            Um minuto de silêncio, e me virei em direção a garota com a qual havia passado as últimas horas na tentativa de mandá-la para a Inglaterra, curvei-me diante dela e então falei:

 

- Parece-me que, de hoje em diante, você é a nova Rainha de Copas.

 

            Sorrimos juntos, relembrando de todo o caminho até ali, e assim se dá o fim deste conto. Hoje ela ainda é a rainha de Wonderland, embora ela tenha se esquecido de mim. E esta foi a Rainha de Copas que a garota Alice conheceu.

 

            Bem, caro amigo visitante, eu gostaria de ficar mais e lhe oferecer um pouco de chá, mas não tenho tempo. Parece-me que há algo perturbando o norte de Wonderland, e caso você não tenha notado, eu já estou mais lá do que aqui...

 

La Fin


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Notas finais do capítulo

----------- Primeira fic que posto, e sabe-se lá se terão outras...
Espero que qualquer um que venha a ler goste!



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