Meu pai está trancado no quarto a exatos seis dias. Mamãe tem levado comida para ele, mas são raras as vezes que ele aceita comer. Ainda não fui lá. Estou devastada pela morte de Laura, mas há um certo empenho que cresce dentro de mim e não me permite deitar, chorar, me isolar. É a justiça – ou vingança, como preferir. Com um lençol grande, mamãe separou meu quarto em dois. A parte de Laura e a minha parte. Mas admito: eu durmo na cama dela. Com o travesseiro dela e uso a penteadeira dela. Talvez seja doentio, mas é a minha forma de luto. Não fiquei tão triste assim com a morte do vovô. Ninguém ficou. Porque todos sabíamos que a hora dele estava chegando. Laura, no entanto, partiu sem mais nem menos.

Eu a perdi para o mundo humano, exatamente como pensei que aconteceria.

Quando minha mãe entra no quarto, imediatamente vou para o outro lado do lençol. “Seu pai quer ver você”, ela diz, o rosto vermelho, enrugado pelas lágrimas. Não se dá ao trabalho de olhar diretamente para mim. Acho que ela não quer que eu a veja naquele estado. Desço as escadas. Da janela eu posso ver que já anoiteceu. Hoje, depois de ouvir horas de enrolação sobre auréolas negras, fui liberada mais cedo. Corro até a suíte dos meus pais que, estranhamente, fica no primeiro andar. Bato na porta e uma voz fraca grita que eu posso entrar. Giro a maçaneta com todo o cuidado – ela costuma fazer um barulho irritante – e abro a porta num estalo, prostrando-me de frente a ela.

Diferente de mamãe, meu pai não tem o rosto deformado pelas lágrimas. Ele está sério, pede que eu sente na beirada da cama, e eu o faço. “O que está acontecendo Harry?” O apelido de infância ameniza a tensão que vem carregada pela pergunta. “O senhor sabe.” Digo. “Não, Harry. O seu dom” Ele encosta o dedo indicador na minha cabeça “é ser escritora.” Assinto com a cabeça. Não posso mentir para ele. “Você está fazendo isso por Laura, não é?” Não preciso confirmar, é uma pergunta retórica. Ele me abraça e permite que eu saia.