Seus traços são pouco marcantes sem alguma maquiagem, ao contrário dos de sua irmã, que sempre lembraram os de um animal feroz. Mesmo quando crianças, Harriet já tinha os olhos mais selvagens, o sorriso mais irônico, lábios mais cheios e maçãs do rosto trincadas. Laura desejava isso, mas sempre carregou aqueles gentis e nada memoráveis olhos desbotados, sorriso simpático, lábios finos e rosto arredondado. Talvez seja por esse motivo que nunca tenham suspeitado de que, na verdade, era a filha quatro segundos mais nova quem tinha a mente mais turbulenta. Tenta encontrar o olhar de Henry pelo retrovisor do carro, mas não pode sustentar sua raiva e acaba voltando a atenção de volta para as ruas abarrotadas de New York. Aperta o volante com muita força e sente uma de suas feridas tornando a abrir debaixo do curativo.

“Harriet foi a única que contou a verdade, não espere que eu confie em Caroline quando diz aquelas coisas.” O garoto rosna. Laura olha para cima tentando conter suas lágrimas. Quando foi que seu mundo desabou assim, sem que ela visse? “Eu sei… Eu… Queria proteger você.” Murmura baixinho. Isso é doloroso para quem está acostumada a gritar. “Você não é mais forte que eu agora, Laura.” O ruivo fecha seus olhos, espremendo-os, tentando lembrar-se do momento em que Harry abriu suas asas e saltou do parapeito do prédio. Majestosa, foi o adjetivo que encontrou quando tentou definir a cena mais tarde no mesmo dia. E então, ele podia jurar que depois da declaração da garota houvera um beijo. Bem, ela negou. Mas ele ainda não estava certo disso. Foi… Foi tão real! A primeira coisa com algum significado para ele em meses. Mesmo que um significado pequeno. Talvez ínfimo. Mas era só do que Henry precisava para sentir-se instigado por Harriet.

Enquanto isso, Laura mantém os olhos bem abertos para não deixar bater a lata velha que dirige. Mas não está concentrada. Precisa pedir tantos favores a Caroline e ainda convencer Henry a jogar no seu time. Bem, ela ainda não contou tudo ao garoto e, mesmo quando for contar, não será tudo. Porque tudo ele não aceitaria. Tudo é cruel demais. E precisa descobrir onde Harriet está. Talvez Caroline saiba, mas não contaria. Aquela imbecil, pensa Laura, está protegendo minha irmã. Como se eu fosse realmente ser capaz de machucá-la. Para convencer Carol a entregar Henry precisou fazer tantos favores como Hércules em seus doze trabalhos. Foi exaustivo.

O ruivo agora só a acompanha porque ainda há uma fagulha. A fagulha, porém, trata-se da esperança de reencontrar Harry. Ele sabe, tem certeza, de que ela iria conseguir atear fogo em um coração morno. Talvez gélido.

As ruas começam a ficar desertas perto dos limites da cidade. Laura olha de canto de olho para a academia de dança que frequentava como Abigail. Quando todos a conheciam assim. Quando, na saída, o ruivo a esperava com um buquê de flores e vários beijos. Não era típico dele, em meio a suas várias gírias e piadas sujas, ser romântico, mas ele o fazia. E ela conseguiu acabar com tudo. Ela conseguiu ser humana o suficiente para acabar com tudo. Ridículo.

“Henry, com ou sem asas, eu ainda sou mais forte que você.” A garota diz, meio conturbada. Lembra-se vagamente de sua última viagem ao Céu. Ultrapassou a Linha de Caça escondida, como sempre. Jenn, sua melhor amiga e filha de Caroline, a ensinara a burlar as regras. Durante a noite, quando tudo está oculto no breu, a penumbra pode esconder qualquer um que a invoque. Mas depois, cobra um preço muito caro.

Balança sua cabeça. Precisa voltar a concentrar-se no presente, já que as lembranças fazem-na entrar num colapso.